sábado, 21 de agosto de 2021

A INCIDÊNCIA DO MANTO PROTETOR DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA SOBRE O POLICIAL MILITAR EM TERRAE BRASILIS

 


A INCIDÊNCIA DO MANTO PROTETOR DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA SOBRE O POLICIAL MILITAR EM TERRAE BRASILIS

THE IMPACT OF MANTLE SHIELD PERSON HUMAN DIGNITY ON THE MILITARY POLICE IN TERRAE BRASILIS

 

Resumo: A presente pesquisa pretende analisar o direito e garantia fundamental que é a dignidade da pessoa humana como uma proposta para promover o reconhecimento da atividade policial militar dentro do Estado Democrático de Direito, visando construir um diálogo entre os cidadãos e os agentes da lei, materializando o respeito em suas relações, de forma a facilitar o desempenho de o trabalho militar, que consiste na promoção das diretrizes constitucionais. No intuito de verificar uma resposta para esta matéria, formulou-se o seguinte problema de pesquisa: É possível que o véu da dignidade da pessoa humana passe a agir protetivamente sobre o policial militar, ocasionando o reconhecimento de seu trabalho? Visando responder ao problema proposto, o trabalho tem por objetivo discutir a atuação da polícia militar no que refere-se a materialização dos direitos e garantias constitucionais no solo nacional promovendo a transformação dos conflitos a partir de um resgate de valores e da promoção de uma vida digna aos habitantes brasileiros. O aprofundamento teórico do estudo baseou-se em pesquisas bibliográficas, consubstanciada na leitura de diversas obras e pesquisas legislativas, bem como a realização de um estudo de campo na área militar, apoiando-se em um método indutivo.

Palavras-chave: Dignidade da pessoa humana; O cidadão policial militar; A atividade policial militar; Necessidade de reconhecimento para a esfera militar.

 

Summary: This research analyzes the law and fundamental guarantee which is the dignity of the human person as a proposal to promote recognition of the military police activity within the rule of democratic rule, aimed at building a dialogue between citizens and law enforcement officials, materializing respect in their relations in order to enable it to perform military work, which is the promotion of constitutional guidelines. In order to find an answer to this matter, it was formulated the following research problem: It is possible that the veil of human dignity pass to act protectively over the military police, resulting in the recognition of their work? In order to answer to the proposed problem, the work aims to discuss the role of the military police in what refers to the realization of rights and constitutional guarantees on home soil promoting conflict transformation from a surrender values ​​and the promotion of a lifetime worthy to Brazilian residents. The theoretical deepening of the study was based on literature searches, based on the reading of several works and legislative research, as well as conducting a field study in the military, relying on an inductive method.

Keywords: Human dignity; The military police citizen; Military police activity; Need for recognition to the military sphere.

 

1.      DEFINIÇÕES INTRODUTÓRIAS

O que se pretende transmitir através deste estudo são as peculiaridades de uma das atividades mais honrosas e essenciais para a humanidade: a atividade policial militar e com isto destacar a necessidade por reconhecimento que estes seres humanos encontram no desempenho de seu trabalho, tanto por parte dos cidadãos quanto por parte do Estado, e o meio que se utilizou para demonstrar esta necessidade por certificação da essencialidade e da nobreza da função foi à dignidade da pessoa humana.

Deste modo, este estudo iniciou trazendo ao leitor as peculiaridades acerca do véu protetivo da dignidade da pessoa humana, evidenciando o mesmo, desde os seus aspectos históricos, enfocando em seu ponto ápice que foi a Declaração universal dos Direitos Humanos, passando para a análise do art. 29 do Estatuto da Polícia Militar do Estado de Santa Catarina o qual foi promulgado em 1983, fundamentando a ação militar nos preceitos da dignidade humana, abrindo precedente para que a Constituição Republicana de 1988 entrasse em vigor e fundamentasse-se, também, na dignidade humana.

Em seguida, passou-se a análise das características sui generis da atividade policial militar em terrae brasilis, asseverando sobre seus aspectos protetivos e promovedores dos direitos humanos fundamentais, sobressaltando sobre sua similaridade formal em comparação com os preceitos da Carta Magna, consciente do fato de que da formalidade da lei escrita para a materialidade de seus preceitos existe um caminho que precisa ser percorrido, para que, então, a lei tenha vida em solo pátrio, e a instituição militar é propulsora a percorrer este caminho e materializar dentro do que lhe couber estes preceitos como demonstram em suas formalidades e ações.

Por corolário, este estudo se encerra através da analise das materializações que o legislador efetuou no solo nacional no que tange a atividade policial militar, concluindo pela necessidade de reconhecimento por parte deste ente público, conforme se verá a seguir.

 

2.      PECULIARIDADES SOBRE O MANTO PROTETIVO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Comparato (2010, p. 13) revela que todas as pessoas são iguais, “apesar das inúmeras diferenças biológicas e culturais que as distinguem”, sendo merecedoras de respeito igualitário, visto serem os únicos seres com capacidade para “amar, descobrir a verdade e criar a beleza”. Devido a esta igualdade a ninguém é dado o direito de considerar-se superior aos demais. Na antiguidade, os povos que viviam a margem da civilização, antes da criação da expressão ser humano, denominavam os integrantes de seu grupo social como “homens” enquanto os estranhos ao grupo eram referenciados de outra forma, como meio de estabelecer uma distinção entre ambos.

