domingo, 10 de janeiro de 2016

POSSIBILIDADE DE CONSIDERAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS COMO DIREITOS FUNDAMENTAIS NA EXPECTATIVA SUBJETIVA



CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O presente trabalho, tem por escopo, averiguar a respeito da possibilidade de consideração dos direitos sociais, como direitos fundamentais na esfera subjetiva, o método a ser utilizado será o indutivo, assim, com o fim de explanar o conhecimento teórico e prático, acerca da temática, serão efetuadas pesquisas jurisprudenciais e doutrinárias.

Primeiramente será efetuada uma abordagem histórica, retratando desde os primórdios, os principais pontos respectivos ao tema, como forma de garantir uma absorção maior do conteúdo, em seguida, efetuar-se-á, uma explanação sobre o objeto principal do mencionado artigo, ou seja, os direitos sociais na esfera subjetiva, vindo à baila, as teorias de negação e de aceitação do tema, bem como, a discussão doutrinária, a respeito.

Retratado isso, será feita uma explanação acerca da temática, enfatizando os principais pontos doutrinários, sendo eles, a teoria do mínimo existencial, efetuando o diferencial do mínimo existencial fisiológico, do sociológico, bem como, as polêmicas da questão, passando, então, a apresentar o princípio da subsidiaridade, o qual produz força legal para que o Judiciário possa atuar em proteção aos direitos fundamentais sem posicionamento legal, inclusive na implementação de políticas públicas.

Findando o presente artigo por meio da teoria, do princípio norteador da decisão jurídica, na direção de consentir ou não o direito em pauta, denominado mínimo existencial. Assim sendo, adentrar-se-á ao respectivo manuscrito.           

1  DIREITOS SOCIAIS: INTRODUÇÃO HISTÓRICA E CONCEITO
Os direitos sociais emergiram no século XIX, por circunstâncias da Revolução Industrial, a qual, em busca de crescimento econômico, sacrificou a classe trabalhadora e oprimiu os cidadãos que se encontravam a margem da sociedade, gerando miséria, escravismo e inconformismo, dos quais resultou na necessária intervenção Estatal, e posteriormente a positivação de direitos fundamentais em proteção aos hipossuficientes, como meio de alcançar exigibilidade por parte do Estado e proteção aos cidadãos.

Preceitua Meireles (2008), que o marco na promulgação dessas garantias, ocorreu, através, da Constituição Mexicana de 1917 e a Constituição de Weimar de 1919, que foram pioneiros no que concerne a consagração dos direitos fundamentais, os quais, passaram a serem garantidos internacionalmente, através da aprovação da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, pela Assembléia Geral das Nações Unidas, a qual para Bobbio (1996), fora a primeira materialização de um sistema de valores, em proteção aos direitos humanos, de cunho geral, no que concerne à sua validade.

Em consequência, assevera Comparato (2010), no que reporta sua força jurídica, afirmando, que a mesma, se tratara tecnicamente de uma “recomendação que a Assembléia Geral das Nações Unidas faz aos seus membros (Carta das Nações Unidas, artigo 10). Nesta direção, com relação a importância histórica da Carta Política Mexicana e da Constituição de Weimar, Comparato (2010) preceitua:

“A Carta Política mexicana de 1917 foi a primeira a atribuir aos direitos trabalhistas a qualidade de direitos fundamentais, juntamente com as liberdades individuais e os direitos políticos (arts. 5º e123). A importância desse precedente histórico deve ser salientada, pois, na Europa a consciência de que os direitos humanos, teriam também, uma dimensão social, só veio a se afirmar, após a grande guerra de 1914-1918, que encerrou, de fato, o longo século XIX; e nos Estados Unidos, a extensão dos direitos humanos ao campo socioeconômico, ainda é largamente contestada. A Constituição de Weimar, em 1919, trilhou a mesma via da Carta mexicana, e todas as convenções aprovadas pela então recém criada Organização Internacional do Trabalho, na Conferência de Washington do mesmo ano de 1919, regularam matérias que já constavam da Constituição mexicana: a limitação da jornada do trabalho, o desemprego, a proteção da maternidade, a idade mínima de admissão de empregados nas fábricas e o trabalho noturno dos menores na indústria.”

Em continuação de sua explanação, no que refere-se à Declaração Universal dos Direitos Humanos, o mesmo acrescenta:

(...) Reconhece-se hoje, em toda parte, que a vigência dos direitos humanos, independe de sua declaração em constituições, leis e tratados internacionais, exatamente porque, se está diante de exigências de respeito à dignidade da pessoa humana, exercida contra todos os poderes estabelecidos, oficiais ou não. A doutrina jurídica contemporânea, de resto, como tem sido reiteradamente assinalado nesta obra, distingue os direitos humanos dos direitos fundamentais, na medida em que, estes últimos são justamente os direitos humanos consagrados pelo Estado mediante normas escritas.

Assim, no que concerne a normatividade de tais garantias, Bonavides (2006), explana acerca de que, os mesmos, primeiramente, tiveram “eficácia duvidosa”, posto que, passaram por um período de “baixa normatividade”, em razão da inerente natureza destes direitos, pois que, para sua efetividade, preconizam por parte do Estado, determinadas prestações materiais, cujas quais, nem sempre se fazem possíveis, em vista da carência e limitação de recursos.

Nesse sentido, surgiu o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, sociais e culturais, criados em 19 de dezembro de 1966, através da XXI Sessão da Assembléia Geral das Nações Unidas, cujo qual, fora promulgado no Estado brasileiro, por meio de Decreto nº 591, em 06.07.1992.

No que concerne, a criação deste Pacto, cita-se Barbosa (2003), que preceitua a respeito da divergência da criação do mesmo, posto que, a União Soviética e os países a ela congregados, defendiam a criação de um único pacto, enquanto os Estados Unidos e seus alinhados, optavam pela criação de dois pactos.

