UNIDADE IV
DESAFIO DA EDUCAÇÃO PARA A PROMOÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS ATRAVÉS DA
POLÍCIA MILITAR POR MEIO DO PROGRAMA EDHUCA: EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS E
CIDADANIA ATIVA
4.0 Afirmativa Histórica da Educação
Há um limite na inteligência de cada
ser, desencadeando na necessidade de comunicação entre os indivíduos como meio
de trocar informação e aumentar o conhecimento. Historicamente, sabe-se que o
diálogo foi reconhecido através de Sócrates, por meio da técnica de perguntar e
responder (maiêutica), como meio de buscar a verdade, ou seja, os primeiros
resquícios da educação surgiram por intermédio do diálogo.
A arte do diálogo permite a troca de
informações e o confronto de ideias que arrebentam na necessidade de mergulhar
na fonte do conhecimento, na busca insaciável por mais informação. Posterior a
isto, emerge Platão que abre caminho para o ensino da ética na política através
do diálogo, este visto como o “espaço à educação expresso pela relação
intersubjetiva e estrutura do pensamento”, ao dialogar o indivíduo estará
educando-se através do outro e educando-o, saciando-se através do conhecimento,
como afirma Melo Neto (2011, p. 19).
O termo educação possui dupla
concepção, entendendo-se como “desenvolvimento das possibilidades interiores do
homem, onde o educador apenas as exteriorizava (nativismo), ou consideravam-na
como conhecimento humano adquirido pela experiência (empirismo)” como define
Muniz (2002 p. 7). A educação provém do grego paidagógen ou do latim educare,
que se refere a algo inerente as relações humanas e sociais, ou seja, “um fenômeno de produção e apropriação da
cultura”, conforme a percepção do referido autor (2011, p. 19). A educação
pode operar-se de forma espontânea, ou através de meios reflexivos e
sistemáticos, instante que irá ocorrer por meio de técnicas apropriadas visando
o rendimento educacional. Como meio de compreender o aspecto educativo é que
foi efetuada uma viagem histórica, buscando a afirmativa deste direito social
fundamental.
Inicialmente, foram reconhecidos em
Platão, os pilares da Paideia, que
expressava a edificação da Arete,
definida como capacidade de pensamento e reflexão sobre a virtude do indivíduo
grego. Neste instante, a educação buscava caminhos para levar a virtude aos
gregos (para os Homero, e para os Hesíodo)[1]. No século IV a.C. , a
educação foi dominada pelos sofistas, que se baseavam na formação do espírito, possuía
caráter individualista, atuando de duas maneiras, quais sejam, através da “transmissão
de um saber que tenha dimensão enciclopédica geral, e por meio da formação do
espírito em seus diversos campos”, esta dualidade permaneceu viva no núcleo
educacional até a atualidade.
Neste momento histórico, Protágoras,
sofista, alicerçado por Platão, apresentou a educação formal, utilizando em sua
didática mais que a estrutura do entendimento ou da linguagem, mas a mais
diversa totalidade de métodos (ensinando através da música, teatro, poesia,
dialética e etc.), instigando o nascimento da educação política. Neste percurso
o exercício da argumentação toma forma, conquistando adeptos entre os gregos,
onde o diálogo apresenta um caminho para a argumentação e a construção de novas
definições.
Na argumentação, a educação ocorria
sempre que eram apresentados conceitos definidos, isto é, pré-sabidos, que
passavam pelo questionamento do mestre por meio da ironia, instante em que a maiêutica
entrava em ação através de questionamentos aos discípulos que davam luz à
verdade (conhecimentos), distanciando-se do juízo de opinião, para abraçar o
juízo crítico e racional, através da dialética, efetuando uma crítica contra
tudo que estivesse pré-colocado (Estado, poesia, legislação e etc.), como
recorda Melo Neto (2011, p. 27), de forma a assumir a dúvida e abandonar a
certeza prévia. Sócrates pretendia questionar enquanto Protágoras buscava
afirmar, desta maneira um método complementava o outro (2011, p. 29).
O diálogo é visto como uma forma de
encantar e convencer. No entanto, “a educação, para o sofista, se confunde com
o adestramento, voltado para iludir as naturezas fortes enquanto que promove o
poder dos fracos. Esse adestramento se inicia tal qual animal, na infância”,
atuando de forma opositora à filosofia da educação socrática, conforme expressa
o autor (2011, p. 32). Neste momento, a
educação é utilizada como forma de controle e exercício de soberania,
tornando-se um privilégio de alguns poucos indivíduos. A educação sofista,
conforme destaca Muniz (2002, p.15) era considerada como um instrumento de
poder, atuando de forma individualista e subjetivista, direcionada ao
indivíduo, o qual detinha valor conforme o poder que possuía. No entanto,
Sócrates, rompe com esta ideia, preocupando-se com o ser humano em seu aspecto
grupal, de forma solidária (2002, p. 17).
Logo, “a procura do saber é o desafio
para Platão e é, exatamente, na ausência do saber onde se encontra a grandeza socrática”
(2011, p. 39). Todavia, neste momento o Estado toma para si a responsabilidade
pela educação, passando, então, a nutrir e direcionar o homem por meio da
mesma, atuando desde a infância, passando a edificar o próprio Estado em suas
nuances, buscando readequar os cidadãos em sua conduta ética e moral, fazendo
desta forma de ação o principal elemento da política.
Platão comparou o mundo sensível a uma
caverna subterrânea, onde apenas são detentores do conhecimento aqueles que
conseguem libertar-se das sombras da ignorância e procurar a luz do saber,
soltando as algemas da ignorância, em troca de um mundo inteligível (de
conhecimentos), no entanto, é um processo longo e doloroso, mas seus frutos são
incomparáveis (2002, p. 18/19), pois faz com que o homem desperte “para o mundo
das ideias”, conforme o esforço de cada um.
