DOS CRIMES CONTRA A
FLORA: UM OLHAR SOB O PRISMA INTERNACIONAL NO QUE TANGE A BIOPIRATARIA DOS
BIOMAS NACIONAIS BRASILEIROS
OF CRIMES AGAINST THE
FLORA: A VIEW UNDER THE INTERNATIONAL PRISM REGARDING THE BIOPIRACY OF
BRAZILIAN NATIONAL BIOMES
Autora: Aline Oliveira Mendes de Medeiros[1]
Resumo: O presente estudo diz respeito à
análise sobre o delito da Biopirataria, verificando a necessidade de abrigar o
entendimento quanto a esta modalidade delitiva, muito em voga no solo pátrio
desde sua colonização até a atualidade, acobertando a lei para dar abrigo e
valorar os recursos naturais existentes no bioma nacional, tomando posse de
conhecimentos e lucros que possam advir do distanciamento desta prática,
descortinando a todos quanto ao impacto desta ilicitude em solo brasileiro e de
outros países que se enquadrem nesta seara, atentando-se ao fato de que, a
derrubada e até extinção de um espécime brasileiro, por exemplo, pode produzir
efeito até mesmo em outros países, efeitos estes, que podem ser irreversíveis e
atentadores à dignidade do ser humano e debilitação ou dificuldade em usufruir
do direito à vida, à saúde, dentre outros. O método utilizado foi o indutivo,
efetuado através de pesquisas bibliográficas.
Palavras-chave: biopirataria; patentear; dignidade
humana; meio-ambiente; fauna; flora.
Abstract: This study
concerns the analysis of the crime of Biopiracy, verifying the need to shelter
the understanding of this criminal modality, very in vogue in the country since
its colonization until today, covering the law to provide shelter and value the
natural resources existing in the national biome, taking possession of
knowledge and profits that may arise from the distancing of this practice,
revealing to everyone the impact of this illegality on Brazilian soil and other
countries that fall within this area, bearing in mind the fact that, the
felling and even extinction of a Brazilian specimen, for example, can have an
effect even in other countries, which can be irreversible and undermine the
dignity of the human being and weaken or difficult to enjoy the right to life,
to health, among others. The method used was the inductive one, carried out
through bibliographical research.
Keywords: biopiracy;
patent; human dignity; environment; fauna; flora.
1. INTRODUÇÃO
O presente artigo tem por escopo especificar acerca dos crimes
ambientais, neste caso em especial, os crimes contra a flora, neste sentido, ao
proceder com uma análise acerca das ilicitudes concernentes ao tema, verifica-se
que a principal ilegalidade relevante a temática, a nível mundial, reporta-se
na denominada Biopirataria.
Neste sentido, estudos concluíram que tal ilegalidade alcança o índice
de terceira maior atividade ilícita lucrativa do mundo, encontrando-se atrás
apenas do tráfico de drogas e do tráfico de armas, movimentando bilhões de
dólares por ano, sendo que nestes dados, o Brasil encontra-se em primeiro lugar
como alvo destas irregularidades em função de que o mesmo possui o maior Bioma
natural do Planeta, constituindo cerca de 1/3 das reservas naturais mundiais.
Destarte, o crime da Biopirataria constitui na atividade ilícita de
enviar, sem a devida autorização, recursos genéticos de origem vegetal ou
animal para fora do País. Neste sentido, como meio de analisar o respectivo
tema, foram efetuadas pesquisas junto a bibliografias e a legislação brasileira
como forma de analisar o posicionamento jurídico acerca do assunto.
Foi, ainda, efetuada uma análise jurisprudencial nos tribunais
brasileiros, como meio de averiguar se a lei na prática é eficiente ou não para
coibir e reprimir a prática do crime e automaticamente, concretizar um sistema protetivo
em relação a natureza e aos seres humanos que dependem do meio ambiente como
forma de subsistir, já que bens como as árvores, por exemplo, são
indispensáveis para a existência da vida humana na Terra, em função da
atividade da fotossíntese que as mesmas desenvolvem, ademais, toda a vida
natural possui importância indispensável para a possibilidade de vida humana,
pois cada qual exerce uma função de importância no meio ambiente ao qual o ser
humano encontra-se inserido.
Por conseguinte, no primeiro momento efetuou-se uma definição de
biodiversidade, e em decorrência, do crime de Biopirataria, passando em segundo
período para uma análise acerca da importância da proteção ao meio ambiente e a
biodiversidade, ou seja, a necessidade de resguardar os biomas naturais,
resultando então, na obrigação legal de garantir abrigo a tais bens
indispensáveis para a vida do ser humano, concluindo o respectivo manuscrito
por meio de uma análise jurisprudencial acerca da temática como meio de
verificar a efetividade das respectivas leis, e o posicionamento dos tribunais
acerca do presente estudo.
Findo o introito proceder-se-á por meio do primeiro item do manuscrito,
ou seja, as especificidades dos biomas naturais e o grau da problemática que a
Biopirataria está causando ao meio ambiente como um todo, sem mais delongas,
transcreve-se o item abaixo.
2. ASPECTOS
REFERENTES AOS BIOMAS NACIONAIS/ CONCEITO DA BIOPIRATARIA
Em conformidade com o art. 2° da Convenção sobre a Diversidade Biológica,
celebrada na Rio 92, define-se a biodiversidade como sendo: “A variabilidade de
organismos vivos de todas as origens, compreendendo, entre outros, os
ecossistemas terrestres, marinhos e outros ecossistemas aquáticos e os
complexos ecológicos de que fazem parte, compreendendo ainda a diversidade
dentro de espécies entre espécies e de ecossistemas.”
