domingo, 23 de outubro de 2016

A PATERNIDADE RESULTANTE DO ATO DE VIOLÊNCIA SEXUAL: UMA ALTERNATIVA OU UM DEVER JURÍDICO E MORAL DO HOMEM?

 

A PATERNIDADE RESULTANTE DO ATO DE VIOLÊNCIA SEXUAL: UMA ALTERNATIVA OU UM DEVER JURÍDICO E MORAL DO HOMEM?

 

Resumo: A presente pesquisa pretende analisar o delito de violência sexual contra o sujeito masculino, tendo a mulher no polo ativo da conduta, enfatizando a possibilidade de relativizar o direito à paternidade como uma aposta à promoção da dignidade da pessoa humana e da igualdade entre homens e mulheres, visando à transformação dos conflitos e resgatando a sensibilidade. No intuito de verificar uma resposta a essa temática, formulou-se o seguinte problema de pesquisa: a paternidade, quando resultante de um ato de violência sexual compreende uma alternativa ou um dever moral e jurídico do homem? Visando responder ao problema proposto, o trabalho tem por objetivo geral discutir a possibilidade de alcançar a relativização do direito a paternidade através do sistema judiciário a partir da dignidade da pessoa humana e do direito a igualdade entre homens e mulheres. E, por objetivos específicos: a) estudar o posicionamento social no que se refere ao ato de violência sexual perpetrado contra o homem por uma mulher; b) analisar o posicionamento legal e doutrinário dos mais renomados autores no que reporta à temática; c) efetuar uma sopese conjunta ao que a sociedade interpreta através da moral e dos casos práticos e  verificar o posicionamento legal e doutrinário respectivo ao tema, visando estudar a possibilidade de relativização do direito à paternidade, ou até mesmo a legalização da prática do aborto humanitário no ato proveniente de violação sexual contra o sujeito masculino. O aprofundamento teórico do estudo pauta-se em pesquisa bibliográfica, consubstanciada na leitura de diversas obras, apoiando-se em um método dedutivo. Ademais, conforme a doutrina, a lei e os casos práticos mostram, existe a possibilidade de um homem ser abusado sexualmente por uma mulher, seja através do estupro ou por meio da violação sexual mediante fraude, e a sociedade precisa estar descortinada frente à matéria para que possa auxiliar na repressão e coibição desta modalidade delitiva, que corrói silenciosamente o ser humano, o ferindo em sua dignidade.

Palavras-chave: Violência sexual contra o homem. Paternidade resultante de violência sexual. Dignidade da pessoa humana. Relativização do direito à paternidade. Aborto humanitário.

 

Abstract: Abstract: This research intends to analyze the crime of sexual violence against the male subject, with the woman in the active pole of the conduct, emphasizing the possibility of relativizing the right to paternity as a bet to the promotion of human dignity and equality between men and women, aiming at transforming conflicts and restoring sensitivity. In order to verify an answer to this theme, the following research problem was formulated: does paternity, when resulting from an act of sexual violence, comprise an alternative or a man's moral and legal duty? Aiming to respond to the proposed problem, the work aims to discuss the possibility of achieving the relativization of the right to paternity through the judicial system based on the dignity of the human person and the right to equality between men and women. And, for specific objectives: a) to study the social position regarding the act of sexual violence perpetrated against a man by a woman; b) analyze the legal and doctrinal position of the most renowned authors regarding the subject; c) carry out a joint assessment of what society interprets through morals and practical cases and verify the respective legal and doctrinal position on the subject, aiming to study the possibility of relativizing the right to paternity, or even the legalization of the practice of humanitarian abortion in the act arising from sexual violation against the male subject. The theoretical deepening of the study is based on bibliographical research, based on the reading of several works, based on a deductive method. Furthermore, as the doctrine, the law and practical cases show, there is the possibility of a man being sexually abused by a woman, either through rape or through sexual violation through fraud, and society needs to be aware of the matter to that can help in the repression and restraint of this criminal modality, which silently corrodes the human being, hurting his dignity.

Keywords: Sexual violence against man. resulting Paternity sexual violence. Dignity of human person. Relativization of the right to parenthood. humanitarian abortion.

 

1.      INTRODUÇÃO

Este artigo tem por base a análise da possibilidade de relativização do direito à paternidade quando proveniente do delito de estupro ou de violação sexual mediante fraude, verificando os critérios morais e legais que circundam o fato.

Com este objetivo, o primeiro item retrata as circunstâncias morais e sociais da violência sexual praticada contra o sujeito do sexo masculino, estando à mulher no polo de autora e o homem sob a perspectiva de vítima, dissecando as nuances relacionada à matéria, dando especial relevo à possibilidade de o homem ser estuprado, como meio de desanuviar a população para a aceitação de que este fato acontece no plano dos fatos, visando incentivar os homens a formalizarem estes delitos, por meio de denúncias, abrindo precedentes para que a polícia e o judiciário possam agir, com o alvo de coibir esta prática delitiva e socorrer o homem por meio do manto protetivo da dignidade da pessoa humana.

Em segundo instante, será relacionada à proteção jurídica no que tange a matéria, momento em que será estudado desde o posicionamento constitucional até infraconstitucional, transmitindo ao leitor o parecer que o arcabouço jurídico brasileiro transfere à área, de modo a localizá-lo legalmente.

Por fim, o artigo se desenvolverá efetuando uma junção entre a parte moral que a sociedade acredita e a parte jurídica que o legislador promulga aos cidadãos, de maneira a extrair qual seria a melhor alternativa para os casos de gravidezes resultantes de violência sexual, quando a vítima for homem, expressando à questão do aborto sentimental ou humanitário e/ou a possibilidade de relativizar o direito à paternidade conferindo ao homem a decisão de aceitar ou não o filho e as peculiaridades resultantes do ato.

 

2.      A VIOLÊNCIA SEXUAL CONTRA O SUJEITO MASCULINO: A MULHER ENQUANTO AUTORA E O HOMEM NO VIÉS DE VÍTIMA

A questão do estupro praticado contra o homem compreende um tema em que a doutrina é omissa considerando o fato de que a violência sexual não escolhe o sexo de suas vítimas. Ademais estudos efetuados na universidade de Massachusets, apontam que nos Estados Unidos, em cada seis homens, um sofrerá algum tipo de abuso de cunho sexual, enquanto entre as mulheres isto ocorrerá em uma de cada quatro pessoas, isto considerando apenas até completar os dezesseis anos de idade, o que significa dizer que, a probabilidade desta espécie de violência ocorrer pode aumentar no transcorrer do tempo.

Dados apontam que o trauma do abuso sexual é profundo em qualquer dos sexos, porém, no caso dos sujeitos masculinos o impacto da violência costuma ser mais intenso, o que dificulta a sua recuperação, como depreende do estudo efetuado pelo psicólogo da universidade, David Lisak (2011, s/p)[1], cujo qual trabalha em uma ONG que auxilia na recuperação dos sujeitos masculinos.

De seu trabalho o mesmo extrai que a vergonha e o estigma por ter sido estuprado causam isolamento e dificuldade em trabalhar com a situação, ocasionando o favorecimento do delituoso através da omissão da vítima, pois a vergonha atua feito uma mordaça, que emudece o vitimado enquanto extrai sua dignidade ao consumir silenciosamente o seu ser.

O ato de ser abusado abala o psicológico do homem – salienta-se o fato de que, aqui, abordar-se-á o homem, sujeito vítima-, em virtude de, aparentemente, afrontar a sua masculinidade, resultando em um silêncio corrosivo, visto que o ato vai de encontro com a ideia tradicional de que o homem deve comandar a sexualidade.

Isso considerando a tradição cultural de que desde os primórdios era a mulher quem se submetia aos caprichos do macho alfa, vivendo somente para a sua satisfação, ao responsabilizar-se por efetuar a limpeza da casa, cuidar dos filhos, e de si mesma, visando, simplesmente, atender as expectativas de seu varão, enquanto o macho responsabilizava-se pela caça, com vistas a promover o sustento da família.

Ou seja, a ideia impregnada desde o chão das calçadas das primeiras civilizações até o ultimo tijolo do mais imponente prédio atual construído, - salienta-se aqui, que parte-se na contramão das feministas, pedra desta primeira calçada e tijolo deste último prédio edificados pela mão de um ou mais homens-, é que a força provém do braço masculino, que cresce e se alimenta da ideia patriarcal de alicerce familiar, social e etc. Nada obstante, Cornwall e Jolly (apud Marino e Cabette, 2012, p. 268), depreendem que:

 

A visão monocromática do sexo no discurso do desenvolvimento representa as mulheres como vítimas impotentes, os homens como predadores sexuais vorazes e as crianças como seres inocentes. As pessoas trans, simplesmente, não são mencionadas. As crianças são um grupo para o qual se pressupõe que a sexualidade não constitui uma questão relevante.

 

Depreende-se desta ideia, que um homem que é constantemente estuprado torna-se um trans e não que ele, devido as reiteradas condutas sofridas, se calou e tornou-se um sujeito passivo e aceitador de sua condição, nota-se, uma ausência de técnica em tocar neste assunto e até mesmo aceitar o fato de um homem, sujeito masculino ter sofrido abuso sexual por um outro homem e findar por ser alvo de uma mulher - sujeito feminino, de aparência frágil e indefesa -, que mais tarde irá pedir-lhe para assumir uma paternidade, favorecendo-se de sua fragilidade em lidar com a situação: ser violado sexualmente.

Neste estudo citado acima, os autores definem a mulher como sujeito impotente, forjando uma realidade nestas calçadas em que as mulheres são vistas como sujeitos frágeis, submissos, passivos e fáceis de serem controlados – as eternas vítimas - acobertando a ideia de que, elas sabem usar seus atributos psicológicos e sexuais a seu favor, subestimando as suas habilidades em tomarem conhecimento de situações desfavoráveis ao homem e de usá-las a seu favor e em detrimentos destes.

Joga-se ao descaso o fato de que muitas destas mulheres se criaram nestas calçadas, usando seus corpos em benefício próprio. Ou seja, aprenderam em tenra infância a escolher suas vítimas para através de seus atributos fazê-las suas presas, ao menos até auferir uma pensão alimentícia.

São ideias preconcebidas pela sociedade que dificultam a saída das ocorrências delitivas do mundo dos fatos para o mundo jurídico, concomitante com a ideia de sujeira e de vergonha que se encontram vinculadas ao ato de ser estuprado, consciente disto Vigarello (apud MARINO E CABETTE, 2012, p. 271) assevera que:

 

O estupro provoca uma lesão ao mesmo tempo semelhante e diferente das outras. Semelhante porque é o efeito da brutalidade. Diferente porque é muitas vezes pouco consciente no agressor, apagada pela efemeridade do desejo, ao passo que intensifica a vergonha na vítima, a ideia de uma contaminação pelo contato: a indignidade atravessando a pessoa atingida para transformá-la aos olhos dos outros. Daí a sensação de aviltamento criando obstáculos à queixa, inclinando a vítima a se calar e os observadores a acusá-la. Situação muito especial, em que a violência pode se tornar menos visível, empurrada para segundo plano, mascarada pela rejeição de que a vítima é objeto.