 Os mesmos utilizavam-se, dos argumentos de que, os direitos civis e políticos eram de aplicações imediatas, ao contrário dos direitos econômicos, sociais e culturais, que eram pragmáticos, nesse sentido, os mesmos, eram de aplicação progressiva, ao passo que os direitos civis e políticos eram obrigatórios e por tanto exigíveis do Estado, ao passo que, os direitos econômicos, sociais e culturais, não poderiam ser tão rígidos, posto que, seriam realizados paulatinamente, com base em tratados internacionais, resultando então, na parte vencedora, pois que, foram criados, neste momento, dois tratados, ou seja, o já mencionado Pacto de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, bem como, o Pacto Internacional dos Direitos Civis.

            A base desses dois Pactos constituíra um método de defesa de “indivíduos ou grupo sociais contra os privilégios privados e o abuso de poder estatal”. Então, no Pacto respectivo aos direitos econômicos, “o elemento comum aos direitos nele declarados, baseia-se na proteção das classes ou grupos sociais desfavorecidos, contra a dominação socioeconômica, exercida pela minoria rica e poderosa. Num caso, prioriza a defesa contra a oligarquia política; no outro, luta contra a dominação da classe.”

Em função disso, como bem pontua Comparato (obra citada), a posição estatal, como sujeito passivo da relação forense, modifica-se de um âmbito ao outro, pois que, para o desfrute das liberdades civis, necessita-se de uma abstenção do Estado, visto que, as violações jurídicas, neste âmbito, ocorrem por interferências excessivas, por parte do Poder Público na esfera privada, como também, no exercício dos direitos políticos.

No entanto, no que concerne as garantias declaradas no respectivo, Pacto, a antijuricidade, ocorre devido, a “inércia estatal, ou mesmo com a negligência ou recusa dos órgãos públicos em limitar ou controlar o poder econômico privado. (...)”, cujos quais tem por objetivo, “políticas públicas ou programas de ação governamental; e políticas públicas coordenadas entre si”.

            Como bem coloca Rodrigo Goldschmidt (2010), no presente Pacto, “não basta garantir o direito à vida. É necessário ir além, garantindo vida com dignidade...”, devido ao fato de que, os direitos sociais são os meios de garantia e efetivação concreta da dignidade da pessoa humana. 

Assim, também, Marmelstein (2013) se coloca, no sentido de que, os direitos sociais, em busca de maior qualidade de vida e um mínimo necessário em garantia da dignidade como desígnio inerente ao direito à liberdade, impõem diretrizes e tarefas a serem implantadas, através, do Estado.

Também nessa direção, explana Silva (2006), para quem, os direitos sociais, são “prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente, expresso por meio da Constituição Federal, que oferecem melhores condições de vida aos hipossuficientes, com vistas, a igualar as condições sociais de todos os cidadãos.

            O conteúdo da eficácia dos direitos sociais prioriza a igualdade material, pois que, considera de caráter essencial para o efetivo exercício dos demais direitos, posto que, os mesmos nasceram entrelaçados ao princípio da igualdade, e separá-los equivaleria a desagregá-lo de seu núcleo essencial, como bem pondera Bonavides (2006).

Essas garantias de acordo com Sarlet (2006), possuem força normativa de impor diretrizes e deveres ao Estado, no sentido de possibilitar aos cidadãos, níveis de vida mais equilibrados, com vistas a dignidade da pessoa humana, como desígnio de uma efetiva liberdade, exigindo do Estado uma intervenção positiva, vez que, incumbe ao mesmo garantir o bem-estar-social, tratando-se, então, de “uma liberdade por intermédio do Estado”.

            Consequentemente é possível concluir que, os direitos sociais são indispensáveis para o exercício pleno de qualquer outro direito fundamental, representando então, pressupostos para a efetivação dos demais direitos individuais, pois que, a igualdade puramente formal, de caráter totalmente negativo, tende a tornarem-se completamente desiquilibradas, em vistas de que, a própria, não considera as diferenças existentes entre seus sujeitos, de maneira a igualar a relação jurídica.

Assim sendo, a igualdade material se perpetua de forma unânime a todas as pessoas, e em um caso concreto, quando se fizer necessário, realiza as diferenciações, de maneira que todos os integrantes, possam usufruir de seus direitos de forma justa e equilibrada, conforme suas condições e prerrogativas.

            Destarte, em conformidade com Silva (2010), “embora o estado social tenha por finalidade, garantir a efetividade da justiça social e a promoção da dignidade da pessoa humana, sua atuação, deve ocorrer com fulcro na ordem jurídica estatal, orientado, pela ética e destinado a assegurar os direitos humanos fundamentais e decorrentes prerrogativas.”

            A Constituição Federal de 1988 acompanhou as evoluções históricas, em garantia da dignidade da pessoa humana e vistas ao bem comum, a começar por seu preâmbulo que enuncia, adrede seu fundamento de Estado Democrático de Direito, ressaltando os princípios fundamentais, como também, os direitos e garantias fundamentais, de forma expressa em seus artigos.

Posto que, no art. 6º, evidencia-se, de forma clara, a garantia aos direitos sociais, assim expressos: “são direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”. Ainda nesta direção, encontra-se no texto constitucional a previsão específica, no que concerne a “Ordem Social”, por via do Título VIII.

            Desta forma, assevera, Goldschmidt (obra citada), no que refere-se, a promoção dos direitos sociais, no sentido de que, este dever não refere-se apenas ao Estado, mas também, aos particulares e a sociedade civil, como garante a Carta Magna no art. 170, “que o poder econômico e a livre iniciativa devem assegurar existência digna ao homem”. Bem como, no art. 198 da referida Carta, com expressão das “diretrizes das ações e serviços públicos de saúde”.