Já Aristóteles, interpretou a educação
como fruto do Estado, enfatizando que cabia a este ente o seu controle, como
forma de criar cidadãos nos moldes que lhe era conveniente, como destaca Muniz
(2002, p. 21/22). Mais tarde, emergiu Rousseau (1712/1778), que buscou a
valorização do ser humano em seu estado natural. Chegando a Habermas, consta-se
a busca pelo alicerce da análise crítica, baseado na razão, buscando a técnica
e a emancipação do homem, que se encontrava aprisionado pela forma educacional pré-estabelecida,
visando libertar da ignorância e da inconsciência por meio da Escola de
Frankfurt. Hebermas visa uma ação comunicativa, baseada no diálogo.
As críticas habermasianas se voltam à objetividade e à verdade do conhecimento,
indicando que a razão instrumental positiva reduz o conceito de Razão a
procedimentos metódicos e lógico-formais. Também, a razão positivista não é
aplicada à moral e à prática, aspectos presentes na razão dialógico-comunicativa.
(Melo Neto, 2011, p. 72).
A razão comunicativa, por sua vez,
busca o consenso através do diálogo,
instante em que a verdade será encontrada dentro do diálogo conforme o melhor
argumento, rejeitando falsos determinismos, a mesma “resgata o diálogo exigido
na esfera social da cultura”, questionando valores e normas, restabelecendo a
razão[2] instrumental (que visa
atender os interesses da classe dominante, aprisionando a sociedade em seus
moldes), como expressa Melo Neto (2011, p. 70).
Habermas busca desenvolver o sentido investigativo
dos cidadãos, construindo a Teoria Crítica, que visa transformar a razão
instrumental, restabelecendo uma relação otimista com a esfera pública, onde as
pessoas poderão decidir seu agir livremente, a qual tomaria forma por meio de
um progresso técnico, desencadeando na emancipação social com relação às formas
de dominação, suscitando nas pessoas seu raciocínio crítico no que tange às
leis ou tradições que lhes são impostas, tencionando “a ação formulada como
instrumental e como agir comunicativo”, a ação instrumental refere-se à forma
de implantação da educação e o agir comunicativo refere-se ao entendimento adquirido
(2011, p. 98).
Seguindo o percurso afirmativo,
deparamo-nos com Paulo Freire que vê na educação a libertação humana,
reconhecendo o valor da razão instrumental por suas técnicas e importância.
Para o autor, o homem difere-se dos demais seres por sua capacidade de
discernir e dialogar, posto que o indivíduo, não se encontra preso no tempo, ao
contrário, ele se modifica, herda, incorpora, banha-se, temporaliza-se nele,
isto é, atua criando e recriando integrando-se as condições que lhes são
impostas e atua sobre as mesmas, objetivando seu bem-estar, dominando a história
(tempo) e a cultura (espaço).
Freire desiste do método de domesticação,
apostando na metodologia de conscientização, que se reporta a uma postura
crítica, a qual não pode expressar-se através da força, pelo medo ou coerção,
mas sim, por intermédio da “educação que proporcione a reflexão do seu próprio
poder”, como destaca Melo Neto (2011, p. 107). A denominada consciência crítica possibilita a
efetivação de uma educação dialógica e ativa, com vistas na promoção da
responsabilidade social e política, materializando-se no despir de respostas
prontas e vestindo-se de senso crítico, negando-se a transferir
responsabilidades ou a aceitar posições quietistas.
Caminho onde o “o diálogo se torna a
concretização do próprio exercício para a liberdade”, um diálogo que exprime
mais que palavras, mas que externa ações, como interpreta o referido autor
(2011, p. 108/109). Afinal, o diálogo compreende tanto o ponto de partida,
quanto o ponto de chegada ao que se refere à promoção e recuperação da
igualdade, promovendo a democratização popular, construindo a identidade do
oprimido e posicionando-o munido pela espada da libertação da ignorância. Para
Freire, a educação encontra-se impedida de transformar-se em silenciosa
anuência da opressão, proclamando a necessidade da superação desta situação de
exclusão instituída secularmente.
O autor abandona o método educacional
individual para um solidário, promovendo a “construção de um ser humano
transformador”, rompendo com os estigmas antigos, formando uma educação
dialógica, problematizadora e libertadora. No entender do referido autor (apud MELO NETO, 2011, p. 114), a
existência justamente por ser humana, não pode calar-se, muito menos nutrir-se
de falsas palavras, mas sim, municiar-se de verdades transformadoras e agir em
busca da concretização das mesmas, visto que, “existir, humanamente, é pronunciar
o mundo, é modificá-lo”.
Exige-se então a alfabetização e a
conscientização, como um exercício para a liberdade do oprimido, superando os
novos valores. Neste autor, “a teoria e a prática pedagógicas da ação cultural
voltam-se, essencialmente, para a questão da democracia”, buscando excluir as
formas de opressão, dando dignidade aos seres humanos, e força para que os
mesmos reconstruam sua existência (2011, p. 125).
[...] o diálogo (...) apresentando-se de forma maiêutico-socrática, por
meio de uma pedagogia freireana que exercite a superação da opressão ou pela
ação comunicacional habermasiana, pode iniciar o exercício de uma nova
racionalidade, definida pela reflexão crítica sobre a realidade, visando à ação
transformadora. (Melo Neto, 2011, p. 127).
Este desenvolvimento racional
desencadeou no enraizamento de uma ciência crítica no solo da sociedade,
findando na emancipação do cidadão, fixando-se na “integração a ciência social
empírica e da hermenêutica”, (2011, p. 127) é desta maneira que o diálogo
apresenta-se como elemento construtor da educação, contribuindo para a
superação da opressão estatal, em um andar humano a caminho da liberdade.
4.2 Educação no viés de um Direito
Fundamental: Um Enfoque aos Arts. 205 até 214 da Carta Cidadã de 1988
A Constituição da República Federativa
do Brasil de 1988 ficou reconhecida como a Constituição Cidadã em função de que
esculpe em letras douradas de suas páginas 250 artigos que embasam a mais ampla
expressão de proteção aos direitos e garantias do cidadão já existentes,
abraçando os indivíduos com seu manto protetivo, dando-lhes um escudo guardião
das arbitrariedades e ilicitudes e uma espada da justiça para que possam
promover seus direitos e garantias. Suas diretrizes se irradiam por todo o
Estado, direcionando seus cidadãos através de sua luz, de forma a extraí-los
das trevas da ignorância e da ilegalidade, edificando o Estado Democrático de
Direito, sob o iluminar de sua proteção e sabedoria.