 

Ou seja, o homem detentor da força bruta é jogado de cara no chão, agora vê-se sujeito indefeso do que ele mesmo considerava dever ser prazeroso, quando consegue se libertar do ato, por vezes, não consegue levantar os olhos e seguir adiante. Neste instante, o ato fere o seu corpo, a vergonha sangra a sua dignidade. Neste interim, continua o autor (1998, p. 107):

 

[...] é o contato sofrido que causa a indignidade da vítima, os corpos comunicando suas marcas, transformando em sordidez pública o efeito de sua promiscuidade. A suspeita inicial se funda nesse imaginário do contato: a pessoa atingida não é capaz de acusar, pois parece, ela própria, contaminada. O que torna contraditório o trabalho do juiz clássico, que afirma claramente a independência do corpo e da alma, restringindo a lesão do estupro apenas à esfera do corpo, ao passo que sente imediatamente o contrário, diante da realidade do crime, e tende muitas vezes a não condenar. Raridade das queixas, raridade das penas, a vítima é encerrada no impudor que desejava denunciar. A violência sofrida continua sendo uma violência ocultada.

 

Este sentimento refere-se à vitimização secundária que faz com que o crime se perpetue no psicológico da vítima, fato este que torna o exame do corpo de delito, uma nova consumação/continuação do ilícito, posto que a vítima passa a rememorá-lo em sua mente, o que intensifica a vergonha por ter sido sujeito passivo de um crime de natureza sexual.

Isto conjunto ao fato de que a cultura humana profana, desde o início dos tempos, o homem como sendo líder, enquanto à mulher incumbe conformar-se com o que ele lhe designa, cedendo aos seus comandos e servindo aos seus ideais, ideia esta que é transmitida inclusive pela Bíblia, a qual apregoa a submissão feminina em Efésios 5.22 a 25, ressaltando sua condição de fragilidade enquanto posiciona o homem em status de responsável e protetor. Isto é, os braços fortes e mãos calejadas, forjados nas ferramentas do trabalho diário agora precisam controlar sua força para não abraçar muito forte ou acariciar de forma que venha a ferir a mulher – sujeito frágil -, eles desconhecem sua força, elas sabem disso.

Posto isso, fácil constatar que, quando o delito de abuso sexual se consuma esta posição milenar se rompe, diante disto, não é apenas o direito à liberdade sexual que se desfaz, mas também a ideologia aprendida secularmente relacionada à sua masculinidade, esta ruptura relacionada com a ordem natural das coisas causa confusão mental no vitimado, porque conforme a cultura aprendida e disseminada na sociedade: não cabe aos homens serem vistos como vítimas do delito de estupro.

Conforme explica a professora de enfermagem da universidade da Colombia, Elizabeth Saweyc (2011, s/p), o impacto é tão profundo que ocasiona até mesmo uma recusa em assimilar o abuso por parte dos meninos, ou seja, a força que eles aprenderam a ter sobre si mesmos e que deveria favorecer, se torna insuficiente até para protegê-los, o varão, líder ao menos da sua família, agora vê sua dignidade sangrar sem saber como estancar a ferida.

Ademais, quando o delito é cometido por uma mulher a sociedade vê o crime como se fosse a primeira transa de um homem, ignorando o sofrimento psicológico do jovem, que cala-se incompreendido e atormentado em sua dor, desta forma, vítimas – vitimado - pela estupradora e também, através da incompreensão de sua família e amigos, ele vê que tendências para desenvolver doenças psicológicas são favorecidas, no entanto, sua boca está amordaçada por uma mão invisível que diz: “agora você já é homem, parabéns”.

Deste modo, é imperioso que a nuvem da ignorância seja extraída da sociedade para que seus olhos se abram para esta modalidade de ocorrência delitiva e faça com que suas almas sejam molhadas por outra coisa que não lágrimas silenciadas, elucidando a todos quanto ao clamor por amparo que as pessoas do sexo masculino precisam no que tange ao respeito por sua liberdade e dignidade sexual, para que, então, todas as vozes sejam ouvidas.

De outra forma, o pensamento patriarcal atenua o impacto da violência contra a mulher, dando até mesmo respaldo social para que ela se perpetue, tanto que um estudo realizado pela IPEA (apud SILVEIRA, 2015, s/p), afirmou que a violência relacionada à mulher:

 

a) é visto como aceitável (dentro de alguns limites); b) é naturalizado como algo pertencente à sociedade e inerente às relações entre homens e mulheres; c) o agressor tem sua responsabilidade atenuada, seja porque não estava no exercício pleno da consciência, ou porque é muito pressionado socialmente, ou porque não consegue controlar seus instintos; d) e a mulher é vista como responsável pela violência, porque provocou o homem, seja porque não cumpriu com seus deveres de esposa e de “mãe de família”, seja porque de alguma forma não se comportou da maneira esperada socialmente.

 

O que denota a desigualdade de entendimentos que existe em relação a homens e mulheres, principalmente no que tange aos temas de ordem criminal sexual, pois no pensamento patriarcal o homem era considerado como o soberano que precisava disciplinar sua esposa, tanto que o próprio Código Penal de 1940 evidenciou este pensamento ao disciplinar que o homem que fosse considerado estuprador de uma mulher e após isso, restituísse sua honra na sociedade através do casamento, seria isento de pena, pois o delito era tratado como motivo de desonra familiar, então a união entre o casal restauraria a integridade quebrada, recuperando a dignidade social da mulher.

Verifica-se a aberração jurídica que a letra anterior do código apregoava, pois, além de ser estuprada, a vítima era condenada a conviver em matrimônio com uma pessoa que nunca a respeitou e nem a viu como um ser humano, pois se a visse não teria ofendido sua integridade física, psíquica e dignidade sexual.

Na contramão disso, fazia da dignidade do homem, letra morta no cemitério jurídico, pois, em nenhum instante, abria margem para a possibilidade de uma fraude premeditada e familiar para obrigarem-no ao matrimônio, que conforme estudos, eram motivados até mesmo para evitar gastos excessivos por parte dele com festas sociais, esculpindo em sua “lápide que pôs fim a sua vida social” a obrigação de conviver com uma mulher, estranha e que se encarregava de ter um filho para garantir o casamento.

As condições de afloração da sexualidade sempre foram desiguais entre homens e mulheres, posto que, enquanto eles lideravam suprindo as necessidades econômicas da família, detinham a capacidade, impulsionada pela sociedade, de manter relações extraconjugais, inclusive com criadas e execravas, enquanto as mulheres guardavam em si o ensinamento da proibição e do desvalor social para tudo que se relacionasse a sua lascívia sexual, sendo, inclusive, culpadas socialmente pelo ato criminoso de estupro que viessem a sofrer, posto que a desvalorização da ação acarretava nela a sua desonra social – para isto, havia uma solução: casamento-, para o homem restava o silêncio e um dedo acusador apontando-o por entre esquinas.

Nada obstante, cabe respaldo para o fato de que, no plano jurídico a mulher, também, era desprestigiada de respaldo suficiente, o que abriu precedentes para o fato de que o homem que fora obrigado a casar-se, não conseguia psicológico para obrigar-se a amar. Para Silveira (2015, s/p) a mulher era considerada como um “objeto de satisfação sexual do homem”, consagrando em seu ser o dever de fidelidade e da proibição de trabalhar fora do âmbito familiar, diante disto, conforme Teixeira (apud SILVEIRA, 2015, s/p):

 

Vivia-se em uma sociedade patriarcal, a mulher era vista como propriedade do homem, com finalidade apenas de gerar filhos e satisfazer os desejos e caprichos dos seus maridos. Desta forma, estas passaram a acreditar que sua existência estaria restrita a reprodução e a sexualidade passiva, ficando sujeitas às mais variadas formas de violência, físicas e psicológicas, praticadas pelo marido. Outro fator que contribui para a aceitação desta submissão e violência por parte das mulheres é o fator da dependência financeira, uma vez que não era permitido que as mulheres trabalhassem.

 

Da mesma forma que não convém fechar os olhos para este fato, também, não é possível cegar-se para a realidade de um homem estuprado e forçado a matrimônio, pela família, amigos e uma estranha com quem passa a conviver maritalmente. No entanto, a fragilidade da mulher fora protegida e aflorada, ganhando as ruas através de conversinhas de comadre, que nas calçadas ganharam a roupagem de movimentos feministas, os quais, tem auferido força, fazendo com que as mulheres procurem inverter a posição de submissão que lhe fora imposta. Estes movimentos iniciaram-se em meados do século XIX, famoso pelas mobilizações sociais promovidas pelas mulheres na seara trabalhista, buscando inovações sociais e legislativas, como elucida Barsted (apud  SILVEIRA, 2015, s/p):

 

[...] denunciando desigualdades, propondo políticas públicas, atuando junto ao Poder Legislativo e, também, na interpretação da lei. Desde meados da década de 70, o movimento feminista brasileiro tem lutado em defesa da igualdade de direitos entre homens e mulheres, dos ideais de Direitos Humanos, defendendo a eliminação de todas as formas de discriminação, tanto nas leis como nas práticas sociais. De fato, a ação organizada do movimento de mulheres, no processo de elaboração da Constituição Federal de 1988, ensejou a conquista de inúmeros novos direitos e obrigações correlatas do Estado, tais como o reconhecimento da igualdade na família, o repúdio à violência doméstica, a igualdade entre filhos, o reconhecimento de direitos reprodutivos, etc.

 

Silenciados, desde os primórdios, através do pensamento patriarcal, os homens sempre foram vítimas de delitos de ordem sexual, de forma tão intensa quanto as mulheres, porém, quanto mais machista a sociedade era, maior seria o silêncio da vítima e piores as represálias que a própria sociedade efetuava contra ele. Outrossim, em 1940, com a promulgação do Código Penal, a cogitação de a mulher constranger o homem a ter conjunção carnal seria uma ideia impensável, tanto que os doutrinadores atuais custam a habituar-se a este entendimento, isto se deve a clandestinidade que é dada ao crime, em razão do pensamento machista impregnado na sociedade, que leva o homem a permanecer calado e sofrer sozinho suas dores.

 

3.      ASPECTOS JURÍDICOS DA VIOLÊNCIA SEXUAL CONTRA O HOMEM

A proteção jurídica conferida ao homem inicia-se na Constituição Federal, vertente que oferece base para a existência das demais normas legais. Diante disto, é sabido que o Estado Democrático de Direito fundamenta sua existência na dignidade da pessoa humana, a qual compreende a fonte que sacia a sede dos cidadãos ao fornecer vida ao ordenamento jurídico pátrio, em razão de que nenhuma norma pode desvincular-se dela sob pena de afronta à Constituição – de inconstitucionalidade (Art. 1°, inc. III).

Ao folhear este caderno de leis será possível constatar como objetivos fundamentais de sua vigência a construção de uma sociedade livre, justa e solidária (Art. 3°, inc. I), bem como, a promoção do bem de todos, indistintamente (Art. 3°, inc. IV). Para que isto se consagre, a Carta Magna petrificou em seu art. 5°, a igualdade indistinta frente à lei, garantindo-se aos viventes e transeuntes deste país “a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade”, e à segurança, esculpindo expressamente que homens e mulheres serão igualados em direitos e obrigações, estabelecendo o fato de que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo a não ser em virtude de lei (Art. 5°, inc. I e II).