            Congrega-se através da explanação de Marmelstein (obra citada), cujo qual, assegura aos direitos sociais, status de direitos fundamentais, pois que, na Constituição Federal os mesmos encontram-se elencados de tal forma, tanto no sentido formal, pois que, estão prescritos na Constituição, o que lhes garante posição jurídica constitucional, quanto no sentido material, visto que, são valores indissociáveis do princípio da dignidade da pessoa humana.

            Isso posto, encontra-se o questionamento respectivo a temática, no sentido, que reporta a capacidade dos direitos sociais, como garantias constitucionais, de gerarem ou não direitos subjetivos à seus titulares. É nesta direção, que aborda o presente documento, em razão de que, no decorrer do trabalho, efetivar-se-á, a resposta acerca do tema, portanto, passar-se-á a expressar, por meio do próximo item, a subjetividade dos direitos sociais fundamentais.

DIREITOS SOCIAIS NA PERSPECTIVA FUNDAMENTAL: SUBJETIVIDADE
Como sabido, os direitos fundamentais sociais, estão englobados na segunda dimensão de direitos, não obstante cabe ressalvar, conforme preleciona Sarlet (2009), que, apesar do marco diferencial destes direitos, serem de cunho positivo, os mesmos, também, podem se apresentar, como direitos de liberdades negativas, isto é, direitos de defesa, assim Sarlet e Figueiredo (2010), esclarecem:

(...) os direitos sociais abrangem tanto os direitos (posições ou poderes) à prestações (positivos), quanto direitos de defesa (direitos negativos ou a ações negativas), partindo-se, aqui, do critério da natureza da posição jurídico-subjetiva, reconhecida ao titular do direito, bem como, da circunstância de que, os direitos negativos (notadamente os direitos à não intervenção na liberdade pessoal e nos bens fundamentais tutelados pela Constituição), apresentam uma dimensão “positiva” (já que sua efetivação reclama uma atuação positiva do Estado e da sociedade), ao passo que, os direitos a prestações (positivos), fundamentam, também, posições subjetivas “negativas”, notadamente, quando se cuida de sua proteção contra ingerências indevidas por parte dos órgãos estatais, de entidades sociais e também, de particulares.

Como perceptível, pela separação em dimensões, os direitos foram se afirmando conforme o momento histórico e a necessidade da sociedade, caracterizadas por conquistas sociais em defesa da liberdade, de forma gradual.

No entanto, há divergências doutrinárias quanto a essa classificação de direitos por dimensões, mesmo que didática, pois que, a própria é utilizada como escape para os governos que, descomprometidos com a efetivação dos direitos sociais, argumentem, para o sentido de que, os direitos civis e políticos estariam em primazia, ou vice versa.

Posicionamento equivocado, pois que, Coelho (2009) desponta, acerca da necessidade do reconhecimento da indivisibilidade dos direitos fundamentais, para que essas denominadas dimensões de direitos, não sejam negligenciadas ou violadas, ainda que, sob a falsa afirmação de promoção de outras garantias, devido ao fato de que, essa visão fragmentada, interessa de sobremaneira somente, “aos regimes autoritários, ao autoritarismo sem bandeiras, seja no plano político, seja no plano econômico-social".

Assim sendo, os direitos sociais, conforme Barreto, supracitado por Kelbert (2011), atuam como, “núcleos integradores e legitimadores do bem comum, pois será, através deles, que se poderá garantir a segurança, a liberdade, a sustentação e a continuidade da sociedade humana”. Nesse sentido, Olsen (2011), salienta que os direitos fundamentais, possuem duas acepções a se destacar, sendo elas, a objetiva, que corresponde aos objetivos basilares da comunidade e a subjetiva, qual seja, a de um direito individual plenamente exigível.

No que reporta a concepção objetiva dos direitos fundamentais, Sarlet (obra citada), aborda que, por se tratar de valores e fins que o Estado deve concretizar este direito devem ser verificados através do prisma social, ‘na qual se encontra inserido e não pode ser dissociado’, podendo-se, articular no sentido de, uma ‘responsabilidade comunitária dos indivíduos’, estando, portanto, valoramente ligado a percepção objetiva dos direitos fundamentais, e consequentemente, também, vinculado a esta perspectiva, encontra-se, a obrigação indissociável do Estado, de promover e garantir os direitos fundamentais. Assim, também, pondera Olsen (2011), para a qual:

[...] Esta dimensão protetora revela, em verdade o caráter positivo que todos os direitos fundamentais podem assumir, mesmo os clássicos direitos de defesa, na medida em que todos exigiriam – como função autônoma e independente de sua subjetividade – a proteção do Estado, para a qual, por certo, necessário se faz a adoção de medidas prestacionais. A partir dessa perspectiva, torna-se mais evidente a conclusão a que chegaram Cass Sustein e Stephen Holmes, no sentido de que, todos os direitos fundamentais, são positivos e têm um custo.

Ao que Bonavides (2006), preceitua, como consequência da atuação protetora dos direitos fundamentais, nas relações sociais:

