1. INTRODUÇÃO
Apesar de o direito da propriedade expressar-se como o mais amplo dos
direitos subjetivos concedidos ao indivíduo no núcleo patrimonial, o mesmo
sofre diversas restrições ao seu exercício, impostas não apenas em virtude do
interesse coletivo, como também em atenção aos proveitos individuais.
Destaca-se por tanto as concernentes as relações da vizinhança, as quais
objetivam evitar conflitos de conveniência entre proprietários de prédios
convizinho.
Portanto, tenciona conciliar o exercício da propriedade com as relações
de vizinhança, em virtude de que tais relações de proximidade possibilitam a
incidência de contendas, em conformidade com Gonçalves (2011). Segundo o
mencionado autor, “não se confundem, todavia, as limitações impostas às
propriedades contíguas com as servidões propriamente ditas.
Estas resultam da vontade das partes e só excepcionalmente da usucapião, ao
passo que os direitos de vizinhança emanam da lei.” Assim sendo, a vizinhança
concerne em uma limitação do domínio, estipulando direitos e deveres recíprocos
entre os proprietários de prédios vizinhos, direitos os quais se encontram
desobrigados de registro, posto que emirjam do simples convívio contíguo entre
os prédios.
Em citação a Barros Monteiro, o referido autor assegura “os direitos de
vizinhança constituem limitações impostas pela boa convivência social, que se
inspira na lealdade e na boa fé. A propriedade deve ser usada de tal maneira
que se torne possível a coexistência social. Se assim não se procedesse, se os
proprietários pudessem invocar uns contra os outros seu direito absoluto e
ilimitado, não poderiam praticar qualquer direito, pois as propriedades se
aniquilariam no entrechoque de suas várias faculdades.”
Em conformidade com Ulho Coelho (2012), “vizinhos sãos os imóveis cujas
características físicas ou a utilização de qualquer deles pode interferir na do
outro.” Neste sentido não constituem neste rol apenas os imóveis contíguos, mas
todos que por sua proximidade possuem a capacidade de gerar interferências
recíprocas, assim, inexistem um padrão de proximidade para tal identificação, o
que difere é o alcance da propagação de seus efeitos sobre a propriedade do
outro, tornando-os vizinhos. Salienta-se que o respeito aos padrões de conduta,
não se aplicam apenas aos proprietários dos imóveis, mas também aos possuidores
dos mesmos, fazendo com que tais prerrogativas ajam além das limitações
impostas ao direito de propriedade, mas também, ao exercício do direito de
posse. Sob regra geral, tais direitos são gratuitos, no entanto, podem ser
onerosos, como no direito de passagem.
Assim, os direitos de vizinhança constituem obrigações propter
rem, visto que vinculam os confinantes, associando a coisa, transmitindo-se
aos sucessores a titulo particular, sendo por isso, denominada obrigação
ambulatória. Tais obrigações podem atuar de maneira a impor ao vizinho a
permissão da prática de certos atos, como também sua abstenção, ou seja, uma
sujeição por parte do mesmo. Estas prerrogativas advêm da evolução assim como,
do princípio da solidariedade, e ainda, da função social da propriedade, que
orientam a atual codificação civil. Nesta direção, segundo Lisboa (2012),
incorre em ato ilícito quem abusar do direito utilizando-se de forma imoderada
um direito que cause prejuízo a outra pessoa. Isto definido passar-se-á, a
definição do uso anormal da propriedade, transcrita no próximo
item.
2. DO USO ANORMAL/NOCIVO DA PROPRIEDADE
Art. 1.277. “O proprietário ou o possuidor de um prédio tem o direito de
fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde
dos que o habitam, provocadas pela utilização de propriedade vizinha.”
Parágrafo único. “Proíbem-se as interferências considerando-se a
natureza da utilização, a localização do prédio, atendidas as normas que
distribuem as edificações em zonas, e os limites ordinários de tolerância dos
moradores da vizinhança.”
De acordo com Tartuce (2011), as limitações do direito da propriedade
conferem benefício ao bem comum e da paz social, acentuando que as mesmas são
ambulatórias ou propter rem, isto é acompanham a coisa onde quer que a mesma se
encontre. O uso anormal da propriedade é definido através do art. 1277 do CC,
de acordo com Diniz (2010), o mau uso é a utilização do direito que cause dano
a alguém, mesmo de forma intencional, cabendo ao prejudicado o direito de
reação, isto é “de fazer cessar as interferências lesivas à segurança, ao
sossego e à saúde.
Tal prejuízo de acordo com Gonçalves (obra citada) advém de três
espécies de atos: ilegais, que são os atos em desacordo com a lei, que obrigam
a composição de um dano, conforme art. 186 do CC; abusivos, atos praticados de
maneira irregular, de forma a prejudicar o vizinho, situando-se em desacordo
com a finalidade social, indiferente da intenção do vizinho de prejudicar ou
não, visto que a ilicitude decorre do mau uso da propriedade, ou seja, o
critério de verificação é objetivo, independente de dolo ou culpa, “descabendo
alegação de erro ou ignorância”. Em conformidade, são lesivos os atos que
resultam em dano, mesmo que “o agente não esteja fazendo mau uso da propriedade
e a atividade tenha sido até autorizada por alvará expedido pelo Poder Público.
Ex: a passagem de uma estrada de ferro. Destarte, apesar de regulares tais atos
causam prejuízos aos vizinhos, conferindo aos lesados o direito de fazer cessar
as interferências ilegais ou abusivas em detrimento de seus direitos.
Conforme Fiuza (2012) “a proibição das interferências está condicionada:
a) à natureza da utilização; b) à localização do imóvel; c) ao atendimento às
normas constantes das posturas municipais 2190/3574 (zoneamento); e d) aos
limites ordinários de tolerância (barulho excessivo de aparelhos sonoros,
ar-condicionado etc.).” Competindo aos vizinhos enquadrar-se aos limites de
tolerância da vizinhança. De acordo com Peluso (2010) “A expressão é ampla e,
para sua consecução, cabe ao vizinho ofendido um largo leque de medidas, desde
a execução de obrigação de não fazer, como cessar a emissão de ruídos, fumaça
ou gases, como também execução de obrigação de fazer, como a demolição de
imóvel em ruína que ameace a segurança dos prédios vizinhos, tudo com tutela
específica e meios previstos no art. 461 do Código de Processo Civil. Além
disso, o pedido cominatório pode ser adequado para reprimir o comportamento do
vizinho, sem prejuízo da indenização decorrente de danos morais e materiais.”
Nesta direção Lisboa (obra citada) destaca que “o prejuízo
decorrente do mau uso da propriedade pode ser:
a) à vida, que é o fundamento de todos os direitos
personalíssimos;
b) à saúde, atentando-se contra a integridade ou higidez física
ou psíquica da pessoa; e
c) à segurança, que vem ganhando maior relevância no estudo da
responsabilidade civil extracontratual e contratual.”