Pondo como invioláveis “a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas” (Art. 5°, inc. X), expressando como direito social a segurança (art. 6°, caput). Antes disto (CF/88), emergiu o Código Penal ainda em 1940, visando dar tutela específica aos crimes contra a liberdade e dignidade sexual da pessoa humana, definindo em seu Título VI os crimes contra a dignidade sexual e Capítulo I, os crimes contra a liberdade sexual. Consoante, o mesmo apenas sofreu modificações, no que se reporta ao assunto, no ano de 2009, através de nova redação que vige através da Lei n° 12.015, e traz respaldo jurídico ao homem como sujeito passivo do delito de estupro, ne mesma letra de lei em que junta os delitos de estupro e de atentado violento ao pudor em um só tipo penal.

Nesta linha de entendimento, o homem desde os primórdios foi vítima de delitos contra a sua liberdade sexual, como o estupro, por exemplo, no entanto, apenas em 2009 recebeu proteção jurídica contra o crime. Este fato, evidencia o quanto este tema tem permanecido esquecido entre os estudiosos, e submisso a cultura impetrada, pois, vê-se impedido de ganhar vida própria pelas ruas das cidades, fazendo imperar o silêncio atemorizado das vítimas solitárias em suas lutas pessoais. As quais, ficam omissas sob o status de “impedidas” de buscar recuperar sua dignidade ferida, pois permanecem estagnados ao invés de levar o crime ao conhecimento da lei, e apropriar-se de lacunas ofertadas pelo legislador para ensejar na condena do(a) estuprador(a).

Destaca Bitencourt (2012, p. 758) que as modificações ocasionadas pela lei referem-se ao fato de que o capítulo em questão despiu-se de tutelar os costumes e vestiu uma roupagem atual e condizente com as necessidades evidenciadas socialmente, abandonando a proteção da moral média da sociedade, onde se resguardava, simplesmente, os bons costumes[2], para proteger especificamente a dignidade dos ofendidos, vestindo-se de proteção de cunho sexual. Aqui protege-se a vítima e o vitimado por ter sido sujeito de um delito contra sua dignidade sexual e não por possuir um sexo A ou B.

A nova roupagem trazida pela lei acobertada pela dignidade do ser humano em seu aspecto sexual, visa a proteger os direitos a ela inerentes, como, por exemplo, sua liberdade, integridade física, vida e honra e resguardar, em segunda instância, a moralidade pública sexual, padronizando as condutas dos indivíduos, de forma a efetuar um resgate de valores, onde o Estado não seja sobrepujado e o ser humano deixe de ser coisificado por ter seus lábios selados por beijos de um(a) traidor(a) criminoso(a). O crime passa a ser considerado delito por si mesmo.

O bem jurídico protegido é a liberdade sexual do homem e da mulher, consubstanciada pela faculdade que ambos possuem de escolher livremente seus parceiros sexuais, que, com base no entender de Bitencourt (2013, p. 47), faz com que ambos, homem ou mulher, possam recusar ter relações sexuais, inclusive com seu próprio cônjuge, se assim desejarem. O ditado “quando um não quer, dois não faz” deixa de ser popular – abandona as ruas - para se tornar legítimo e adentrar no caderno jurídico.

Protege-se a liberdade individual, em sua expressão mais elementar, acobertando com o manto jurídico a intimidade e a privacidade, que atingem sua plenitude ao abraçarem com o véu jurídico a liberdade carnal, a qual deve ser respeitada por todos, indistintamente, seja cônjuge ou não, indiferente de referir-se a um(a) prostituto(a) ou não. Conforme o autor (2013, p. 48) a liberdade sexual do homem e da mulher refere-se ao:

 

[...] reconhecimento do direito de dispor livremente de suas necessidades sexuais ou voluptuárias, ou seja, a faculdade de comportar-se, no plano sexual, segundo suas aspirações carnais, sexuais, lascivas e eróticas, governada somente por sua vontade consciente, tanto sobre a relação em si como em relação a escolha de parceiros. Em outros termos, reconhece-se que homem e mulher têm direito de negarem-se a se submeter à prática de ato lascivos ou voluptuosos, sexuais ou eróticos, que não queiram realizar, opondo-se a qualquer possível constrangimento contra quem quer que seja, inclusive contra o próprio cônjuge, namorado(a) ou companheiro(a) (união estável); no exercício desta liberdade podem, inclusive, escolher o momento, a parceira, o lugar, ou seja, onde, quando, como e com quem lhe interesse compartilhar seus desejos e necessidades sexuais. Em síntese, protege-se, acima de tudo, a dignidade sexual individual, do homem e da mulher, indistintamente, consubstanciada na liberdade sexual e no direito de escolha.

 

Ensina Gonçalves (2012, p. 516) que a livre escolha do parceiro sexual pode ser violada mediante violência ou grave ameaça, caracterizada no delito de estupro (art. 213 do CP), ou através de fraude, definido no crime de violação sexual mediante fraude (art. 215 do CP).

O delito de estupro caracteriza-se pelo ato de, “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”, o crime consuma-se na ação de constranger qualquer pessoa, seja homem ou mulher, a praticar o ato contra a sua vontade, ferindo gravemente os preceitos estabelecidos pela Carta Magna e demais leis.

Assevera Bitencourt (2012, p. 761) que o tipo penal do “estupro passou a abranger a prática de qualquer ato libidinoso, conjunção carnal ou não, ampliando a sua tutela legal, para abarcar não só a liberdade sexual da mulher, mas também a do homem”. Para Nucci (2009, p. 874) “constranger significa tolher a liberdade, forçar ou coagir. Nesse caso, o cerceamento destina-se a obter a conjunção carnal”.

Na definição de Capez (2012, p. 57) constranger se refere ao ato de “forçar, compelir, coagir alguém a: (a) ter conjunção carnal; ou (b) a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”, a conjunção carnal refere-se à cópula vagínica, isto é, a efetiva penetração do membro masculino viril na vagina (ainda que parcial), enquanto ato libidinoso caracteriza-se por qualquer outra forma de realização do ato sexual que não seja a conjunção carnal, refere-se aos coitos anormais, como, por exemplo, a cópula anal ou oral.

Salienta-se por coitos anormais o que na prática ganha amplitude e disseminação social, fazendo de homens, mulheres e crianças as suas vítimas, porém, a dificuldade em falar sobre o assunto, promove seu silêncio e a falsa ideia de inexistência.

Diante disto, o “ato libidinoso é aquele destinado a satisfazer a lascívia, o apetite sexual. Cuida-se de conceito bastante abrangente, na medida em que compreende qualquer atitude com conteúdo sexual que tenha por finalidade a satisfação da libido”.

Neste delito a vítima pode ser obrigada a ter uma conduta ativa, ao proceder com a prática de ato libidinoso no agente, como por exemplo, realizar sexo oral, ou introduzir dedos na vagina, realizar coito anal ou vaginal, apalpar seus seios e etc., ou a vítima é obrigada a ter uma conduta passiva, deixando que o agente a possua sexualmente, da forma que lhe convier. Destaca Gonçalves (2012, p. 517) que:

 

Para que haja o crime, é desnecessário contato físico entre o autor do crime e a vítima. Assim, se ele usar de grave ameaça para forçar a vítima a se auto masturbar ou a introduzir um vibrador na própria vagina, estará configurado o estupro. Da mesma maneira, se ela for forçada a manter relação com terceiro (o agente obrigar duas pessoas a fazerem sexo) ou até com animais. O que é pressuposto do crime, em verdade, é o envolvimento corpóreo da vítima no ato sexual. Por isso, se ela for simplesmente obrigada a assistir a um ato sexual envolvendo outras pessoas, o crime é o de constrangimento ilegal (art. 146) ou, se a vítima for menor de 14 anos, o de satisfação da lascívia mediante presença de criança ou adolescente (art. 218-A). (Grifos da autora).

 

O delito de estupro se configura através das elementares de violência ou grave ameaça, sendo que a primeira modalidade refere-se a “toda forma de agressão ou emprego de força física para dominar a vítima e viabilizar a conjunção carnal ou outro ato de libidinagem”, enquanto a segunda diz respeito a “a promessa de mal injusto e grave, a ser causado na própria vítima do ato sexual ou em terceiro”, conforme ensina Gonçalves (2012, p. 518).

Outra modalidade de delito, expressa no código penal contra a liberdade sexual da vítima, refere-se ao ato de praticar conjunção carnal mediante fraude, cuja tipificação expressa “ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém, mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima", nesta espécie delitiva o sujeito ativo, conforme Capez (2012, p. 71) pode ser qualquer pessoa (homem ou mulher, inclusive homem com homem e mulher com mulher), salienta-se o fato de que, para a configuração delitiva não interessa ao direito se a pessoa é virgem ou honesta, pois não se exclui da proteção jurídica a prostituta, “que embora mercantilize o seu corpo, não perde o direito de dele dispor quando quiser” (2012, p. 79).

Para Bitencourt (2012, p. 66) o direito visa proteger a liberdade sexual do sujeito que tem sua vontade viciada em virtude do emprego de fraude pelo sujeito ativo, esta fraude atua induzindo a vítima a erro em relação ao seu parceiro sexual. A ação de ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso tem como meio de execução a fraude, a qual compreende “o engodo, o ardil, o artifício que leva ao engano”, desta forma, “a fraude deve constituir meio idôneo para enganar o ofendido sobre a identidade pessoal do agente ou sobre a legitimidade da conjunção carnal ou do ato libidinoso diversoContudo, a fraude não pode anular a capacidade de entendimento ou mesmo de resistência da vítima,”, pois neste caso, se configurará o delito de estupro de vulnerável (art. 217-A do CP).

Para se configurar a fraude a vítima precisa ser enganada pelo agente, é preciso que a vítima consinta com a prática do ato mediante erro, “é preciso o emprego de artifícios e estratagemas, criando uma situação de fato ou uma disposição de circunstâncias que torne insuperável o erro do ofendido”, como exemplos a doutrina traz a simulação de casamento pelo agente, a substituição de uma pessoa por outra, hipóteses de casamento por procuração e etc.

Por outro meio que impeça a livre manifestação da vontade da vítima, entende-se que esta forma assemelha-se à fraude, por conter em si a mesma capacidade para ludibriar a vítima, com a condição de que não inviabilize sua vontade por completo, ocorre, por exemplo, no ato de aproveitar-se de um estado alcoólico de um homem para fingir ser sua namorada, desde que, ele não esteja em estado de total incapacidade.

O elemento subjetivo desta modalidade delitiva é o dolo “constituído pela vontade consciente de ter conjunção carnal com a vítima, ou praticar outro ato libidinoso, ou de permitir que com ela se pratique, fraudulentamente, ou seja, com o emprego de fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a sua livre manifestação de vontade”.

Expresso os aspectos jurídicos atinentes aos delitos é imperioso retratar, ante a possibilidade de gravidez do sujeito ativo mulher, como poderia o homem, vítima do delito de estupro do qual resultou a gravidez, proceder com relação à criança? Possui ele dever jurídico ou moral de assumir a paternidade? O mesmo encontra respaldo no aborto sentimental? Estes pontos serão retratados no próximo item.