a) A irradiação e a propagação dos direitos fundamentais a toda a esfera do Direito Privado;[…]; b) a elevação de tais direitos à categoria de princípios, de tal sorte que, se convertem no mais importante polo, de eficácia normativa da Constituição; c) a eficácia vinculante, cada vez mais enérgica e extensa, com respeito aos três Poderes, nomeadamente o Legislativo; d) a aplicabilidade direta e a eficácia imediata dos direitos fundamentais, com perda do caráter de normas programáticas; e) a dimensão axiológica, mediante a qual, os direitos fundamentais, aparecem como postulados sociais, que exprimem uma determinada ordem de valores e ao mesmo passo, servem de inspiração, impulso e diretriz para a legislação, a administração e a jurisdição; f) o desenvolvimento da eficácia inter privatos, ou seja, em relação a terceiros (Drittwirkung), com atuação no campo dos poderes sociais, fora, portanto, da órbita propriamente dita do Poder Público ou do Estado, dissolvendo, assim, a exclusividade do confronto subjetivo imediato entre o direito individual e a máquina estatal; confronto do qual, nessa qualificação, os direitos fundamentais se desataram; g) a aquisição de um “duplo caráter (...),ou seja, os direitos fundamentais conservam a dimensão subjetiva – qual nunca se podem apartar, pois, se o fizessem, perderiam parte de sua essencialidade – e recebem um aditivo, uma nova qualidade, um novo feitio, que é a dimensão objetiva, dotada de conteúdo valorativo decisório, e de função protetora tão excelentemente assinalada pelos publicistas e juízes constitucionais da Alemanha; h) a elaboração do conceito de concretização, de grau constitucional, de que se têm valido, com assiduidade, os tribunais constitucionais do Velho Mundo na sua construção jurisprudencial em matéria de direitos fundamentais; i) o emprego do princípio da proporcionalidade vinculado à hermenêutica concretizante, emprego não raro abusivo, de que derivam graves riscos para o equilíbrio dos Poderes, com os membros da judicatura constitucional desempenhando de fato e de maneira insólita o papel de legisladores constituintes paralelos, sem todavia possuírem, para tanto, o indeclinável título de legitimidade; e j) a introdução do conceito de pré-compreensão (Vorverständnis), sem o qual não há concretização.

Isso posto, abordar-se-á, neste momento, a teoria subjetiva, pois que, este é o objetivo específico do respectivo documento, assim sendo, conforme Canotilho (2002), “diz-se, que uma norma garante um direito subjetivo quando o titular de um direito tem, face ao seu destinatário, o direito a um determinado ato, e este último tem o dever de, perante o primeiro, praticar esse ato.” Conforme Clève (2003), a sua dimensão subjetiva desempenha três funções, sendo elas, defesa, prestação e não discriminação, ou seja:

(...) os direitos fundamentais (i) situam o particular em condição de opor-se à atuação do poder público em desconformidade com o mandamento constitucional, (ii) exigem do poder público a atuação necessária para a realização desses direitos, e, por fim, (iii) reclamam que o Estado coloque à disposição do particular, de modo igual, sem discriminação (...), os bens e serviços indispensáveis ao seu cumprimento. Então, salvo nas hipóteses de ação afirmativa, onde poderá haver uma discriminação (temporariamente justificável) que busque atender determinadas finalidades constitucionais (...), a exigência é de que, os serviços sejam colocados à disposição de todos os brasileiros (...), implicando para o particular, o poder de reivindicar junto ao Judiciário, idêntico tratamento.

Não obstante, ocorre que, existem divergências doutrinárias no que reporta a atuação dos direitos subjetivos, devido ao próprio objeto do direito fundamental subjetivo, que, no entender de Sarlet (obra citada), se vincula ao fato de que, a liberdade da pessoa individual, não possui um leque de garantias uniformizadas, consistindo na existência de diferentes classificações, quanto ao grau de exigibilidade destes direitos, bem como, ao fato de que, “a complexidade das posições jurídicas dos direitos fundamentais, que podem se constituir em direitos, liberdades, pretensões e poderes de natureza diversa e ainda dirigir-se a diferentes destinatários”.

Em continuação, o mencionado autor, afirma na direção de que, a eficácia imediata encontra-se definida nos termos do art. 5º, § 1º da Constituição. Assim, partindo desse pressuposto, Marmelstein (2013), afirma que, a cláusula de aplicação imediata é a aplicabilidade expressa do princípio da máxima efetividade, que é inerente a todas as normas constitucionais.

Acerca disso, o próprio fez menção a Krugrer, ao denotar que, são as leis que devem girar em torno dos direitos fundamentais, e não o contrário, em consequência, do caráter primordial, da efetivação dos direitos fundamentais, não havendo, portanto, nenhuma possibilidade de abstenção jurídica, deste dever legal.

Dessarte, também, preceitua Mello (2011), para quem, a Constituição não é apenas uma ideologia, mas sim, o resultado de um ideário, isto é, consiste na conversão de necessidades e ideologias em positivações. Ainda neste sentido, explana Olsen (2011), para a qual, “a exigibilidade não é condição de existência do direito, ele não existe porque é exigível. Ele (simplesmente) existe, razão pela qual deve ser exigível”. Em continuação a sua explanação a mesma faz citação ao autor Erros grau, in verbis:

Afirmar que determinadas normas constitucionais têm sua eficácia dependente da edição de normas pelo legislador ordinário, equivaleria a uma “revogação de fato”, sempre que, o legislador se omitisse no seu dever de concretizar a norma constitucional. Seria inverter a hierarquia das normas jurídicas, na medida em que, uma lei ordinária acabaria por, se sobrepor a uma norma constitucional.
Nestas condições, o autor defende que, as normas de direitos sociais, ainda que, prevejam a possibilidade de integração do seu conteúdo, por legislação ordinária, não dependem desta, para sua interpretação e aplicação, gerando verdadeiros direitos subjetivos, aos seus titulares.

Assim também pondera Kelbert (2011), em citação a Sarmento, para quem:

[...] conceber os direitos sociais como normas programáticas implica deixá-los praticamente desprotegidos diante das omissões estatais, o que não se compatibiliza nem com o texto constitucional, que consagrou a aplicabilidade imediata de todos os direitos fundamentais, nem com a importância destes para a vida das pessoas.

Desta forma, em conformidade com Olsen (obra citada), mister se faz, a diferenciação das normas programáticas, das normas definidoras de direitos, para tanto, a diferença nuclear reside em seu objeto, isto é, devido ao fato de que, as primeiras, apenas, determinam um fim a ser efetivado através do Estado, porém, as normas definidoras de direitos sociais, atribuem um direito subjetivo aos seus titulares.