A legislação constitucional educacional
brasileira emergiu somente na Constituição Imperial de 1824 e trouxe no art.
179, (composto por 35 incisos), n° 32 que a instrução primária seria gratuita a
todos os cidadãos, porém, este direito apenas pertencia à letra do artigo,
posto que na prática as minorias compreendidas pelos negros, índios e mulheres
eram excluídos desta garantia, porém conforme afirmou Silva (apud MUNIZ, 2002, p. 80) a respectiva
foi pioneira mundialmente em positivar os direitos educacionais do homem, o que
demonstra sua preocupação com a justiça humana.
Em seguida, a Constituição de 1891, deu
continuidade a legalização do ensino, trazendo, também a gratuidade da instrução,
estabelecendo às constituições estaduais suas diretrizes, conforme se nota no
art. 65, n° 2º. Adiante, a Carta Magna de 1934, elencou no art. 179 a educação
como elemento para a formação da personalidade, determinando no art. 150 “a”, a
gratuidade e a obrigatoriedade de frequência ao ensino primário, gravando
diretrizes para a educação nacional. Já no Caderno de Leis de 1937, mesmo sendo
ditatorial em sua forma e conteúdo, trouxe no artigo 130 a educação como sendo gratuita,
solidária e obrigatória, bem como, estabeleceu no art. 125 o dever primordial
dos pais em ministrá-las incumbindo ao Estado somente o dever de contribuir e
complementar as deficiências da educação particular.
Em andamento, a Constituição de 1946,
robusta através do artigo 166, o princípio da solidariedade no que tange ao
direito educacional, introduzindo-o em seu âmago, e, proclamando pela primeira
vez, o direito à vida, substituindo o antigo termo subsistência. Neste percurso, na Carta Magna de 1967, foi esculpido
no artigo 168, caput, a educação de
forma estruturada, instante em que os direitos econômicos e sociais foram
divididos em dois títulos, sendo um sobre a ordem econômica e o outro sobre a
educação, a família e a cultura, enfatizando o manto da solidariedade como
envolvente do direito educacional. Já na Constituição de 1969, houve uma repressão
à expressão constitucional da educação.
Neste andar, emergiu a Carta Cidadã de
1988, que trouxe um Capítulo para designar este direito (Capítulo III – arts.
205 ao 214), estabelecendo os objetivos gerais sobre o sistema educacional
brasileiro, proclamando seus titulares, e, enfatizando a solidariedade como
elemento norteador, definindo a família, à sociedade e ao Estado de forma
conjunta sua promoção e incentivo. Descrevendo, também, no caput do artigo 5° e nos incisos do art. 6° a proteção do direito à
educação.
No que reporta ao art. 205 da
Constituição de 1988, Maliska (2013, p. 204) define que “falar em educação é,
reconhecer o papel indispensável dos fatores sociais na formação do indivíduo”.
Ademais, a educação é formada pela esfera intelectual e moral conjuntamente,
afinal o conhecimento seria nulo, caso o indivíduo não fosse detentor de
valores, pois conforme sabido, a mesma mão que escreveu a Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão (ano de 1789), que marcou o reconhecimento dos
direitos da pessoa humana, também, esculpiu as Leis Nazistas, além de que, sabe-se
que o papel aceita tudo que lhe for colocado, porém, é a pessoa humana quem é
possuidora de saber suficiente para decidir o que é benéfico e necessário para
o convívio social.
Conforme o referido autor (2013, p.
204) a educação seria mais que uma formação, pois consistiria em uma “condição
formadora necessária ao próprio desenvolvimento natural”, logo, a educação sob
o prisma de direito de todos implica em mais que assegurar o desenvolvimento da
leitura, da escrita ou do cálculo, por precisar edificar, os valores morais, as
funções mentais e a aquisição do conhecimento necessário para exercer as
funções da vida social. Convém salientar que é na sociedade que a educação é
desenvolvida, portanto, seu papel é fundamental para o desenvolvimento deste
direito, visto que, uma educação de qualidade deve considerar as
especificidades da região onde a pessoa reside.
Ademais, com relação ao trabalho dos
pais em educar os filhos, a Constituição grava em seu Caderno de Leis os arts.
205, 208 §3°, 227 e 229, proclamando o dever jurídico destes com a educação de
seus filhos, coadunado com a participação estatal, evidenciando a importância
da participação de todos no que reporta a promoção deste direito aos cidadãos,
visto atuar no pleno desenvolvimento da pessoa de maneira a formar pessoas com
autonomia intelectual e moral.
Segundo nos ensina Konrad Hesse, a democracia é ‘um assunto de cidadãos
emancipados, informados, não de uma massa de ignorantes, apática, dirigida
apenas por emoções e desejos irracionais que, por governantes bem intencionados
ou mal intencionados, sobre a questão do seu próprio destino, é deixada na
obscuridade’. Desta forma, são diversos os aspectos que envolvem o papel da
Educação em um Estado democrático. Poder-se-ia dizer que a educação (i) é um
instrumento permanente de aperfeiçoamento humanístico da sociedade; (ii)
promove a autonomia do indivíduo; (iii) promove a visão (...) das pessoas. (Ela
deve possuir a função de superar os preconceitos e ilicitudes sociais); (iv)
promove o sentido de responsabilidade entre as pessoas; (v) promove a
consciência de que viver em uma República não implica apenas desfrutar
direitos, mas também compreende responsabilidades cívicas; (vi) promove a
consciência pelo valor dos direitos individuais e sociais. (Maliska, 2013, p.
205).
Encontra expressão no art. 206 os
princípios consagradores do direito educacional, tais como, os referentes à
igualdade de acesso e permanência no ambiente escolar, o princípio da liberdade
em apreender, pesquisar, ensinar, divulgar, pensar no que corresponde à arte e
ao saber, sendo ao todo 08 princípios. No artigo 208 vêm escrito quais são os
deveres estatais no que se refere à educação, sendo 07 estes deveres, incluindo
o ensino fundamental obrigatório e gratuito. No art. 209 materializam-se as
diretrizes do ensino privado, submetendo-o ao “cumprimento das normas gerais de
educação nacional e a autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público”.