 

4.      POSSIBILIDADE DE GRAVIDEZ DA ESTUPRADORA E OS TRANSBORDAMENTOS JURÍDICOS E MORAIS DO ATO

No que tange a consumação do delito, foi visto até então que a cultura machista que predomina na sociedade, recusa-se a admitir o homem como vítima do delito de estupro ou de violação sexual mediante fraude, no entanto, a possibilidade existe no mundo dos fatos e no mundo jurídico e enquanto a doutrina recusar-se a apreciar e estudar suas peculiaridades os magistrados não terão oportunidade de apreciar casos concretos, em razão da vergonha e da negação relacionada com a matéria – negação social-.

Neste desenrolar, conforme a seara médica, no que se refere “à asfixia mecânica nas modalidades de enforcamento e de estrangulamento uma das consequências apontadas pela área médica é a turgescência peniana ou ereção e, em alguns casos, a ocorrência de ejaculação” em um fenômeno de reflexo. Neste entendimento, ensina Gomes (apud MARINO E CABETTE, 2012, p. 273) que, estes orgasmos podem ser produzidos através do ato de enforcamento, o que tem incluído a ação em fantasias eróticas, caracterizadas pela constrição espontânea do pescoço, através de um laço ou das mãos ou outro meio, com a intenção de proporcionar prazer, e com isso: ereção, contudo, comumente tem sobrevindo o estado de inconsciência e subsequentemente a morte do vitimado antes de ter alcançado o prazer pretendido.

Por meio da “suspensão completa, devido à perda de tonicidade e eventual repleção das vesículas seminais, poderá ocorrer, a ejaculação post mortem e ingurgitamento hipostático dos corpos cavernosos penianos”. O curioso neste iter criminis é que, de acordo com Marino e Cabette (2012, p. 274):

 

[...] no caso de morte da vítima, poderá caracterizar o estupro com resultado morte (art. 213, § 2º, do Código Penal) ou, ainda o crime de estupro em concurso formal com o crime de vilipêndio a cadáver (arts. 213, 212 e 70, todos do Código Penal), se o agente sabia que a vítima estava morta e agiu com o propósito de aviltar o cadáver ou suas cinzas.

 

Estes fatos coadunados com o acréscimo de medicamentos de disfunção erétil podem facilitar com que a mulher atue como sujeito ativo no delito de estupro, ao produzir no homem uma ereção reflexa[3] ou psicogênica[4]. O fato é que hipóteses não faltam para caracterizar o estupro e diante dele a possibilidade de a vítima engravidar a estupradora, principalmente se a gravidez era pretendida pela agente antes mesmo de planejar a consumação do delito, isto justifica a necessidade de abertura doutrinária atinente a matéria, de maneira o oferecer respaldo jurídico suficiente para que o vitimado possa proteger-se legalmente.

Importa salientar que estas modalidades delitivas encontram-se esculpidas no Código Penal, não havendo como negar sua ocorrência no plano prático, ademais conforme o site da Secretaria de Segurança Pública do Estado de Santa Catarina a média de cada trimestre do ano de 2014 relacionados a estupros ocorridos em seu solo é de 800 (figura 1), destes não há como precisar quais se referem a homens ou não, porém, pesquisas jurisprudenciais apontam que não há nenhum delito de violência sexual em que a mulher atua como sujeito ativo contra um homem, o que não afasta a sua possibilidade de ocorrência, apenas evidencia que o pensamento machista imperioso na sociedade encerra por calar as vítimas masculinas, fazendo com que sua dor ecoe somente em suas mentes.

1- 1º Trimestre: 982

2 - 2º Trimestre: 774

3 - 3º Trimestre: 831

4 - 4º Trimestre: 753

Figura 1 – Estupros relacionados ao ano de 2014. Fonte: Secretaria de Segurança Pública do Estado de Santa Catarina.

O problema da questão é que o site da SSP de SC sentenciou que no ano de 2015, a média trimestral de estupro permaneceu igual ao do ano de 2014, fazendo da casa dos 800 o seu domicílio (figura 2), instante em que novamente as vítimas não estavam caracterizadas, estando, então, incluídos neste número, homens e mulheres, fato este que contribui para com a doutrina silenciosa atual.

No entanto, esta descaracterização da vítima facilita ao homem o registro da ocorrência do delito sofrido, e com isto, promove a doutrina a possibilidade de abrir vistas a estas modalidades delitivas, oferecendo parecer para o estudo desta prática delituosa e permitindo que o judiciário possa atuar através da aplicação da lei em casos práticos, contribuindo para a inibição desta conduta ilegal e para a expansão do véu protetivo da dignidade da pessoa humana, também, ao homem de modo a proteger a sua dignidade e liberdade sexual.

1 - 1º Trimestre: 937

2 - 2º Trimestre: 690

3 - 3º Trimestre: 751

4 - 4º Trimestre: 696

Figura 2 – estupros relacionados ao ano de 2015. Fonte: Secretaria de Segurança Pública do Estado de Santa Catarina.

 

Ocorre que sendo a mulher o sujeito ativo do delito de estupro, a probabilidade de que a mesma venha a engravidar no ato ilícito aumenta, visto que será ela quem estará dominando a ação, e muitas vezes a mesma atua nesta modalidade de ilicitude em razão de querer engravidar do sujeito passivo, por ambição, por exemplo, diante disto, prevê o Código Penal no art. 234-A, inc. III, que se do crime resultar gravidez a pena será aumentada em metade.

Ademais, não paira dúvida sobre a aplicabilidade do dispositivo, quando a mulher for estupradora, pois a mesma deverá ser sancionada por todas as condutas ilícitas que venha a praticar, não sendo correto que o homem além de ter sido vítima de um delito, tenha que vir a arcar com o sustento de um possível filho proveniente do ato.

A problemática circunda o fato de o homem não ficar sabendo da gravidez no período da gestação, o que impossibilitaria ao mesmo adentrar na esfera jurisdicional pretendendo a sentenciação da prática de um aborto humanitário ou sentimental, tutelado pelo art. 128, inc. II do CP. Situação na qual, a justiça brasileira torna impunível o aborto praticado pelo médico nos casos provenientes de estupro.

Porém, sendo, a vítima procurada pela estupradora, somente após o nascimento da criança sob a pretensão de alcançar direitos na esfera cível (esfera patrimonial/dinheiro, ocasionando problemas de sucessão hereditária, pensão alimentícia, gastos com a criação de um filho, alimentos gravídicos), visando tutela e resguarda de um filho fruto de um crime, o delito transcende a prática do ato para adentrar na seara sentimental (psicológica), devido ao fato de o vitimado tomar conhecimento de que, além de ter sido vítima de um delito desta natureza, será obrigado a conviver com o resultado disso através de um outro rosto, que cospe inocência contra a sua cara.

 

Imagine que uma mulher acaricie e seduza um menor de treze anos para com ele praticar conjunção carnal, visando exatamente a gravidez para locupletar-se com a maternidade de um herdeiro abastado e dos recursos provenientes de uma robusta pensão alimentícia, considerando o extenso patrimônio da família do menor. E se assim não for, mesmo que a gravidez se constitua em algo não desejado para a autora do estupro (seja do vulnerável ou de qualquer outra situação não mencionada neste trabalho, mas passível de ocorrência), isso não exclui sua responsabilidade pela conduta e seus resultados na medida em que atingem mais intensamente a vítima, que deverá arcar com os deveres advindos da paternidade. (Costa, 2014, s/p).[5]

 

Da conduta ilícita da mulher resultará inúmeros danos, tanto para o menor, quanto para a sua família. O resultado de um delito, detentor de direitos possui capacidade o bastante para anular os direitos do vitimado pelo estupro? Para o doutrinador Nucci (apud SANTOS, 2014, s/p) o aborto humanitário somente é lícito em razão de que o ato de estupro ofende demasiadamente a mulher, e o fato de a mesma ter que gerar um filho em seu ventre proveniente do delito ofenderia sua dignidade, ocasionando profundos abalos psicológicos, entendimento este que resultou na excludente de ilicitude do art. 128, inc. II do CP.

Portanto, não sendo o homem o gestante não haveria motivos para que o mesmo sentisse sua dignidade ofendida, o que afastaria a aplicabilidade deste dispositivo tornando o ato do aborto um ilícito, e deixando para a mulher todas as responsabilidades pelo transbordamento do ato criminoso, afastando, desta forma, a necessidade de o homem cooperar financeira ou sentimentalmente com relação à agressora e a criança, resultante da agressão. Esta possibilidade, se mostra legítima e digna com relação ao vitimado, de maneira a não abandoná-lo as margens da lei, destituindo-o de sua dignidade.

Para Nucci e Santos (2014, s/p), o pedido, por parte do vitimado, do abortamento da gestante não se enquadra dentro dos limites da lei, e seria considerado inconstitucional em razão do direito à inviolabilidade da integridade corporal da gestante. Fato este, afastado por este estudo, vez que, aqui busca-se proteger a vítima, no caso, o sujeito masculino vítima e não resguardar os direitos de um ser, que da mesma maneira que não possui culpa, também não possui consciência de ser fruto de um delito que resulte em danos ao vitimado. Busca-se um entender humanitário e não um batom masculino maquiado nos lábios de um sujeito estuprado, através de uma cultura milenar: calando-o.

 Salienta-se o fato de que, mesmo não carregando em sua barriga o fruto de um delito, o vitimado o levaria em sua mente, o que garante a ele o mesmo teor de participação, participação na gravidez, e sendo esta, o resultado de um ilícito ofenderia a sua dignidade da mesma forma que ofende a da mulher vitimada pelo delito, quando ela é a vítima do crime. Não cabe ao judiciário ou legislador esta visão fragilizada e fragmentada de que a mulher é vítima e o homem é o abusador.

Entendimentos a parte, o fato é que não seria nem ao menos lógico que um homem fosse condenado a prover com o sustento de uma criança proveniente de um estupro, pois este fato seria visto como uma espécie de condenação a ele por ter sido vitimado por um delito desta espécie e o direito deve se organizar conforme as necessidades sociais, afinal as leis apenas existem para facilitar e proteger as relações das pessoas.

Entrosamento ao qual se coaduna Alexy (2009, 4), pois para uma norma compreender o direito a mesma deve deter em si duas características a “da legalidade conforme o ordenamento ou dotada de autoridade e o da eficácia social”, e uma norma para ser válida precisa ser justa, e para isto os magistrados precisam estar atentos, pois “o legislador também pode estabelecer a injustiça”, pois sempre que uma norma contrariar dispositivos fundamentais ela estará eivada de vícios, devendo então ter sua aplicabilidade afastada pelo juiz.

 

[...] embora, em geral, lei e direito coincidam facticamente, isso não acontece de maneira consciente nem necessária. O direito não é idêntico a totalidade de leis escritas. Quanto às disposições positivas do poder estatal, pode existir, sob certas circunstâncias, uma excedência de direito, que tem sua fonte no ordenamento jurídico constitucional como um conjunto de sentido e é capaz de operar como corretivo em relação à lei escrita; encontrar essa excedência de direito e concretizá-la é tarefa da jurisprudência. (ALEXY, 2009, 10).

 

Havendo um excesso na lei, urge o imperativo de sanar este excesso e praticar a justiça social, protegendo a vítima por ter sido sujeito passivo de um delito e não por possuir um sexo masculino e por isso, ser numerado com uma tarja que o promova ao eterno status de sujeito culpado (por possuir a força, o dinheiro, a beleza, ou outro atributo que inspire a fêmea).