A discussão se encerra, porém sem pacificação doutrinária, sob a observação, da necessidade de utilizar-se do método de ponderação, em cada caso concreto, como elemento direcionador para a concretização e efetividade dos direitos sociais, na direção de doutrinadores como Sarlet (obra citada), como forma de constatação da necessidade de interferência ou não, do Poder Judiciário, para agir além de sua competência institucional.

Não obstante, afirmar que os direitos sociais estão diretamente vinculados, à vida e a dignidade da pessoa humana, o que substancialmente lhes imprime um caráter de efetividade ou subjetividade. Isto colocado passar-se-á a abordar a teoria do mínimo existencial por meio do item a seguir.

3               3 A TEORIA DO MÍNIMO EXISTÊNCIAL
No que reporta Marmelstein (obra já citada), acerca dos países desenvolvidos:

A possibilidade de o Judiciário vir a efetivar direitos a prestações materiais é vista com bastante desconfiança, pois se entende que, a escassez dos recursos necessários à concretização de direitos prestacionais demandaria escolhas políticas, que deveriam ser tomadas, preferencialmente, por órgãos politicamente responsáveis (legislador de administrador) e não pelos juízes. Além disso, são poucas as Constituições, como a brasileira, que incluíram em seu rol de direitos fundamentais, diversos direitos sociais.

Ocorre, porém, que mesmo nestes países, reconhece-se, a obrigação, por parte do Estado, de garantir aos cidadãos, ao menos condições mínimas de uma existência digna, a qual se denomina, “teoria do mínimo existencial.” Ao que concerne a esta teoria, apenas o conteúdo basilar dos direitos sociais, teriam um grau indispensável, com capacidade suficiente, para gerar direitos subjetivos aos seus titulares. Caso a pretensão encontre-se fora desse mínimo existencial, “o reconhecimento dos direitos subjetivos ficaria na dependência de legislação infraconstitucional regulamentando a matéria, não podendo o Judiciário agir além da previsão legal.” Nesse sentido, cita-se Torres (2003), in verbis:

A jusfundamentalidade dos direitos sociais, se reduz, ao mínimo existencial, em seu duplo aspecto de proteção negativa, contra a incidência de tributos, sobre os direitos sociais mínimos de todas as pessoas e de proteção positiva, consubstanciada, na entrega de prestações estatais materiais em favor dos pobres. Os direitos sociais máximos devem ser obtidos na via do exercício da cidadania reivindicatória e da prática orçamentaria, a partir do processo democrático.

Esse é o caminho que leva à superação do primado dos direitos sociais prestacionais (ou direitos a prestações positivas do Estado, ou direitos de crédito-dróit créance- ou Teilhaberechte) sobre os direitos da liberdade, que inviabilizou o Estado Social de Direito, e ao desfazimento da confusão, entre direitos fundamentais e direitos sociais, que não permite a eficácia destes últimos, sequer, na sua dimensão mínima.

Há porém, uma constatação a ser feita no que refere-se ao mínimo existencial, em conformidade com Figueiredo e Sarlet (obra citada), sendo de relevo frisar que, esta teoria em nada se compara com o denominado mínimo vital ou mínimo de sobrevivência, posto que, estes últimos, apenas referem-se, a garantia da vida humana, sem deter-se na qualidade de vida, ou seja, na vida com dignidade.

Isso posto, convém salientar que, proteger alguém de sucumbir, certamente seria o primeiro passo ao mínimo existencial, no entanto, não bastaria, assim sendo, o mínimo existencial seria “um conjunto de garantias materiais para uma vida digna”. Em que pese, a colocação dos referidos autores, no que refere-se, a possibilidade de reconhecimento de um direito subjetivo em garantia de recursos mínimos para um vida digna, fora o jurista Otto Bachof, que precocemente, no início da década de 50, decidiu neste sentido, em citação dos referidos autores:

(...) O princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inc. I, da Lei Fundamental da Alemanha, na sequência referida como LF) não reclama apenas a garantia da liberdade, mas também, um mínimo de segurança social, já que, sem os recursos materiais para uma existência digna, a própria dignidade da pessoa humana ficaria sacrificada. Por esta razão, o direito à vida e integridade corporal (art. 2º, inc. II, da LF) não pode ser concebido meramente como proibição de destruição da existência, isto é, como direito de defesa, impondo, ao revés, também, uma postura ativa, no sentido de garantir a vida”.

Cerca de um ano depois da paradigmática formulação de Bachof, o Tribunal Federal Administrativo da Alemanha (Bundesverwaltungsgericht), já no primeiro ano de sua existência, reconheceu um direito subjetivo do indivíduo carente, ao auxílio material por parte do Estado, argumentando, igualmente com base no postulado da dignidade da pessoa humana, no direito geral de liberdade e no direito à vida, que o indivíduo, na qualidade de pessoa autônoma e responsável, deve ser reconhecido como titular de direitos e obrigações, o que implica principalmente na manutenção de suas condições de existência.

Transcorridas cerca de duas décadas da decisão em comento, também, o Tribunal Constitucional Federal, consolidou por aderir a teoria do mínimo existencial, decisão da qual, se extrai:

Certamente a assistência aos necessitados integra as obrigações essenciais de um Estado Social. [...] Isto inclui, necessariamente, a assistência social aos cidadãos, que, em virtude de sua precária condição física e mental, encontram-se limitados nas suas atividade sociais, não apresentando condições de prover a sua própria subsistência. A comunidade estatal, deve, assegurar-lhes, pelo menos, as condições mínimas para uma existência digna e envidar os esforços necessários para integrar estas pessoas na comunidade, fomentando seu acompanhamento e apoio na família ou por terceiros, bem como, criando as indispensáveis instituições assistenciais.