Bem como continua o mencionado autor no sentido de que:
“Aquele que vier a ser prejudicado pelo mau uso da propriedade poderá:
a) utilizar-se do interdito proibitório;
b) solicitar a adoção
de providências, pela autoridade policial, diante da perturbação do sossego ou, ainda, por prejuízo à segurança;
c) efetuar reclamação
junto ao poder público municipal;
d) efetuar reclamação
junto à autoridade sanitária, quando for o caso de prejuízo à vida ou à saúde;
e) notificar o
proprietário, pelo mau uso do bem; e
f) propor ação
indenizatória por danos físicos ou psíquicos à personalidade porventura
verificados.”
Ainda conforme o autor:
“O art. 1.277 trata ainda de prédios vizinhos. O termo prédio, usado pelo legislador, não se limita às construções e acessões, mas
abrange imóveis em geral, com ou sem construções, urbanos ou rurais. O termo vizinhança não se limita a
imóveis confinantes ou contíguos; vai além. A vizinhança se estende até onde se
propagam as interferências prejudiciais entre imóveis. Vê-se, portanto, que, de
acordo com a natureza e a intensidade da interferência, a vizinhança pode ser
mais ou menos ampla. A fábrica que emite gases ou odores prejudiciais à saúde
ou segurança tem como vizinhos Iodos os imóveis alcançados por seus efeitos,
ainda que em um raio de alguns quilômetros.”
Em referência a Gonçalves (obra citada), constitui o uso anormal tanto o
ato ilícito como o abusivo, que encontrem-se em desacordo com sua finalidade
econômica ou social, a boa-fé ou aos bons costumes. São bens tutelados neste
artigo, a segurança, a saúde e o sossego. Destarte:
Art. 1.278. O direito a que se refere o artigo antecedente não prevalece
quando as interferências forem justificadas por interesse público, caso em que
o proprietário ou o possuidor, causador delas, pagará ao vizinho indenização
cabal.
De acordo com Fiuza (obra citada), tal dispositivo confere uma exceção
ao direito do proprietário ou possuidor de fazer cessar a interferência, em
virtude que a hipótese em pauta refere-se ao interesse público, o qual
sobrepõe-se ao do particular, assegura no entanto, uma indenização cabal ao
vizinho, a qual abrange todos os prejuízos que o mesmo venha a sofrer
(desvalorização do imóvel, prejuízos pessoais), visto que a interferência é
irreversível, substituindo então a ação do dano infecto, pela ação
indenizatória. Conforme Peluso (obra citada), também são indenizáveis os
danos morais por ofensa a direitos da personalidade, como o sossego e a
incolumidade física e emocional dos moradores vizinhos. Convém destacar em
conformidade com o referido autor (obra citada) que tal indenização esta
sujeita a cláusula rebus, ou seja, o pagamento da indenização não libera o
proprietário do dever de reduzir as extensões dos prejuízos que posteriormente
se tornam evitáveis, garantindo ao mesmo o direito a devolução do valor
concedido, conforme o art. 884 do CC, que proíbe o enriquecimento sem causa. Em
extensão:
Art. 1.279. Ainda que por decisão judicial devam ser toleradas as
interferências, poderá o vizinho exigir a sua redução, ou eliminação, quando
estas se tornarem possíveis.
No seguimento de Gonçalves (obra citada), sendo o dano intolerável, o
juiz deve prioritariamente determinar que o mesmo seja reduzido a proporções
normais, porém caso não for possível a redução do incômodo, determinará o juiz
a cessação da atividade. Então, “quando nem mediante o emprego de medidas
adequadas se conseguirem reduzir o incômodo a níveis suportáveis, ou quando a
ordem judicial para que sejam adotadas não for cumprida, determinará o juiz o
fechamento da indústria ou do estabelecimento, a cessação da atividade ou até a
demolição da obra, se forem de interesse particular.” Tutelam-se tais direitos
por meio da ação cominatória, a qual determinará a abstenção ao réu da prática
dos atos prejudiciais, ou de adotar medidas para a redução do incômodo, sem
prejuízo de indenização pelos danos inevitáveis, assim como, sob pena de
pagamento de multa diária, conforme os arts. 287, 461, §4°, e 644 do CPC. Em
continuidade:
Art. 1.280. O proprietário ou o possuidor tem direito a exigir do dono
do prédio vizinho a demolição, ou a reparação deste, quando ameace ruína, bem
como que lhe preste caução pelo dano iminente.
Nesta lógica Peruso (obra citada), confere, que “o direito de
exigir a demolição é subsidiário, exigível apenas caso não faça o proprietário
os reparos necessários no prédio. Deve haver probabilidade concreta de ruína,
aferível por prova pericial, não bastando possibilidade eventual e remota. O
interesse que a lei visa a tutelar não se restringe ao desabamento da
construção, mas se estende a hipóteses análogas, que coloquem em risco a incolumidade
ou o patrimônio dos vizinhos, como incêndio, inundação ou desmoronamento.”
Fiuza (obra citada) em citação a Monteiro destaca que tal dever de fazer cessar
o uso nocivo da propriedade, em virtude de ameaça a segurança da população,
também confere-se a Municipalidade, legitimando o Poder Público de cumprir com
sua obrigação de zelar pela segurança dos indivíduos.
Destarte, esclarece Liboa (obra citada), que “ao prejudicado por dano
infecto, cabe a propositura:
• da ação de damno
infecto, objetivando a cessação da atividade que coloca em risco os
direitos de vizinhança; e
• da ação concionatória (cautio
de damno infecto), objetivando a prestação de caução, para os fins de
garantia ante a ocorrência de provável dano.”
Neste mesmo sentido pondera Meirelles, citado por Fiuza (obra citada),
que tal ação abre espaço, como o próprio artigo expressa, para a caução de dano
infecto, ou seja, “embora a lei civil só se refira a danos decorrentes do
estado ruinoso da obra, admite-se que a caução se estenda a outras situações
capazes de produzir danos, como trabalhos perigosos executados na construção
vizinha, deficiência de tapume da obra, perigo de queda de andaimes e outras
mais”. Em constância:
Art. 1.281. O proprietário ou o possuidor de um prédio, em que alguém
tenha direito de fazer obras, pode, no caso de dano iminente, exigir do autor
delas as necessárias garantias contra o prejuízo eventual.
Diniz (obra citada), assim expressa, “A lei assegura ao proprietário ou ao
inquilino de um prédio o direito de exigir garantia real ou fidejussória contra
prejuízo eventual, desde que terceiro, tendo direito de fazer obras de
conservação ou de reparação da servidão, p. ex., venha a realizá-las, ameaçando
o imóvel de dano iminente, já prestes a concretizar-se, ou de dano simplesmente
provável e constatado no início das referidas obras. O proprietário de um
prédio, que suporta servidão, não pode pleitear uma garantia do responsável
pela obra, e se porventura não vier a exigir tal caução contra dano iminente ou
eventual, ocorrido o prejuízo, poderá mover ação de indenização de perdas e
danos”. Destaca Gonçalves (obra citada), que a dação poderá, conforme o art.