Salienta Bedin[6] (2012, s/p) que é a capacidade que a pessoa possui de sentir compaixão que faz dela um ser humano, quando uma pessoa abandona seus sentimentos, ela, automaticamente, encontra-se desprovida de razão para existir, para o estudioso é “a figura da divindade, associada ao amor e a compaixão incondicional” que consubstanciam o sentido figurativo da democracia, para o autor (2012, s/p), a mesma compreende “a liberdade de associação, de expressão, sem privilégios de classe, sem distinções e preconceitos. É justiça sem justiçamento. É tratar diferente os desiguais. É punir os culpados e absolver os não culpados, já que quem comete crime não é inocente”.

Bedin (2012, s/p) é oficial de Polícia Militar a mais de trinta anos, e em todo o tempo em que tem trabalhado a frente da corporação militar pôde constatar que é possível a um funcionário público usar da capacidade que o Estado lhe empresta para transformar o seu entorno, modificando para melhor sua circunscrição de trabalho, para o mesmo é presumível que um funcionário ao desempenhar o seu trabalho aja mecanicamente, laborando todos os dias da mesma forma, o que faz desta pessoa, um trabalhador descartável, pois não inova e nem pensa diferente, agindo como uma máquina. Porém, quando um funcionário público reflete seu agir, analisa seu ambiente, e inova em suas atitudes ele passa a ser um ser humano, conseguindo, com isto, modificar a sua volta, como dizia Montesquie “juízes não sois máquinas, homens é o sois”.

Concordante, Alexy (2009, p. 15) quando define que o direito e a moral andam de mãos dadas. Em seu trabalho o autor indaga sobre qual seria o conceito de direito correto e adequado, aquele em que o mesmo mune-se da moral ou aquele dissociado desta? “Quem pretende responder a essa pergunta deve relacionar três elementos: o da legalidade conforme o ordenamento, o da eficácia social e o da correção material”. Conforme a medida relacionada entre esses três elementos, surgirão conceitos diferenciados.

O fato é que para uma norma possuir aplicabilidade em seu aspecto externo a mesma precisará regular algo e aplicar uma punição para quem desrespeitá-la como meio de coagir ao seu respeito, obtendo, mesmo que forçadamente o acatamento de sua regularidade; já no aspecto interno ela precisará conter uma motivação de observância ou aplicação, contendo em si, disposições psíquicas que motivem os homens a respeitá-la, pois o direito compreende unicamente o que a comunidade de homens “reconhecem reciprocamente como norma e regra dessa convivência”, como salienta Alexy (2009, p. 18/19).

O direito embasa em si uma estrutura de um sistema social que se fundamenta “na generalização congruente de expectativas de comportamento”, assim, “um comando é definido pelo fato de ser reforçado por sanções”, mas nem todo comando é direito, somente é direito, aquele instituído por uma força superior, e legalizada, como a exemplo do legislativo. Neste entender, existe o comando não estupre, porém, não parece existir o direito não estupre o homem, pelo menos não no aspecto que o vê como vítima de uma mulher. Ademais, conforme Alexy (2009, p 29):

 

Como sistema de procedimentos, o sistema jurídico é um sistema de ações baseadas em regras e direcionadas por regras, por meio das quais as normas são promulgadas, fundamentadas, interpretadas, aplicadas e impostas. Como sistema normativo, o sistema jurídico é um sistema de resultados ou de produtos de procedimentos que, de alguma maneira, criam normas. Pode-se dizer que aquele que considera o sistema jurídico um sistema normativo refere-se ao seu aspecto externo. Em contrapartida, trata-se do aspecto interno quando o sistema jurídico é considerado um sistema de procedimentos.

 

Desta forma, o direito visando a atingir resultados concretos emana direcionamentos, para que o magistrado percorra, como meio de auferir estes efeitos nas casuísticas em espécie, por isto, o mesmo não compreende somente a totalidade das leis escritas, pois ele embasa, também, os entendimentos dos magistrados consubstanciados em jurisprudências e o entendimento de doutrinadores encontrados em livros, pois a sentença compreende um ato maior do que o de dizer a lei ao caso concreto, pois se assim o fosse, até mesmo uma máquina seria apta a sentenciar.

O sistema normativo descreve o direito em linhas escritas num papel, já em seu aspecto interno estas linhas para ganharem a vida prática precisam percorrer um caminho de procedimentos. A lei não se torna efetiva sem o procedimento adequado. No entanto, ambas, leis e procedimentos se tornam nulos caso não aufiram o resultado para o qual foram criadas, qual seja, o de criminalizar o delito de estupro, indiferente de, contra quem ou de que forma tenha sido efetuado.

Conforme Bedin (2012, s/p), o ato de ser funcionário público emprega a ação de entender, refletir e racionalizar sobre a função que o Estado lhe entrega, assim sentenciar é proceder com uma análise sobre o caso que está sob seu julgamento, refletir e racionalizar sobre os resultados que sua sentença produzirá no mundo prático, é analisar sob a luz que a Constituição emana, visando à materialização dos direitos humanos fundamentais consolidados em suas linhas.

Pelo entendimento unificado na Carta Magna será possível verificar que não existe direito absoluto, nem mesmo o direito à vida é. Afinal, no instante em que a legislação é feita por seres humanos, é natural que a mesma não seja investida de perfeição, e por isto, “não poderia prever todas as situações passíveis de ocorrência”, deste modo, de acordo com Costa (2014, s/p) deve o direito:

 

[...] permitir a relativização de alguns direitos em detrimento de outros, pois existem circunstâncias que tornam desproporcionais e desarrazoadas as aplicações de certas garantias legais, quando se tratar de um caso peculiar, analisado concretamente. Desse modo, obedecendo a uma análise principiológica, bem como dos conceitos substanciais que guiam o atual ordenamento jurídico pátrio, bem como sabendo-se que sempre há a possibilidade de não ser um dispositivo legal a melhor solução para uma situação real previamente positivada, é sensato o afastamento da imposição conjecturada por lei.

 

Diante disto, resta à possibilidade de relativização do direito a paternidade nos casos em que a gravidez resulte de violação sexual, sob o manto protetor proveniente dos direitos humanos fundamentais irradiantes da Carta Magna, instante em que o suporte desta teoria corporifica-se na dignidade da pessoa humana, princípio que dá suporte a “supremacia da proteção do ser humano”. Do exposto Costa (2014, s/p) define que:

 

A dignidade da pessoa humana supera a condição de princípio e figura como valor do indivíduo, como núcleo exegético do ordenamento jurídico, devendo ser observado como orientador de todos os feitos relacionados à pessoa humana. Fala-se também em caráter absoluto da dignidade da pessoa humana, pois não haveria circunstância ou direito que pudesse tirar a sua prioridade, especialmente pelo fato de tal principio ser um fundamento da República Federativa do Brasil, apontado no primeiro artigo da Constituição Federal. Desse modo, o fundamento aludido será sempre o guia basilar do Direito, sendo imprescindível na argumentação para relativização de certo direito em detrimento de outro, como é o caso em exame.

 

A dignidade humana abre a Constituição, dá início a ela, por este motivo e devido a sua relevância social ela não pode ser afastada com base em uma visão machista e cultural instaurada na sociedade, - um homem não se torna mulher por ter sido estuprado e não se torna pai por, através de um estupro, ter ejaculado um esperma capaz de gerar uma outra vida-, uma vítima é vitimada em um delito por se enquadrar no rol delitivo expresso no tipo penal e não por ter um sexo ou outro. Ele é vítima porque um crime foi cometido contra ele.

Um dos princípios constitucionais que caminha entrelaçado ao da dignidade da pessoa humana é o da justiça e da igualdade, os mesmos, permitem ao magistrado, tratar de forma desigual os desiguais no limite de suas desigualdades, de maneira a equilibrar as diferenças, os quais coadunados aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade unificam a junção entre humanidade e legalidade nas decisões dos magistrados. Desta forma frente a uma colisão entre os direitos do homem, vítima do estupro, e da mulher, sujeito ativo do delito e da criança, resultado deste crime, resulta a possibilidade de relativização dos direitos de paternidade em todos os âmbitos (sentimentais, jurídicos, morais e patrimoniais).

Assim como nos casos de doação de esperma o homem não cria vínculos com a mãe ou a criança, também, nos casos de um delito de ordem sexual este vínculo não deve ser exigido, posto que a imposição da paternidade à vítima do crime vai de encontro ao princípio da dignidade, chocando-se frontalmente com a igualdade e a justiça, pois compelir o ofendido à submissão dos efeitos desta gestação é favorecer a perpetuação desta modalidade delitiva, além de que, conforme Costa (2014, s/p) “ignorar a invasão à honra do ser humano ao conduzi-lo por uma relação não sadia com o gerado é desvalorizar a imagem do homem como sujeito de direitos”, conforme o autor:

 

A vontade procriacional diz respeito à intenção de gerar um filho por meio da relação sexual, quando um casal decide por aumentar a família e criar uma nova vida. Quando, por exemplo, uma mulher engravida sem planejamento, apesar de não ser a intenção inicial, é sabido que tal ato é capaz de ocasionar a gestação. Não é o caso em análise. A vontade procriacional inequívoca encontra-se ausente nesse fato específico, pois a vítima não desejou a gestação nem tampouco assumiu o seu risco ao proceder à prática sexual mediante violência ou grave ameaça. O homem, além de vítima da invasão sexual que ofende o bem jurídico da dignidade sexual, tutelado pelo Código Penal, terá que arcar com as consequências civis do ilícito, que não previu ou assentiu, resultando essas circunstâncias em relevante desrespeito às garantias constitucionais da dignidade humana e razoabilidade.

 

De acordo com a razoabilidade é sensata a ideia de relativizar o direito à paternidade, permitindo a vítima que escolha entre assumir o filho ou não, posto que, se no caso inverso a dignidade da mulher é imposta, não se vê justiça se este direito for extraído do homem. Adiante, o deslinde apontado não se mostra incompatível com os direitos do nascituro, pois o mesmo não teria sua vida ceifada, como no caso inverso, somente teria o bem jurídico relacionado com a filiação relativizado, de maneira a resguardar a dignidade do ofendido, pois forçar uma relação entre o ofendido e o fruto de um crime, não se apresenta compatível com os preceitos constitucionais irradiados da norma maior brasileira. Este também é o entendimento de Damásio de Jesus e Smanio (apud COSTA, 2014, s/p):

 

Muito embora, em nosso sistema jurídico, a vida seja protegida desde o momento da concepção, excepciona-se a proibição de matar em prol de uma limitação humana em lidar com um fato indelével e que ocasiona, na maioria das vezes, transtornos psicológicos difíceis de superar. Partindo dessa premissa, se a vítima do estupro é o homem, pode não ser de sua vontade que a mulher criminosa dê à luz um filho seu. Apesar de não ser ele a pessoa a suportar os reflexos físicos da gravidez, a paternidade implica uma série de obrigações de ordem jurídica, ética, moral e até mesmo financeira, para não falar de outras. Nessa ótica, poder-se-ia cogitar de uma mulher que dolosamente realiza a conduta criminosa, intencionando engravidar para obter um vínculo com o homem e, ainda, uma pensão futura para o filho comum ou até mesmo para chantagear alguém de ótimas condições financeiras.