Destarte, Saragoussi destaca a existência de três níveis de
biodiversidade, quais sejam:
(...) ela está presente em 3 níveis diferentes: o
genético, o biológico e o ecossistêmico. No nível genético, bastam uns poucos
indivíduos ou partes de indivíduos para termos acesso ao que nos interessa, os
genes, que podem ser estudados, manipulados, transferidos, utilizados por meio
de biotecnologias, etc. No nível biológico, a quantidade de material necessário
é maior e temos de lidar com a complexidade dos indivíduos e não somente com
seus genes. É nesse nível que se trabalha a conservação ex-situ e, em geral, os
usos sustentáveis da biodiversidade. A biodiversidade no nível do ecossistema
representa não somente indivíduos neles contidos e suas interações,
independentemente de serem ou não da mesma espécie, mas também as interações
entre estes indivíduos e o seu suporte (solo, água, atmosfera) e os serviços
que este conjunto nos fornece (serviços ambientais). (grifos originais). (apud
MORAES DA SILVA, 2005, pag. 143)
Assim sendo, por meio da biodiversidade encontram-se coadunados todos os
recursos vivos do planeta, constituindo o patrimônio natural de um país. Desta
feita, a importância da biodiversidade foi constatada recentemente, por meio do
desenvolvimento da biotecnologia, no sentido de que, quanto maior a diversidade
de vida em um país, maior seria a possibilidade de desenvolvimento de produtos,
principalmente na esfera farmacêutica, resultando em uma grande fonte de lucros
e resultados.
Neste sentido, o Brasil possui a maior extensão de floresta tropical já
encontrada, posto que a região amazônica engloba “o equivalente a 1/3 das
reservas tropicais úmidas e o maior banco genético do planeta”, em conformidade
com dados extraídos da Ong. Ambientalista ADIMA.
Assim, as informações genéticas contidas na diversidade de plantas,
animais, bactérias e fungos possuem grande potencial para a fabricação de
remédios, cosméticos, alimentos dentre outros, o que congrega em uma valiosa
fonte de riquezas, favorecendo a exploração econômica, por meio da mercantilização
da natureza, prática esta que possui definição legal, ou seja, denomina-se: biopirataria, consistente no comércio ilegal da biodiversidade,
exercício o qual, possui adeptos desde os primórdios, posto que, desde a
colonização do país iniciou-se a extração dos recursos naturais do patrimônio
brasileiro, porém, a utilização desregrada de tais recursos vem causando
comprometimento dos ecossistemas naturais, desencadeando em riscos para a
humanidade.
Não obstante, Nohara (2004, pag. 399), destaca que a biopirataria
movimenta cerca de U$ 60 bilhões, o que a coloca no auge das atividades ilegais
mais lucrativas na atualidade, perdendo apenas para o tráfico de drogas e de
armas, nesta direção, a Comissão parlamentar da Biopirataria destaca que no ano
de 2003 o Brasil perdeu cerca de U$ 5,5 bilhões por meio do tráfico ilegal de
animais e da flora, considerando que o mercado mundial de medicamentos feitos a
partir de plantas alcança um patamar de U$ 400 bilhões por ano, destas,
aproximadamente 20 mil extratos de plantas nativas saem ilegalmente do
território brasileiro, já acerca dos animais este fator multiplica-se, pois,
alcança o índice de U$ 20 milhões.
Nesta direção a citada autora define biopirataria como sendo:
(...) o envio não autorizado de
recursos genéticos de origem vegetal ou animal para fora do País. Compreende a
atuação de estrangeiros envolvidos com multinacionais ou instituições
cientificas que extraem os conhecimentos das comunidades locais acerca da utilização
da biodiversidade, coletam o material, patenteiam-no, sem conceder qualquer
participação nos lucros para aqueles que fornecem tanto a matéria-prima como os
conhecimentos acumulados por anos, e pior, é possível, ainda, que as
comunidades sofram represálias jurídicas na utilização dos mesmos recursos por
quebra de patente ou não pagamento de royalties. (2004, pag. 399).
Através da Convenção Rio 92, foi assinada a Convenção da Diversidade
Biológica (CDB), consistente em um dos principais resultados da Conferência das
Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD), a qual propõe a
conservação da mesma, por meio da utilização sustentável de seus recursos,
determinando que tais recursos não sejam vistos como patrimônio comum da
humanidade, incumbindo a cada país detentor de tais recursos, efetivar sua
proteção e conservação, de maneira a equilibrar as relações entre países
detentores dos recursos tecnológicos, os quais pretendiam ter livre acesso a
tais recursos com os países em desenvolvimentos ricos em diversidades
biológicas, nesta direção em conformidade com Santili, (2004, pag. 346),
“países (...) como o Brasil, México, China, Colômbia, Indonésia, Quênia, Peru,
Venezuela, Equador, Índia, Costa Rica, e África do Sul, juntos, representam 70%
da diversidade biológica do mundo”.
Neste sentido, Tárrega e Perez (2001, pag. 39), destacam a necessidade
da criação desta convenção no sentido de que:
A existência desse tipo de convenção
facilita a inserção no direito internacional de novos princípios ambientais que
acabem por influenciar outras entidades nacionais ou internacionais, podendo
ainda se tornar, com o tempo e com a sua observância reiterada, princípios
gerais do direito internacional, com vinculação jurídica.
No mesmo sentido tais autores destacam (2001, pag. 35):
Ao se analisar a origem da CDB, um dos aspectos que
mais chamam a atenção é a transformação do caráter do documento produzido. No
início, esperava-se um documento conservacionista abrangente, versando sobre
parques e reservas e encarando a biodiversidade como patrimônio da humanidade,
concepção que legitima o livre acesso ao patrimônio ambiental dos países. No
entanto, em virtude da estratégia dos países ricos em biodiversidade, sendo
todos, na grande maioria, países subdesenvolvidos, novos pontos foram inseridos
nas negociações, como o custo das medidas dos países, transferência de
tecnologia, partilha dos benefícios advindos do uso comercial dos recursos
naturais e a criação da ideia de biodiversidade como preocupação comum da
humanidade, que tem como base o reconhecimento da soberania dos países sobre
seus recursos naturais. Os países do Sul aproveitaram-se do fato de que sua
participação na convenção era realmente decisiva para barganhar posições e
inserir novos temas de seus interesses, fazendo com que a Convenção de
Biodiversidade, que nascera uma convenção conservacionista global (...) a partir
de 1991, fosse transformada em um acordo global sobre desenvolvimento
sustentável.