No entanto, o nascimento da idéia de igualdade entre os seres humanos é antigo, pois, emergiu em solo no período axial da História, todavia foram necessários vinte e cinco séculos de desenvolvimento desta idéia para que ela passasse a agir sobre a humanidade, sendo proclamada sobre os destroços da Segunda Guerra Mundial, como um meio de edificar o humanismo no coração da civilização, agonizante devido às cinzas dos campos de concentração nazista e angustiada em virtude do sangue derramado através dos massacres tão comuns naqueles períodos históricos, vislumbrando secar os olhos lacrimejantes de um povo desfalecido, suplicante por esperança, esculpindo todo este sentimento na referida Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, como um meio de espantar as nuvens negras que cobriam os céus dos Continentes em função dos materiais bélicos utilizados, abrindo os corações das pessoas para a vida, alicerçados nos princípios da liberdade, igualdade e fraternidade.

Não obstante, cabe destaque para o fato de que a origem do direito penal ocorreu através de penas capitais, instante em que os acusados eram julgados sem as garantias processuais hoje existentes, e, condenados a morte conforme fosse a vontade do julgador. Esta forma de agir mudou, apenas, em virtude do fato de que as sociedades estavam sucumbindo, por causa das incessantes sentenças de morte proferidas nesta época histórica, como destaca Bitencourt (2015, p. 60). Percebe-se que o direito, de forma geral, solidifica-se sobre o sofrimento e o sangue do ser humano, expressando-se como um meio de proteção dos cidadãos contra as arbitrariedades e desconsolos já vivenciados como uma forma de reprimir e impedir que estes excessos ressurjam dos sarcófagos.

Destaca Comparato (2010, p. 25) que as leis escritas compreendem verdadeiros escudos contra os abusos, visto que “uma vez escritas as leis, o fraco e o rico gozam de um direito igual; o fraco pode responder ao insulto do forte, e o pequeno, caso esteja com a razão, vencer o grande”. Porém, desde o século de Péricles o sofista Antifonte (480-411 a.C.) apregoava a igualdade entre os indivíduos como forma de promover o respeito entre as nações, destacando que “no que concernem as necessidades, nenhum de nós é diferente, seja ele bárbaro ou negro: respiramos o mesmo ar com a boca e o nariz, todos nós comemos com o auxílio de nossas mãos” (apud COMPARATO, 2010, p. 27).

Neste momento histórico Sócrates de Platão (apud COMPARATO, 2010, p. 27-29), destaca que a diferença entre as pessoas está na alma, não em seu corpo, visto que este compreende um simples instrumento em favor das necessidades de cada ser, deste entendimento emergiu o conceito de personalidade, sobre o qual o autor elucida:

 

Haverá um tempo em que os atores trágicos acreditarão que suas máscaras (prosópa), seus calçados, suas roupas, são eles mesmos. Homem, tu nada mais és aqui do que matéria para atua ação e teu papel (prosópon) a desempenhar. Fala um pouco para se ver se é um ator trágico ou cômico; e se lhe tirarmos os calçados e a máscara (prosópon), se ele se apresenta em cena com a sua própria individualidade, o ator trágico desaparece ou sobrevive ainda? Se ele tem a voz respondente (a esse papel) sobrevive.

 

Outrossim, constata-se que na essência todos os seres humanos são iguais em direitos e deveres, e este é o entendimento da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que proclamou-se feito um poema aos ouvidos humanos, abrindo suas disposições esculpindo em seu preâmbulo que a humanidade unia-se através deste documento para instituir uma família (a família humana), como meio de reconhecer a dignidade inerente a todas as pessoas, fundamentando-se sobre os princípios da liberdade, justiça e paz mundial, evidenciando o fato de que “o desconhecimento e o desprezo dos direitos do Homem conduziram a atos de barbárie que revoltam a consciência da Humanidade e que o advento de um mundo em que os seres humanos sejam livres de falar e de crer, libertos do terror e da miséria, foi proclamado como a mais alta inspiração do Homem”,  enfatizando sobre a necessidade de gravar em leis a proteção dos direitos do homem, como meio de encorajar as relações amistosas entre os membros da família humana.

Utilizando-se desta carta como uma maneira de reafirmar a fé nos direitos fundamentais, “na dignidade e no valor da pessoa humana, na igualdade de direitos dos homens e mulheres”, declarando-se propensos “a favorecer o progresso social e a instaurar melhores condições de vida”, unindo-se entre os Estados membros pretensiosos a promover o respeito universal aos direitos humanos fundamentais, respeitando os direitos e liberdades de seus povos, visando guardar suas expressões em seus espíritos para que suas diretrizes fossem consagradas em âmbito universal, promovendo a mais ampla garantia destes direitos.