O artigo 210 apregoa a necessidade de
fixação de ensinos elementares para a educação fundamental, assegurando a
igualdade na formação e a afirmação de valores artísticos, culturais, nacional
e regional. Traz o artigo 211 a competência da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios para a organização do regime de colaboração dos
sistemas educacionais, composto por 4 parágrafos. O art. 212 traz o percentual
de aplicação de impostos na área educacional de cada ente. No art. 213
esculpe-se o destino dos recursos públicos referentes às escolas públicas. Por
fim, o art. 214 expressa a necessidade de estabelecer um plano nacional de
educação, objetivando articular o sistema e definir suas diretrizes,
estratégias, objetivos e metas que o materializam, como meio de garantir a
manutenção e o desenvolvimento do ensino.
4.3 Explorando a Educação de maneira
Estratégica para a Cidadania
O crescimento da violência tanto no meio urbano quanto rural, coadunado
com a falta de ressocialização dos presídios, conjuntado pelo poder que o crime
organizado tem detido, e as dificuldades que as instituições policiais
encontraram para se adaptar às exigências sociais, emergentes da
democratização, tem sido fator desencadeante de fortes preocupações sociais.
Neste sentido:
A relação das polícias com a democracia tem sido ambígua, marcado pelo
impasse entre a defesa da ordem e a defesa dos direitos dos cidadãos. Assim,
por um lado, todos reconhecem que as polícias são organizações fundamentais
para o funcionamento e para o ordenamento das sociedades contemporâneas,
protegendo os cidadãos e garantindo-lhes o pleno uso de seus direitos; por
outro lado, contudo, as polícias tem sido também o braço armado das forças
sociais hegemônicas da defesa do seu status
quo, o que no Brasil se traduziu na lógica do inimigo interno e no uso
indiscriminado da força (Neves, 2002, p. 13/14).
No entanto, a redemocratização dos anos 80 e 90 modificaram este modelo
policial, fazendo eclodir uma polícia em mutação para os direitos humanos,
ocasionando uma aproximação entre as polícias e destas para com a sociedade,
fato este, visível no Plano de Comando Militar de Santa Catarina que propõe o
estabelecimento de uma polícia comunitária, pautada na proximidade e na
materialidade de ações educacionais.
Cabe destaque o fato de que a Polícia Militar de 1988 e os Direitos
Humanos andam de braços dados, formando uma aliança baseada na promoção destes
direitos e na efetividade das ações da corporação. Neste enfoque, convém
salientar que todas as pessoas são detentoras de direitos e deveres conforme
preceitua a Carta Magna, no entanto, em alguns países estes direitos são mais
respeitados que em outros, porém, não há justificativa para que estes direitos
não sejam disponibilizados.
Além de que, conforme Dallari (2004, p. 7) todas as pessoas são iguais
em direitos e deveres, e desta forma, nenhuma vale mais que a outra, ou possui
um direito maior que o de seu semelhante. Porém, como são costumeiros, os
grupos mais influentes procuram sobrepor seus valores e direitos, no entanto,
isto é ilícito e pode ser freado através dos poderes legislativo, executivo e
judiciário, é por isto, que o povo precisa demonstrar interesse nas decisões
políticas, fiscalizando os atos públicos, para que os mesmos não venham a beneficiar
apenas alguns poucos, visto que no modelo democrático de direito, o interesse
público deve sobressair-se aos demais.
Neste andar, uma questão que aflige a sociedade é a promoção dos
direitos humanos fundamentais, entre eles, a segurança pública e a cidadania.
Neste enfoque, Adorno (2002, p. 11) destaca que a Polícia Militar, para
conseguir suprir a demanda social, precisa constituir mais que o braço armado
do Estado, visto que deve municiar-se, também, de sua força intelectual e com
isto atuar, principalmente, preventivamente, através da proteção dos direitos
humanos, posto que estes direitos e a segurança pública se incorporam, devido a
sua relação de interconexão.
É por isto que este manuscrito visa demonstrar a efetividade da função
policial na sociedade democrática, visando vencer este rótulo de que a promoção
dos direitos humanos não condiz com o trabalho da Polícia Militar. Neste
contexto, os direitos da pessoa humana são universais, ou seja, válidos em
todos os Estados, embora possam variar de região para região quanto à
enumeração, extensão, e quanto à forma de concretização, porquanto, estes
direitos são indiferentes à nacionalidade e cidadania, pois são válidos para as
pessoas enquanto seres humanos, de forma indistinta, como assegura Dallari
(2004, p. 24/25).
Contudo, a universalização destes direitos não ocorre da mesma maneira
que a globalização, visto que esta última está conectada com a ideia do lucro
financeiro e desvinculada de qualquer compromisso com a materialização de
direitos ou garantias humanas, conforme destaca Tosi (2002, p. 41). O processo
de globalização efetua o caminho inverso que o dos direitos humanos, por
preferir o retrocesso de direitos, ou seja, a intervenção mínima do Estado,
abrangendo a pura defesa dos direitos da liberdade. Nesta trajetória, não há
lugar para a defesa dos direitos sociais e de solidariedade, é por este motivo
que novas e velhas desigualdades sociais e econômicas emergem e coadunam-se em
detrimento da efetivação dos preceitos da Carta Magna e dos direitos humanos.
Aqui permeia a dificuldade encontrada para semear estes direitos, devido
ao fato de não trazerem lucro pessoal, ao contrário, posto que os mesmos
libertam os seres humanos, e conscientiza-os de seu valor, munindo-os com meios
para se desprender das arbitrariedades e ilicitudes que lhe são impostas,
excluindo e marginalizando-os no núcleo social à mercê da boa vontade do Estado
e de seus representantes que, controlados pelo sistema capitalista, objetivam
mais o lucro, apresentando políticas públicas superficiais, apenas como
marketing para auferir votos e manter seu cargo público, do que, realmente
libertar e proteger estes cidadãos desguarnecidos de direito e justiça.