Desta feita, a CNUMAD, realizada em junho de 1992 no Rio de Janeiro,
consiste em um compromisso legal, constituindo o primeiro acordo mundial acerca
da conservação e uso da biodiversidade de forma sustentável, visando coibir a
ilegalidade da biopirataria, a mesma entrou em vigor em 1993, e foi ratificada
por 188 países, no entanto, a mesma apenas foi promulgada em março de 1998, assim
sendo, mesmo decorrida uma década de sua ratificação, não se verifica qualquer
alteração acerca da prática da biopirataria, verifica-se o contrário, pois
percebe-se que, a cada instante mais crescem o número de países que se
apropriam indevidamente, por meio da concessão de patentes, de produtos
ou processos elaborados com matéria prima encontrada no Brasil, por exemplo, o
que denota a necessidade da criação de mecanismos legais como meio de proteger
a devastação da flora e dos animais silvestres.
Deste modo, através do artigo 2° da respectiva Convenção encontra-se o
parâmetro para a criação da legislação interna de cada Estado-parte, cuja mesma
baseia-se em três objetivos, quais sejam, a conservação e a utilização
sustentável da biodiversidade e a repartição equilibrada e justa de seus
benefícios, sua aplicação deve estar pautada em três princípios, os quais
consistem na soberania de seus países sobre seus recursos naturais, repartição
justa e equilibrada de seus benefícios do empreendimento e a participação das
comunidades tradicionais.
Já no art. 3° a referida destaca a necessidade de haver soberania dos
Estados sobre seus recursos biológicos, conferindo que a conservação e a
proteção da biodiversidade é preocupação comum da humanidade, de maneira
internacional de forma cooperativa entre os Estados e as organizações não
governamentais para garantir a conservação e a utilização de forma sustentável
da biodiversidade.
Assim, no ano de 2010, ocorreu a 10ª Conferência das Partes, cuja mesma
foi declarada pelas Nações Unidas, como o ano da Biodiversidade, de maneira a
reconhecer a importância do tema e salientar ao mundo que atue em sua defesa. Tal
encontro culminou com a elaboração do Protocolo ABS, cujo qual, garante a
proteção internacional da biodiversidade de todos os países, que apenas poderão
ser explorados após o pagamento e autorização dos royalites.
Nesta direção Santili (obra citada) destaca que:
(...) quando a atividade envolve
conhecimentos, inovações e práticas de povos indígenas e populações
tradicionais, a CDB estabelece a necessidade de que a sua aplicação se dê
mediante aprovação e a participação de seus detentores e a repartição, com
estes, dos benefícios. Assim, a fiel observância aos princípios da CDB implica
tanto a consulta aos países de origem dos recursos genéticos e conhecimentos
tradicionais associados como expressão de sua soberania em face de outros
países – quanto à consulta aos povos e populações tradicionais detentores dos
recursos genéticos situados em seus territórios e dos conhecimentos
tradicionais a eles associados. (pag. (2004, 71-72).
Diante disso, entende-se como inaceitável que tais países ultrapassem a
legalidade, apossando-se desregradamente de recursos culturais de um povo,
consistindo em evidente violação aos direitos humanos, cujos quais, Moraes
(2002, pag. 02), define como sendo “(...) uma das previsões absolutamente
necessárias a todas as Constituições, no sentido de consagrar o respeito à
dignidade humana, garantir a limitação de poder e visar ao pleno
desenvolvimento da personalidade humana”, tornando a inércia frente a problemática
inaceitável, conforme transcorrer-se-á por meio do próximo tópico.
3. NECESSIDADE
DE PROTEÇÃO À BIODIVERSIDADE BRASILEIRA CONTRA A BIOPIRATARIA
Ocorre, no entanto, que sob o olhar capitalista que predomina no Brasil, o
crescimento econômico ainda é o maior propósito a ser alcançado. Assim a
biodiversidade não é tratada com vistas a sustentabilidade, mas pura e simplesmente
sob o prisma lucrativo, posto que a humanidade mesmo em comum acordo acerca da
necessidade de proteger e preservar os recursos naturais, permanece focalizada
no mercado, sob a sistemática capitalista, em conformidade com Araujo e Tybusch
(2007, pag. 77), no sentido de que, “a atual economia de mercado contribui para
a desigualdade social e, da mesma forma, para o desequilíbrio ambiental. O meio
ambiente não é mera peça mercadológica, se faz necessária uma mudança de
paradigma urgente”.
Na mesma direção alerta Leff (2002, pag.56), no sentido de que a
superexploração dos ecossistemas, “desencadeou uma força destrutiva que em seus
efeitos sinérgicos e acumulativos gera as mudanças globais que ameaçam a
estabilidade e sustentabilidade do planeta: a destruição da biodiversidade, a
rarefação da camada estratosférica de ozônio, o aquecimento global.” Gerando um
impacto de grande alcance na economia mundial, de maneira generalizada e
incontrolável, com gravidade maior que qualquer crise já evidenciada, trata-se
de números alarmantes e progresssivos, como enfatiza Galindo Leal (Câmara,
2005, pag. 5 e 12 ), in verbis:
(...) os fragmentos remanescentes da Mata Atlântica
original continuam a deteriorar-se devido à retirada de lenha, ao corte ilegal
de madeira, à captura ilegal de plantas e animais e à introdução de espécies
exóticas. Além disso, a construção de represas para a produção de energia
hidrelétrica contribuiu substancialmente para a perda de hábitats e para
mudanças ecológicas na região. Apesar da devastação ecológica e social
provocada pela construção de represas, amplamente reconhecida, vários projetos
hidrelétricos continuam sendo implementados.
