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POSSIBILIDADE DE CONSIDERAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS COMO DIREITOS FUNDAMENTAIS NA EXPECTATIVA SUBJETIVA
Possibility
of consideration of social rights as fundamental rights in subjective
expectations
Aline Oliveira Mendes de Medeiros[1]
Resumo: O
respectivo manuscrito trata acerca da possibilidade de se considerar os
direitos sociais como direitos fundamentais, assim como analisar a
aplicabilidade deles na ótica subjetiva. Ocorre, porém, que para a
concretização dessa medida, o Judiciário, órgão incumbido pela resolução da
questão, obriga-se a analisar teorias edificadoras dessa atuação ativista, bem
como a teoria da reserva do possível, a qual atua como limitadora desse feito.
Dessa forma, com base no fato de que a Constituição garante a dignidade da
pessoa humana, induzindo ao magistrado e ao Estado a verificação de um mínimo
existencial, sem o qual nenhum ser humano é capaz de subsistir de maneira
digna, verifica-se que essa possibilidade não apenas é possível, como também é
legítima, sendo edificada por meio do posicionamento jurisprudencial.
Palavras-chave:
Direitos fundamentais. Direitos sociais. Dignidade da pessoa humana.
Abstract: This manuscript is about the possibility of
considering the social rights as fundamental rights, as well as analyzing their
applicability in subjective viewpoint. Occurs, however, that to achieve this
measure, the Judiciary body, responsible for resolving the matter, undertakes
to analyze builder theories of this activist action, as well as the theory of
reserve for contingencies, which acts as limiting this feat. Based on the fact
that the Constitution guarantees human dignity, leading to the magistrate and
the rule checking an existential minimum, without which no human is able to can
survive in a dignified way. Thus, it turns out that this is not only possible
but also legitimate, being built through the jurisprudential position.
Keywords: Fundamental rights. Social rights. Human
dignity.
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O
presente trabalho tencionou abordar de forma específica a possibilidade de
considerar-se os direitos sociais elencados principalmente no art. 6º da Carta
Máxima como direitos fundamentais, bem como analisar a aplicabilidade deles na
esfera subjetiva, isto é, a situação jurídica estabelecida por uma norma, em
que ela institui ao seu titular o direito a um determinado ato frente ao seu
destinatário, cujo qual, por sua vez, vê-se no dever de executar este ato.
Dessa
forma, foram feitas pesquisas bibliográficas sobre a temática, e ainda
observações em casos práticos, por meio de pesquisas jurisprudenciais; acerca
da temática, salienta-se que o método utilizado neste manuscrito consiste no
indutivo, em que o leitor, com base nos dados estabelecidos, concluirá seu
posicionamento.
Como
forma de direcionar o autor, este documento foi composto através da análise
subjetiva dos direitos sociais, considerando-os no enfoque dos direitos
fundamentais; por conseguinte, foram estabelecidas teorias que reforçam a edificação
destes e ainda, balizam-nos para que não extrapolem os limites legais, as quais
concernem à teoria do mínimo existencial, na qual o Estado se encontra obrigado
a garantir um mínimo legal a todo o ser humano. Posteriormente, atêm-se ao
princípio da subsidiaridade, em que o juiz é legalizado para atuar por meio do
ativismo judicial, estando essas ações pautadas na reserva do possível, a qual
se refere ao justo motivo para que o Estado se abstenha de praticar o ato que
lhe cabe.
Como meio
de reforçar esse posicionamento, foram introduzidas jurisprudências acerca da
temática, findando o respectivo manuscrito mediante as considerações finais.
2.
DIREITOS SOCIAIS NA
PERSPECTIVA FUNDAMENTAL: SUBJETIVIDADE
Como se
sabe, os direitos fundamentais sociais estão englobados na segunda dimensão de
direitos; não obstante, cabe ressalvar, conforme preleciona Sarlet (2009), que
apesar do marco diferencial destes direitos ser de cunho positivo, eles também
podem se apresentar como direitos de liberdades negativas, isto é, direitos de
defesa.
Assim,
Sarlet e Figueiredo (2010) esclarecem:
[...] os
direitos sociais abrangem tanto os direitos (posições ou poderes) à prestações
(positivos), quanto direitos de defesa (direitos negativos ou a ações
negativas), partindo-se, aqui, do critério da natureza da posição
jurídico-subjetiva, reconhecida ao titular do direito, bem como, da
circunstância de que, os direitos negativos (notadamente os direitos à não
intervenção na liberdade pessoal e nos bens fundamentais tutelados pela
Constituição), apresentam uma dimensão “positiva” (já que sua efetivação
reclama uma atuação positiva do Estado e da sociedade), ao passo que, os
direitos a prestações (positivos), fundamentam, também, posições subjetivas
“negativas”, notadamente, quando se cuida de sua proteção contra ingerências
indevidas por parte dos órgãos estatais, de entidades sociais e também, de
particulares.