827 do CPC, se dar em dinheiro, em papéis de crédito, títulos da União ou dos
Estados, pedras e metais preciosos, hipoteca, penhor, fiança, assim, “no
silêncio da lei, ‘a escolha da espécie de caução cabe ao obrigado a prestá-la,
não podendo o juiz impor que ela seja feita em dinheiro.”
3. DAS ÁRVORES LIMÍTROFES
Art. 1.282. A árvore, cujo tronco estiver na linha divisória, presume-se
pertencer em comum aos donos dos prédios confinantes.
Assevera Fiuza (obra citada) no sentido de que, tais dispositivodeverá ser
examinado “sempre tendo em vista três aspectos fundamentais: a) a quem
pertencem as árvores limítrofes; b) a quem pertencem os seus frutos; e c) qual
a situação dos ramos e raízes que ultrapassam as divisas do prédio.” Assim na
direção de Ulhoa Coelho (obra citada), em conformidade com a presunção relativa
da lei, se não houver sido acordado algo diferente entre as partes, decorre
que:
“Quando o tronco está na divisa de duas
propriedades, isto é, situa-se parte no imóvel de um sujeito e parte no de
outro, a árvore presume-se da propriedade comum deles (CC, art. 1.282). Da comunhão decorre que
nenhum dos proprietários, sem o consentimento do outro, poderá derrubá-la (art.
1.297, § 2º) ou mesmo cortar-lhe os ramos ou as raízes. Decorre também que
devem repartir as despesas com a manutenção da planta, como as relacionadas à
poda, adubagem, combate a fungos e outras. Além do mais, é consequência da
comunhão a repartição dos frutos por ela gerados em partes iguais para os dois,
independentemente de quem os colha ou de onde venham a cair naturalmente. Derrubada
de comum acordo, por fim, dividirão os comunheiros a madeira.”
Quanto a este dispositivo Lisboa (obra citada) confere as seguintes
regras:
“a) pertencem ao titular de cada prédio os frutos pendentes dos galhos que
ficarem projetados sobre cada um deles;
b) se a árvore pertence a um prédio e os frutos dela caem no terreno a ele
contíguo, o proprietário desse terreno será o proprietário dos frutos tombados;
Como enuncia o artigo:
Art. 1.284. Os frutos caídos de árvore do terreno vizinho pertencem ao dono
do solo onde caíram, se este for de propriedade particular.
Em continuação da explanação do referido autor, “porém, se a propriedade
for pública, o proprietário do terreno no qual se encontra a árvore poderá
recolher os frutos caídos no bem público, antes que outrem venha a recolhê-los
para si. “c) se a árvore do prédio vizinho ultrapassar os limites e suas raízes ou
ramos invadirem a propriedade lindeira, o proprietário dela poderá podar os
ramos e cortar as raízes, até os limites territoriais do seu imóvel.”
Em conformidade:
Art. 1.283. As raízes e os ramos de
árvore, que ultrapassarem a estrema do prédio, poderão ser cortados, até o
plano vertical divisório, pelo proprietário do terreno invadido.
Neste caso, salientar-se que o outro proprietário não aufere direito a
indenização, mesmo que do corte da raiz a árvore venha a falecer. Bem como, as
abelhas domesticadas pertencem ao proprietário das colmeias.
4. SERVIDÃO E PASSAGEM FORÇADA
Art. 1.285. O dono do prédio que não tiver acesso a via pública,
nascente ou porto, pode, mediante pagamento de indenização cabal, constranger o
vizinho a lhe dar passagem, cujo rumo será judicialmente fixado, se necessário.
§ 1º Sofrerá o constrangimento o vizinho cujo imóvel mais natural e
facilmente se prestar à passagem.
§ 2º Se ocorrer alienação parcial do prédio, de modo que uma das partes
perca o acesso a via pública, nascente ou porto, o proprietário da outra deve
tolerar a passagem.
§ 3º Aplica-se o disposto no parágrafo antecedente ainda quando, antes
da alienação, existia passagem através de imóvel vizinho, não estando o
proprietário deste constrangido, depois, a dar uma outra.
De acordo com Fiuza (obra citada), a passagem forçada é um direito ao
proprietário do imóvel encravado, a ter acesso a via pública, por meio da
utilização de imóveis contíguos, se diferencia da servidão devido ao fato de
esta emana da vontade e a passagem decorre de lei. Em citação a Orlando Gomes,
o mesmo assevera “O vizinho é obrigado a admiti-la desde que concorram os
pressupostos para o nascimento do direito. Tais são: a) que o prédio esteja
naturalmente encravado; b) que não tenha saída alguma para a via pública, fonte
ou porto.” Tal direito tem caráter de onerosidade, visto que a lei garante seu
direito de passagem mediante indenização cabal, porém, o mesmo não adquire
direito de propriedade, somente de passagem pelo imóvel, institui-se na verdade
uma servidão, onde a indenização é o preço que se paga por esta.
Em citação a Meirelles, Peluso (obra citada), destaca que, “a
passagem forçada é uma imposição da solidariedade entre vizinhos e resulta da
consideração de que não pode um prédio perder a sua finalidade e valor
econômico, por falta de acesso à via pública, fonte ou porto» permanecendo
confinado entre propriedades que o circundam, limítrofes ou não. Quando tal
situação ocorre, permite a lei que o prédio rural ou urbano, assim, encerrado,
obtenha dos vizinhos o acesso necessário”. Trata-se de um direito prestativo,
que não sujeita-se a prescrição, onde um vizinho pode exigir do outro o acesso
a via pública, por to ou nascente, mediante indenização. Tal direito de
passagem, como pondera Gonçalves (obra citada) apenas existe para os casos de o
encravamento ser natural e absoluto, ou seja, não pode ser provocado pelo proprietário,
para fins legais, “não se considera encravado o imóvel que tenha outra saída,
ainda que difícil e penosa. Razões de comodidade não são atendidas.”
Na falta de acordo entre as partes tal direito será decidido
judicialmente. Isto exposto passar-se-á ao próximo item.
5. DA PASSAGEM DE CABOS E TUBULAÇÕES
Art. 1.286. Mediante recebimento de indenização que atenda, também, à
desvalorização da área remanescente, o proprietário é obrigado a tolerar a
passagem, através de seu imóvel, de cabos, tubulações e outros condutos
subterrâneos de serviços de utilidade pública, em proveito de proprietários
vizinhos, quando de outro modo for impossível ou excessivamente onerosa.
Parágrafo único. O proprietário prejudicado pode exigir que a instalação
seja feita de modo menos gravoso ao prédio onerado, bem como, depois, seja
removida, à sua custa, para outro local do imóvel.
Para Fiuza (obra citada) em menção a Fachin:
“...o texto legal impõe o encargo de deixar passar cabos, tubulações ou
outros condutos de utilidade pública, em proveito de proprietários vizinhos,
quando de outro modo for inexecutável ou demasiadamente dispendioso. E o faz
infringindo ao beneficiário a obrigação de compensar, nela compreendida não
apenas a área efetivamente utilizada como também a depreciação eventual do
valor do imóvel. O legislador, como se vê, esteve atento à possível
desvalorização da área remanescente, estatuindo o direito de extensão para fins
de indenização. Captando situação similar ao domínio do direito aplicável à
gestão pública, em matéria de desapropriação, o legislador não deixou incólume
que o bem é uma unidade jurídica e não apenas física”.