Conforme foi apresentando, até então, é a educação que traz a alforria
destes cidadãos marginalizados, extraindo-lhes o véu da ignorância e
arrebentando suas algemas, liberando-os dos açoites das injustiças e das
amarras dos troncos e cepos das arbitrariedades provenientes de todos os lados,
assinando sua Carta da Liberdade, armando-os com a espada do conhecimento e com
o escudo dos direitos e garantias, que mais que belas palavras, são
necessidades que precisam ser conhecidas, para serem buscadas e efetivadas.
Afinal, como pode o homem buscar algo que nem sequer sabe existir?
Tosi (2002, p. 45) chega a afirmar que “a questão dos direitos humanos
(...), funciona como uma ideia reguladora, um horizonte que nunca poderá ser
alcançado porque está sempre mais além, mas sem o qual, não saberíamos sequer
para onde ir”. Porém, mais que utopia, estes direitos são realidade, pois,
encontram-se expressos no Caderno de Leis universais que compreendem os
direitos humanos, e partindo do papel para a materialização social, precisa
apenas motivação, conhecimento e aplicação.
De acordo com Freitas (2002, p. 50) a cidadania[3] coexiste com a
desigualdade, visto que os direitos são descritos como natos e pertencentes ao
ser humano, porém, “nas relações de poder e exploração, não é assegurado o seu
exercício ao cidadão”, uma vez que não abrangem lucro financeiro. Existe uma
dicotomia entre a positivação destes direitos e sua efetividade, pois, embora
sejam assegurados, não são respeitados, como é perceptível nas desigualdades
sociais, que resultam em uma democracia sem cidadania.
Para Warren (apud Freitas,
2002, p. 51) não há como edificar a democracia nestas condições, pois as ações
estão contraditórias, visto que, se a democracia apoiar a existência destas
desigualdades, a mesma constituirá um modelo de sociedade para excluídos, e sua
aplicação será uma farsa, pois estaria afirmando uma “cultura política de
exclusão social, de violência, de desidentificação social”. Constata-se na
atualidade uma crise na cidadania, onde os indivíduos desconhecem seus
direitos, dificultando ainda mais sua promoção, que a primeira vista, já não
possuem tantos adeptos a promovê-los.
[...] a simples situação de miséria, de discriminação ou mesmo de
exploração não produz automaticamente este reconhecimento. E mais ainda, como
reconhecer o direito de lutar por um direito? Neste sentido é fundamental a
existência de um fator subjetivo, ou seja, o reconhecimento de sua dignidade
humana, que sempre foi solapada nas classes subalternas e tem suas raízes no
sistema escravocrata e colonial. Warren (apud
Freitas, 2002, p. 51).
Em decorrência da necessidade de efetivar estes direitos, e afirmar a
cidadania, certifica-se, a obrigação de educar as pessoas para se descobrirem
como sujeitos de direitos, isto é, é preciso conhecer para buscar. Nada
obstante, a Constituição no Título VIII, Capítulo III, apregoa a educação como
direito de todos e dever estatal, familiar e social, cuja finalidade compreende
em mais que efetuar o pleno desenvolvimento da pessoa, mas prepará-la para o
exercício da cidadania.
Depreende-se do exposto, que o problema com relação aos direitos
humanos, já não é mais o de seu fundamento, mas sim o de garanti-los à
sociedade e o maior entrave para sua efetividade compreendem a falta de
conhecimento e a falta de reivindicação. A transposição deste modelo jurídico,
expresso por uma constituição de papel, contem apenas normas escritas e não
detém efetividade, implica na necessidade de orientação educacional
interdisciplinar, priorizando as relações escolares, comunitárias e sociais.
O termo cidadania, como mencionamos anteriormente, é muito vago. Quando
se tenta defini-la, surgem as mais variadas explicações: ‘[...] é quando o
cidadão cumpre seus deveres e conquista seus direitos.’; ou então: ‘[...] é
atuar dentro de uma sociedade, ter direitos e deveres, e fazer uso destes.’
Ainda, aparece a possibilidade de ‘desfrutar da condição de ser brasileiro’,
condição essa relacionada com a própria questão da nacionalidade. Deve-se
considerar, também, que a questão dos direitos humanos e da cidadania é pouco
abordada na educação em geral, e mesmo nos cursos jurídicos, é abordada de
forma superficial.
Neste enfoque, o conceito de cidadania, conforme Ferreira (apud FREITAS, 2002, p. 55) compreende os
direitos naturais, a liberdade do pensamento, de religião, e a igualdade frente
à lei, neste sentido, a mesma origina-se dos “direitos formais de liberdade”,
desencadeando hodiernamente nos direitos civis, porém, compreende um processo
em desenvolvimento.
Assim, conforme o respectivo autor (2002, p. 57) os autores que
identificam a cidadania com a nacionalidade, preocupam-se, simplesmente, com a
questão da aquisição ou perda da nacionalidade. Já os doutrinadores que a
diferem da mesma, colocam-na no somatório com a nacionalidade, “mais os
direitos políticos de votar e ser votado”. Destarte, para Andrade (apud FREITAS, 2002, p. 57) “a cidadania,
genericamente, é, pois, um vínculo jurídico que liga o cidadão ao Estado,
delimitando seu círculo de capacidade: o conjunto de direitos (políticos) e
obrigações perante o Estado”, quando um indivíduo não pertence a nenhum Estado,
encontra obstáculo para reivindicar direitos, pois se torna um sujeito
apátrida, não detendo por isso, nenhuma ordem jurídica.