Da
separação do direito por dimensões, constata-se que eles foram se afirmando
conforme o momento histórico e a necessidade da sociedade, caracterizadas por
conquistas sociais em defesa da liberdade, de forma gradual. No entanto, há
divergências doutrinárias quanto a essa classificação de direitos por
dimensões, mesmo que didática, pois a própria é utilizada como escape para os
governos que, descomprometidos com a efetivação dos direitos sociais,
argumentem para o sentido de que os direitos civis e políticos estariam em
primazia, ou vice-versa.
Posicionamento
equivocado, pois Coelho (2009) desponta acerca da necessidade do reconhecimento
da indivisibilidade dos direitos fundamentais, para que essas denominadas dimensões de direitos não sejam
negligenciadas ou violadas, ainda que, sob a falsa afirmação de promoção de
outras garantias, em razão do fato de que essa visão fragmentada interessa,
sobremaneira, somente “[...] aos regimes autoritários, ao autoritarismo sem
bandeiras, seja no plano político, seja no plano econômico-social.”
Assim, os
direitos sociais, conforme Barreto (apud KELBERT, 2011), atuam como “[...]
núcleos integradores e legitimadores do bem comum, pois será, através deles,
que se poderá garantir a segurança, a liberdade, a sustentação e a continuidade
da sociedade humana.” Nesse sentido, Olsen (2011) salienta que os direitos
fundamentais possuem duas acepções a se destacar, sendo elas a objetiva, que corresponde aos objetivos
basilares da comunidade e a subjetiva,
qual seja a de um direito individual plenamente exigível.
No que
diz respeito à concepção objetiva dos direitos fundamentais, Sarlet (2009),
aborda que, por se tratarem de valores e fins que o Estado deve concretizar,
esses direitos devem ser verificados sob a perspectiva social, “[...] na qual
se encontra inserido e não pode ser dissociado”, podendo-se articular no
sentido de uma “[...] responsabilidade comunitária dos indivíduos”, estando,
portanto, valoramente ligada à percepção objetiva dos direitos fundamentais, e,
consequentemente, também, vinculada a esta perspectiva, encontra-se a obrigação
indissociável do Estado, de promover e garantir os direitos fundamentais.
O que
insere dizer que mesmo o bem-comum do Estado-Social, (Estado e Sociedade),
estando em primazia, não deve-se com isso abandonar os direitos individuais de
um cidadão. Assim, também, pondera Olsen (2011), para a qual:
[...]
esta dimensão protetora revela, em verdade o caráter positivo que todos os
direitos fundamentais podem assumir, mesmo os clássicos direitos de defesa, na
medida em que todos exigiriam – como função autônoma e independente de sua
subjetividade – a proteção do Estado, para a qual, por certo, necessário se faz
a adoção de medidas prestacionais. A partir dessa perspectiva, torna-se mais
evidente a conclusão a que chegaram Cass Sustein e Stephen Holmes, no sentido
de que, todos os direitos fundamentais, são positivos e têm um custo.
Dessa
forma, enseja-se dizer, que alguns casos de direitos fundamentais individuais,
- aqui, considera-se, como direito fundamental, também os direitos sociais-,
devem ser assegurados, mesmo que tenha algum custo, em razão de sua
necessidade, valoridade e viabilidade, como por exemplo cito como exemplo o
caso de um policial que, para o desempenho do seu serviço, na perseguição de um
sujeito, encerra por deteriorar a viatura, muito embora, este exemplo, não
defina o judiciário, no entanto, se presta como baliza para o caso em que este
mesmo policial seja acometido de uma doença grave em razão do acidente e com
isto, não tenha condições financeiras de custear o dano causado ao Estado.
Desta
forma, conforme Canotilho (2002), “[...] diz-se, que uma norma garante um direito subjetivo quando
o titular de um direito tem, face ao seu destinatário, o direito a um
determinado ato, e este último tem o dever de, perante o primeiro, praticar
esse ato.” Conforme Clève (2003), a sua dimensão subjetiva desempenha três
funções, sendo elas defesa, prestação e não discriminação, ou seja:
[...] os direitos fundamentais
(i) situam o particular em condição de opor-se à atuação do poder público em
desconformidade com o mandamento constitucional, (ii) exigem do poder público a
atuação necessária para a realização desses direitos, e, por fim, (iii)
reclamam que o Estado coloque à disposição do particular, de modo igual, sem
discriminação [...], os bens e serviços indispensáveis ao seu cumprimento.