Em conformidade, com o art. 1.287, “se as instalações oferecerem grave
risco será facultado ao proprietário do prédio onerado exigir a realização de
obras de segurança.” Assim, se faz perceptível que a propriedade do prédio
onerado não pode ficar desprotegida em virtude de ser forçada a passagem de
tubulações e cabos, portanto, faz-se necessário o simples risco, visto que não
é justificável que a propriedade do serviente fique exposta. Dessa forma, de
acordo com a exposição do autor, “Na hipótese de não serem tomadas as medidas
de segurança, ou de virem a ser insuficientes, cabe ao prejudicado impor ao
outro, judicialmente, a sua realização, sob cominação alternativa de efetuá-la
às expensas daquele, ou ser autorizada a interromper a serventia”. Isto
expresso transcorrer-se-á ao próximo item referente ao direito concernentes as
águas.
6. DAS ÁGUAS
Art. 1.288. O dono ou o possuidor do prédio inferior é obrigado a
receber as águas que correm naturalmente do superior, não podendo realizar
obras que embaracem o seu fluxo; porém a condição natural e anterior do prédio
inferior não pode ser agravada por obras feitas pelo dono ou possuidor do
prédio superior.
O autor Fiuza (obra citada) define que, nas hipóteses em que a água
correr naturalmente do prédio em altitude superior para o de altitude inferior,
esta não poderá interferir em seu fluxo, assim como o dono do prédio superior
não esta legitimado a realizar obras que causem mais prejuízos além dos
naturalmente decorridos. Segundo Gonçalves (obra citada), a naturalidade das
coisas, obrigam seus proprietários a suportar as decorrências, visto que fica a
critério do proprietário do prédio superior fazer obras de canalização e
escoamento da água da chuva, em virtude de que a lei não o obriga a isto. Este
fato simplesmente decorre do que a natureza impõe aos mesmos. Salienta-se que a
água a qual possui referência neste manuscrito é aquele que provém da chuva ou
naturalmente do solo. Destarte:
Art. 1.289. Quando as águas, artificialmente levadas ao prédio superior,
ou aí colhidas, correrem dele para o inferior, poderá o dono deste reclamar que
se desviem, ou se lhe indenize o prejuízo que sofrer.
Parágrafo único. Da indenização será deduzido o valor do benefício
obtido.
Em analogia a Fiuza, para os casos em
que o proprietário superior venha a captar a água de forma artificial, de
maneira que possa agravar a situação do prédio inferior, o mesmo deverá
indenizá-lo, deduzida do montante de benefício que o próprio usufrua. Em
equivalência em citação do autor a Nader, é possível afirmar que “é norma
explícita do art. 1289 e norma implícita do art. 1288.” Visto que se o
proprietário do prédio vizinho possui o dever de receber as águas escoadas
naturalmente, do contrário não ocorre, ou seja, inexiste obrigação quando as
águas que decorrem do prédio superior assim transitarem em virtude de métodos
artificiais. Cabe ao mesmo a exigência do desvio das águas (mesmo nesta
hipótese cabe ao próprio, indenização quanto aos prejuízos já sofridos) ou uma
indenização em função dos prejuízos que o mesmo venha a sofrer.
Art. 1.290. O
proprietário de nascente, ou do solo onde caem águas pluviais, satisfeitas as
necessidades de seu consumo, não pode impedir, ou desviar o curso natural das
águas remanescentes pelos prédios inferiores.
Dispõe Fiuza (obra citada):
“O direito ao uso irrestrito da água, em proveito próprio, é uma
decorrência necessária da propriedade da fonte. Impõe-lhe, todavia, a restrição
de não impedir o curso natural das águas remanescentes para os prédios
inferiores, desde que não se trate de fonte captada. Tendo havido captação,
como é o caso da condução do líquido a reservatório, através de encanamento, já
não subsistem os direitos dos proprietários dos prédios inferiores, ainda que
daí resulte desvio do fluxo para outros vizinhos.”
Assim assevera Peluso (obra citada), na direção de que, tal artigo
limita a utilização da água “às necessidades de seu consumo”, sendo ilícito o
seu desperdício em conformidade com o art. 187 do CC, o qual expressa que, “também comete ato ilícito o titular de um direito
que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim
econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes,” tal critério é
objetivo e finalístico, ou seja, considera cada caso de forma específica. Nesta
direção:
Art. 1.291. O possuidor do imóvel superior não poderá poluir as águas
indispensáveis às primeiras necessidades da vida dos possuidores dos imóveis
inferiores; as demais, que poluir, deverá recuperar, ressarcindo os danos que
estes sofrerem, se não for possível a recuperação ou o desvio do curso
artificial das águas.
Apregoa o referido autor que tal direito, advém do artigo 225 da CF,
como também constitui crime em conformidade com o artigo 54 da Lei 9.605/98, o
Código das Águas, por meio dos artigos 109 até 116, o qual faz expressão de
que, “a ninguém é lícito conspurcar ou contaminar as águas que não consome, com
prejuízo de terceiros.” E se assim o mesmo proceder, deverá recuperá-las assim
como indenizar aos prejuízos causados tanto aos vizinhos quanto aos danos
acarretados ao meio ambiente. O autor ainda pode sofrer uma sanção lateral de
ter que desviar o curso das águas poluídas, porém, tal não isenta o dever de
recuperar e indenizar. Assim:
Art. 1.292. O proprietário tem direito de construir barragens, açudes,
ou outras obras para represamento de água em seu prédio; se as águas represadas
invadirem prédio alheio, será o seu proprietário indenizado pelo dano sofrido,
deduzido o valor do benefício obtido.
O mencionado dispositivo aduz o direito que o proprietário possui de
canalizar a água mesmo que em barragens, por mais que as águas represadas
estendam-se até a dimensão dos prédios vizinhos, o que resulta no dever de
indenizar, deduzindo o valor dos prejuízos que auferir. A doutrina
refere-se à construção de hidroelétricas, necessárias ao desenvolvimento do
País, em atendimento constitucional da função social da propriedade, destacando
a indenização pelo dano fomentado, em desconto do benefício recebido. Trata-se
da aplicação da regra de equidade, estipulando um equilíbrio entre os direitos
confrontados. Destarte:
Art. 1.293. É permitido a quem quer que seja, mediante prévia
indenização aos proprietários prejudicados, construir canais, através de
prédios alheios, para receber as águas a que tenha direito, indispensáveis às
primeiras necessidades da vida, e, desde que não cause prejuízo considerável à
agricultura e à indústria, bem como para o escoamento de águas supérfluas ou
acumuladas, ou a drenagem de terrenos.