Este documento se expressa através de 30 artigos, e inicia suas formalidades ao definir no Artigo 1° que “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade”. Neste aporte, Alexy (2015, p. 24) leciona que formalizar um conceito para a dignidade é uma tarefa árdua, devido a sua complexidade, visto que a mesma conjuga em seu núcleo “aspectos descritivos ou empíricos com elementos normativos ou avaliativos”, ela é formada através da autonomia da pessoa humana. Por sua vez, pessoa compreende um conceito de estrutura “duplo-triádica”, visto que:

 

Para ser considerada pessoa, deve-se atender a três condições, por dois turnos seguidos. A tríade tem por condições: a um, a inteligência; a dois, o sentimento; e, a três, a consciência. Ressalve-se que possuir inteligência, tão somente, não garante a condição de pessoa; basta registrar que também os computadores a têm, mutatis mutandi, e não são pessoas, até o ponto atual de seu desenvolvimento. A vinculação estabelecida entre a inteligência e o sentimento, de igual forma, é incompleta para caracterizar a condição de pessoa, tanto que também os animais podem ser, ao menos até determinado grau, inteligentes e sensíveis, e nem por isso são considerados pessoas. Destarte, a terceira condição da primeira tríade é a consciência – para ser mais preciso, a autoconsciência – que constitui condição vital inafastável, e é definida pela reflexibilidade. (ALEXY, 2015, p. 25). (grifos do original).

 

A segunda tríade compreende a definição da autoconsciência, a qual se divide em três modalidades expressando-se através da espécie cognitiva (autoconsciência), volitiva (autodireção) e a forma normativa (autoavaliação), aqui está o conceito de pessoa, um ser dotado de inteligência, sentimento e consciência, com capacidade de se autoconhecer, autodirecionar e autoavaliar-se, conforme define Alexy. O aspecto normativo compreende aquele que faz uma “conexão entre o conceito de pessoa e” o “conceito de dignidade humana”. Este estudo, porém, discorda deste conceito estabelecido por Alexy, coadunando-se a doutrina de Sarlet (2015, p. 28) a qual define a dignidade como “condição humana do ser humano”, como qualidade irrenunciável, intrínseca e indissociável de toda e qualquer pessoa.

Para o autor a proteção da dignidade humana compreende “meta permanente da humanidade”. Conforme se verificou, desde os primórdios a dignidade foi assentada no status social ocupado pela pessoa, “mas também como sendo o valor próprio e intrínseco de determinadas coisas e/ou instituições, sem prejuízo da evolução e consolidação da noção de dignidade humana como valor igualmente atribuído a todo e qualquer ser humano”. Neste andar, Pascal (apud SARLET, 2015, p. 39) reconduz a dignidade a ideia de capacidade racional, enquanto Pufendorf vincula a teoria de liberdade moral, entretanto, nenhum outro doutrinador conseguiu alcançar definição tão completa quanto a efetuada por Kant (apud SARLET, 2015, p. 40) ao expressar que:

 

[...] no reino dos fins tudo tem um preço ou uma dignidade. Quanto uma coisa tem um preço, pode pôr-se em vez dela qualquer outra como equivalente; mas quando uma coisa esta acima de todo preço, e portanto não permite equivalente, então tem ela dignidade... Esta apreciação dá pois a conhecer como dignidade o valor de uma tal disposição de espírito e põe-na infinitamente acima de todo o preço. Nunca ela poderia ser posta em cálculo ou confronto com qualquer coisa que tivesse um preço, sem de qualquer modo ferir sua santidade.

 

Ademais, para Sarlet (2015, p. 42) o pensamento de Kant é dotado de excessivo antropocentrismo, assim como qualquer outro conceito que atribua a concepção de dignidade como mero atributo exclusivo da pessoa em função de sua capacidade de racionalidade. Visto que, no desenvolvimento avançado como se encontram o dos direitos humanos fundamentais, existe até mesmo a possibilidade de sustentar a dignidade como atributo da vida em geral, ainda mais ao se considerar a importância sobre a qual o meio ambiente despontou (art. 225 da CF), enfatizando a dignidade como protetora da vida em sua totalidade (recursos naturais e etc.), considerando o fato de que esta abertura do manto protetor da dignidade encontra justificativa no evento de disponibilizar uma vida com dignidade, conforme os preceitos da Carta Cidadã brasileira que tal como o manuscrito da DUDH abre seu caderno de leis esculpindo em seu primeiro artigo, e definindo como fundamento jurídico da terrae brasilis a dignidade humana (art. 1, III da CF/88), abrindo parecer para o reconhecimento de uma dimensão ecológica de dignidade.

Neste prisma a dignidade deve ser vista sob o olhar de um conceito inclusivo, no entender de que reconhecê-la incumbe ao indivíduo obrigações para com seu semelhante e com outros seres de “deveres mínimos e análogos de proteção”. O sentido compreende o fato “de que cada um deve ser pessoa e respeitar os outros como pessoas” como leciona Sarlet (2015, p. 45), o que afasta o condicionamento da dignidade à racionalidade, posto que seu âmago “parte do pressuposto de que o homem, em virtude tão somente de sua condição humana e independentemente de qualquer outra circunstância, é titular de direitos humanos que devem ser reconhecidos e respeitados por seus semelhantes e pelo Estado” (2015, p. 47).

 

[...] a dignidade, como qualidade intrínseca da pessoa humana, é irrenunciável e inalienável, constituindo elemento que qualifica o ser humano como tal e dele não pode ser destacado, de tal sorte que não se pode cogitar na possibilidade de determinada pessoa ser titular de uma pretensão a que lhe seja concedida a dignidade. (...) A dignidade pode (e deve) ser reconhecida, respeitada, promovida e protegida, não podendo, contudo (no sentido ora empregado) ser criada, concedida ou retirada (embora possa ser violada), já que reconhecida e atribuída a cada ser humano como algo que lhe é inerente. (SARLET, 2015, p. 51).