Então, salvo nas hipóteses de ação afirmativa, onde poderá haver uma
discriminação (temporariamente justificável) que busque atender determinadas
finalidades constitucionais [...], a exigência é de que, os serviços sejam
colocados à disposição de todos os brasileiros [...], implicando para o
particular, o poder de reivindicar junto ao Judiciário, idêntico tratamento.
Não
obstante, ocorre que existem divergências doutrinárias no que se refere à
atuação dos direitos subjetivos, em decorrência do próprio objeto do direito
fundamental subjetivo, que, no entender de Sarlet (2009), vincula-se ao fato de
que a liberdade da pessoa individual não possui um leque de garantias
uniformizadas, consistindo na existência de diferentes classificações, quanto
ao grau de exigibilidade desses direitos, bem como ao fato de que “[...] a
complexidade das posições jurídicas dos direitos fundamentais, que podem se
constituir em direitos, liberdades, pretensões e poderes de natureza diversa e
ainda dirigir-se a diferentes destinatários.”
Em
continuação, o mencionado autor afirma que a eficácia imediata se encontra
definida nos termos do art. 5º, § 1º da Constituição. Assim, partindo desse
pressuposto, Marmelstein (2013) salienta que a cláusula de aplicação imediata é
a aplicabilidade expressa do princípio da máxima efetividade, inerente a todas
as normas constitucionais. Acerca disso, o próprio fez menção a Krugrer, ao
denotar que são as leis que devem girar em torno dos direitos fundamentais, e
não o contrário, em consequência do caráter primordial, da efetivação dos
direitos fundamentais, não havendo, portanto, nenhuma possibilidade de
abstenção jurídica, desse dever legal.
Destarte,
também, preceitua Mello (2011), para quem a Constituição não é apenas uma
ideologia, mas o resultado de um ideário, isto é, consiste na conversão de
necessidades e ideologias em positivações. Ainda nesse sentido, explana Olsen
(2011), para quem “[...] a exigibilidade não é condição de existência do
direito, ele não existe porque é exigível. Ele (simplesmente) existe, razão
pela qual deve ser exigível.” Em continuação à sua explanação, a autora faz
citação a Eros Grau, in verbis:
Afirmar que determinadas normas
constitucionais têm sua eficácia dependente da edição de normas pelo legislador
ordinário, equivaleria a uma “revogação de fato”,
sempre que o legislador se omitisse no seu dever de concretizar a norma
constitucional. Seria inverter a hierarquia das normas jurídicas, na medida em
que, uma lei ordinária acabaria por se sobrepor a uma norma constitucional.
Nestas condições, o autor defende que, as normas de direitos sociais, ainda
que, prevejam a possibilidade de integração do seu conteúdo, por legislação
ordinária, não dependem desta, para sua interpretação e aplicação, gerando
verdadeiros direitos subjetivos, aos seus titulares.
Assim, evidencia-se que, em alguns casos, aguardar
que o legislador venha a propor ou até, promulgar uma lei, pode ser prejudicial
ao indivíduo que encontra-se, diante de uma necessidade iminente de que o
direito lhe resguarde, e, unicamente, por ausência de lei este direito vê-se
suspenso, deixando o sujeito de direitos as margens da sociedade, esta situação
ganha proporções maiores quando este direito vai de encontro a teorias que dão
primazia a direitos sociais, um exemplo viável seria o caso em que, o chefe do
estado maior deixe de prestar algum benefício social, ou o diminua, para acudir
algum trabalhador individual que em razão de alguma doença grave deixe de
conseguir trabalhar e necessite deste trabalho para o seu sustento, o direito
social seria, neste caso: o benefício destinado as minorias sociais, já o
direito individual seria o perigo iminente de morte do trabalhador, neste
sentido, pondera Kelbert (2011), em citação a Sarmento:
[...]
conceber os direitos sociais como normas programáticas implica deixá-los
praticamente desprotegidos diante das omissões estatais, o que não se
compatibiliza nem com o texto constitucional, que consagrou a aplicabilidade
imediata de todos os direitos fundamentais, nem com a
importância destes para a vida das pessoas.
Dessa forma, em conformidade com Olsen (2011), mister se faz a
diferenciação das normas programáticas e das definidoras de direitos; para
tanto, a diferença nuclear reside em seu objeto, isto é, em decorrência do fato
de que as primeiras apenas determinam um fim a ser efetivado por meio do
Estado, porém, as segundas atribuem um direito subjetivo aos seus titulares,
umas demandam uma necessidade de agir estatal enquanto outras definem a que necessidade
se refere, seu modo de prestar.