 

Pelo exposto conclui ser coerente a relativização do direito à paternidade em relação ao explanado das normas constitucionais, nos casos em que haja gravidez da delituosa, em razão da ausência da vontade de participar por parte da vítima (o homem genitor), sendo a ideia coerente com os princípios da Carta Magna, consubstanciados na dignidade da pessoa humana, na igualdade e na justiça e com relação à proporcionalidade e razoabilidade das decisões magistrais.

 

5.      DEFINIÇÕES CONCLUSIVAS

Este estudo teve por interesse analisar a possibilidade de relativização do direito à paternidade, ou da legalidade da prática do aborto humanitário quando a gravidez resulte de violação sexual mediante fraude ou estupro praticada por mulher contra homem.

No primeiro momento foi efetuada uma análise do entendimento social relacionado à matéria, transferindo a este estudo os aspectos morais e culturais relacionados ao delito.

Em seguida foi procedido com um exame aos aspectos jurídicos atinentes ao crime, efetuando um estudo desde os preceitos constitucionais até infraconstitucionais de maneira a robustecer o entendimento do leitor sobre o tema.

Por fim, foi juntado o entendimento social, com o legal e o doutrinário de onde se extraiu que não apenas é possível a relativização do direito à paternidade, como, também é viável visto que a vontade da vítima encontra-se eivada de vício no instante em que a mulher engravidar através de um crime e não seria justo, que o homem arcasse com todas as consequências de uma gravidez quando a mesma resultou de um delito, sendo até mesmo uma afronta aos princípios da isonomia e da dignidade da pessoa humana se isto ocorresse.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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_______. Código Penal. Decreto-lei n° 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm. Acesso em 19.08.2021.

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______. Tratado de Direito Penal, 4: parte especial: dos crimes contra a dignidade sexual até dos crimes contra a fé pública. 7 ed. rev. ampl. de acordo com as leis n/ 12.720 e 12.737 de 2012. – São Paulo: Saraiva, 2013.

Capez, Fernando. Código penal comentado. – 3. ed. – São Paulo : Saraiva, 2012.

Capez, Fernando. Curso de direito penal, volume 3, parte especial : dos crimes contra a dignidade sexual a dos crimes contra a administração pública (arts. 213 a 359-H). – 10. ed. – São Paulo : Saraiva, 2012.

COSTA, Anderson Pinheiro da. A mulher como sujeito ativo do crime de estupro e as conseqüências nas esferas cível e penal. Artigo do site Conteúdo Jurídico, 2014.

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MARINO, Aline M.; CABETTE, Eduardo L. S. A mulher como sujeito ativo do crime de estupro: aspectos doutrinários, possíveis hipóteses médico-legais e consequências nas esferas civil e penal. - artigo publicado, ano de 2012.

NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 9ª ed. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.

Site Hype Science. Vítimas de abuso sexual do sexo masculino têm mais dificuldade de lidar com o trauma, 2011.

UTIDA, Cristiano et al. Infertilidade masculina no trauma raquimedular (páginas 149- 155),in Revista Coluna/Columna. Ano 3. N. 3. São Paulo: Bevilacqua Editora e Consultoria, set.-dez. 2004.

VIGARELLO, Georges. História do estupro: violência sexual nos séculos XVI-XX. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998.

[1] Extraído do site Hype Science: Vítimas de abuso sexual do sexo masculino têm mais dificuldade de lidar com o trauma.

[2] O vocábulo costumes é aí empregado para significar (sentido restritivo) os hábitos da vida sexual aprovados pela moral prática, ou, o que vale o mesmo, a conduta sexual adaptada à conveniência e disciplina sociais. O que a lei penal se propõe a tutelar, in subjecta matéria, é o interesse jurídico concernente a preservação do mínimo ético reclamado pela experiência sexual em torno dos fatos sexuais. GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial, volume III. 6ª ed. – Niteroi: Rio de Janeiro: Impetus, 2009, Pág. 462.

[3]Ereção reflexa: é induzida pelo estímulo tátil nos órgãos genitais; (...) os impulsos seguem pelo nervo pudendo até atingir o centro sacral da ereção. Há ativação dos núcleos parassimpáticos e através dos nervos cavernosos é obtida a ereção. (UTIDA et al., 2004, p.150).

[4]Ereção psicogênica: (...) é o resultado de estímulos audiovisuais ou imaginativos e encontra- -se na dependência da modulação dos centros eretores medulares (T11-L2 e S2-S4). Para que seja ativado o processo da ereção, os impulsos cerebrais são transmitidos através das vias simpáticas (inibição da liberação de norepinefrina), parassimpáticas (liberação de óxido nítrico e acetilcolina) e somáticas (liberação de acetilcolina). (UTIDA et al., 2004, p.150).

[5]Estupro de vulnerável: Art. 217-A do CP.  Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos:  Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.  § 1o  Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência. § 3o  Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave:  Pena - reclusão, de 10 (dez) a 20 (vinte) anos. § 4o  Se da conduta resulta morte: Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.

[6] Coronel da 4ª Região de Polícia Militar, no município de Chapecó, estado de Santa Catarina.

quarta-feira, 12 de outubro de 2016

A PROMOÇÃO DO MEIO AMBIENTE COMO FORMA DE GARANTIR O DIREITO À VIDA


ALINE OLIVEIRA MENDES DE MEDEIROS[1]

Resumo: A presente pesquisa pretende analisar a proposta da sustentabilidade como forma de preservar e promover a restauração ambiental parte-se do princípio do respeito a uma vida digna, e com isto, sugere-se uma abertura no manto protetivo da dignidade humana, onde a mesma passe a proteger a todas as formas de vida e não apenas a do homem. No intuito de se verificar uma resposta para a degradação ambiental e plantar no solo pátrio a conscientização do homem quanto a essencialidade do meio ambiente, formulou-se o seguinte problema de pesquisa: É possível promover uma abertura na visão doutrinária, pautada no respeito pelo meio ambiente, e alargar o sentido jurídico da dignidade humana passando a embasar em seu núcleo todas as formas de vida em geral? Visando responder ao problema proposto, o trabalho tem por objetivo geral discutir a possibilidade da dignidade humana guardar em si todas as formas de vida, devido a relação de causa e efeito que existe entre a vida e o meio ambiente, e diante disto auferir da comunidade social e jurídica a devida proteção e restauração que o meio ambiente necessita, como meio de salvar as espécies ameaçadas de extinção e evitar o desfalecimento de todo o planeta, promovendo a sustentabilidade. E por objetivos específicos: a) discutir amplamente sobre a transmutação da dignidade humana que da visão totalmente antropológica, propôs uma abertura para a visão socioambiental; b)  Retratar brevemente acerca da crise ambiental que se instala e suas conseqüências para a qualidade de vida em geral; c) propor a alargamento do núcleo da dignidade humana, para colocar em si, a proteção de todas as espécies de vida, efetivando o fundamento do Estado Democrático de Direito que é a vida digna. O aprofundamento teórico do estudo pautou-se em pesquisas bibliográfica, consubstanciada na leitura de diversas obras, apoiando-se em um método dedutivo.
Palavras chave: Meio Ambiente; Dignidade Humana; Extensão ao Direito à Vida; Constituição verde.

INTRODUÇÃO
O presente manuscrito pretende fazer uma referência sobre a vulnerabilidade socioambiental, destacando o posicionamento doutrinário acerca do tema, e efetuando uma reflexão acerca da crise que se instala no Planeta por meio da ação do homem.
Em primeiro momento será definido acerca do meio ambiente como um direito fundamental, tanto que é considerado como uma extensão ao direito à vida, já que ambos relacionam-se em uma relação de causa e efeito, onde o estado de um reflete diretamente no estado do outro, cabe destaque para o fato de que os recursos naturais são essenciais para a vida humana, afinal, não há como sobreviver sem água potável, sem solo fértil para a plantação, sem o ar puro e etc.
Neste contexto, será retratada sobre a crise ambiental que o homem desencadeou no meio ambiente, verificável nos furacões cada vez mais comuns, no desgelo das geleiras, nas enchentes devastadoras, nas regiões áridas cada vez maiores e mais corriqueiras, enfim em uma série de resultados negativos que este bem tem devolvido para a sociedade, de maneira a conscientizar os indivíduos de que suas ações estão produzindo conseqüências e que estas estão cada vez mais imprevisíveis, resultando em milhares de pessoas mortas, ou desabrigadas, extinguindo espécies de animas e de plantas, e causando a modificação da vida humana.
A autora finaliza este artigo propondo a efetivação do respeito e da restauração ambiental através da sustentabilidade, respeitando todas as espécies de vida, como se as mesmas fossem detentoras de dignidade, devido à relação de interdependência que existe entre o pulsar da vida e o bem-estar do meio ambiente, porquanto a vida humana apenas é possível se contar com a disponibilidade dos recursos naturais, os quais o próprio homem tem destruído desmedidamente, encaminhando-se para o fim da espécie humana na Terra.

1.      O MEIO AMBIENTE EM EXTENSÃO AO DIREITO À DIGNIDADE HUMANA
É imprescindível descortinar a sociedade sobre a fundamentalidade do meio ambiente, trata-se de uma questão de justiça para com este bem, que não pode ir além das respostas climáticas que tem dado ao homem. Ademais o desvalor que os indivíduos tem atribuído ao meio ambiente compreende uma negação ao Estado Democrático de Direito, posto que vai contra todas as recomendações legais que a Carta Magna conferiu para a proteção deste bem, conforme destaca Nussbaum (2008, p. 87), fato este incabível devido força vinculante que emana deste caderno de leis.
Nada obstante, ao efetuar uma análise histórica acerca do tratamento deste bem, será perceptível que os indivíduos nunca deram o valor que lhes era inerente, ao contrário, pois utilizaram todos os elementos e recursos possíveis e de forma desregrada, visando unicamente fins lucrativos, desencadeando um consumismo dissoluto por meio do Capitalismo, destruindo os recursos naturais a qualquer custo.
Neste enlace, ao analisar a visão Kantiana acerca deste assunto será perceptível que os homens possuíam uma obrigação subsidiária, simples e indireta, instante em que a vida humana de forma geral nunca seria vista como detentora de dignidade, posto que os animais eram respeitados apenas civilmente, em uma espécie de dever moral de não maltratar, neste momento histórico a dignidade era um atributo unicamente do homem que freqüentasse a polis, porquanto, nem a mulher, nem as crianças eram detentoras de dignidade, pois para que o fossem era necessário certas características, entre elas ser sujeito masculino, e abastado financeiramente, dentre outras.
Porém, com o transcorrer do tempo, a civilização, de mãos dadas com o direito, evoluiu desencadeando inúmeras mudanças devido a acontecimentos históricos, a mulher passou a ter direito ao voto, as crianças passaram a serem respeitadas legalmente, e mais recentemente, autores como Sarlet e Fensterseifer (2011, p. 49) pretendem atribuir a dignidade aos seres vivos, munidos da bandeira da igualdade (2ª dimensão de direito) e do respeito por este bem (3ª dimensão de direito), indispensável para a existência da vida.

[...] qualidade integrante e irrenunciável da própria condição humana, pode (e deve) ser reconhecida, respeitada, promovida e protegida, não podendo, contudo (no sentido ora empregado) ser criada, concedida ou retirada (embora possa ser violada), já que existe em cada ser humano como algo que lhe é inerente. Ainda nesta linha de entendimento, houve até mesmo quem afirmasse que a dignidade representa ‘valor absoluto de cada ser humano que, não sendo indispensável, é insubstituível’. (Sarlet, 2006, p. 42).