Destarte, torna-se evidente que a garantia efetiva de uma existência com dignidade, vai além da mera sobrevivência física, do mínimo vital (mínimo fisiológico), encontrando-se então, além do estado de pobreza absoluta, posto que, a vida não pode ser reduzida a mera existência, em virtude do fato de que, além da proteção básica, necessita-se, assegurar ao ser humano, um mínimo de inserção na vida social (mínimo sociocultural), ou seja, um direito a garantia fundamental.

Então, Figueiredo e Sarlet (obra citada), também predispõe acerca da impossibilidade de incluir um rol taxativo de direitos garantidos, através do mínimo existencial, pois que, se faz necessário, “efetuar uma análise (ou pelo menos a possibilidade de uma averiguação), à luz da necessidade de cada pessoa e de seu núcleo familiar. Com efeito, no que reporta, a garantia ao mínimo existencial, um dos principais argumentos em desfavor da prática, encontra-se, na dimensão econômica designada “reserva do possível”, a qual será averiguada no item 6 deste artigo, nesse sentido:

(...) Argumenta-se que as prestações necessárias à efetivação dos direitos fundamentais, dependem sempre da disponibilidade financeira e da capacidade jurídica de quem tenha o dever de assegurá-las. Por conta de tal objeção, sustenta-se, que os direitos a prestações e o mínimo existencial encontram-se condicionados pela, assim designada, “reserva do possível” e pela relação que esta guarda, entre outros aspectos, com as competências constitucionais, o princípio da separação dos Poderes, a reserva de lei orçamentária, e o princípio federativo.

Isso posto, conclui-se que, se for dada uma interpretação máxima ao conceito de mínimo, com certeza afastar-se-iam, os aspectos negativos e tal teoria seria de grande contribuição, para a efetivação dos direitos fundamentais sociais, assim sendo, partir-se-á, para a explanação do princípio da subsidiariedade, cujo qual, em conjunto com o princípio anteriormente expresso, contribuem de forma fundamental, para a efetividade dos direitos sociais, sendo para tanto, necessário um obséquio a respeito do tema, como complemento da temática e completo entendimento do presente documento.

   4 PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIDADE

Concerne que, por via deste princípio, emerge a possibilidade de o Judiciário estar implementando direitos fundamentais, sem prerrogativas legislativas ou executivas, como meio, de concretização destas garantias, o que automaticamente, gera direitos subjetivos aos titulares deste direito.

Assim sendo, convém salientar que a intervenção judiciária somente é possível frente a omissão, ou má administração dos demais poderes, através, de ações insuficientes ou equivocadas, posto que, não reporta ao Judiciário a implementação de políticas públicas, sob pena de desrespeito à separação de poderes, bem como, afronta ao ideal democrático, o qual regulamenta que tal matéria cabe, como dito, ao Legislativo e Executivo.

Destarte, a interferência Judicial tende a ser subsidiária e temporária, apenas até que o órgão competente tome as medidas cabíveis. Nesse sentido, prolatar-se-á, a decisão do Min. Celso de Mello, do STF, na ADPF 45/2004, no sentido de:

É certo que não se inclui, ordinariamente, no âmbito das funções institucionais do Poder Judiciário - e nas desta Suprema Corte, em especial - a atribuição de formular e de implementar políticas públicas (...), pois, nesse domínio, o encargo reside, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo.

Tal incumbência, no entanto, embora em bases excepcionais, poderá atribuir-se ao Poder Judiciário, se e quando, os órgãos estatais competentes, por descumprirem os encargos político-jurídicos, que sobre eles incidem, vierem a comprometer, com tal comportamento, a eficácia e a integridade de direitos individuais e/ou coletivos, impregnados de estatura constitucional, ainda que, derivados de cláusulas revestidas de conteúdo programático.

Deste modo, no Brasil, esta intervenção tem se mostrado extremamente necessária, devido ao fato de que, os direitos sociais de previsão constitucional têm sido encarados como um “favor que o político concede aos seus eleitores famintos, em troca de apoio eleitoral”, como bem assevera Marmelstein (obra citada), em menção a Schwarzer.

Concomitante com essa realidade pode ser evidenciado, no fato de que, os mecanismos clássicos da democracia representativa têm falhado em suas prerrogativas de fornecimento a sociedade dos mais básicos direitos a vida com dignidade, ocasionando lacunas e desrespeito aos direitos do ser humano de viver com dignidade, resultando no fato de o Juiz, necessitar agir de forma subsidiária, em proteção ao cidadão e como meio de concretizar os direitos fundamentais, expressos na Carta Magna.

Isto expresso passar-se-á a colocar, acerca do princípio da reserva do possível, o qual integra o rol principiológico, por meio do qual o juiz se atém, em verificação da necessidade de intervenção jurídica na casuística em concreto, bem como, se institui, como meio de efetivar o direito a uma vida digna ao ser humano, o qual será expresso, por meio do item a seguir.

2.2                 5  RESERVA DO POSSÍVEL
Programar um direito prestacional exige a alocação de recursos, sejam eles financeiros, ou mesmo não monetários, como, mão de obra especializada e equipamentos, assim sendo, não há recursos suficientes para atender todas as demandas. Nesse sentido, as decisões que visem concretizar um direito, podem ocasionar outras ameaças, por tanto, ao julgar as demandas, o Judiciário deverá considerar, que sua decisão “poderá interferir na realização de outros direitos, de modo que, somente deve agir se estiver seguro de que não causará mal maior”, nas palavras de Marmelstein (obra citada) em citação a Gustavo Amaral:

 O ideal seria que houvesse disponibilidade financeira para cumprir todos os objetivos da Constituição. Mas não há. E é aí que entra a cláusula da reserva do possível, tão alardeada e mal interpretada pelos que são contra o ativismo judicial em matéria de direitos sociais.

No entanto, os direitos de defesa, por serem direitos subjetivos, exigem apenas uma omissão estatal, sendo então, desconsiderados desta condição econômica, de modo que, o bem jurídico de que tutelam, pode ser alcançado independente das circunstâncias econômicas.