 

Concordante com este posicionamento sustenta Dworkin (1998, p. 310) que mesmo o indivíduo que já tenha perdido a consciência da própria dignidade, ainda assim a detêm, visto que a intenção da dignidade é vedar a instrumentalização e a coisificação do ser humano, por este entendimento constata-se que mesmo a criança, ou o doente mental não se encontram desabrigados da proteção da dignidade humana.

Harmoniosa com esta colocação tal como o acontecer diário do “ocaso”, instante em que o sol se oculta no horizonte na direção oeste, permitindo o cair da noite e o brilhar da lua e das estrelas, bem como o momento em que ele renasce no horizonte na direção leste, e iniciando o dia trazendo luz à terrae brasilis (movimento que ocorre em razão da rotação da Terra), é que a autora arrisca afirmar que mesmo não tendo caráter condicionante a dignidade pode ser experimentada em maior ou menor grau e muitos fatores impulsionam para esta realidade, um exemplo disto é que não seria nem ao menos lógico afirmar que uma pessoa que sobreviva de ilicitudes seja considerada no mesmo grau de respeito e dignidade que uma pessoa que labute para promover a dignidade, com o risco da própria vida como no caso da atividade policial militar.

Profissão a qual, alicerça-se, pelo art. 29 do Estatuto da Polícia Militar do Estado de Santa Catarina (Lei n° 6.218 de 10 de janeiro de 1983), no sentimento de dever, no pundonor policial-militar e no decoro da classe, com imposição a cada um dos integrantes da Polícia Militar, de “uma conduta moral e profissional irrepreensível, com a observância” de dezenove preceitos de ética policial-militar, e dentre eles o respeito pela dignidade humana, que coadunado ao artigo 74 da mesma Lei define que as prerrogativas dos policiais-militares são edificadas “pelas honras, dignidades e distinções devidas aos graus hierárquicos e” aos cargos.

Verifica-se que o legislador inovou no que se refere à lei militar de SC, visto que fundamentou a existência da instituição militar sobre o pilar da dignidade humana antes mesmo da vigência da Carta Política de 1988, servindo como precedente para o embasamento da Carta Magna, abrindo caminho para um novo olhar protetivo e acolhedor, instante em que o Estado se incumbiria de prestar mais que a garantia de um mínimo vital aos seus patriotas, mas afiançaria uma vida com dignidade, a exemplo do Estatuto da PMSC.

Diante de uma profissão alicerçada em fundamentos tão nobres quanto os definidos em sua própria lei, inaugurando em seu núcleo muitos dos princípios que viriam a ser edificantes do Estado Democrático de Direito (como o foi em 1988), incumbe a este estudo esmiuçar suas nuances e descortinar a sociedade sobre a essencialidade da atividade policial militar e sua concordância formal e material com as diretrizes estabelecidas pela Constituição, como será demonstrado a seguir.

 

3.      A ATIVIDADE POLICIAL MILITAR EM TERRAE BRASILIS

O direito militar engloba todo o conjunto legislativo referente às Forças Armadas Brasileiras e as Forças Auxiliares (polícias militares e corpos de bombeiros militares dos Estados e do Distrito Federal), este sistema da árvore jurídica relaciona-se com todas as leis atinentes à organização e funcionamento das Forças Armadas, bem como ao direito penal militar e ao direito disciplinar militar como leciona Assis (2013, p. 27), neste percurso:

 

A sociedade militar é peculiar;

Possui modus vivendi próprio;

Todavia, submete-se aos princípios gerais do direito, amoldando-se ao ordenamento jurídico nacional; pode e deve ser submetida ao controle judicial do qual a ninguém é dado furtar-se.

Essa peculiaridade exige sacrifícios extremos (a própria vida), que é mais do que simples risco de serviço das atividades tidas como penosas ou insalubres como um todo.

Para condições tão especiais de trabalho, especial também será o regime disciplinar, de modo a conciliar tanto os interesses da instituição como os direitos dos que a ela se submetem. A rigidez do regime disciplinar e a severidade das sanções não podem ser confundidas como supressão de seus direitos. (Assis, 2013, p. 28). (Grifos do original).

 

Conforme sabido a Constituição Republicana compreende o tronco da árvore jurídica, de onde provem todos os ramos jurídicos, por isto, nenhuma lei possui validade se estiver em desacordo com suas expressões. Neste caminho, encontra-se expressão para a existência das Forças Armadas no art. 142 deste caderno de leis, esculpindo no cerne constitucional através da espada do direito que “as Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.”

Bem como, no art. 144 que municia a expressão da segurança pública ao discipliná-la como “dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: V - polícias militares e corpos de bombeiros militares”, precedido pelo art. 42 do mesmo dispositivo de lei que as relaciona como “instituições organizadas com base na hierarquia e disciplina, são militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios”. As Forças Armadas garantem a soberania[1] nacional, ou seja, dão materialidade no solo pátrio para o primeiro princípio da Carta Magna (art. 1, inc. I). Elas caracterizam-se como um “conjunto de estruturas sociais estabelecidas pela tradição” brasileira, relacionadas com a coisa pública, promovendo a defesa da pátria.