(...)Além disso, nos últimos quatro
séculos, as atividades do homem, desencadearam na extinção de aproximadamente
250 espécies de pássaros, anfíbios, mamíferos, e répteis. Essa informação sobe
para cerca de 2 mil, contando as extinções ocorridas antes do século XVII.
Como reflexo desta busca desenfreada por crescimento econômico,
depara-se com a extinção em massa de espécies. Em busca de coibir tais
ilegalidades foi criado a Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais
Silvestres (RNCTAS), cujo em seu primeiro relatório nacional acerca do Comércio
Ilegal da Fauna Silvestre, relata os animais mais procurados no mercado
internacional, destes pode-se citar, as aranhas que são comercializadas por até
cinco mil dólares por unidade, algumas espécies de besouros que chegam a
atingir o valor de oito mil dólares por unidade, e a jararaca-ilhoa, a qual é
considerada o animal mais caro do mercado negro alcançando o valor de vinte mil
dólares a unidade.
Neste rol de ilicitude, pode-se compreender a bioprospecção, que
refere-se a criação de produtos comercializáveis a partir de especificidades
encontradas na genética de plantas ou animais, neste sentido destaca Santili (2004,
pag 200), acerca da definição do termo: “Tipicamente, a atividade de
bioprospecção envolve a coleta de material biológico e o acesso aos seus
recursos genéticos em busca de novos compostos bioquímicos cujos princípios
ativos possam ser aproveitados para a produção de novos produtos farmacêuticos,
químicos e alimentares.”
Nesta direção, Shiva (2001, pag. 27-28), chama a atenção para o fato de
que o modelo de colonização do País deu o passo inicial a este processo de
colonização e exploração, por tanto esta prática de criminalidade, apenas
consiste em um progresso do que já havia sendo feito deste os primórdios, ou
seja:
(...) no coração da “descoberta” de
Colombo estava o tratamento da pirataria como um direito natural do
colonizador, necessário para a salvação do colonizado. No coração do tratado de
GATT e suas leis de patentes está o tratamento da biopirataria como um direito
natural das grandes empresas ocidentais, necessário para o “desenvolvimento”
das Comunidades de Terceiro Mundo.
A biopirataria é a descoberta de
Colombo 500 anos depois de Colombo. As patentes ainda são o meio de proteger
essa pirataria da riqueza dos povos não-ocidentais como um direito das
potências ocidentais. Por meio das patentes e da engenharia genética, novas
colônias estão sendo estabelecidas. A terra, as florestas, os rios, os oceanos
e a atmosfera têm sido todos colonizados, depauperados e poluídos. O capital
agora tem que procurar novas colônias a serem invadidas e exploradas, para dar
continuidade a seu processo de acumulação.
Em conformidade, o economista Rifkin (1999, pag. 52) refere-se a este
biocolonialismo, como sinônimo de biopirataria, visto que a historicidade do
país baseia-se na “usurpação das riquezas biológicas nativas em benefício do
colonizador”, pois, as maiores exploradoras voltavam-se “à tarefa de encontrar
novas fontes biológicas de alimentos, fibras, pigmentos e medicamentos quanto à
de encontrar ouro, prata e outros metais preciosos”.
Percebe-se que o intuito da biopirataria consiste em explorar por meio
de um agente desenvolvido, - aqui compreendido: um país, instituição científica
ou uma empresa-, os recursos da biodiversidade de maneira ilegal, efetuando
pesquisas e análises de como utilizar este produto, posteriormente efetuando
patentes, usufruindo lucros financeiros palpáveis, sem que com isso, proceda
com a repartição dos lucros com o país ou local de origem do produto. Neste
enfoque, Lavorato (2005), adverte:
[...] em várias regiões da Amazônia,
pesquisadores estrangeiros desembarcam com vistos de turistas, entram na
floresta, muitas vezes, infiltrando-se em comunidades tradicionais ou em áreas
indígenas. Estudam diferentes espécies vegetais ou animais com interesse para
as indústrias de remédios ou de cosméticos, coletam exemplares e descobrem, com
o auxílio dos povos habitantes da floresta, seus usos e aplicações. Após
obterem informações valiosas, voltam para seus países e utilizam as espécies e
os conhecimentos das populações nativas para isolarem os princípios ativos. Ao
ser descoberto o princípio ativo, registram uma patente, que lhes dá o direito
de receber um valor a cada vez que aquele produto for comercializado. Vendem o
produto para o mundo todo e até mesmo para o próprio país de origem, cujas
comunidades tradicionais já tinham o conhecimento da sua utilização.
Decorre, porém, que o século XX trouxe um palpável avanço tecnológico,
desencadeando em mazelas ambientais imensuráveis, ainda baseados na cultura
desregrada que predomina no Planeta, posto que, até o ano de 1972 a exploração
ocorria de maneira desregrada, sem qualquer política ou atitude sustentável com
relação ao meio natural, no entanto, através da Declaração de Estocolmo,
reconhecida como Relatório de Brundtland, foi lançado o conceito de desenvolvimento
sustentável, observando uma forte preocupação com um crescimento sustentável,
visando o crescimento e progresso pautado em uma ordem sustentável, como
relaciona Sachs (2009, pag. 52-53):
(...), a conservação da biodiversidade não pode ser
equacionada com a opção do não uso dos recursos naturais precípuos. Por
importante que seja, a instituição das reservas naturais é apenas um dos
instrumentos das estratégias de conservação. O conceito de reservas de
biodiversidade da UNESCO-MAB nasceu da compreensão de que a conservação da
biodiversidade deve estar em harmonia com as necessidades dos povos do
ecossistema (M.Gadgil, R.Guha). De modo geral, o objetivo deveria ser o do
estabelecimento de um aproveitamento racional e ecologicamente sustentável da natureza
em benefício das populações locais, levando-as a incorporar a preocupação com a
conservação da biodiversidade aos seus próprios interesses, como um componente
de estratégia de desenvolvimento.