Essa discussão se encerra, porém, sem pacificação doutrinária, sob a
observação da necessidade de utilizar-se do método de ponderação, em cada caso
concreto, como elemento direcionador para a concretização e efetividade dos
direitos sociais de forma individual, visando um meio de constatar a
necessidade de interferência ou não, do Poder Judiciário, para agir além de sua
competência institucional.
Não obstante, é importante afirmar que os direitos sociais estão
diretamente vinculados à vida e à dignidade da pessoa humana, o que
substancialmente lhes imprime um caráter de efetividade ou subjetividade, ou
seja, um caso concreto em que um indivíduo necessitar de remédio para ereção,
popular viagra, não encontra-se desguarnecida de efetividade, vez que, no caso
concreto sua falta cause ao sujeito de direitos problemas pessoais, familiares
e psicológico, considerando o fato de que o mesmo não disponha de recursos
financeiros para adquiri-lo, mesmo que este dinheiro pudesse ser
disponibilizado para outro fim de cunho social objetivo.
Direciona-se esta análise para a linha tênue em que um direito
individual passa a ser considerado pelo mesmo viés de um direito social, posto
que ambos, andam de mãos dadas nesta estrada que o direito tem esculpido seus
degraus. Isso colocado, passar-se-á a abordar a teoria do mínimo existencial
por meio da seção a seguir.
3.
A TEORIA DO MÍNIMO
EXISTENCIAL
Marmelstein (2013), acerca dos
países desenvolvidos, considera:
A
possibilidade de o Judiciário vir a efetivar direitos a prestações materiais é
vista com bastante desconfiança, pois se entende que, a escassez dos recursos
necessários à concretização de direitos prestacionais demandaria escolhas
políticas, que deveriam ser tomadas, preferencialmente, por órgãos
politicamente responsáveis (legislador de administrador) e não pelos juízes.
Além disso, são poucas as Constituições, como a brasileira, que incluíram em
seu rol de direitos fundamentais, diversos direitos sociais.
Ocorre, porém, que mesmo nesses países, reconhece-se a obrigação, por parte
do Estado, de garantir aos cidadãos ao menos condições mínimas de uma
existência digna, a qual se denomina “teoria do mínimo existencial”. No
que diz respeito a essa teoria, apenas o conteúdo basilar dos direitos sociais
teria um grau indispensável, com capacidade suficiente para gerar direitos
subjetivos aos seus titulares. Caso a pretensão se encontre fora deste mínimo
existencial, “[...] o reconhecimento dos direitos subjetivos ficaria na
dependência de legislação infraconstitucional regulamentando a matéria, não
podendo o Judiciário agir além da previsão legal.”
Há, porém, uma constatação a ser feita no que se refere ao mínimo
existencial, em conformidade com Sarlet e Figueiredo (2010), sendo de relevo
frisar que a teoria em pauta em nada se compara com o denominado mínimo vital
ou mínimo de sobrevivência, posto que estes últimos, apenas dizem respeito à
garantia da vida humana, sem deterem-se na qualidade de vida, ou seja, na vida
com dignidade; assim, proteger alguém de sucumbir, certamente, seria o primeiro
passo ao mínimo existencial, no entanto, não bastaria, posto que este seria
“[...] um conjunto de garantias materiais para uma vida digna.”
O que reporta utilizar um caso prático em que, determinada pessoa,
diplomada, que recebe mensalmente uma renda de R$ 30.000,00 (trinta mil reais),
venha a ficar doente e seu remédio tenha como custo R$25.000 (vinte e cinco mil
reais), sem condições de manter seu nível de vida com o salário que ganha e sem
ter como se esquivar de adquirir o remédio, esta pessoa procure o judiciário
para ganhar este remédio de forma gratuita através do Estado, este por sua vez,
tem conhecimento de que este valor poderia ser de especial interesse a um
munícipio pequeno que disponha de poucos recursos e o necessite para o
cumprimento de suas despesas.
Estando de um lado um direito individual e de outro um social, nem mesmo
assim, seria viável permitir que o indivíduo padeça e venha a sucumbir pela
falta do remédio. Nestes casos, se encontram tratamentos considerados, até
mesmo, milionários, que algumas pessoas ganham do Estado.
Faz-se menção acerca disso da decisão do Tribunal Constitucional
Federal, da qual é possível extrair:
Certamente a assistência aos
necessitados integra as obrigações essenciais de um Estado Social [...] Isto
inclui, necessariamente, a assistência social aos cidadãos, que, em virtude de
sua precária condição física e mental, encontram-se limitados nas suas
atividades sociais, não apresentando condições de prover a sua própria
subsistência. A comunidade estatal, deve, assegurar-lhes, pelo menos, as
condições mínimas para uma existência digna e envidar os esforços necessários
para integrar estas pessoas na comunidade, fomentando seu acompanhamento e
apoio na família ou por terceiros, bem como, criando as indispensáveis
instituições assistenciais.