 

[...] concebendo-as como instituições nacionais, reconhece-lhes a Constituição a importância e relativa autonomia jurídica decorrente de seu caráter institucional; declarando-as permanentes e regulares, vincula-as à própria vida do Estado, atribuindo-lhes a perduração deste. Essa posição constitucional das Forças Armadas importa afirmar que não poderão ser dissolvidas, salvo por decisão de uma Assembléia Nacional Constituinte. E, sendo regulares, significa que deverão contar com efetivos suficientes ao seu funcionamento normal, por via de recrutamento nos termos da lei. Conceito estabelecido por Silva (apud ASSIS, 2013, p. 31). (grifos do original).

 

Os trabalhadores militares compreendem servidores públicos lato sensu, sendo divididos em duas espécies: servidores militares federais que compreendem os integrantes das Forças Armadas (art. 142) e os servidores militares dos Estados, Território e Distrito Federal, compreendidos os funcionários das Polícias Militares e dos Corpos de Bombeiros Militares (art. 42 da CF). Dessarte, “a natureza jurídica dos membros das Instituições armadas brasileiras é a de categoria especial de servidores da Pátria, dos Estados e do Distrito Federal, com regime jurídico próprio, no qual se exige dedicação exclusiva, restrição a alguns direitos sociais, e sob permanente risco de vida”, como declara Assis (2013, p. 50), adiante deste estudo encontra-se no art. 31, inc. I da Lei do Estatuto dos Militares “a dedicação e a fidelidade à Pátria, cuja honra, integridade e instituições devem ser defendidas mesmo com o sacrifício da própria vida”.

Em um Estado em que a Democracia impera este é um requerimento alto (sacrifício da própria vida) para se ter seus direitos restritos, baseando-se no descaso por parte do Estado e da sociedade para com a instituição e na baixa remuneração auferida pelos trabalhadores.

Munida pela legislação institucional e da Carta Magna é que a atividade militar se tornou promovedora dos direitos humanos, atuando com o objetivo de proporcionar o exercício da cidadania e dos demais direitos humanos fundamentais de forma digna. Neste diapasão a atividade militar, como ensina Jesus (2011, p. 19) fez da prestação, respeito e proteção dos direitos humanos fundamentais a própria substância de seu agir, estando, estes direitos, imbricados com a mesma, tanto que a ação da corporação militar é planejada - visto que os militares compreendem muito mais que o braço forte do Estado, uma vez que, possuem humanismo e inteligência em suas batalhas -, com vistas ao bem comum da sociedade, obrando com base na legalidade e no respeito aos indivíduos.

Estar em um Estado de Direito implica a autenticação da luta contra o monarca, contra o poder absoluto e os privilégios do clero, da nobreza e das corporações, implica o “reconhecimento do homem como um valor absoluto”. O direito compreende uma ferramenta ao dispor do Estado para enquadrar e limitar os cidadãos uns para com os outros e o Estado para com a sociedade e vice-versa, o mesmo constrói-se com base na supremacia da vontade popular, na preservação da liberdade e na igualdade de direitos. Para que a Constituição ganhe vida no solo pátrio é preciso que suas diretrizes sejam aplicadas no plano prático, exercendo sua função transformadora conforme expressa Jesus (2011, p. 55).

Neste enfoque, hodiernamente o tema “segurança pública” encontra-se em voga, devido a sua fundamentalidade para a vida social, sendo objeto de importantes debates de estudiosos e assunto para as rodas de conversas sociais. No entanto, não é o perigo concreto que atormenta a população, mas o medo do crime, ou seja, a ideia que a sociedade faz da criminalidade, o medo psicológico, surreal, aquele criado pelo psicológico da pessoa. Este temor desmedido se deve as transmissões midiáticas de notícias criminógenas, que centralizam suas reportagens no aspecto da violação da lei e não na atuação da polícia militar, transmitindo uma ideia de desleixo e de incapacidade funcional, descaracterizando a função militar e corrompendo a imagem da corporação.

Este fato é comprovável no folhear de qualquer jornal, visto que as páginas criminais estão sempre em destaque, e só faltam serem escritas em vermelho utilizando-se do sangue das vítimas, como forma de chamar a atenção do público e de manter a clientela, a insegurança pública gera lucro financeiro e por isto ela é atacada. De outra sorte, não é incomum a ocorrência de policiais mortos em combate, ou mesmo machucados em confronto com a marginalidade, todavia, estas notícias nunca têm repercussão na mídia e não se houve falar em ativistas dos direitos humanos partirem em socorro destes seres humanos ou de suas famílias, porém, é corriqueira a ação dos ativistas dos direitos humanos em desfavor da atividade militar, principalmente no que tange as ocorrências que envolvem transgressões efetuadas por adolescentes.

Não há dúvida alguma sobre a inversão de valores que ocorre a olhos nus na sociedade, deturpando a mente dos indivíduos civis comuns, que cansados do trabalho encontram-se com a capacidade de raciocínio lógico diminuído e por isto, só recebem as notícias e assimilam sem refletir sobre o seu conteúdo, fato este que auxilia na alteração da imagem da ação militar. Ademais, cabe ressaltar que os próprios delituosos alteram a verdade dos fatos para se defenderem frente ao sistema criminal, viciando o serviço militar e sujando a farda destes trabalhadores através da mentira, como meio de se protegerem de seus deveres como cidadãos, que compreende o sofrimento da sanção pelo delito cometido, dado que, no instante em que estas pessoas vão responder por seus crimes apegam-se a qualquer artimanha que lhes inocente.