Destarte, verifica-se na casuística em espécie que os países detentores
da biodiversidade, mesmo encontrando-se sobre o núcleo protetivo destas
convenções, acordos e leis, ainda encontram-se em situação de exploração frente
aos países desenvolvidos e detentores da biotecnologia, posto que esta singela
base de legislações, parecem ineficazes frente a casos concretos, assim sendo,
no próximo tópico será efetuada uma análise legal da problemática em questão
com vistas a verificar sua eficácia em garantia de proteção aos países em
desenvolvimento, como se mostra a seguir.
4. INSTRUMENTOS
DE PROTEÇÃO DA FLORA/BIODIVERSIDADE BRASILEIRA
No que tange a temática percebe-se que a Constituição Federal de 1988
revelou-se inovadora em muitos aspectos, um deles, merecedor de destaque, foi
sem dúvida a inclusão, inédita, de dispositivos destinados à proteção e
preservação ambiental.
Afora as dezenas de citações ao longo do texto, o Capítulo VI, sendo sua
totalidade dada pelo art. 225, estabelece como atribuição do Poder Público ao
garantir o direito de todos a um meio ambiente equilibrado: a) definir os
espaços territoriais a serem protegidos; b) exigir estudo prévio de impacto
ambiental causado por atividade econômica; c) controlar a produção, a
comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias potencialmente
nocivos; d) promover a educação ambiental; e) proteger a fauna e a flora.
Art. 225. Todos têm direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à
sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever
de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.
§ 1º - Para assegurar a efetividade
desse direito, incumbe ao Poder Público:
I - preservar e restaurar os processos
ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;
II - preservar a diversidade e a
integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas
à pesquisa e manipulação de material genético;
III - definir, em todas as unidades da
Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente
protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei,
vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que
justifiquem sua proteção;
IV - exigir, na forma da lei, para
instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa
degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará
publicidade;
V - controlar a produção, a
comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem
risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;
VI - promover a educação ambiental em
todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do
meio ambiente;
VII - proteger a fauna e a flora,
vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função
ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.
§ 2º - Aquele que explorar recursos
minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com
solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei.
§ 3º - As condutas e atividades
consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas
ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da
obrigação de reparar os danos causados.
§ 4º - A Floresta Amazônica brasileira,
a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira
são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de
condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso
dos recursos naturais.
§ 5º - São indisponíveis as terras
devolutas ou arrecadadas pelos Estados, por ações discriminatórias, necessárias
à proteção dos ecossistemas naturais.
§ 6º - As usinas que operem com reator
nuclear deverão ter sua localização definida em lei federal, sem o que não poderão
ser instaladas.
O texto legal supracitado, em seu parágrafo terceiro, demonstra uma das
inovações da carta constitucional ao estabelecer sanções penais não apenas a
pessoa física promotora do dano, mas também, a pessoa jurídica, visto que a
mesma passa a ser passiva de sanção penal, sem que, com isso gere conflito com
o disposto pelo art. 5°, XLV, no sentido de que: “nenhuma pena passará da
pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do
perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra
eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido”.
Não se separa, no plano lógico, a figura de um diretor de empresa, da
política da mesma, não havendo assim, o isolamento do condenado em relação aos
reflexos e o desígnio de sua conduta, pois no que tange a objetividade
empresarial, verifica-se claramente, que a possibilidade de lucro e retorno de
valores ao agente físico é seu maior desígnio. Ademais, a nível infraconstitucional, a biodiversidade é tutelada de
forma distribuída, através da proteção da flora (Lei 4.771/65), da fauna (Lei
6.902/81), além da lei de crimes ambientais (Lei 9.605/98), cujas mesmas
destacar-se-á de forma ampla no decorrer deste item.
Assim, consolidadora da legislação penal ambiental, a lei n° 9.605 de
12.2.1998, vem para tipificar os crimes ambientais, versando acerca de
infrações administrativas, dispondo sobre o processo penal e acerca da
cooperação internacional em prol da conservação do meio ambiente, e de um
desenvolvimento sustentável.
Não obstante, no tocante a biopirataria, os artigos 46, 50-A e 52 da
referida lei estabelecem penalidades a quem, de algum modo infringir os
dispositivos legais, que visam inibir a prática de atos lesivos a flora
brasileira.
Art. 46. Receber ou adquirir, para fins
comerciais ou industriais, madeira, lenha, carvão e outros produtos de origem
vegetal, sem exigir a exibição de licença do vendedor, outorgada pela
autoridade competente, e sem munir-se da via que deverá acompanhar o produto
até final beneficiamento:
Pena - detenção, de seis meses a um
ano, e multa.
Parágrafo único. Incorre nas mesmas
penas quem vende, expõe à venda, tem em depósito, transporta ou guarda madeira,
lenha, carvão e outros produtos de origem vegetal, sem licença válida para todo
o tempo da viagem ou do armazenamento, outorgada pela autoridade competente.
Além desta penalidade, existem outras, que de forma indireta são
aplicáveis a alguns casos envolvendo a biopirataria, apesar desta, não estar
sendo compreendida na Lei de Crimes Ambientais, posto que, a mesma apresenta-se
fragmentada acerca da conferência de proteção e garantia de efetividade na
casuística em espécie das diversas criminalidades que apresentam-se ao
legislador, posto que, com o desenvolvimento da tecnologia, os crimes
ambientais seguiram este mesmo parâmetro de progressividade, parâmetro este,
que a legislação não vem conseguindo alcançar, encontrando-se por tanto,
carecedora de legislação e ainda mais de efetividade, ademais cita-se o artigo
50-A, da respectiva lei, in verbis:
Art. 50-A. Desmatar, explorar
economicamente ou degradar floresta, plantada ou nativa, em terras de domínio
público ou devolutas, sem autorização do órgão competente:
Pena - reclusão de 2 (dois) a 4 (quatro)
anos e multa.