§ 1º Ao proprietário prejudicado, em tal caso, também assiste direito a
ressarcimento pelos danos que de futuro lhe advenham da infiltração ou irrupção
das águas, bem como da deterioração das obras destinadas a canalizá-las.
§ 2º O proprietário prejudicado poderá exigir que seja subterrânea a
canalização que atravessa áreas edificadas, pátios, hortas, jardins ou
quintais.
§ 3º O aqueduto será construído de maneira que cause o menor prejuízo
aos proprietários dos imóveis vizinhos, e a expensas do seu dono, a quem
incumbem também as despesas de conservação.
O artigo em comento equivale ao art. 567 do antigo CC (1916), havia sido
revogado através do Código das Águas, por meio dos arts. 117 a 138 do referido
diploma, os quais disciplinavam minuciosamente o direito do aqueduto. No
entanto, em vista de que a o Código Civil de 2002 trouxe novamente este
preceito através do art. 1293, o próprio ocasionou a revogação ao Código das
Águas em tudo que for contrário à seus preceitos. Aplicando-se de forma
subsidiária o que nele for compatível. Neste sentido destaca Fiuza (obra
citada):
“É um direito, de quem quer que seja, captar águas (construir canais)
para seu consumo primordial, indenizando os proprietários prejudicados. A
construção de canais para a captação de águas não pode prejudicar a agricultura
e a indústria. Fará jus a indenização o proprietário prejudicado que sofra
qualquer tipo de infiltração, podendo, ainda, exigir que seja a captação feita
por canalização subterrânea através de áreas edificadas, hortas, jardins etc. O
aqueduto (duto ou tubulação destinado a levar água) será construído à custa de
seu dono, devendo também arcar com os ônus de manutenção, sendo que a
construção deverá ser a menos gravosa para os proprietários dos imóveis
vizinhos.”
Desta forma, encontra-se no art. 1.294, que “aplica-se ao direito de
aqueduto o disposto nos arts. 1.286 e 1.287.” Insurge dizer que, em referência
aos artigos 1286 e 1287, aplicam-se os mesmos princípios de indenização e
segurança no que concerne aos aquedutos, justificada na similitude existente
entre os preceitos. Ademais, conforme o art. 1.295, “o aqueduto não impedirá
que os proprietários cerquem os imóveis e construam sobre ele, sem prejuízo
para a sua segurança e conservação; os proprietários dos imóveis poderão usar
das águas do aqueduto para as primeiras necessidades da vida.” Nesta direção
destaca Diniz (obra citada), que “o proprietário onerado com a canalização
de águas poderá cercar e construir seu imóvel, desde que não causem dano à
segurança e conservação do aqueduto. O proprietário do imóvel onerado com
canalização de água poderá dela utilizar para as primeiras necessidades”.
Destarte:
Art. 1.296. Havendo no aqueduto águas supérfluas, outros poderão
canalizá-las, para os fins previstos no art. 1.293, mediante pagamento de
indenização aos proprietários prejudicados e ao dono do aqueduto, de
importância equivalente às despesas que então seriam necessárias para a
condução das águas até o ponto de derivação.
Parágrafo único. Têm preferência os proprietários dos imóveis
atravessados pelo aqueduto.
Para os casos de haver abundância de águas, será permitido seu uso por outros
proprietários, mediante prévia indenização e pagamento, proporcionais as
despesas referentes ao seu transporte. Diniz (obra citada) destaca a
preferência dos proprietários dos imóveis por onde correm as águas, bem como o
respeito à agricultura e a indústria. Concerne em repetição do art. 134 do
Código das Águas, merecendo por tanto a mesma aplicação. Isto exposto
passar-se-á a transcorrer acerca do próximo tópico.
7. DOS LIMITES ENTRE PRÉDIOS E DO DIREITO DE TAPAGEM
Art. 1.297. O proprietário tem direito a cercar, murar, valar ou tapar
de qualquer modo o seu prédio, urbano ou rural, e pode constranger o seu
confinante a proceder com ele à demarcação entre os dois prédios, a aviventar
rumos apagados e a renovar marcos destruídos ou arruinados, repartindo-se
proporcionalmente entre os interessados as respectivas despesas.
§ 1º Os intervalos, muros, cercas e os tapumes divisórios, tais como
sebes vivas, cercas de arame ou de madeira, valas ou banquetas, presumem-se,
até prova em contrário, pertencer a ambos os proprietários confinantes, sendo
estes obrigados, de conformidade com os costumes da localidade, a concorrer, em
partes iguais, para as despesas de sua construção e conservação.
§ 2º As sebes vivas, as árvores, ou plantas quaisquer, que servem de
marco divisório, só podem ser cortadas, ou arrancadas, de comum acordo entre
proprietários.
§ 3º A construção de tapumes especiais para impedir a passagem de
animais de pequeno porte, ou para outro fim, pode ser exigida de quem provocou
a necessidade deles, pelo proprietário, que não está obrigado a concorrer para
as despesas.
Para Tartuce (obra citada), o direito de tapagem, concerne ao direito
que o proprietário tem de “cercar, murar, valar e tapar de qualquer modo o
seu prédio urbano ou rural.” Assim Lisboa (obra citada)
esclarece que tapagem concerne a construção feita nos limites da propriedade
imóvel, com a finalidade de demarcar, bem como restringir o uso do imóvel.
Neste sentido, acrescenta-se outras regras acerca do direito de tapagem:
“a) a cerca marginal da via pública é conservada pela administração
pública ou pela pessoa com o direito de exploração da via;
b) para efetuar o reparo devido na cerca ou no muro divisório, o
proprietário poderá adentrar no imóvel confinante após cientificar o seu
respectivo titular.”
Ainda no que refere-se ao assunto, acrescenta-se como tapagem também, o
uso de ofendículos, os quais incumbem a proteção da propriedade, sendo
considerados lícitos no sentido de que os próprios não coloquem em risco as
pessoas que transitem próximo a propriedade. Fiuza (obra citada) assevera no
sentido de em regra os tapumes se presumem comuns e, em caso de danos sua
reparação é ressalvada por lei. Na citação do referido autor Orlando Gomes
apregoa algumas obrigações de terrenos confinantes, sendo elas:
“a) a de concorrer, em partes iguais,
para as despesas de construção e conservação dos tapumes divisórios; b) a de
cercar o prédio para deter nos seus limites animais de pequeno porte; c) a de
indenizar ao vizinho o dano proveniente das obras de reparação dos tapumes
divisórios para as quais tenha sido necessária a penetração no terreno deste.
São tapumes divisórios, para efeitos legais, as sebes vivas, as cercas de arame
ou madeira, as valas ou banquetas, enfim, tudo quanto sirva a separar os
terrenos”.
Em conformidade:
Art. 1.298. Sendo confusos, os limites, em falta de outro meio, se
determinarão de conformidade com a posse justa; e, não se achando ela provada,
o terreno contestado se dividirá por partes iguais entre os prédios, ou, não
sendo possível a divisão cômoda, se adjudicará a um deles, mediante indenização
ao outro.