Ressalta-se, porém, que autores como Gustavo Amaral e Flavio Gaudino, citados por Figueiredo e Sarlet (2008), sustentam que, também, os direitos de defesa, são de certa forma direitos positivos, na direção de que “os direitos de liberdade, bem como, os de defesa em geral, exigem, para que seja efetivado, um conjunto de medidas positivas por parte do poder público e que sempre abrangem a alocação significativa de recursos materiais e humanos para sua proteção e efetivação de uma maneira geral.”

Assim sendo, é inegável que todos os direitos fundamentais podem implicar de certa forma, algum custo, que, no entanto, não constitui fator impeditivo para sua efetivação jurisdicional.

Acerca disso, é que emerge a teoria da reserva do possível, cuja qual, teve origem na Alemanha nos primórdios de 1970, essa teoria preceitua que, “a efetividade dos direitos sociais a prestações materiais estaria sob a reserva das capacidades financeiras do Estado, uma vez que, seriam direitos fundamentais dependentes de prestações financiadas pelos cofres públicos” nas palavras de Figueiredo e Sarlet (obra citada).

A partir desse momento, passou-se a um entendimento teórico de que, a efetivação do direito a prestações, estaria subjugada a “disponibilidade de recursos financeiros por parte do Estado, disponibilidade esta, que estaria localizada no campo discricionário das decisões governamentais e parlamentares, sintetizadas no orçamento público”.

Essa, denominada, reserva do possível em alusão a Figueiredo e Sarlet (obra citada), apresenta uma tríplice dimensão vinculada entre si e com outros princípios constitucionais, com força sistemática e constitucional, em função de ferramenta auxiliar da máxima eficácia e efetividade dos direitos fundamentais, sendo eles:

(...) a) a efetiva disponibilidade fática dos recursos para a efetivação dos direitos fundamentais; b) a disponibilidade jurídica dos recursos materiais e humanos, que guarda íntima conexão com a distribuição das receitas e competências tributárias, orçamentárias, legislativas e administrativas, entre outras, e que, além disso, reclama equacionamento, notadamente no caso do Brasil, no contexto do nosso sistema constitucional federativo; c) já na perspectiva (também) do eventual titular de um direito a prestações sociais, a reserva do possível envolve o problema da proporcionalidade da prestação, em especial no tocante à sua exigibilidade e, nesta quadra, também da sua razoabilidade. (...)

Destarte, a reserva do possível embasa, um limite jurídico e fático dos direitos fundamentais, no entanto, em determinadas situações, a própria poderá operar, como garantia dos direitos fundamentais.

Ou seja, no que concerne a conjuntura econômica, partindo do princípio de que a Constituição não estabeleceu normatividade a respeito, incumbe aos órgãos públicos competentes, a instituição de políticas públicas nesta esfera, ocorre porém, que nesse ponto, encontra-se a problemática da questão, pois, conforme explana Canotilho, citado na obra de Figueiredo e Sarlet (supracitada), "ao legislador compete, dentro das reservas orçamentais, dos planos econômicos e financeiros, das condições sociais e econômicas do país, garantir as prestações integradoras dos direitos sociais, econômicos e culturais".

Em consequência, é possível afirmar que a reserva do possível, se assemelha a razoabilidade econômica ou a proporcionalidade financeira. Desta maneira, assinala-se o voto do Min. Celso de Mello do STF:

Não se ignora que a realização dos direitos econômicos, sociais e culturais - além de caracterizar-se pela gradualidade de seu processo de concretização- depende, em grande medida, de um inescapável vínculo financeiro subordinado às possibilidades orçamentárias do Estado, de tal modo que, comprovada, objetivamente, a alegação de incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal, desta, não se poderá razoavelmente exigir, então, considerada a limitação material referida, a imediata efetivação do comando fundado no texto da Carta Política. (STF, RE 436966/SP, rel Min. Celso de Mello, j. 26.10.2005.)

Em virtude da escassez de recursos, surge a exigência ao magistrado de preocupar-se com os resultados de sua decisão, que por ventura, venham a causar impactos negativos, visto que, a ausência de orçamento para o cumprimento de uma ordem judicial, poderá ensejar tanto o desprestigio do julgado, quanto o prejuízo na concretização de outro direito fundamental necessário.

Em contrapartida, como bem assevera Marmelstein (obra citada), caso a decisão encontre-se dentro da reserva do possível, “o direito fundamental não pode deixar de ser concretizado sob a alegativa de que a realização de despesa ficaria dentro da estrita conveniência do administrador”, ao que concerne a isto, convém esclarecer que, não compete ao Judiciário interferir na esfera Administrativa, a não ser em casos excepcionais e com vistas à garantir direito fundamental, inerente a dignidade da pessoa humana.

Nesta acepção também desponta Moro, em citação de Marmelstein (obra citada), “o juiz constitucional não deve desconhecer seus limites. Quanto mais intensa a atividade da jurisdição constitucional, maiores serão os questionamentos acerca da legitimidade da interferência judicial em regime democrático.”

Isso posto, assevera-se que, apesar da alegação da reserva do possível como limitação a efetivação judicial dos direitos socioeconômicos, o mencionado autor pondera que, essas alegações devem ser consideradas com desconfiança, pois “não basta simplesmente alegar que não há possibilidades financeiras de se cumprir a ordem judicial; é preciso demonstrá-la.” Assim sendo, se faz conveniente a citação do voto do Min. Celso de Mello, na já mencionada ADPF 45/2004, na qual delibera:

A cláusula da ‘reserva do possível’ - ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível - não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, em particular quando, dessa conduta governamental negativa, puder ressaltar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade.