§ 1o Não é crime
a conduta praticada quando necessária à subsistência imediata pessoal do agente
ou de sua família.
§ 2o Se a
área explorada for superior a 1.000 ha (mil hectares), a pena será aumentada de
1 (um) ano por milhar de hectare.
Art. 52. Penetrar em Unidades de
Conservação conduzindo substâncias ou instrumentos próprios para caça ou para
exploração de produtos ou subprodutos florestais, sem licença da autoridade
competente:
Pena - detenção, de seis meses a um
ano, e multa.
Denota-se que, em eficácia a garantia de proteção ao meio ambiente,
aquele que violar as disposições legais referentes à proteção deste bem
jurídico, encontra-se sujeito à ser responsabilizado nas três esferas: cível,
administrativa e penal. Vale destacar novamente o Artigo 225, em seu §3º da
CF/88, cujo mesmo, preceitua que nas condutas e atividades lesivas ao meio
ambiente, sujeitam-se os infratores, sejam pessoas jurídicas ou físicas, às
sanções penais e administrativas, independentemente de reparar os danos
causados.
Nesse sentido, a razão desta junção de esferas
protetivas ao meio ambiente, decorre de sua natureza fundamental ao ser humano,
posto que em conformidade com Alexy (2008, pag. 100), um direito fundamental é
todo aquele inerente ao ser humano, ou seja, que transcende a legislação,
aquele que compreende o ser humano, como um ser de direitos e garantias, com
validade supraconstitucional, de nível universal, isto é, aquele direito que é indelegável
e irrenunciável vez que, no que reporta-se ao caso, vê-se necessária a
manutenção do meio ambiente para que possa ocorrer a perpetuação e a própria
possibilidade da vida humana na Terra.
Deste modo, é límpido o entendimento que a simples aplicação de pena
privativa de liberdade, não traz garantias sólidas a este direito, pois, a
penalização do indivíduo não atinge a mesma proporção do ato criminoso, porque
na esfera ambiental, não tem como delimitar uma única vítima, por se tratar de
direito difuso, o que enseja a necessidade de penalizar-se, também, por via de
multa.
Diante da importância da proteção do meio ambiente, o legislador
compreendendo tamanha dimensão, buscou institutos adequados quando criou a Lei
9.605/98, para tratar da responsabilidade penal ambiental. Sendo que a
transação penal e a suspensão condicional do processo, já usadas em nosso ordenamento
jurídico, enquadraram-se como adequadas, para serem aplicadas nos crimes
ambientais.
Esta Lei transformou a suspensão condicional do processo, bem como, a
transação penal em instrumentos utilizados para efetivar a proteção ambiental,
trazendo impactos na autoria singular e coletiva, pois, trata-se de uma forma
pela qual a pessoa jurídica não consegue se eximir de sua responsabilidade no
que concerne aos delitos ambientais, seja alegando o princípio da bagatela ou
outro meio provável.
Já que, com a criação da Lei de Crimes Ambientais, ocorreu a modernização no
modelo de instituição de penas para garantir a efetividade deste direito
fundamental, atendendo os ditames do Princípio do Desenvolvimento Sustentável,
da Prevenção e Reparação do dano.
Sendo que o maior interesse do direito ambiental é a preservação e recuperação das condições ambientais, para mantença
dos recursos e biomas nacionais, medida esta voltada para garantir este direito
fundamental, no caso nossa sobrevivência, além de outros como, a saúde e a qualidade
de vida adequada –dignidade humana.
Em que pese às garantias trazidas por essa Lei, esta não consegue sanar todos
os problemas direcionados ao meio ambiente. Uma das problemáticas que tal
medida não considera, explicitamente, é a biopirataria
como crime ambiental, deste modo, não enquadrando a tal fato sanções
específicas – deixa este delito abandonado as margens da lei, abandonando o
judiciário à mercê de bases principiológicas, consuetudinárias, equidade e
etc., possibilitando divergências e prováveis abrandamentos.
Estando esta, abandonada as margens da lei, verifica-se que este
descompromisso com o assunto a deixa atoa, desguarnecida de abrigo, estando
desacolhida constata-se a facilidade de que outros países se apossem desta
lacuna, para ofuscar seus interesses e perpetuarem este crime, oculto aos olhos
da lei.
De outro modo, uma outra forma protetiva congrega a Lei n° 9.279, de 14
de maio de 1996, conhecida como a Lei das Patentes, cuja mesma auxilia na
repressão a biopirataria, objetivando em conformidade com o art. 1°, caput da
respectiva lei, regular “direitos e
obrigações relativos à propriedade industrial”, ou seja, a mesma consiste em
definir diretrizes como meio de reconhecimento e garantia de proteção as
propriedades industriais, tal lei promulgou mais regras e burocracia no
processo de reconhecimento de patentes, porém, passou a estabelecer uma gama de
proteção e zelo maiores daquilo que já foi patenteado.
Além destas, destaca-se também, a Lei 11.105 de 24 de março de 2005,
definida como a Lei da Biossegurança, cuja mesma abarcou temas recentes, de
destaque social, os assuntos principais tratados na respectiva Lei engloba os
organismos geneticamente modificados (transgênicos) e à pesquisa com células
tronco. A referida lei foi a responsável pela origem do Conselho Nacional da
Biossegurança e de uma Comissão Técnica Nacional de Biossegurança, como forma
de regulamentar e fiscalizar os processos científicos em desenvolvimento.