Destarte,
torna-se evidente que a garantia efetiva de uma existência com dignidade vai
além da mera sobrevivência física, do mínimo vital (mínimo fisiológico),
encontrando-se, então, além do estado de pobreza absoluta, posto que a vida não
pode ser reduzida à mera existência, em virtude do fato de que, além da
proteção básica, é necessário assegurar ao ser humano um mínimo de inserção na
vida social (mínimo sociocultural), ou seja, um direito à garantia fundamental.
Por
conseguinte, Sarlet e Figueiredo (2010) também predispõem acerca da
impossibilidade de incluir um rol taxativo de direitos garantidos, por meio do
mínimo existencial, pois que se faz necessário efetuar uma análise (ou pelo
menos a possibilidade de uma averiguação), à luz da necessidade de cada pessoa
e de seu núcleo familiar. Com efeito, no que reporta à garantia ao mínimo
existencial, um dos principais argumentos em desfavor da prática encontra-se na
dimensão econômica designada “reserva do possível”, a qual será averiguada na seção
6 deste artigo, nesse sentido:
[...] argumenta-se que as
prestações necessárias à efetivação dos direitos fundamentais, dependem sempre
da disponibilidade financeira e da capacidade jurídica de quem tenha o dever de
assegurá-las. Por conta de tal objeção, sustenta-se, que os direitos a
prestações e o mínimo existencial encontram-se condicionados pela, assim
designada, “reserva do possível” e pela relação que esta guarda, entre outros
aspectos, com as competências constitucionais, o princípio da separação dos
Poderes, a reserva de lei orçamentária, e o princípio federativo.
Isso posto, conclui-se que, a ótica dos direitos
objetivos e subjetivos andam de mãos dadas, conforme o viés em que o judiciário
se posicionar, pois a questão do mínimo existencial que balizaria o deferimento
deste direito é bastante pessoal, pois, até que valor é possível pagar um
tratamento de saúde para um único indivíduo? Verifica-se, na prática, cirurgias
estéticas sendo feitas em sujeitos de direitos gratuitamente, enquanto, no mesmo
município pessoas passam necessidades de oferta de emprego, de alimentação,
vestuário, considerando este fato, indagar-se-ia, qual é o ponto em que o
mínimo existencial se encontra? Qual é o ponto em que o juiz pode decidir pela
morte de uma pessoa pelo fato de que o valor do tratamento de saúde custe muito
alto. Até que ponto vale a vida de um ser humano, enquanto milhões de outras
morrem de frio jogadas nas ruas?
Buscando analisar diversos posicionamentos é que
será feita uma explanação do princípio da subsidiariedade, na
próxima seção, que, em conjunto com o princípio anteriormente expresso -mínimo
existencial-, contribui de forma fundamental para a efetividade dos direitos
sociais.
4 PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE
Por via
deste princípio, emerge a possibilidade de o Judiciário implementar direitos
fundamentais, sem prerrogativas legislativas ou executivas, como meio de
concretização dessas garantias, o que automaticamente gera direitos subjetivos
aos titulares de tais direitos.
Assim,
convém salientar que a intervenção judiciária somente é possível frente à
omissão, ou má administração dos demais poderes, por meio de ações
insuficientes ou equivocadas, posto que não reporta ao Judiciário a
implementação de políticas públicas, sob pena de desrespeito à separação de
poderes, bem como afronta ao ideal democrático, o qual regulamenta que tal
matéria cabe, como dito, ao Legislativo e ao Executivo. Destarte, a
interferência judiciária tende a ser subsidiária e temporária, apenas até que o
órgão competente tome as medidas cabíveis.
Nesse
sentido, prolatou-se, a decisão do Ministro Celso de Mello, do STF, na ADPF n.
45/2004, ao afirmar:
É certo
que não se inclui, ordinariamente, no âmbito das funções institucionais do
Poder Judiciário – e nas desta Suprema Corte, em especial – a atribuição de
formular e de implementar políticas públicas [...], pois, nesse domínio, o
encargo reside, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo.
Tal
incumbência, no entanto, embora em bases excepcionais, poderá atribuir-se ao
Poder Judiciário, se e quando, os órgãos estatais competentes, por descumprirem
os encargos político-jurídicos, que sobre eles incidem, vierem a comprometer,
com tal comportamento, a eficácia e a integridade de direitos individuais e/ou
coletivos, impregnados de estatura constitucional, ainda que, derivados de
cláusulas revestidas de conteúdo programático.