Possui relação direta ao direito de tapagem, o direito de estabelecer
limites as propriedades confinantes, sendo que, impossibilitado de estabelecer
tais balizas a partir de dados encontrados dos registros estabelecidos no
Registro de Imóveis, a lei expressa que a propriedade deve ser determinada
conforme a posse justa. Impossibilitado também, tal critério, a lei estabelece
a divisão da parte litigiosa em partes iguais, neste sentido, sendo ineficaz a
divisão, a lei confere que ao juiz cabe determinar a parte total a um dos
confinantes que ressarcirá ao outro com perdas e danos. Assim expresso,
passar-se-á a explanar acerca do “direito de construir”, através do
próximo tópico.
8. DO DIREITO DE CONSTRUIR
Art. 1.299. O proprietário pode levantar em seu terreno as construções
que lhe aprouver, salvo o direito dos vizinhos e os regulamentos
administrativos.
Dispõe Fiuza (obra citada), em citação a Silva Pereira, que ao
proprietário é assistido o direito de construir em seu terreno
conforme lhe convenha no entanto, a lei lhe confere
alguns condicionamentos, ou seja, “a observância a regulamentos
administrativos que subordinam as edificações as edificações a exigências
técnicas, sanitárias e estéticas; e o respeito a direito dos vizinhos, que não
deve ser violado pelas edificações.” Neste sentido:
Art. 1.300. O proprietário construirá de maneira que o seu prédio não
despeje águas, diretamente, sobre o prédio vizinho.
O artigo em comento apenas limitou-se a vedar que as águas não fossem
lançadas diretamente ao prédio vizinho, sem estabelecer que métodos poderiam
ser utilizados neste sentido, de forma a preservar p bem-estar e
o conforto dos ocupantes do prédio contíguo. Assim:
Art. 1.301. É defeso abrir janelas, ou fazer eirado, terraço ou varanda,
a menos de metro e meio do terreno vizinho.
§ 1º As janelas cuja visão não incida sobre a linha divisória, bem como
as perpendiculares, não poderão ser abertas a menos de setenta e cinco
centímetros.
§ 2º As disposições deste artigo não abrangem as aberturas para luz ou
ventilação, não maiores de dez centímetros de largura sobre vinte de
comprimento e construídas a mais de dois metros de altura de cada piso.
Conforme preceitua Peluso (obra citada), o respectivo artigo tende a garantir o
direito a privacidade, expressos por meio dos direitos fundamentais elencados
no art. 5° da Constituição Federal. Assim não permite a abertura de janelas,
terraço, eirado ou varanda a menos de 1,5 do terreno contíguo, sendo que a
medida final é a linha divisória entre os terrenos e não a janela do vizinho.
No entanto conforme o §1°, assegura a possibilidade de construção de janela em
distancia não mínima a 75 cm da linha divisória, desde que a mesma seja
perpendicular ou oblíqua e que sua visão não incida sob a linha
divisória. Como também, a Súmula n°120 do STF prescreve:
“Parede de tijolos de vidro translúcido pode ser levantada a menos de
metro e meio do prédio vizinho, não importando servidão sobre ele” Apenas se
ressalva que os tijolos translúcidos devem preservar a finalidade explicitada
pelo legislador, qual seja, impedir a visão direta e a invasão da privacidade
alheia.”
Por conseguinte, através do §2° esclarece-se que tal restrição do
parágrafo 1° não aborda simples aberturas para luz e ventilação, no entanto,
baliza tais aberturas para que não ultrapassem 10 cm de largura e 20 cm de
cumprimento, sendo as mesmas construídas em uma altura mínima de
2 metros de altura de cada piso. Embora não expresse o legislador, se vislumbra
que caso a abertura encontre-se em altura e posição de preservar a privacidade
do vizinho, não verifica-se óbice na construção, em virtude de que o
intuito do legislador estará preservado.
Ocorre que havendo concordância do vizinho, as janelas podem ser abertas
sob a linha divisória dos prédios, no entanto, se a legislação administrativa
impuser recuos superiores aos promulgados no CC, estes prevalecem sobre o
interesse privado, devendo ser observados pelos proprietários. Assim sendo:
Art. 1.302. O proprietário pode, no lapso de ano e dia após a conclusão
da obra, exigir que se desfaça janela, sacada, terraço ou goteira sobre o seu
prédio; escoado o prazo, não poderá, por sua vez, edificar sem atender ao
disposto no artigo antecedente, nem impedir, ou dificultar, o escoamento das
águas da goteira, com prejuízo para o prédio vizinho.
Parágrafo único. Em se tratando de vãos, ou aberturas para luz, seja
qual for a quantidade, altura e disposição, o vizinho poderá, a todo tempo,
levantar a sua edificação, ou contramuro, ainda que lhes vede a claridade.
Em citação a Orlando Gomes, Fiuza (obra citada) esclarece que
determinada a proibição da abertura de janelas a menos de um metro meio,
garante ao proprietário do prédio vizinho o direito de impedir que a construção
prossiga, ou até demoli-la caso esteja findada. Tal exercício encontra-se sob a
regra de decadência de um ano e dia, contado o prazo do dia do término da obra,
e não da colocação da janela, porém, fazendo com que caduque o direito se não
respeitado tal prazo, constituindo então servidão em favor do prédio na qual
foi aberta a janela.
Preceitua Gonçalves (obra citada), a exceção a regra para as obras
feitas apenas para conferir abertura a luz, sendo estas indiferentes de limites
de quantidade, altura ou disposição. “Nesse caso, não nasce para o infrator
servidão de luz por usucapião a prazo reduzido, pois o proprietário do prédio
poderá construir junto a divisa, ainda que a construção vede a claridade.” Isto
posto, transcorrer-se-á ao próximo artigo, qual seja:
Art. 1.303. Na zona rural, não será permitido levantar edificações a
menos de três metros do terreno vizinho.
O objetivo do referido artigo, também incide sobre o direito a privacidade,
inovando no sentido de que o legislador ampliou a distância de um metro e meio
para três metros, como forma de evitar conflitos entre os vizinhos. Conforme
expressa a lei, a mesma refere-se a imóvel de localização rural, e não com
destinação rurícula, o critério de aferição por tanto é
a localização do imóvel, bem como através do termo edificação, engloba-se
todas as construções, inclusive as de natureza tipicamente rural,
como as estrebarias por exemplo. Destarte:
Art. 1.304. Nas cidades, vilas e povoados cuja edificação estiver
adstrita a alinhamento, o dono de um terreno pode nele edificar, madeirando na
parede divisória do prédio contíguo, se ela suportar a nova construção; mas
terá de embolsar ao vizinho metade do valor da parede e do chão
correspondentes.