Ademais, em 07 de novembro de 2003 foi criado a CPI (Comissão Parlamentar
de Inquérito) da Biopirataria, como meio de investigar O Tráfico De Animais E
Plantas Silvestres da Fauna e da Flora Brasileiras (CPITRAFI), posteriormente
dando continuidade a estas investigações ocorreu em 2006 a CPIBIOPI destinada ao Tráfico de Animais e Plantas Silvestres
Brasileiras, a Exploração e Comércio Ilegal de Madeira e a Biopirataria no
Brasil, cuja mesma objetivava, em conformidade com o Relatório da Comissão
Parlamentar:
(...) rever as normas constantes da MP.
2186-01; tipificar como crime a apropriação dos conhecimentos tradicionais de
comunidades locais; e finalizar a tramitação do Projeto de Lei n.7.211/02 que
prevê tipo penal de biopirataria, assegurando que ele seja apenado com sanções
severas, e que se permita aos operadores da fiscalização dispor de todas as
ferramentas investigativas necessárias.
Destarte, salienta-se que desde 2002, se pretende tipificar o delito
biopirataria, no entanto, esta pretensão transcorrera em silencio, pois até a
data de hoje, não ocorrera.
De outra forma, como
meio de combater a biopirataria, o governo mundial uniu-se por meio da criação
do CITES- Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Fauna e da
Flora Selvagens em Perigo de Extinção- de modo a fiscalizar e combater o
tráfico internacional principalmente de espécies em extinção.
Atualmente 130 países fazem parte desta convenção, o Brasil faz parte
deste a data de 1975, por meio do Decreto n° 76.623. Coaduna-se nesta
Convenção, as especificidades do art. 29 da Lei de Crimes contra a Fauna, cujo
mesmo preceitua: “Aquele que matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar
espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão,
licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida,
pode sofrer pena de detenção de seis meses a um ano, e multa.”
Desta feita, por meio do Artigo 30, Dos crimes contra fauna e do
Art. 34 encontra-se a definição de pena de detenção de um ano a três anos ou
multa, ou ambas as penas, cumulativamente, para pesca de espécies de peixes que
necessitem de preservação, também, para o sujeito que transporte, comercialize,
ou de qualquer modo se beneficie, ou industrialize os espécimes proveniente da
coleta, apanha e pesca proibida, caso a pesca se efetue mediante o emprego de
explosivos ou substâncias que em contato com a água produzam efeito semelhante,
substâncias tóxicas, ou outro meio proibido pela autoridade competente, a pena
será de reclusão de um ano a cinco anos, como descrito no artigo 35 da lei de
crimes contra fauna. Tal lei objetiva proteger os espécimes naturais.
Neste sentido, o órgão fiscalizador e normatizador do comércio de
animais silvestres compreendem-se através do IBAMA, por meio da Portaria n° 117
de 15 de outubro de 1997, cuja mesma regulariza a atividade do comércio de
animais silvestres, com base nas seguintes diretrizes:
(...) protocolar requerimento ao Superintendente do IBAMA no Estado onde intenciona
implantar o empreendimento, apresentar os documentos especificado na portaria, descritos
abaixo:
a) preenchimento e assinatura do formulário padrão do IBAMA de Cadastro
Técnico Federal de Atividades Potencialmente Poluidoras ou Utilizadoras de
Recursos Naturais e seus anexos;
b) apresentar cópia autenticada e atualizada do Estatuto ou Contrato
Social, Cadastro Geral do Contribuinte do Ministério da Fazenda – CGC-MF, CPF e
Identidade do dirigente;
c) declaração de aquisição de animais vivos, abatidos, partes e produtos
e subprodutos, quando for o caso, somente de Criadouros Comerciais,
Comerciantes ou Indústrias/Beneficiamento registrados junto ao IBAMA. (esse
documento poderá ser uma carta do próprio fornecedor); e,
e) recolhimento do Documento de Arrecadação de Receitas – DR do IBAMA. O
comerciante de animais vivos da fauna silvestre brasileira deverá apresentar
também os croquis detalhado das instalações onde os animais serão mantidos até
sua comercialização, dados sobre alimentação, fornecimento de água, questões de
higiene e sanitária dos animais e dos recintos, bem como sua localização, para
procedimentos de vistoria.
A documentação deverá ser analisada primeiramente pela área técnica
conectada ao setor de fauna da Superintendência e estando, em conformidade com
o estabelecido, efetuando-se a homologação através da Diretoria de Ecossistemas
– DIREC ou por meio da Superintendência, com delegação de competência, e o
registro será outorgado ao interessado, por meio da expedição de certificado de
registro pela Diretoria de Controle e Fiscalização – DIRCOF ou pela
Superintendência, com delegação de competência.
Ainda neste sentido
protetivo atuante, encontra-se expresso na Constituição a possibilidade de
estar entrando por meio de uma Ação Popular ou uma Ação Civil Pública visando a
proteção do meio ambiente. Verifica-se que o Brasil possui diversas legislações
atuantes no combate aos crimes contra o meio ambiente como a Biopirataria,
porém, necessita saber se tais positivações são eficazes na prática em espécie,
verificação esta, que será buscada no próximo item, por meio de uma breve análise
jurisprudencial.
5. UMA
ANÁLISE JURISPRUDENCIAL ACERCA DO TEMA
É notório que há a intenção de ser instituída uma repressão em relação à
biopirataria. Tal repressão há de ser feita conforme a Lei própria – lei vigente
no país- determina. Entretanto, é neste ponto que reside a grande problemática
em torno da temática, posto que, para uma efetiva repressão, tem-se a
necessidade de que haja uma norma reguladora, ou seja, uma Lei específica que
tipifique a biopirataria.
Reside nesta vírgula do assunto, o entendimento dos magistrados que consiste no
fato de que, em grande parte dos casos há a absolvição dos acusados, justamente
pela falta de norma incriminadora. Desta feita, a Lei 9.605 de 1998, foi
elaborada como uma tentativa de regular tais condutas que pudessem incidir e
vir a reger tais crimes, senão vejamos: “O artigo 50-A diz o seguinte: “Desmatar,
explorar economicamente ou degradar floresta, plantada ou nativa, em terras de
domínio público ou devolutas, sem autorização do órgão competente: Pena -
reclusão de 2 (dois) a 4 (quatro) anos e multa.”