Desse
modo, no Brasil, essa intervenção tem se mostrado extremamente necessária, em
razão do fato de que os direitos sociais de previsão constitucional têm sido
encarados como um “[...] favor que o
político concede aos seus eleitores famintos, em troca de apoio eleitoral”,
como assevera Marmelstein (2013), em menção a Schwarzer. Concomitante a essa
realidade, verifica-se que os mecanismos clássicos da democracia representativa
têm falhado em suas prerrogativas de fornecimento à sociedade, dos mais básicos
direitos à vida com dignidade, ocasionando lacunas e desrespeito aos direitos
do ser humano de viver com dignidade, resultando no fato de o juiz necessitar
agir de forma subsidiária, em proteção ao cidadão, como meio de concretizar os
direitos fundamentais expressos na Carta Magna.
Isso
expresso passar-se-á a colocar no item a seguir, acerca do princípio da reserva
do possível, o qual integra o rol principiológico, por meio do qual os
juízes se atêm, em verificação da necessidade de intervenção jurídica na
casuística em concreto, bem como se institui como meio de efetivar o direito a
uma vida digna ao ser humano.
4.1 RESERVA DO
POSSÍVEL
Implementar
um direito prestacional exige a alocação de recursos, ocorre, porém, que não há
recursos suficientes para atender a todas as demandas. Nesse sentido, as
decisões que visem concretizar um direito podem ocasionar outras ameaças;
portanto, ao julgar as demandas, o Judiciário deverá considerar que sua decisão
“[...] poderá interferir na realização de outros direitos, de modo que, somente
deve agir se estiver seguro de que não causará mal maior.” Nas palavras de
Marmelstein (2013), em citação a Amaral:
O
ideal seria que houvesse disponibilidade financeira para cumprir todos os
objetivos da Constituição. Mas não há. E é aí que entra a cláusula da reserva
do possível, tão alardeada e mal interpretada pelos que são contra o ativismo
judicial em matéria de direitos sociais.
No
entanto, os direitos de defesa, por serem direitos subjetivos, exigem apenas
uma omissão estatal, sendo, então, desconsiderados dessa condição econômica, de
modo que o bem jurídico de que tutelam pode ser alcançado independente das
circunstâncias econômicas. Ressalta-se, porém, que autores como Amaral e
Gaudino (apud SARLET; FIGUEIREDO, 2010), sustentam que, também, os direitos de
defesa, são de certa forma direitos positivos, na direção de que
[...] os
direitos de liberdade, bem como, os de defesa em geral, exigem, para que seja
efetivado, um conjunto de medidas positivas por parte do poder público e que
sempre abrangem a alocação significativa de recursos materiais e humanos para
sua proteção e efetivação de uma maneira geral.
Assim, é
inegável que todos os direitos fundamentais podem implicar, de certa forma,
algum custo, que, no entanto, não constitui fator impeditivo para a sua
efetivação jurisdicional. Acerca disso emerge a teoria da reserva do possível,
a qual teve origem na Alemanha nos primórdios de 1970, preceituando que “[...]
a efetividade dos direitos sociais a prestações materiais estaria sob a reserva
das capacidades financeiras do Estado, uma vez que, seriam direitos
fundamentais dependentes de prestações financiadas pelos cofres públicos.”
(SARLET; FIGUEIREDO, 2010).
A partir
desse momento, passou-se a um entendimento teórico de que a efetivação do
direito a prestações estaria subjugada à “[...] disponibilidade de recursos
financeiros por parte do Estado, disponibilidade esta, que estaria localizada
no campo discricionário das decisões governamentais e parlamentares,
sintetizadas no orçamento público.” Esta, denominada reserva do possível em
alusão aos autores, apresenta uma tríplice dimensão vinculada entre si e com
outros princípios constitucionais, com força sistemática e constitucional, em
razão de ferramenta auxiliar da máxima eficácia e efetividade dos direitos fundamentais,
sendo eles:
[...] a)
a efetiva disponibilidade fática dos recursos para a efetivação dos direitos
fundamentais; b) a disponibilidade jurídica dos recursos materiais e humanos,
que guarda íntima conexão com a distribuição das receitas e competências
tributárias, orçamentárias, legislativas e administrativas, entre outras, e
que, além disso, reclama equacionamento, notadamente no caso do Brasil, no
contexto do nosso sistema constitucional federativo; c) já na perspectiva
(também) do eventual titular de um direito a prestações sociais, a reserva do
possível envolve o problema da proporcionalidade da prestação, em especial no
tocante à sua exigibilidade e, nesta quadra, também da sua razoabilidade [...]