Ou seja, a dignidade humana abarca uma característica nata, própria e inerente do ser humano, em uma observação mais profunda, como descrito anteriormente, seria possível afirmar que nem mesmo a mulher ou as crianças eram sujeitos que disponha de dignidade, fato este perceptível através da exclusão legal e social a qual estes eram submetidos, posto que, compreendiam na verdade, objeto pertencente ao homem que era quem trabalhava e por isto mandava tanto na casa quanto na mulher e nos filhos, os quais eram considerados verdadeiros objetos carentes de direitos e de garantias legais e até mesmo de vontade própria.
Porém, com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, não restou mais dúvidas quanto ao fato de as pessoas serem consideradas igualmente em direitos e obrigações, tanto que este direito entrou em vigor sob as vestes de cláusula pétrea (art. 5°) e esta forma de Estado buscou fundamento para sua existência na dignidade humana (art. 1, III).
Neste ínterim, para Nussbaum, o direito dos animais vai além da visão Kantiana, pois justiça vai além do que é certo ou errado, é uma questão de ética, de moral, de cultura, de época histórica, em razão de que o direito se molda conforme as necessidades humanas, e como o homem se transforma, remodelam-se também os direitos, tanto que ele é mutável de cultura para cultura e de Estado para Estado. Para Nussbaum (2008, p. 92), falta em alguns doutrinadores a visão dos seres vivos em geral como sujeitos de direitos, considerando-os em sua interação com o homem, visto que vivem no mesmo ambiente e em harmonia e dependência um com o outro, porquanto, fazem parte de um único sistema (2008, p. 92/95).
Destarte, este autor (2008, p. 101) visa encontrar um meio de efetivar a justiça em seu mais amplo sentido, pois na base nuclear de um Estado Democrático de Direito, a justiça é seu fim maior, de maneira que todo o ser vivo passa a ser detentor de dignidade e por isto, deve ser observado e respeitado em seu mais amplo sentido, posto que como pedra edificante desta forma estatal, ela enseja que toda a forma de vida seja abrigada em seu manto e como ser detentor de dignidade este deve ser respeitado indiferente de suas características, pois não são apenas os seres racionais que embasam seu núcleo, mas os mentalmente incapazes também, aqui poderiam ser inseridos a natureza e os animais, já que não possuem raciocínio lógico, mas possuem vida.
Nesta abordagem, defendida por Sarlet e Fensterseifer (2011, p. 56) cada ser é respeitado conforme suas características, não sendo permitido que nenhuma criatura viva seja utilizada como meio, visto que “cada espécie tem uma forma diferente de vida e diferentes propósitos” que se justificam e se harmonizam em virtude de que cada vida possui “propósitos múltiplos e heterogêneos” (2008, p. 102).
Este entendimento jurídico e ético “não atribui nenhuma importância a números altos por si só; seu foco reside no bem-estar das criaturas existentes e nos danos que lhes é causado quando suas potencialidades são frustradas” defende o autor (2008, p. 104). Outrossim, na concepção de dignidade proveniente de Kant (apud FEIJÓ, 2008, p. 128/129), verifica-se que tudo que não tiver preço, automaticamente passa a ser um sujeito detentor de dignidade, desta forma como atribuir preço à própria vida? Como atribuir um preço a água potável? Neste sentido, poder-se-ia viver sem água? Seria possível a existência de vida se não houvesse mais solo fértil? Como conferir um preço ao ar puro? E as árvores que possibilitam a qualidade deste ar? Cada espécie de animal ou planta que se extingue produz um resultado sobre o Planeta que se volta contra o homem através das mudanças climáticas, através do aquecimento global, enfim, constata-se uma urgência em modificar este caminho até então traçado, o qual ainda não produziu todos os resultados das ações já desenvolvidas, destarte:

No reino dos fins tudo tem um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem um preço, pode-se por em vez dela qualquer outra como equivalente; mas quando uma coisa está acima de todo o preço, e, portanto, não permite equivalente, então ela tem dignidade. Kant (apud FEIJÓ, 2008, p. 128/129).

Nada obstante, em conformidade com Mirandola (2008, p. 129), a dignidade humana não compreende algo acabado, visto que é conquistada na medida em que o ser humano constrói a si próprio, através do tempo e do espaço como se mostrou através da análise histórica efetuada, quando nos primórdios nem a mulher, nem as crianças eram sujeitos detentores de dignidade.
Por defluência Jonas (apud Mirandola, 2008, p.131) , enfatiza acerca de necessidade de respeito que o homem deve ter para com seu entorno, responsabilizando-se por suas ações desenvolvidas contra a natureza, que interferem na qualidade de vida não apenas das presentes, mas das futuras gerações, agindo com responsabilidade através da sustentabilidade, posto que “é no presente que se prepara, se prevê e se protege o futuro da espécie humana e seus descendentes assim como o ambiente em que eles viverão. A responsabilidade para ele emana da liberdade e torna-se um dever do homem”.

Na realidade, Jonas nos propõe uma ética que nega o homem como único fim em sim mesmo e que afirma a necessidade desse homem ter uma nova orientação normativa. Essa ética solicita a consideração dos efeitos das gerações em escala global. A filosofia de Hans Jonas propõe, então, uma reflexão ética sobre a relação do ser humano com a natureza englobando nestas os animais não-humanos e defende no temor o estabelecimento dos limites da ação do homem. A atitude ética aconselhável seria a precaução, o que não significa fechar-se a novas investigações. (apud Mirandola, 2008, p.131).

Igualmente, a ética defendida por Jonas pauta-se na responsabilidade, como meio de preservar a integralidade interplanetária frente aos abusos, atuando com preocupação com o futuro, buscando projetar seu agir de forma a diminuir os atos degradantes, atuando de maneira comprometida e prudente para com o meio ambiente, digno de ser respeitado por sua vulnerabilidade e importância fundamental para a vida humana.
Por derradeiro, desde a data de 1978 o direito já procura abrigar os animais, conforme se percebe através da Declaração dos Direitos dos Animais, publicada pela UNESCO, neste mesmo ano, que expressa no art. 10 a dignidade animal, apesar de não conceituá-la, destacando que nenhum animal deve ser utilizado como meio, abrindo precedente para que os doutrinadores ampliem suas visões.  Fato este que demonstra que negar o direito à dignidade aos animais compreenderia um retrocesso em matéria jurídica ambiental fato este incabível conforme as páginas do Caderno Constitucional.
De outra forma, no entendimento de Kant, os animais não mereciam dignidade, porém, também não estariam diminuídos exatamente ao status de coisa, pois possuiriam uma certa hierarquia superior ao status de coisa e inferior para ser considerado digno, encontrando-se em meio termo, momento em que o doutrinador pedia atenção e bondade no tratamento relacionado aos animais não-humanos, neste sentido, Feijó (2008, p. 134/135) questiona “não seria esse cuidado, atenção e bondade uma forma de respeito para com os animais não-humanos?” Não seria esta uma abertura para uma visão mais humanitária?
Expressamente nunca foi negado aos seres humanos em todas as suas formas o respeito que lhes era inerente, apenas um respaldo maior foi se afirmado no transcursar do tempo, conforme as necessidades e reivindicações efetuadas.
Neste enfoque, diversos doutrinadores defendem esta visão sociológica de conferir dignidade a todos os seres humanos, porém, “dois critérios vêm se destacando nas distintas posições: o critério da sensibilidade e o da integridade que auxilia na fundamentação dos Direitos dos Animais” (apud Feijó, 2008, p. 135/141).

Para Rollin, a dignidade animal reside no fato de o animal ter uma função, e poder exercê-la conforme sua natureza. Essa dignidade relativa estaria relacionada ao fato de o animal poder atuar de acordo com seus interesses, que podem mudar de indivíduo para indivíduo com a alteração de sua natureza ambiental.
Destarte:
Como se pode constatar que os animais não-humanos são passíveis de respeito por seu valor intrínseco, por sua aceitação em uma comunidade moral e por sua dignidade que os leva a serem respeitados. Regam crê que a dignidade animal é algo absoluto apenas pelo fato de o animal ser um mamífero de um ano ou mais de idade. Singer acredita no fato de um animal ser um ser moral pode apresentar sensibilidade, mas aceita certa hierarquia entre os animais humanos e não-humanos não defendendo, por isso, a dignidade como algo absoluto, e sim algo relativo, dependendo das circunstancias. Rollin busca o bem-estar animal e defende que a dignidade animal consiste em estes seres terem seus interesses satisfeitos. Como os interesses podem ser distintos de um indivíduo para outro, a dignidade torna-se relativa ao indivíduo em questão. (apud Feijó, 2008, p. 142).

Para que se possa transcender o âmbito de ingerência da dignidade humana, a mesma precisa deixar de ser vista sob o enfoque objetivo, sendo ampliada com base no respeito e nos preceitos que o Estado Democrático de Direito lhes confere. Assim, “o conceito subjetivo de dignidade pode ser atrelado ao animal não-humano, entendendo-o como partícipe da biosfera, como ser passível de respeito pelo papel que exerce nesse sistema global devendo ter sua integridade respeitada e defendida”, conforme destaca Milaré (2011, p. 1032).
Esta teoria abarca a natureza de forma geral, propondo banir os atos degradantes contra o meio ambiente de forma a preservar a vida em si, pois ao lado do meio ambiente caminha a vida, aliançados através do respeito e da harmonia, em uma relação de causa e efeito, pois como seres humanos, todos são dotados de valor intrínseco.

2.      A CRISE AMBIENTAL
Indiferente do posicionamento que se tome acerca de pressupor uma dignidade ao meio ambiente ou não, o inquestionável é que a temática ambiental consiste em um assunto empolgante, ou como diria Milaré (2011, p. 1032), “não seria apavorante”? Ocorre que, os habitantes do globo terrestre, na mesma proporção em que o crescimento econômico se espalha, ocupam-se de um consumismo desregrado e imoderado, absorvendo de forma incontrolável os recursos naturais, pondo em risco a sobrevivência humana, urgindo a necessidade de um saneamento, e de uma administração inteligente dos recursos, principalmente, os naturais.
Por tanto Milaré (2011, P. 1032) indaga sobre o tratamento dispensado ao meio ambiente, questionando se a proteção conferida ao mesmo é suficiente ou não para garantir a sobrevivência das espécies humanas, conferindo preservação e restauração para este bem, em resposta verificou-se que:

[...] se for buscada nos levantamentos científicos e nos alertas oriundos de reconhecidas instituições e dos grandes conclaves levados a efeito pela Comunidade das Nações, evidencia sinais de verdadeira crise, isto é, de uma casa suja, insalubre e desarrumada, carente de uma faxina urgente.