Desta forma o conceito de cidadania não se reduz a “vinculação à
nacionalidade ou a participação político-eleitoral dos indivíduos na sociedade,
pois o discurso da cidadania se materializa, democraticamente, quando enunciado
pelos sujeitos sociais e políticos, visando erigi-lo em espaço público
reivindicatório de direitos”, como destaca Freitas (2002, p. 60). A cidadania consiste, então, no poder de
acesso ao espaço público. Em outro sentido, a cultura do Brasil efetivou-se por
meio da colonização, refletindo os muitos anos de exploração que o país
vivenciou, a qual perdura até os dias atuais, se vista sob o ângulo dos abusos
existentes, posto que sua formação histórica apenas reproduziu as relações
sociais autoritárias e conservadoras dos colonizadores, desta feita, Freitas
(2002, p. 63) destaca que:
[...] a luta pela construção de uma cidadania vai ao encontro dos
problemas concretos que o ser humano vive em áreas referentes à subsistência, à
saúde, à moradia, à educação, ao trabalho, à segurança, à dignidade humana,
entre outras. Como construção de direitos que, ‘essa cidadania coletiva e
orgânica das massas pressupõe a conquista de um direito essencial (que deve ser
inalienável) pelos movimentos populares: o direito de conquistar (e gerir)
direitos’ (Scherer-Warren, 1993, p. 55). A conquista desse direito se dá com o
reconhecimento de que é sujeito de direitos.
Posto isto, enfatiza-se, que a
cidadania da qual a sociedade precisa é aquela com capacidade de dar competência
aos seres humanos para ser e fazer-se sujeito de direitos, organizando-se
coletiva e solidariamente na procura pela emancipação humana. Visto que, a
situação a que o povo está submetido, na verdade compreende o oposto da
cidadania (pobreza política, falta de conhecimento jurídico, falta de
organização social). Através do exercício da cidadania, será possível organizar
a sociedade politicamente, engajando-se na reivindicação de direitos,
promovendo o bem-estar coletivo e a efetividade dos direitos humanos.
Destarte, acima de um vínculo jurídico,
a mesma compreende a luta pela positivação e materialização dos direitos,
nascida no âmago da liberdade individual, buscando emancipar os indivíduos,
como enfatiza Freitas (2002, p. 64/65). Ter conhecimento sobre seus direitos
não é suficiente para poder promovê-los, é preciso lutar para efetivar os
direitos já positivados e os novos direitos que emergem das relações sociais,
neste enfoque, evidencia-se que todas as pessoas são portadoras de direitos
humanos, mas para auferir a cidadania efetiva, é preciso ser detentor de
capacidade para exercitar os direitos expressos nas normas vigentes.
Nesse sentido, a cidadania é a condição de reclamação, de reivindicação
de direitos e do exercício desses direitos. A cidadania é o acesso ao espaço
público: em primeiro lugar, ela é o acesso jurídico e político; em segundo, ela
é a participação no processo de construção desse espaço público. O acesso
jurídico confere ao sujeito o direito de participar da comunidade
conferindo-lhe o status formal de
cidadania. Porém, não basta o sujeito ter a nacionalidade, pois ela não garante
a efetividade dos direitos humanos. (Freitas, 2002, p. 66).
Diante disto, é preciso investir na
educação para abrir a visão, principalmente das classes desfavorecidas, que se
encontram, também, cegas pelo capitalismo e pela vontade de consumir, visto que
os excluídos não buscam mais a efetividade de um direito constitucional, mas
visam, simplesmente, o direito de consumir, fazendo com que este direito
substitua os direitos civis e políticos, limitando a organização política,
retrocedendo ao invés de avançar democraticamente, conforme o entendimento de
Freitas (2002, p. 74).
É preciso redefinir a ideia de
direitos, partindo da concepção da reivindicação de um direito a ter direitos,
cuja qual não se limita as conquistas legais ou ao acesso dos direitos
positivados, mas inclui a criação de novos direitos que afloram das lutas
sociais, buscando uma cidadania que constitua uma estratégia para os não
cidadãos, para os marginalizados, e, excluídos, como entende Dagnino (apud FREITAS, 2002, p. 75), demandando a
criação de instituições que ensinem, expressem e auxiliem na materialização destes
direitos.
Deste modo, Freitas (2002, p. 77)
distingue “a cidadania passiva – aquela que é outorgada pelo Estado, com a
ideia moral da tutela e do favor – da cidadania ativa, que institui o cidadão
como portador de direitos e de deveres, mas essencialmente criador de direitos
de abrir espaço de participação” e de emancipação, desencadeando no fim da
desigualdade e no “fim da divisão dos brasileiros em castas separadas pela
educação, pela renda, pela cor”, (2002, p. 78) edificando no solo brasileiro um
Brasil Democrático, nos moldes que a Constituição Federal lhes promulga,
colocando a pessoa humana, por consistir o bem mais valioso da humanidade,
acima de qualquer outro valor, conforme o entendimento de Dallari (2004, p.
09). Nas palavras do autor (2004, p. 13), “como todas as pessoas são iguais – uma
não vale mais do que a outra, uma não vale menos do que a outra” – e a todos
deve ser assegurada a possibilidade de usufruir de todos os direitos humanos e
fundamentais.
O maior valor de um Estado é o da
pessoa humana, visto que o mesmo se edifica através do povo. Desta forma, como
fundamento do Estado Democrático de Direito (Art. 1, III da CF) existe a
dignidade da pessoa humana, a qual precisa ser respeitada sob pena de negação
aos preceitos da Carta Magna, além de que, por compreenderem seres frágeis, as
pessoas possuem um dever de solidariedade para com seu semelhante, dever este
que até os animais possuem, por isto vivem em matilhas (para defenderem-se e
garantirem sua sobrevivência), desta maneira, no instante em que houver
respeito pela individualidade de cada ser, e solidariedade no que tange as suas
necessidades, as injustiças sociais serão dirimidas e a humanidade poderá
usufruir o direito da terceira geração que é a paz.
Os direitos humanos foram manchados
pela dor, sangue e sofrimento de muitos anos de guerras, no entanto, já
proporcionaram diversas vitórias, contudo, o caminho até sua completa
efetividade é longo e árduo, pois precisará vencer o entendimento de que estes
direitos são privilégios das classes favorecidas. Neste enfoque, parece contraditório
afirmar que as pessoas possuem a obrigação de exercerem seus direitos, no
entanto, devido à natureza associativa dos indivíduos e a solidariedade
inerente da condição humana, bem como, a fraqueza dos grupos sociais isolados,
no instante em que forem enfrentar o Estado ou grupos sociais poderosos, é
imperioso que todo o povo participe nas atividades sociais para igualar o poder
de coerção, como define Dallari (2004, p. 25), pois a vida em sociedade é um
imperativo da natureza humana.