Em
consequência, é possível afirmar que a reserva do possível se assemelha à
razoabilidade econômica ou à proporcionalidade financeira. Dessa maneira,
assinala-se o voto do Ministro Celso de Mello do STF:
Não se
ignora que a realização dos direitos econômicos, sociais e culturais – além de
caracterizar-se pela gradualidade de seu processo de concretização – depende,
em grande medida, de um inescapável vínculo financeiro subordinado às
possibilidades orçamentárias do Estado, de tal modo que, comprovada, objetivamente,
a alegação de incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal, desta, não
se poderá razoavelmente exigir, então, considerada a limitação material
referida, a imediata efetivação do comando fundado no texto da Carta Política.
(STF, RE 436966/SP, Rel. Ministro Celso de Mello, j. 26 out. 2005).
Em
virtude da escassez de recursos, surge a exigência ao magistrado de se
preocupar com os resultados de sua decisão, que, porventura, venham a causar
impactos negativos, visto que a ausência de orçamento para o cumprimento de uma
ordem judicial poderá ensejar tanto o desprestígio do julgado quanto o prejuízo
na concretização de outro direito fundamental necessário; no entanto, de acordo
com Marmelstein (2013), “[...] o direito fundamental não pode deixar de ser
concretizado sob a alegatória de que a realização de despesa ficaria dentro da
estrita conveniência do administrador.”
Nessa
acepção também desponta Moro, em citação de Marmelstein (2013): “[...] o juiz
constitucional não deve desconhecer seus limites. Quanto mais intensa a
atividade da jurisdição constitucional, maiores serão os questionamentos acerca
da legitimidade da interferência judicial em regime democrático.” Isso posto,
assevera-se que, apesar da alegação da reserva do possível como limitação à
efetivação judicial dos direitos socioeconômicos, essas alegações devem ser
consideradas com desconfiança, pois “[...] não basta simplesmente alegar que
não há possibilidades financeiras de se cumprir a ordem judicial; é preciso
demonstrá-la.” Assim, faz-se conveniente a citação do voto do Ministro Celso de
Mello, na já mencionada ADPF n. 45/2004, na qual delibera:
A
cláusula da ‘reserva do possível’ – ressalvada a ocorrência de justo
motivo objetivamente aferível – não pode ser invocada, pelo Estado, com a
finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, em
particular quando, dessa conduta governamental negativa, puder ressaltar
nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados
de um sentido de essencial fundamentalidade.
Portanto,
a justificativa da reserva do possível apenas deve ser aceita caso o Poder
Público demonstre que a decisão causará mais prejuízo do que vantagens à
concretização dos direitos socioeconômicos. Cabe aqui ressaltar que os obstáculos
apontados pelo Poder Público, em negativa a estes direitos como a reserva do
possível, a liberdade de conformação do legislador, a discricionariedade
política e a ausência de previsão orçamentária ou legal, entre outros,
consistem apenas em contra-argumentos, e não em barreiras intransponíveis
(MARMELSTEIN, 2013).
Isso
expresso, robusta-se o fato de que um direito subjetivo não deve ser afastado
de maneira robótica, apenas baseando-se na reserva do possível, no entanto,
também, não pode extrapolar certos limites sob pena de colocar em risco um bem
maior do que o conferido. Como meio de edificar tal ideia, utilizar-se-á no
respectivo documento decisões jurisprudenciais, expressas na seção a seguir.
6. JURISPRUDÊNCIAS
Destarte, serão apresentadas
algumas jurisprudências, respectivas à temática:
O direito
à saúde é prerrogativa constitucional indisponível, garantido mediante a
implementação de políticas públicas, impondo ao Estado a obrigação de criar
condições objetivas que possibilitem o efetivo acesso a tal serviço. (AI
734.487-AgR, Rel. Ministra Ellen Gracie, julgamento em 03 ago. 2010, Segunda
Turma, DJE de 20 ago. 2010). Vide: RE 436.996-AgR, Rel. Ministro Celso de
Mello, julgamento em 22 nov. 2005, Segunda Turma, DJ de 03 fev. 2006; RE
271.286-AgR, Rel. Ministro Celso de Mello, julgamento em 12 set. 2000, Segunda
Turma, DJ de 24 nov. 2000.
No mesmo sentido, retorno a indagação anterior, até
que valor é possível disponibilizar através do Estado por um tratamento de
saúde vital? Em continuidade ao estudo:
Doente portadora do vírus HIV, carente de recursos indispensáveis à
aquisição dos medicamentos de que necessita para seu tratamento. Obrigação
imposta pelo acórdão ao Estado. Alegada ofensa aos arts. 5º, I, e 196 da CF.