Por tanto, a justificativa da reserva do possível, apenas deve ser aceita, caso o Poder Público demonstre que a decisão causará mais prejuízo do que vantagens a concretização dos direitos socioeconômicos, cabe aqui ressaltar que os obstáculos apontados pelo Poder Público, em negativa a esses direitos como a reserva do possível, a liberdade de conformação do legislador, a discricionariedade política, e a ausência de previsão orçamentária ou legal, dentre outros, consistem apenas em contra-argumentos, e não em barreiras intransponíveis, como salienta Marmelstein, (obra citada).

 Portanto, é deste ideal que decorre o dever de consistência e de fundamentação da decisão judicial, devendo o juiz se orientar pela premissa de que, quanto maior for a fragilidade da situação em concreto, maior será, a necessidade de intervenção judicial de forma ativa e criativa, como meio de reduzir as desigualdades sociais, bem como efetivar os direitos intrínsecos à pessoa humana.

Nesse sentido, expõe-se a decisão da Suprema Corte da África do Sul no caso Grootboom:

 (...) O Estado não é obrigado a gastar mais do que tem ou implementar esses direitos imediatamente. Assinalo, contudo, que apesar disso, trata-se de direitos, e a Constituição obriga o Estado a dar efetividade a eles. Essa é uma obrigação que o tribunal pode, nas circunstancias apropriadas, exigir o cumprimento.

Concluso o referido item, passar-se-á a transcorrer decisões jurisprudências acerca da temática, como meio de fortalecer a prática da possibilidade de o juiz, adentrar na esfera legislativa e administrativa, como forma de fomentar a justiça, bem como, tornar os direitos expressos pelo constituinte originário efetivos, em favor dos hipossuficientes, consubstanciando a dignidade humana, na direção de favorecer aos necessitados a possibilidade de viver com dignidade e em igualdade de condições, ao máximo do que for possível.



  6 JURISPRUDÊNCIAS

Destarte, colocarão algumas jurisprudências, respectivas a temática, sendo a primeira referente ao Direito indisponível a saúde, promulgado através da Constituição:

O direito a saúde é prerrogativa constitucional indisponível, garantido mediante a implementação de políticas públicas, impondo ao Estado a obrigação de criar condições objetivas que possibilitem o efetivo acesso a tal serviço. (AI 734.487-AgR, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 3-8-2010, Segunda Turma, DJE de 20-8-2010). Vide: RE 436.996-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 22-11-2005, Segunda Turma, DJ de 3-2-2006; RE 271.286-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 12-9-2000, Segunda Turma, DJ de 24-11-2000.

Decisão acerca da Obrigação Estadual em prestar medicamento:

Doente portadora do vírus HIV, carente de recursos indispensáveis à aquisição dos medicamentos de que necessita para seu tratamento. Obrigação imposta pelo acórdão ao Estado. Alegada ofensa aos arts. 5º, I, e 196 da CF. Decisão que teve por fundamento central dispositivo de lei (art. 1º da Lei 9.908/1993) por meio da qual, o próprio Estado do Rio Grande do Sul, regulamentando a norma do art. 196 da CF, vinculou-se a um programa de distribuição de medicamentos a pessoas carentes, não havendo, por isso, que se falar em ofensa aos dispositivos constitucionais apontados. (RE 242.859, Rel. Min. Ilmar Galvão, julgamento em 29-6-1999, Primeira Turma, DJ de 17-9-1999.)

Decisão do Min. Joaquim Barbosa em garantia a prestação da saúde, impondo como dever ao ente estatal o direito ao recebimento de medicamentos, como meio de preservação e garantia de seu tratamento médico:

Consolidou-se a jurisprudência desta Corte no sentido de que, embora o art. 196 da Constituição de 1988 traga norma de caráter programático, o Município não pode furtar-se do dever de propiciar os meios necessários ao gozo do direito à saúde por todos os cidadãos. Se uma pessoa necessita, para garantir o seu direito à saúde, de tratamento médico adequado, é dever solidário da União, do Estado e do Município providenciá-lo. (AI 550.530-AgR, rel. min. Joaquim Barbosa, julgamento em 26-6-2012, Segunda Turma, DJE de 16-8-2012.)


2                    CONCLUSÃO
Em conclusão, acentua-se a possibilidade de os direitos fundamentais explanarem sua subjetividade de direitos, à prestações aos seus titulares em casos de urgência, em especial nos casos em que, o sujeito requer providências efetivas e imediatas, as quais, por sua vez, devido a sua exigibilidade, emitem deveres prestacionais por parte do Estado, que implicam, frente a omissão dos órgãos competentes, ao ativismo judicial, em controle aos atos do poder público, em prol da efetivação dos direitos socioeconômicos.

O fato é que o ativismo judicial tem maior justificabilidade quando se trata de pessoas em desvantagem social, ou seja, com fragilidade social, pois que, quanto maior a fragilidade, maior será a necessidade de intervenção judiciária, em concretização de uma vida digna à pessoa humana.

Assim sendo, as objeções da reserva do possível, não podem prevalecer frente à proteção do mínimo sociocultural existencial, em atenção ao caso concreto do indivíduo que requer a tutela, posto que, o direito a uma vida digna encontra-se taxativamente elencado na Constituição Federal ensejando dever de concretização por parte do Estado, bem como, tal direito (de proteção à vida), consistem em um direito prioritário por parte do mesmo, devido ao fato de que,  é através do nascimento com vida, que emergem todos os demais direitos.

Porém, o Juiz não pode agir de forma descuidada, sob pena de estar ocasionando um mal maior, por meio de uma decisão em desfavor do sujeito ativo, posto que em alguns casos, podem, inclusive ocasionar o desfalecimento do próprio, necessitando, portanto, antes da tomada de uma decisão, efetuar análises aos casos em concreto, com vistas a aferir o resultado em sincronia com o princípio da proporcionalidade e da razoabilidade, bem como, prolatar sua decisão de forma bem argumentada, para que não reste dúvidas de que a mesma, realmente compreendeu-se na melhor decisão.
     
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