Por decorrência, como meio de organizar
esta sociedade é que existem as regras, as quais precisam ser respeitadas para
garantir uma convivência saudável, para isto é preciso que todos conheçam seus
direitos e deveres e os respeitem. Do exposto, Dallari (2004, p. 30) define que
um Estado Democrático ergue-se sobre três bases:
[...] o respeito à liberdade, reconhecida como direito fundamental da
pessoa humana; o reconhecimento da igualdade como outro direito humano
fundamental condicionante da organização social; a supremacia da vontade do
povo, que deve ter a possibilidade de decidir, diretamente ou por meio de
representantes eleitos, sobre todos os assuntos importantes ou de seu
interesse.
São diversos os direitos humanos
fundamentais, entre eles, pode ser destacado, o direito à vida, que é o bem
primordial da pessoa humana, visto que dela decorrem todos os demais direitos.
Porém, garantir o direito à vida, não compreende simplesmente proibir que a
pessoa sucumba, pois, exige o respeito pela integridade do indivíduo e
possibilidade de uma existência digna, visto que, “nenhuma vida humana é
diferente da outra”, por isto, nenhuma vida vale mais que a outra, como
enfatiza Dallari (2004, p. 33). Porém, muitos atentados ocorrem diariamente na
sociedade, impulsionados pela ambição desmedida de algumas pessoas, que limitam
e extraem a vida dos marginalizados objetivando o simples lucro financeiro,
pode ser utilizado como exemplo, o caso da poluição das grandes indústrias e o
uso de venenos e substâncias tóxicas na agricultura.
Tem-se também a situação de pobreza
extrema, na qual subsistem milhões de pessoas, morrendo de fome, cede e frio
paulatinamente, nas ruas da cidade sob a luz da Constituição e o olhar de seus
semelhantes, pessoas desassistidas de um mínimo de saúde, de alimento e de
condições para sobreviver. O mesmo ocorre com as pessoas que são obrigadas a
trabalharem em ambientes perigosos ou prejudiciais à saúde, que pelo benefício
de um mínimo de acréscimo no salário, vendem suas vidas e sua dignidade.
Desta feita, conforme Dallari (2004, p.
36) “o respeito à vida de uma pessoa não significa apenas não matar essa pessoa
com violência, mas também dar a ela a garantia de que todas as suas
necessidades fundamentais serão atendidas”, é somente isso que a Carta Cidadã impõe
aos seus cidadãos ao destacar que a vida que ela garante, precisa ser vivida
com dignidade. Todas as pessoas possuem o direito ao respeito por suas vidas,
no sentido mais amplo possível.
Assim como, “todo o ser humano tem o
direito de ser reconhecido e tratado como pessoa”. Este direito deixa de ser
respeitado quando o indivíduo age para com seu semelhante com violência de
qualquer espécie, forçando-o a viver em situações degradantes, humilhantes ou
discriminantes, como afirma Dallari (2004, p. 37), “reconhecer e tratar alguém
como pessoa é respeitar sua vida, mas exige que, também, seja respeitada a
dignidade, própria de todos os seres humanos”.
No artigo 1° da Declaração Universal
dos Direitos Humanos (de 1948) esculpe-se o direito à igualdade entre as
pessoas, no entanto, deste direito de igualdade e liberdade emerge a denominada
falsa liberdade, ou seja, os excessos que alguns indivíduos cometem sob a
desculpa de que são livres e podem tudo que desejarem, além de que o autor
(2004, p. 44) enfatiza que é errado afirmar que a liberdade de uma pessoa
encerra-se ao começar a liberdade do outro cidadão, visto que o direito da
liberdade é exercido de forma conjunta, e a liberdade de cada pessoa
encontra-se “entrelaçada com a dos demais seres humanos”, logo, ao afirmar um
direito é preciso que o Estado garanta meios para que este direito seja
usufruído.
Ao falar em usufruir direitos,
retorna-se ao ponto inicial deste trabalho que embasa a necessidade social por
educação, visto que, conforme o exposto, não há como exigir algo que não se
conheça. Neste aspecto, municiada através da inteligência é que a Polícia
Militar conscientizou-se que agir preventivamente, produz mais resultados que
atuar repressivamente e para isto, buscou trabalhar através da educação, em uma
relação de proximidade e respeito mútuo para com a comunidade.
4.4 A Promoção da Educação em Direitos
Humanos através da Polícia Militar por meio do programa EDHUCA: Educação em
Direitos Humanos e Cidadania Ativa
A Polícia Militar abraçou a Carta
Política de 1988, em seu inteiro teor, passando a orientar o seu agir com base
nos direitos humanos fundamentais, trabalhando em proximidade dos cidadãos,
buscando a efetividade dos preceitos esculpidos no ordenamento jurídico.
Intelectualizada, esta instituição procurou
agir preventivamente, e encontrou a educação como medida para tanto, atuando,
sobre a criança com a personalidade ainda em formação, fato este que permite
maior aceitação do conteúdo ministrado, aferindo maiores resultados em sua
socialização, construindo uma sociedade pautada na legalidade e no conhecimento
de seus direitos e deveres como pessoa
humana. Sob este enfoque o TC Julio Cesar Pozzo da Fonseca, criou no 15º
Batalhão de Polícia Militar do município de Caçador/SC, o projeto EDHUCA:
Educação em Direitos Humanos e Cidadania Ativa, o qual se dirige ao público
infanto-juvenil do 7° ao 3° ano do ensino fundamental e médio.
O programa visa instruir os alunos,
professores, pais e demais cidadãos ao conhecimento dos direitos humanos
fundamentais, buscando a melhoria do convívio social e a diminuição nas taxas
de violência, para que estes passem a atuar como multiplicadores dos valores
humanos, no intuito de originar uma cultura promotora do respeito e defesa
destes direitos. Pretende-se que os educadores sejam instruídos,
permanentemente, por meio de estudos e pesquisas de campo, as quais serão
repassadas aos discípulos, para que possam aferir conhecimentos teóricos e
práticos, concedendo-lhes capacidade suficiente para solucionar as
problemáticas apresentadas a eles.