O artigo em comento regula a utilização das paredes divisórias, as quais
não se confundem com os muros divisórios, ou seja, “as paredes estão na linha
da divisa, mas não integram a estrutura do edifício.” Conforme Peluso (obra
citada) esclarece, nesta direção o artigo regula o que denomina “meter trave”,
expressão a qual aborda qualquer atitude de furar ou fazer qualquer obra que
envolva encostar ou escorar algo na parede existente:
“Do teor do artigo extraem-se os
seguintes requisitos da servidão de meter trave: a) que os imóveis sejam
contíguos; b) que os imóveis estejam localizados em zona urbana; c) que haja
alinhamento obrigatório, ou necessidade de encostar a nova construção à parede,
não havendo possibilidade de fazê-la à frente, ou atrás do terreno; d) que a
parede preexistente aguente a nova construção, sem causar dano ao vizinho.”
Tal restrição produz efeitos jurídicos como o dever de “indenizar o dono
da parede por metade do valor da construção e do espaço no chão que ela ocupa.”
Destarte:
Art. 1.305. O confinante, que primeiro construir, pode assentar a parede
divisória até meia espessura no terreno contíguo, sem perder por isso o direito
a haver meio valor dela se o vizinho a travejar, caso em que o primeiro fixará
a largura e a profundidade do alicerce.
Parágrafo único. Se a parede divisória pertencer a um dos vizinhos, e
não tiver capacidade para ser travejada pelo outro, não poderá este fazer-lhe
alicerce ao pé sem prestar caução àquele, pelo risco a que expõe a construção
anterior.
O artigo em comento torna lícito ao proprietário pioneiro em construir a
parede, de marcar sua largura e profundidade do alicerce. No que concerne a
Orlando Gomes, citado por Fiuza (obra supracitada), “... o direito de
madeirar condiciona-se à conjugação dos seguintes requisitos: a) que o prédio
seja urbano; b) que esteja sujeito a alinhamento; c) que a parede divisória
pertença ao vizinho; d) que aguente a nova construção; e) que o dono do terreno
vago, que nele quer edificar, embolse o dono da parede divisória, pagando-lhe
meio valor da mesma e do chão correspondente”.
Neste sentido destaca Diniz (obra citada), para qual o pioneiro na
construção da parede divisória pode adentrar no terreno do vizinho
até meia parede, sem que com isso, posteriormente, tenha direito ao
ressarcimento do meio valor que lhe corresponde. Para os casos em que a
parede divisória pertença a um único vizinho, e
a própria seja frágil para suportar o travejamento pelo
outro proprietário confinante que irá construir em seu lugar, este para poder
fazer alicerces na mesma, deverá prestar caução ao dono, devido ao risco que a
nova obra expõe a anterior, ao passo que, este enunciado também, garante ao
proprietário o ressarcimento por qualquer prejuízo que o mesmo venha a ter. Em
continuação:
Art. 1.306. O condômino da parede-meia pode utilizá-la até ao meio da
espessura, não pondo em risco a segurança ou a separação dos dois prédios, e
avisando previamente o outro condômino das obras que ali tenciona fazer; não
pode, sem consentimento do outro, fazer, na parede-meia, armários, ou obras
semelhantes, correspondendo a outras, da mesma natureza, já feitas do lado
oposto.
O dispositivo em apreço refere-se a limitação do uso da meia
parede, dispondo que o proprietário do prédio contíguo poderá usar de meia
parede, dispondo de aviso prévio ao donatário, bem como desde que não coloque
em risco a segurança e inviolabilidade da obra. Como assevera Silva Pereira em
citação do referido autor, tal direito “não autoriza a construção de
armário ou aproveitamento análogo correspondente ao que já exista da mesma
natureza no lado oposto, salvo consentimento expresso do confinante”. Conforme
expressa Fachin em menção do referido autor, a utilização de meia parede requer
deveres especiais, cujo o não cumprimento incide em reparação remuneratória.
Assim sendo:
Art. 1.307. Qualquer dos confinantes pode altear a parede divisória, se
necessário reconstruindo-a, para suportar o alteamento; arcará com todas as
despesas, inclusive de conservação, ou com metade, se o vizinho adquirir meação
também na parte aumentada.
Consente tal artigo na permissibilidade a qualquer tempo de levantamento
de parede lindeira, as custas de quem a edificar, sendo as despesas divididas
com o vizinho se o próprio aderir a construção. Isso exposto, transcorrer-se-á
ao próximo artigo:
Art. 1.308. Não é lícito encostar à parede divisória chaminés, fogões,
fornos ou quaisquer aparelhos ou depósitos suscetíveis de produzir infiltrações
ou interferências prejudiciais ao vizinho.
Parágrafo único. A disposição anterior não abrange as chaminés
ordinárias e os fogões de cozinha.
Tal artigo preserva a saúde, a segurança e o sossego contra atividades
anormais do vizinho. Conforme dispõe Peluso (obra citada), “toma a lei
como anormal a conduta de encostar fornos, fogões ou depósitos capazes de levar
imissões danosas ao prédio contíguo. Não persistirá a vedação, todavia, se
aquele que constrói reverter a presunção que contra si milita, demonstrando que
os valores tutelados pela lei se encontram resguardados e que as construções e
os equipamentos, apesar de encostados à parede divisória, não trazem prejuízo
ou risco ao confinante.”
Conforme o parágrafo único porém, é lícito ao vizinho recostar a parede
as chaminés ordinárias e os fogões de cozinha, considerando tais situações como
uso normal da propriedade, ressalvando no entanto, que tal conduta seja
efetuada com cautela e efetivação de obras necessárias com o efeito de reduzir
ao mínimo as interferências ao prédio vizinho, em virtude de que o proprietário
lesado possui o direito de embargar ou exigir seu desfazimento, sem prejuízo do
cunho pecuniário das perdas e danos.
Art. 1.309. São proibidas construções capazes de poluir, ou inutilizar,
para uso ordinário, a água do poço, ou nascente alheia, a elas preexistentes.
O artigo em exame possui aplicabilidade ampla, visto que abrange a todo
e qualquer tipo de construção, em conformidade com Fiuza (obra citada), “proíbe
o dispositivo que qualquer construção polua os mananciais de águas que já
existiam. Se, porém, for aberto um poço de água próximo a uma fossa, o seu dono
não será obrigado a inutilizá-la. É questão do direito preexistente.” Tal
artigo encontra-se em conformidade com os artigos 96 a 98 do Código das Águas,
a proteção de seu direito, aduz-se por meio de ação possessória. De forma
idêntica se posiciona Diniz (obra citada). Neste sentido:
Art. 1.310. Não é permitido fazer escavações ou quaisquer obras que
tirem ao poço ou à nascente de outrem a água indispensável às suas necessidades
normais.
Tal matéria confere-se igualmente ao artigo 98 do Código das Águas, ou seja,
proíbe-se qualquer espécie de construções que sejam capazes de poluir ou
danificar os mananciais pré-existentes de outrem, caso seja violado tal
preceito, torna-se lícito a demolição, remoção, restauração ou recuperação da
fonte, por conta do agente causador do dano, como forma de recuperação, em
virtude de sua responsabilidade civil. Aduz:
Art. 1.311. Não é permitida a execução de qualquer obra ou serviço
suscetível de provocar desmoronamento ou deslocação de terra, ou que comprometa
a segurança do prédio vizinho, senão após haverem sido feitas as obras
acautelatórias.