Aliás, ao estudar o trabalho desenvolvido através dos policiais militares é possível verificar que não é porque eles vestem uma farda e laboram armados que os mesmos encontram-se seguros contra toda e qualquer atitude negativa, visto que a desvalorização social e estadual atua sobre os mesmos de uma forma avassaladora, degradando-os em seu psicológico e extraindo sua dignidade. É necessário frisar que as vestes e os armamentos utilizados pelos policiais militares não desumaniza estes cidadãos, ao contrário, visto que estas pessoas não são máquinas, mas sim homens a serviço do Estado e da sociedade. São seres humanos carentes por reconhecimento e por respeito.

Cabe frisar que a atividade policial militar possui um caráter negativo, visto que a mesma baseia-se na repressão e prevenção da criminalidade, e objetiva, conforme as palavras da própria Constituição, a “preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio”, ou seja, é uma atividade de risco que expõe seus agentes a todo o tipo de situações negativas e degradantes (a todos os tipos de crimes), fato este que corroi seu psicológico e o fragiliza, possibilitando que em meio ao desempenho de seu trabalho, esta pessoa venha a, eventualmente, não corresponder totalmente às necessidades sociais, ou até mesmo, incorrer em ilicitude (arbitrariedade), entretanto é possível que o cidadão comum venha a estar denunciando este policial delituoso que irá arcar com as penas da lei.

Considerando-se o caráter negativo da função, verifica-se que a valoração social é fator essencial para o melhor desempenho da atividade policial militar. Como a letra do artigo 144 da CF expressa “a segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos”, compreende uma obrigação mútua e não apenas da polícia, cabendo aos responsáveis atuarem em harmonia, cada um no que correspondem as suas atribuições, agindo com proximidade e respeito recíproco, formando uma aliança de seres humanos, que pautados nos preceitos estabelecidos no manuscrito DUDH e na CF devem considerar-se como uma família (a família humana) e respeitarem-se entre si, promovendo a dignidade da pessoa humana e os demais direitos humanos fundamentais, visto que da formalidade da lei escrita existe um caminho que precisa ser percorrido para que os direitos se efetivem e cabe a sociedade como um todo (civis comuns e policiais) darem este passo para a sua materialização.

 

4.      O OLHAR DO LEGISLADOR SOBRE O POLICIAL MILITAR: NECESSIDADE DE RECONHECIMENTO

Nada obstante a essencialidade da função, a matéria protetiva e inclusiva relacionada à área militar são retrógadas, verificado no fato de que, o §2° do art. 14 da Carta Política veda “o alistamento como eleitor aos conscritos, durante o período do serviço militar”. Cabe ressaltar o fato de que é através do voto que o povo exerce a soberania popular, fundamento edificante do Estado Democrático de Direito, portanto, neste instante o labutador militar encontra-se a margem da lei, desassistido de seu direito de cidadão brasileiro. Sem embargo, ao considerar-se que antes da promulgação da Constituição de 1988, os cabos e soldados eram excluídos do alistamento eleitoral, o que denotava uma capitatis diminutio em sua cidadania, concluir-se-ia que já ocorreu um avanço em termos de direito, como ensina Assis (2013, p. 32), no entanto, há muito que mudar, em um Estado que se fundamenta na dignidade humana estas privações e retrocessos são insustentáveis.

O artigo 14 não perde a rigidez para com o militar, visto expressar que o militar alistável será, também, elegível, porém, caso conte com menos de dez anos de atividade militar deverá afastar-se do trabalho através de demissão ou licenciamento ex officio, ocasionando a perda do emprego; já o militar com tempo superior a dez anos de trabalho, será agregado através da autoridade superior, e caso seja eleito, passará de forma automática, no ato da diplomação para a inatividade. Na verdade, ao alistar-se a candidato o mesmo será agregado, condição a qual o coloca em afastamento de sua vaga hierárquica militar, nela permanecendo sem número[2].

No andar deste estudo, encontra-se os direitos sociais estabelecidos no art. 6° ao 11 da Constituição, instante em que novamente o agente militar vê-se excluído do amparo constitucional ao ter vedado alguns de seus direitos como cidadão através do art. 142 da Carta Magna, cujo §3° define os membros das Forças Armadas como militares, e lhes dirige as atribuições que venham a ser definidas em lei, assim como, a vedação de sindicalizar-se ou fazer greve (IV - ao militar são proibidas a sindicalização e a greve) e de filiar-se a partidos políticos (V - o militar, enquanto em serviço ativo, não pode estar filiado a partidos políticos). Ademais, o inciso VIII é taxativo ao definir quais são os direitos sociais pertencentes ao militares (VIII - aplica-se aos militares o disposto no art. 7º, incisos VIII, XII, XVII, XVIII, XIX e XXV), sendo eles, direito ao 13° salário, salário-família, férias anuais remuneradas com 1/3 a mais que o salário normal, licença-maternidade de 120 dias, licença-paternidade de 5 dias, e assistência gratuita aos filhos e dependentes de até 06 anos em creches e pré-escola.

Estes tipos de proibições são comuns aos militares não apenas nas leis brasileiras. Observa-se que além da atividade militar compreender um trabalho de risco, por caracterizar-se como uma atividade de perigo extremo, posto que o agente da lei trabalha sob a ameaça constante de morte contra si e seus familiares, atuando em linha de frente contra a criminalidade, o mesmo, ainda, vê-se desamparado constitucionalmente em seus direitos como cidadão.