Decisão que teve por fundamento central dispositivo de lei (art. 1º da Lei
9.908/1993) por meio da qual, o próprio Estado do Rio Grande do Sul,
regulamentando a norma do art. 196 da CF, vinculou-se a um programa de
distribuição de medicamentos a pessoas carentes, não havendo, por isso, que se
falar em ofensa aos dispositivos constitucionais apontados. (RE 242.859,
Rel. Ministro Ilmar Galvão, julgamento em 29 jun. 1999, Primeira
Turma, DJ de
17 set.
1999.)
E, a questão que não quer calar: que valor fora
disponibilizado neste tratamento? Neste instante, indiferente do valor
deferido, um direito individual (a vida) fora sobreposto a um direito social,
utilizando-se como argumento um direito social que é a saúde, ainda:
Consolidou-se
a jurisprudência desta Corte no sentido de que, embora o art. 196 da
Constituição de 1988 traga norma de caráter programático, o Município não pode
furtar-se do dever de propiciar os meios necessários ao gozo do direito à saúde
por todos os cidadãos. Se uma pessoa necessita, para garantir o seu direito à
saúde, de tratamento médico adequado, é dever solidário da União, do Estado e
do Município providenciá-lo. (AI 550.530-AgR, Rel. Ministro Joaquim
Barbosa, julgamento em 26 jun. 2012, Segunda Turma, DJE de
16 ago. 2012.).
Por conseguinte, extrai-se desta decisão que o município
detinha condições financeiras de custear o tratamento sem que com isso
prejudicasse os demais cidadãos através da fome, frio, educação e demais
necessidades sociais e também subjetivas. Para tanto, proceder-se-á por meio
das definições conclusivas expressas na próxima seção.
6. CONCLUSÃO
O
presente trabalho discorreu sobre a possibilidade de se considerar os direitos
sociais como direitos fundamentais, bem como sua atuação na expectativa
subjetiva. Ou seja, não há como dissociar, por exemplo, um direito social a
saúde de um direito individual à vida, por exemplo. Ou ainda, o direito social
ao trabalho com o citado direito à vida, um direito encontra-se interligado ao
outro. Ambos, direitos sociais caminham na mesma direção que os direitos
fundamentais, posto que, sendo um direito fundamental a vida com dignidade,
constata-se que todos os demais, pertencem a este núcleo basilar de forma
indissociável. O mesmo que dizer: adianta trabalhar e não receber o salário? Ou
que este seja insatisfatório para uma vida digna?
Assim,
como meio de edificar os direitos fundamentais, isto é, evidenciar sua
necessidade coadunada aos direitos sociais, é que fora buscado diversas
posições doutrinárias e jurisprudenciais, para concluir que um direito social
apenas é realmente efetivo, no instante em que ele cumpre com a questão
fundamental da dignidade humana, sendo este direito social, por exemplo,
receber sesta-básica da prefeitura-
direito social a alimentação satisfeito-, no entanto, incapaz de
promover o sustento necessário e ideal da família ou pessoa que o recebe,
direito à vida, e a dignidade humana insatisfeito, a ação anterior perde
totalmente o sentido.
Outro
exemplo, seria o trabalhador que tem seu direito ao trabalho efetivo, no
entanto aufere salário incompatível com suas necessidades humanas, passando
então, a fazer uso de outros meios para subsistir, neste ponto, o indivíduo
pode adentrar para a criminalidade, pondo em risco o bem estar de todo o
restante da sociedade. Verifica-se, um tracejar contínuo em que um direito
social esbarra em outro direito, o fundamental.
Em
consequência, versara-se sobre as teorias que englobam o tema de forma a
reforçá-lo e a balizá-lo, consistindo na teoria do mínimo existencial, a qual
obriga o Estado a fornecer no mínimo o direito a uma vida digna para todo e
qualquer ser humano, passando para a teoria do princípio da subsidiariedade, a
qual legaliza que o juiz atue sem prescrição legal ou executiva na direção de
concretização de direitos indispensáveis ao ser humano, culminando na teoria da
reserva do possível que delimita o ativismo judicial – forma em que o juiz atua
sem prescrição de lei, saindo da sua rota normal de atuação, “juízes não sois
máquinas, homens é o que sois”.
Conclui-se,
para fortalecer o estudo o uso de decisões jurisprudenciais proferidas mediante
os órgãos judiciários, as quais atestam e concretizam a possibilidade em
comento.
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[1]
Advogada militante; Pós-graduada em Direito do Trabalho e Previdenciário;
Autora do Blog Direito em Estudo; Autora do livro a Promoção dos Direitos
Humanos Fundamentais Através da Polícia Militar. E-mail:
linny.mendes@hotmail.com.