Parágrafo único. O proprietário do prédio vizinho tem direito a
ressarcimento pelos prejuízos que sofrer, não obstante haverem sido realizadas
as obras acautelatórias.
Dispõe Fiuza (obra citada), que “Qualquer obra ou serviço que possa provocar
desmoronamento ou deslocação de terra deve ser precedida de obras preventivas.
Mesmo que sejam tomadas as cautelas devidas, o proprietário do prédio vizinho
terá direito a indenização, se sofrer qualquer dano.” Salienta-se que tal
indenização é de cunho cabal, bem como independente da culpa do agente, visto
que reporta-se a responsabilidade objetiva. Tal ordem tende a proteger o
proprietário dos danos que o mesmo venha a sofrer. Caso a construção se inicie
sem que seja feito uma aferição dos possíveis donos, poderá o vizinho adentrar
com uma ação de nunciação de obra nova, pleiteando a concessão de
liminar, de maneira a instruir seu pedido com a prova documental
disponível, como um laudo pericial por exemplo.
Peluso (obra citada) em citação a Viana acrescenta, “aqui entram todos os
trabalhos que danifiquem a estrutura do prédio, abalo no solo, infiltrações,
envolvam explosões violentas, trepidações perigosas, tido, enfim, que possa
fisicamente o prédio, ou seus moradores. A tutela é ampla.” Como também, por
segurança entende-se além do risco de ruína do prédio, abrangendo sua habitabilidade,
como por exemplo, infiltrações ou rachaduras. Salienta-se que
não restringe o conceito a prédios confinantes, mas refere-se sim, a prédios
vizinhos. Não necessita do dano consumado, mas atém-se ao simples risco da
obra. Isto exposto:
Art. 1.312. Todo aquele que violar as proibições estabelecidas nesta
Seção é obrigado a demolir as construções feitas, respondendo por perdas e
danos.
Para o que construir obra em desacordo com as prerrogativas
estabelecidas nesta seção, responderá além das perdas e danos, com a demolição
da obra. Conforme Diniz (obra citada), ao lesado cabe entrar com ação
demolitória dentro do prazo decadencial de ano e dia, onde o magistrado verificando vício
insanável ordenará a demolição da obra. Para as obras em construção, a
ação cabível converte-se em nunciação de obra nova. Sendo que as perdas e danos
serão cumuladas em qualquer das ações. Destarte:
Art. 1.313. O proprietário ou ocupante do imóvel é obrigado a tolerar
que o vizinho entre no prédio, mediante prévio aviso, para:
I — dele temporariamente usar, quando indispensável à reparação,
construção, reconstrução ou limpeza de sua casa ou do muro divisório;
II — apoderar-se de coisas suas, inclusive animais que aí se encontrem
casualmente.
§ 1º O disposto neste artigo aplica-se aos casos de limpeza ou reparação
de esgotos, goteiras, aparelhos higiênicos, poços e nascentes e ao aparo de
cerca viva.
§ 2º Na hipótese do inciso II, uma vez entregues as coisas buscadas pelo
vizinho, poderá ser impedida a sua entrada no imóvel.
§ 3º Se do exercício do direito assegurado neste artigo provier dano,
terá o prejudicado direito a ressarcimento.
O artigo em comento expressa o dever do proprietário em tolerar a entrada do
vizinho, indiferente de o mesmo ser proprietário, possuidor ou detentor nas
hipóteses transcritas no referido artigo, abrangendo ainda aos empregados e
prepostos, responsáveis pela construção ou reparação, como
também, aos materiais necessários. O dever
de tolerar se fundamenta na solidariedade e na função social da
propriedade, sendo irrazoável que o vizinho fique impossibilitado de construir ou
reparar seu imóvel apenas porque não pode ingressar em prédio
alheio. Salienta-se que tal expressão é temporária, sendo lícita somente ao
tempo em que seja necessário para a realização de obras ou preparos.
Extinta a causa fixada em lei, “nasce o dever de retirar do imóvel alheio e a
permanência configura turbação ou esbulho”, conforme expressa Peluso
(obra citada).
Destarte também, que o vizinho beneficiário possui o dever de agir de forma a
provocar o mínimo possível de incômodo ao vizinho onerado. Exige a lei, que seu
egresso seja precedido de aviso prévio, em forma de comunicação, em virtude de
que não necessita haver consenso do vizinho onerado, conforme o
referido autor, necessita prestar apenas“sua prévia ciência, para que possa
preparar-se e tomar as providências necessárias a seu alcance para evitar
eventuais danos. Assim sendo, “a negativa injustificada abre ao vizinho
prejudicado o direito de reclamar o acesso forçado judicialmente, não se
admitindo, todavia, a autotutela, porque diverso é o caso em relação àquele
previsto no § Io do art. 1.210 do Código Civil. Comporta o caso tutela
específica, com as providências alvitradas no art. 461 do Código de Processo
Civil, sem prejuízo de postulação de perdas e danos ou fixação de multa diária
em razão da renitência do vizinho em obedecer a restrição que lhe impõe a lei.”
O §1° e o §2° expressam os motivos para os quais o vizinho possui permissão
legal para adentrar em prédio alheio, sendo que o 3° parágrafo garante a
obrigação de reparar os danos que venha a causar, em virtude de sua entrada no
imóvel. A responsabilidade aqui conferida é objetiva, e os riscos “são
deslocados para o beneficiário, de modo que não se cogita condução culposa. O
vizinho lesado prova apenas a ação, o dano e o nexo causal.”
9. CONCLUSÃO
Conclui-se por tanto que a limitação ao uso da propriedade é
estabelecida de maneira a preservar as boas relações de vizinhança, bem como a
solidariedade e a função social para a qual se destina. Salienta-se ainda,
que os bens preservados nesta seção, podem ser elencados como o bom
convívio, a segurança, a saúde e o sossego dos vizinhos, garantindo aos lesados
de maneira objetiva à perdas e danos que venham a sofrer, como também, abrange
o conceito de vizinho para até onde o prejuízo veja-se conferido.
10. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
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direito das coisas, direito autoral / Fábio Ulhoa Coelho. — 4. ed. — São Paulo
: Saraiva, 2012.
DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. 15 ed.rev. e
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GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito das coisas. vol. 5. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito das coisas. vol. 5. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
PELUSO, Cesar. Código Civil comentado: doutrina e
jurisprudência:
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LISBOA, Roberto Senise Manual de direito civil, v. 4 : direitos reais e
direitos intelectuais 6. ed. – São Paulo : Saraiva, 2012.
TARTUCE, Flavio. Manual de direito civil: volume único.
–Rio de Janairo: Forense; São Paulo: Método, 2011.
TAVARES DA SILVA, Regina Beatriz. Código Civil Comentado. —
8. ed. de acordo com a Emenda Constitucional n. 66/2010 e as Leis n.
12.344/2010, n. 12.375/2010, n. 12.376/2010, n. 12.398/2011, n. 12.399/2011, n.
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