O constituinte age como se, no instante em que o indivíduo decide ser militar, o próprio abandonasse sua condição de cidadão, passando a identificar-se através de um número para com o Estado, em uma clara espécie de coisificação do ser humano, afinal em que instante esta pessoa humana militar abandonou sua condição de ser humano? Em que se justifica tamanha restrição no que se refere a estes trabalhadores? Cabe lembrar que a identificação do ser humano através de um número nos remete aos campos de concentração nazistas, fato este que foi considerado pelos estudiosos como a maior expressão de coisificação que um ser humano já passou.

Adiante, ao analisar o artigo 5° da Carta Magna, inc, IV encontra-se o direito a livre manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato, porém, o doutrinador Assis (2013, p. 48) indaga sobre se realmente os militares possuem esta liberdade para a manifestação de seu pensamento, visto que em relação à manifestações públicas respectivas a assuntos de natureza político-partidária, o Regulamento Disciplinar do Exército considera este fato como transgressão disciplinar sempre que for cometido por militar da ativa. Nota-se uma rigidez ampla em relação à atividade militar, instante em que o manto da dignidade humana vê-se fragilizado, ocasionando em muitos instantes o rompimento do véu da dignidade, fato este contrário as expressões declaradas na Carta de Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Recentemente, mobilizado pelos constantes ataques promovidos contra os policiais militares (tanto os descritos no art. 142, quanto no art. 144 da CF), ou “contra os integrantes do sistema prisional e da Força de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela”, ou contra seus familiares consanguíneos até terceiro grau o legislador sancionou a Lei n° 13.142, de 06 de julho de 2015, que trouxe alteração no Código Penal e na Lei dos Crimes Hediondos, visando tornar crime hediondo o:

 

I – homicídio (art. 121), quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado (art. 121, § 2o, incisos I, II, III, IV, V, VI e VII: VII – contra autoridade ou agente descrito nos arts. 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição);

I-A – lesão corporal dolosa de natureza gravíssima (art. 129, § 2o) e lesão corporal seguida de morte (art. 129, § 3o), quando praticadas contra autoridade ou agente descrito nos arts. 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição.

 

Em consequência desta lei (Lei n° 13.142/2015), o crime de homicídio (art. 121 do CP) sofreu um acréscimo do inc. VII, passando a tipificar o assassinato contra os agentes acima especificados ou seus familiares consanguíneos até terceiro grau, como qualificado e, automaticamente crime hediondo com base no acréscimo do inc. I ao artigo 1° da Lei n° 8.072/90, da mesma maneira que a lesão corporal foi acrescida pelo §12, que define um aumento de pena de um a dois terços para os delitos cometidos nestas circunstâncias e, por fim, fez da lesão corporal dolosa de natureza gravíssima (art. 129, §2° do CP) e a lesão corporal seguida de morte (art. 129, §3° do CP) contra estes sujeitos passivos, crime hediondo pelo acréscimo do inc. I-A a Lei dos Crimes Hediondos.

A pesquisa confirma que houve um avanço na proteção destes seres humanos, porém, conforme foi possível demonstrar ainda há muito que ser feito para que estes cidadãos sejam abraçados pelos direitos constitucionais, tal como os cidadãos comuns, e não há motivos nesta forma de Estado para que estes sujeitos encontrem-se a margem da lei, ainda mais ao se considerar a atividade virtuosa que desempenham sob o risco iminente de morte. Observa-se que o Estado não tem prestado reconhecimento suficiente a esta atividade, quer seja através da negação da prestação do manto da dignidade humana sobre esta função, ou através do baixo subsídio concedido, o qual é insuficiente para suprir o sofrimento pelas condições desfavoráveis de trabalho as quais são submetidos, como por exemplo, trabalhar em condições climáticas desfavoráveis (dias frios, chuvosos, etc.) e com material de trabalho em estado ruim (armas antiquadas, viaturas ruins, falta de equipamento suficiente e etc.).

Outra novidade que encontra-se em tramitação no Senado Federal é a PEC n° 99/2015, a qual pretende acrescentar um adicional de periculosidade aos agentes da lei e bombeiros devido a exposição dos agentes aos perigos e ameaças físicas e psicológicas já abordadas. A proposta baseia-se na Lei n° 12.740 de 2012 a qual modificou o art. 193 da Consolidação das Leis Trabalhistas ao acrescentar:

 

Art. 193. São consideradas atividades ou operações perigosas, na forma da regulamentação aprovada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, aquelas que, por sua natureza ou métodos de trabalho, impliquem risco acentuado em virtude de exposição permanente do trabalhador a:

I - inflamáveis, explosivos ou energia elétrica;

II - roubos ou outras espécies de violência física nas atividades profissionais de segurança pessoal ou patrimonial. (Grifos da autora).

 

Tornando a atividade do trabalhador prestador de segurança privada como perigosa, concedendo-lhe um acréscimo no valor de 30% em sua remuneração, inclusive o §4o  deste artigo considerou, também, como “perigosas as atividades de trabalhador em motocicleta”, o que caracterizaria a atividade de Rocan na seara da Polícia Militar se esta lei fosse transferida para a esfera pública, aliás, em seu inteiro teor este artigo ajusta-se completamente a atividade de prestação de segurança pública, visto que os servidores da lei encontram-se diuturnamente submetidos a estes agentes perigosos, encontrando-se por isto, desprotegidos do abrigo legal que o legislador encarregou aos trabalhadores do serviço privado, ocorrendo uma retrocessão no que tange a cobertura dos direitos humanos fundamentais com relação aos militares.