Desta forma este autor define o Planeta Terra como sendo sujo e desorganizado, quase que inabitável devido às ações desregradas da sociedade, que aos poucos lhe suga a vida e automaticamente seu próprio meio de sobrevivência.
Por este motivo é que o mesmo salienta que “preservar e restabelecer o equilíbrio ecológico é questão de vida ou morte” (2011, p. 1032). De acordo com estimativa efetuada por estudiosos ambientalistas, em dois séculos foi extinta uma espécie de animal ou planta por ano, isso relacionado ao ano de 1500 a 1850, porém, na década de 90, este índice aumentou para uma espécie por dia.
Devido a este fato é imperativo descortinar a sociedade sobre a necessidade de preservação e restauração do meio ambiente, de modo a restabelecer o equilíbrio ecológico, visto que isto consiste em uma questão de suma relevância, pois “os riscos globais, a extinção de espécies de animais e vegetais, assim como a satisfação de novas necessidades em termos de qualidade de vida, deixam claro que o fenômeno biológico e suas manifestações pelo Planeta estão perigosamente alterados”, como declara Milaré (2011, p. 1032).
Acentua-se que as consequências deste desrespeito são imprevisíveis, visto que o homem desde os primórdios se instalou como um parasita sobre a Terra, consumindo tudo a sua volta de maneira incoerente e irresponsável, conforme se denota Serres:

Na sua própria vida e através das suas práticas, o parasita confunde correntemente o uso e o abuso; exerce os direitos que a si mesmo se atribui, lesando o seu hospedeiro, algumas vezes sem interesse para si e poderia destruí-lo sem disso se aperceber. Nem o uso nem a troca têm valor para ele, porque desde logo se apropria das coisas, podendo até dizer-se que as rouba, assedia-as e devora-as. Sempre abusivo, o parasita. (1990, p. 63/65).


Frisa-se que as leis e as medidas protetivas conferidas ao meio ambiente são ineficazes para a desproporcional devastação e desrespeito que o ser humano lhe adjudicou, o que para Serres (1990, p. 95) demonstra uma incoerência, pois o homem, definido como ser racional, encaminha-se para seu próprio fim, por meio de seu parasitismo, e, por consequência:

Resta-nos pensar num novo equilíbrio, delicado, entre esses dois conjuntos de equilíbrios. O verbo pensar, próximo de compensar, não conhece que eu saiba outra origem para além dessa justamente pesada. É a isso que hoje chamamos pensamento. Eis o direito mais geral para os sistemas mais globais.

Tal questão encontra-se em tamanho descompasso que a própria igreja tem celebrado o respeito ao meio ambiente, nada obstante, Strong (Secretário-Geral do Rio 92), declarara que em um enfoque ambiental a Terra encontra-se próxima ao ponto de não haver retorno, pois se fosse compará-la a uma empresa a mesma “estaria à beira da falência, pois dilapida seu capital, que são os recursos naturais, como se eles fossem eternos. O poder de autopurificação do Planeta está chegando ao fim”, como expressa Milaré (2011, p. 1033).
Extraiu-se da Declaração Rio +5, que foi feita como meio de analisar os resultados da degradação humana, que as ações de prevenção e restauração que vinham sendo propostas até então, não foram nem ao menos postas em prática, fato este que tem sido observado pelo prisma da irreversibilidade da degradação efetuada contra o Planeta, interferindo no ciclo de vida de todos os seres vivos, modificando completamente suas existências.
E o maior problema evidenciado é que “nós não temos outro sistema para substituí-la (a Terra). Precisamos restringir nossas atividades destrutivas, pois, se não encontrarmos um novo patamar civilizatório, dentro de pouco tempo a Terra poderá viver sem nós”, como enfatiza Mikhail, ex-presidente da União Soviética (apud Milaré, p. 1034).
Por defluência através da Declaração Rio + 20, realizada em setembro de 2002, evidenciou-se que a sociedade está consumindo não apenas sua parcela, mas a porção de meio ambiente pertencente às gerações futuras, de forma a exaurir o capital natural, pondo em risco seu habitat, pois por meio do Relatório Planeta Vivo 2002, concluiu-se que cada habitante estava consumindo cerce de 20% acima da competência de suporte e reposição da Terra.
Já neste mesmo relatório, porém no ano de 2010, foi perceptível que desde o ano de 1996 a demanda por recursos naturais duplicou o que resulta na necessidade de “um planeta e meio para sustentar” as atividades do homem, como leciona Milaré (2011, p. 1035), o que leva a acreditar que em 20 anos precisaria de outro planeta para suprir toda a exigência da sociedade pelos recursos naturais, isso considerando o consumismo no nível em que se encontra.
Se fosse comparada a demanda social e a capacidade de recuperação do planeta, constatar-se-ia que a saúde do mesmo encontrar-se-ia em colapso, exigindo medidas protetivas urgentes, pois as atitudes humanas estão encaminhando a vida para seu fim.

Não pode haver dúvida que o Planeta está gravemente enfermo e com suas veias abertas. Se a doença chama-se degradação ambiental, é preciso concluir que ela não é apenas superficial: os males são profundos e atingem as entranhas mesmas da Terra. Essa doença é, ao mesmo tempo, epidêmica, enquanto se alastra por toda parte; e é endêmica, porquanto está como que enraizada no modelo de civilização em uso, na sociedade de consumo e na enorme demanda que exercemos sobre os sistemas vivos, ameaçados de exaustão. (Milaré, 2011, p. 1035).

Fato este que faz com que Serres proponha a execução de um contrato natural entre homem e natureza em uma relação de mútuo respeito:

O que implica acrescentar ao contrato exclusivamente social a celebração de um contrato natural de simbiose e de reciprocidade em que a nossa relação com as coisas permitiria o domínio e a possessão pela escuta admirativa, a reciprocidade, a contemplação e o respeito, em que o conhecimento não suporia já a propriedade, nem a ação o domínio, nem estes os seus resultados ou condições estertorarias. Um contrato de armistício na guerra objetivo, um contrato de simbiose: o simbiota admite o direito do hospedeiro, enquanto o parasita - o nosso atual estatuto - condena à morte aquele que pilha e o habita sem ter consciência de que, a prazo, se condena a si mesmo ao desaparecimento. (1990, p. 65/66).


Situação que faz com que Sarlet e Fensterseifer (2011, p. 62/63) indaguem profundamente acerca desta visão antropológica e individualista da dignidade humana, em confronto com os valores ecológicos que emergem no âmago social, reivindicando uma nova concepção ética em respeito à vida.
Reclamam os autores que a dignidade humana não compreende um atributo conferido apenas as pessoas, mas à vida, pleiteando possibilidades de que ela seja conferida para além do ser humano, atribuindo valor aos seres por serem detentores de vida, respeitando suas peculiaridades, apregoando direitos protetivos a estes bens vivos, devido a sua essencialidade para a existência da vida humana.
Qualquer concepção que dirija a dignidade apenas as pessoas pode ser criticada como no mínimo excessivamente antropocêntrica, visto que a racionalidade do homem em pouco lhe tem auxiliado, em razão de que o mesmo encaminha-se para seu fim, ao desrespeitar o meio ambiente e não aparenta ter consciência disto.
 Além de que, o objetivo maior não se encera apenas na salvação do homem, mas de todas as formas de vida terrestre, apregoando um valor ético-jurídico fundamental, mesmo que esta valoração seja dada a toda espécie de vida humana por simples exigência para a possibilidade de haver vida, e para além, uma vida com dignidade!

A dignidade humana, para além de ser também um valor constitucional, configura-se como – juntamente com o respeito e a proteção da vida – o princípio de maior hierarquia da CF/88 e de todas as demais ordens jurídicas que a reconheceram. A dignidade da pessoa humana apresenta-se, além disso, como a pedra basilar da edificação constitucional do Estado (Social, Democrático e Ambiental) de Direito brasileiro, na medida em que, aderindo a uma trajetória consolidada especialmente a partir do II Pós-Guerra e inspirada fortemente na visão humanista de Kant e tantos outros, o constituinte reconheceu que é o Estado que existe em função da pessoa humana, e não o contrário, já que o ser humano constitui a finalidade precípua, e não meio de atividade estatal, o que, diga-se de passagem, demarca a equiparação de forças na relação Estado-cidadão, em vista da proteção e afirmação existencial desse último, especialmente no que tange à tutela e proteção dos seus direitos fundamentais. (Sarlet, Fensterseifer, 2011, p. 95).

Com isso enfoca-se na necessidade de efetivação dos direitos fundamentais, atuando por meio de uma dimensão social, agindo de maneira a não restringir a dignidade humana em uma dimensão puramente biológica ou física, devido ao fato de ela contemplar a qualidade de vida em sua forma mais abrangente.
Inclusive atuando no meio ambiente onde a vida se desenvolve, assegurando à sociedade um padrão de vida com qualidade, equilíbrio e segurança ambiental, garantindo a concretização de um padrão digno de viver.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O respectivo artigo retratou acerca da vulnerabilidade do meio ambiente nas mãos do homem, destacando alguns pontos críticos, e procurando evidenciar a sociedade para o trágico fim em que a mesma se encaminha.
Em um primeiro momento, foi proposto designar a dignidade humana para todas as formas de vida, devido a sua relação de interdependência, e devido à característica peculiar do meio ambiente como extensão à vida.
Neste percurso, foi defendido o alargamento do manto protetivo da dignidade para todas as formas de vida em circunstancia da crise que o Planeta Terra se encontra, em função do consumismo imoderado e do capitalismo inconseqüente que circundou e edificou-se na sociedade.
Propondo restabelecer e promover o equilíbrio ecológico e a sadia qualidade de vida, enrobustecendo a idéia de proporcionar um respeito maior pelo meio ambiente justificado na impossibilidade de vida humana sem a existência de um padrão mínimo de recursos naturais é que se agarra a questão do crescimento sustentável, e da busca pelo equilíbrio no que tange a fruição dos recursos provenientes do meio ambiente.
De outra sorte, a discussão se encerra de forma ampla, propondo uma abertura ideológica em que o manto protetivo da dignidade humana passe a abraçar a vida no geral, devido a sua fundamentalidade e interdependência sistêmica, pois o homem não vive sozinho, ele precisa de outros seres que o complementem e possibilitem sua existência.
De outro ângulo o Planeta Terra sobrevive sem o homem, porém, o homem ainda não encontrou outro planeta que lhe dispusesse as características necessárias para sua sobrevivência, por isto é que a problemática não se molda ao homem, mas este é quem tem que se moldar a ela e contorná-la, recuperando e provendo o respeito pelo meio ambiente.

REFERÊNCIAS
FEIJÓ, Anamaria Gonçalves dos Santos. A dignidade e o animal não humano. In: MOLINARO, Carlos Alberto; MEDEIROS, Fernanda Luiza Fontoura de; SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. A dignidade da vida e os direitos fundamentais para além dos humanos. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2008.
MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente: A gestão ambiental em foco. Doutrina. Jurisprudência. Glossário. 7. ed.São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.
NUSSBAUM, Martha C. Para além de ‘compaixão e humanidade’- justiça para animais não humanos. In: MOLINARO, Carlos Alberto; MEDEIROS, Fernanda Luiza Fontoura de; SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago (ORG.). A dignidade da vida e os direitos fundamentais para além dos humanos. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2008.
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 4. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006.
_______; Tiago FENSTERSEIFER. Direito Constitucional Ambiental: estudos sobre a Constituição, os direitos fundamentais e a proteção do Ambiente. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.
_________ .Princípios do Direito Ambiental. São Paulo: Saraiva, 2014.
SERRES, Michel. O contrato natural. Trad. Serafim Ferreira. Portugal: Editions François Bourin, 1990.



[1] Advogada; Graduada em Direito; Autora do Blog Direito em Estudo; Articulista assídua em diversas revistas jurídicas; Pesquisadora na área de direito ambiental, penal e previdenciário.