Neste diapasão, vê-se na jurisprudência o entendimento posto em prática:
PENAL. PROCESSUAL PENAL. ART. 50-A DA LEI 9.605/98. AUSÊNCIA DE DOLO.
ABSOLVIÇÃO. Ausência de dolo. Aplica-se o princípio do in dubio pro reo que tem
fundamentação no princípio constitucional da presunção de inocência, segundo o
qual o acusado deverá ser absolvido quando a acusação não prove,
inequivocamente, o dolo. As provas colhidas nos autos não demonstram que o
acusado agiu com a intenção de praticar crime.(TRF-1 - ACR: 1990 PA
0001990-43.2010.4.01.3902, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL TOURINHO NETO, Data
de Julgamento: 25/03/2013, TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: e-DJF1 p.1208 de
12/04/2013).
Ou seja, este caso em específico resultou em absolvição, por ausência de
dolo, ou seja, vontade de praticar o delito, verifica-se que o dano não fora de
grande impacto ambiental, a questão que cabe indagar é a seguinte: fora
efetuado um estudo acerca do impacto do delito em questão? Visto que um delito
praticado em um país, no que refere-se ao meio ambiente, possui raízes que
podem alcançar a estrutura de outros países, inclusive, resultando em um dano
de percentual internacional verificado sob a ótica desfocada de um local sem
lei.
Em continuidade do estudo, Maia afirma (2014): “Apesar de algumas
problemáticas, a Lei 9.605/98 busca punir qualquer indivíduo que desrespeite o
meio ambiente, incluindo pessoa física ou jurídica, que venha a cometer alguma
infração, a qual pratique agressão ao bem ambiental juridicamente protegido, considerando
qualquer que seja esse ato cometido.”
Quanto ao desejo do legislador em proteger o meio ambiente, não há o que
discutir-se, porém, quanto aos meios cabe alguns respaldos, ou seja, procura-se
focar o fato de o mesmo ter se omitido com relação a tipificação da modalidade
delitiva biopirataria – método de se apropriar de conhecimentos, habilidades e
recursos de outros países, como se seus os fossem e deixá-los sem o devido
reconhecimento pecuniário e intelectual ou outros cabíveis.
Atenta-se, também, para a maleabilidade que tem havido com relação ao
assunto, verificável através das quatro paredes de uma sala de transação penal,
o instante em que o promotor efetua consideráveis diminuições na penalidade de
multa, sem alegações palpáveis, quando deveria considerar o fato de que o
agente que aplicou a multa esteve no local em questão e acompanhou o delito de
perto, sendo então, apto a decidir as possibilidade do multado de conseguir
pagar ou não uma multa de R$1.000,00 (mil reais), por exemplo.
Este caso, enfocando um exemplo de um delito ambiental de maus tratos, o
qual em equidade poderia se enquadrar em um caso de biopirataria, vez que o
animal é visto pelo status de coisa, de objeto descartável e prestando-se ou
não para um experimento ou modelo laboratorial vê-se desguarnecido da mesma forma
de seus direitos como ser humano.
Portanto, é clara a necessidade de que haja a elaboração de norma
específica que criminalize e penalize a biopirataria, posto que a efetuação de
fiscalização e repressão por leis similares encontra-se desprovida da eficácia
jurídica necessária para o bom desenvolvimento de um país rico em fauna e flora
como é o caso do Brasil.
6. CONCLUSÃO
Por meio do respectivo manuscrito, verificou-se que o modelo de
colonização sofrido pelo Brasil trouxe consequências atuais, formando no núcleo
social uma cultura exploradora, e desprovida de racionalização protetiva, em
consequência, por meio da sistemática capitalista que se instaurou, os lucros
financeiros, abarcaram toda a ideologia popular, assim, a junção destas duas
sistemáticas (colonização pautada na exploração e capitalismo desregrado) está
causando problemas imensuráveis no âmago social.
Dentre eles, encontrou-se como de grande relevo a questão da
Biopirataria, que está causando a extinção de milhares de espécimes,
modificando todo um sistema natural, danificando a ordem natural do meio
ambiente, trazendo consequências adversas ao ser humano que permanece inerte a
criminalidade e a conscientização da necessidade de um meio ambiente sadio para
garantia de sua própria sobrevivência, e ainda, desatentos – os brasileiros-
aos lucros que tais métodos poderiam trazer para o solo brasileiro.
Salienta-se no entanto, que sob o prisma legal, o País encontra uma
forte gama de leis, porém, todas carentes de efetividade, posto que, o que mais
se necessita seria a conscientização e a fiscalização da criminalidade,
ademais, a legislação brasileira carece de uma lei específica contra o crime da
Biopirataria, o que ocasiona em lacunas profunda na lei, nas quais o brasileiro
declina e não consegue ver a dimensão e importância da questão, motivo pelo
qual, a maioria das decisões dos juristas pendem pela absolvição.
O que transmite a ideia de que tal situação possui maior interesse
internacional, que nacional, posto que, verificou-se, ser muito maior o empenho
e a procura pelo conhecimento e patenteação sobre espécies brasileiras no
âmbito internacional, que no domínio nacional, em manter e interessar-se pelas
riquezas naturais do seus país, sabido que, este não é o único país que passa
pela mesma problemática e necessidade de ter as vendas que ocultam os olhos dos
seus habitantes soltas.
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PÉREZ, Héctor Leandro Arroyo. Direito Ambiental e desenvolvimento sustentável.
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[1]
Advogada; Pós-graduada em Direito do Trabalho e Previdenciário; Autora do Blog
Direito em Estudo; Autora do livro A Promoção dos Direitos Humanos Fundamentais
Através da Polícia Militar.