As atividades práticas serviriam como
um processo de capacitação para a conscientização e prática dos alunos, no que
tange ao agir político e legalmente correto, onde se pretende ofertar oficinas
pedagógicas, exposições dialogadas, trabalhos de campo e manifestações
artísticas em geral, ofertando a maior gama possível de conhecimento a estes
alunos, possibilitando a sua total liberdade de agir frente à busca e
efetivação de seus direitos. A intenção é demonstrar a realidade social para
estes jovens, e com isto, ensinar-lhes os direitos e garantias protetivos,
munindo-lhes de mecanismos para solucionar as problemáticas, transmitindo-lhes,
além de conhecimento jurídico, valores sociais e morais, desenvolvendo seu
raciocínio lógico.
O curso objetiva dividir-se em cinco
modalidades, onde inicialmente pretender-se-ia repassar capacitação aos
professores destes alunos, em segundo instante o público alvo seriam os alunos
do 7° ao 8° ano letivo, e depois do 9° ao 1° ano, e, por fim, do 2° ao 3° ano
letivo, atuando gradual e periodicamente. De modo geral, o projeto visa
oferecer estes conhecimentos a todos os públicos, conforme o alcance de suas
possibilidades, posto que, o objetivo é abrir o mundo jurídico para o povo,
para que este lhe dê efetividade. O
projeto procura estabelecer uma aproximação entre a polícia e a comunidade
escolar, comunitária e familiar, envolvendo a participação do máximo possível
de pessoas, posto que, a transmissão de conhecimento embasaria um método para
transformar a realidade esmagadora que vigora em terrae brasilis, manchando de ilicitudes a bandeira nacional.
É incabível que em um Estado
Democrático de Direito ainda existam pessoas que desconheçam as leis e
garantias que lhe assistem, sendo ainda mais intolerante que a prática de
arbitrariedades e ilicitudes ocorra à luz do dia, como realmente ocorre, é
preciso clarificar as pessoas quanto o seu valor, é necessário conscientizar a
humanidade que a luz que irradia da Constituição ilumina a todos os cidadãos
nacionais, indistintamente, como define a letra do caput do art. 5°. A busca pelo crescimento e lucro a qualquer custo,
tem destruído a humanidade nos corações das pessoas e com isto, ceifado milhões
de vidas, indiscriminadamente, pessoas “sem face e sem nome”, que morrem nas
calçadas, às margens da sociedade, cegos pela sombra da ignorância de seus
direitos, em negação aos fundamentos desta República:
Art.
3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o
desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e
reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem
preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
(Grifos da autora).
Tais palavras aparentam letra morta no
Caderno Constitucional, a um passo de pertencerem ao cemitério de leis, pois,
não é notável a efetividade destas expressões, que mais que declarações são
diretrizes que fundamentam a ordem estatal. É público que milhares de pessoas
sucumbem devido à pobreza e a marginalização ocasionada pelas desigualdades
sociais. É preciso que a população esteja consciente disto, e que passe a
buscar a efetividade destas leis, promovendo e respeitando-as. Os cidadãos
reclamam por educação para poderem, então, edificar o Estado que a Carta Cidadã
deseja, é necessário descortiná-los de seus direitos e de sua condição de
pessoa humana que a vitimização constante lhes extraiu.
É imensurável o tempo em que as igrejas
e as leis apregoam a igualdade entre os seres humanos, contudo, estas
afirmações nunca se edificaram no solo nacional, ou mesmo internacional, como a
própria história demonstra, como destaca Dallari (2004, p. 46), desta maneira,
“quando se diz que todos os seres humanos nascem iguais, o que se está
afirmando é que nenhum nasce melhor do que o outro”, porém, a sociedade age de
maneira desigual, oportunizando mais a uns que a outros, por isso, o imperativo
que a Polícia Militar verificou de levar informação e conhecimento,
principalmente ao povo desfavorecido, como forma de armar a sociedade contra as
injustiças.
A desigualdade se legalizou de tal
forma, que possui a denominação de globalização, a qual busca “aumentar a
submissão dos países menos desenvolvidos e eliminar direitos dos trabalhadores,
para assim, ganharem mais dinheiro, indiferente ao aumento das injustiças”. É
isto que o programa EDHUCA, visa mostrar, é para responder a estes tipos de
situações que o mesmo pretende preparar os jovens. Uma das mais graves
consequências da globalização, ocasionada pela Era Robótica, foi o alto índice
de desemprego, visto que a mão-de-obra humana vem sendo substituída pela
maquinaria, que é mais rápida e econômica, agravando as desigualdades e
injustiças, desguarnecendo os cidadãos.
Afinal, não há motivos que justifiquem,
por exemplo, que a educação privada seja melhor que a educação pública, ou que
a saúde privada seja melhor que a pública, se os profissionais possuem as
mesmas formações e capacidades. É por isto que o programa EDHUCA pretende abrir
a capacidade de raciocínio lógico da sociedade, construindo uma cultura de
seres pensantes e atuantes na luta pela efetividade de seus direitos.
[1] Homero e Hesíodo,
poetas gregos, que viveram entre os séculos VIII e VII a.C. e marcaram a
educação e a formação humana, grega e ocidental.
[2] Ação referenciada em
cálculos, com adequação dos meios a um determinado fim.
[3] O termo cidadania é
vago, podendo ter várias interpretações conforme o interesse. Por exemplo, de
acordo com a cultura jurídica dominante, pode ser vista meramente como um
atributo concedido pelo Estado ao indivíduo social (nacionalidade).
Considera-se, porém, que a cidadania é mais que a simples equivalência a
nacionalidade, que o cidadão formal pode não ter conhecimento de seus direitos,
e o conhecimento de que é sujeito de direitos é condição para o exercício da
cidadania. Mas, nesse sentido, apenas ter conhecimento não é suficiente. É
necessário lutar tanto pela efetividade dos direitos listados na norma
constitucional quanto por novos direitos. (Freitas, 2002, p. 52).