Sem embargo, ao analisar a lei dos servidores públicos (Lei n° 8.112/90), encontra-se a previsão no art. 61 que “além do vencimento e das vantagens previstas nesta Lei, serão deferidos aos servidores as seguintes retribuições, gratificações e adicionais: IV - adicional pelo exercício de atividades insalubres, perigosas ou penosas; e VI - adicional noturno,” observa-se neste instante a aberração que o legislador cometeu para com os militares, visto que, desde o ano de 1990 os servidores públicos comuns percebem o adicional de periculosidade e o adicional noturno, já os agentes prestadores da segurança privada recolhem este adicional desde o ano de 2012, porém, os militares não possuem nem ao menos uma ambição do momento em que serão privilegiados com este direito, que conforme foi verificado já foi auferido por toda a classe de cidadãos menos os militares, os quais novamente se vêem excluídos dos planos do legislativo em um ataque severo à sua dignidade humana.

A rigidez e as restrições impostas aos militares procuram justificativa no fato de que estes indivíduos trabalham através do exercício do poder de coação contra o cidadão comum utilizando-se das armas que o Estado lhes confia, labutam materializando a segurança no solo nacional, “mas, a um passo, podem converter-se no arbítrio absoluto” como considera Alves (apud ASSIS, 2013, p. 57), no entanto, este fundamento apresentado pelo autor não é válido quando contraposto às outras formas de polícias brasileiras as quais gozam de todos os direitos e deveres humanos fundamentais esculpidos na Carta Magna e nem por isso atuam em arbitrariedades.

Cabe ao leitor compreender que a criminalidade existe desde a formação da sociedade e continuará existindo, não há como garantir a segurança absoluta, todavia, a mesma não se deve ao mau desempenho da atividade militar, visto que a performance da corporação militar é verificada somente ao se analisar os índices alcançados com o trabalho dos agentes da lei em um sentido de proporcionalidade e não de eliminação.

Nada obstante, não existe justificativa plausível para legitimar em um Estado Democrático de Direito, fundamentado pela dignidade humana, a coisificação do ser humano devido ao seu trabalho, assim como, também, não há explicação para a restrição de direitos a estes cidadãos que atuam em uma atividade que além de honrosa é essencial para a própria edificação do Estado. Afinal, conforme se verifica na afirmativa histórica da sociedade e do Estado, foram os militares que abriram caminho para o surgimento da sociedade e para a construção do Estado, além de que, não há notícia de sobrevivência humana sem que ao seu lado houvesse alguém incumbido pela prestação da segurança.

 

5.      DEFINIÇÕES CONCLUSIVAS

Este estudo iniciou-se fazendo uma ampla abordagem sobre o conceito, conteúdo e alcance do manto protetor da dignidade da pessoa humana, enfocando na atividade policial militar, como pertencente a esta garantia jurídico-constitucional, como instituição assentada ao Estado Democrático de Direito que é, e devido ao fato de corresponder a uma atividade desempenhada por seres humanos.

Em segundo instante foi desenvolvido uma pesquisa em torno das peculiaridades da atividade militar e suas colaborações relacionadas à promoção dos direitos humanos fundamentais, assim como dos demais direitos expressos constitucionalmente, servindo-se como ferramenta de efetivação de tais direitos e garantias à sociedade.

Por fim, a matéria embasou o olhar designado pelo Estado no que tange a esta atividade promovedora de segurança pública, expresso através do legislador, instante em que se chegou à conclusão da carência por reconhecimento para com este trabalho, tanto por parte do Estado (aqui desempenhado pelo legislador), quanto por parte da sociedade.

Depreendeu-se do estudo que o véu da dignidade humana cobre todas as pessoas por sua condição de ser humano, sendo a mesma inalienável, irrenunciável e intrínseca à pessoa humana, sendo, por este motivo incabível a sua restrição sob pena de negação a Constituição.

Ademais, conforme se constatou do presente esboço extraindo as vestes das pessoas, em sua essência, as mesmas são todas iguais, ou seja, o que distingue os militares dos demais cidadãos é sua farda, no entanto, mesmo vestido para à caráter para prestar serviço à sociedade, o próprio não abandona sua condição de ser humano e por isto não pode ser desabrigado de seus direitos humanos fundamentais, como vem ocorrendo no solo pátrio.

 

REFERÊNCIAS

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______. Estatuto dos Militares. Lei n° 6.880 de 09 de dezembro de 1980. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L6880.htm. Acesso em 17 de janeiro de 2016.

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_____. Lei n° 13.142, de 06 de julho de 2016. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13142.htm. Acesso em 18 de janeiro de 2016.

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SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade (da pessoa) humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 10 ed. rev. atual. e ampl. – Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2015.



[1] Soberania: complexo dos poderes que formam uma nação politicamente organizada; propriedade que tem um Estado de ser uma ordem suprema que não deve a sua validade a nenhuma outra ordem superior, como define Ferreira (apud ASSIS, 2013, p. 30).

[2] Art. 80 do Estatuto Militar: Art. 80. Agregação é a situação na qual o militar da ativa deixa de ocupar vaga na escala hierárquica de seu Corpo, Quadro, Arma ou Serviço, nela permanecendo sem número.