Resumo: A
presente pesquisa pretende analisar o delito de violência sexual contra o
sujeito masculino, tendo a mulher no polo ativo da conduta, enfatizando a
possibilidade de relativizar o direito à paternidade como uma aposta à promoção
da dignidade da pessoa humana e da igualdade entre homens e mulheres, visando à
transformação dos conflitos e resgatando a sensibilidade. No intuito de
verificar uma resposta a essa temática, formulou-se o seguinte problema de
pesquisa: a paternidade, quando resultante de um ato de violência sexual
compreende uma alternativa ou um dever moral e jurídico do homem? Visando
responder ao problema proposto, o trabalho tem por objetivo geral discutir a
possibilidade de alcançar a relativização do direito a paternidade através do
sistema judiciário a partir da dignidade da pessoa humana e do direito a
igualdade entre homens e mulheres. E, por objetivos específicos: a) estudar o
posicionamento social no que se refere ao ato de violência sexual perpetrado
contra o homem por uma mulher; b) analisar o posicionamento legal e doutrinário
dos mais renomados autores no que reporta à temática; c) efetuar uma sopese
conjunta ao que a sociedade interpreta através da moral e dos casos práticos
e verificar o posicionamento legal e
doutrinário respectivo ao tema, visando estudar a possibilidade de
relativização do direito à paternidade, ou até mesmo a legalização da prática
do aborto humanitário no ato proveniente de violação sexual contra o sujeito
masculino. O aprofundamento teórico do estudo pauta-se em pesquisa
bibliográfica, consubstanciada na leitura de diversas obras, apoiando-se em um
método dedutivo. Ademais, conforme a doutrina, a lei e os casos práticos
mostram, existe a possibilidade de um homem ser abusado sexualmente por uma
mulher, seja através do estupro ou por meio da violação sexual mediante fraude,
e a sociedade precisa estar descortinada frente à matéria para que possa
auxiliar na repressão e coibição desta modalidade delitiva, que corrói
silenciosamente o ser humano, o ferindo em sua dignidade.
Palavras-chave: Violência
sexual contra o homem. Paternidade resultante de violência sexual. Dignidade da
pessoa humana. Relativização do direito à paternidade. Aborto humanitário.
Abstract: Abstract:
This research intends to analyze the crime of sexual violence against the male
subject, with the woman in the active pole of the conduct, emphasizing the
possibility of relativizing the right to paternity as a bet to the promotion of
human dignity and equality between men and women, aiming at transforming
conflicts and restoring sensitivity. In order to verify an answer to this
theme, the following research problem was formulated: does paternity, when
resulting from an act of sexual violence, comprise an alternative or a man's
moral and legal duty? Aiming to respond to the proposed problem, the work aims
to discuss the possibility of achieving the relativization of the right to
paternity through the judicial system based on the dignity of the human person
and the right to equality between men and women. And, for specific objectives:
a) to study the social position regarding the act of sexual violence
perpetrated against a man by a woman; b) analyze the legal and doctrinal
position of the most renowned authors regarding the subject; c) carry out a
joint assessment of what society interprets through morals and practical cases
and verify the respective legal and doctrinal position on the subject, aiming
to study the possibility of relativizing the right to paternity, or even the
legalization of the practice of humanitarian abortion in the act arising from
sexual violation against the male subject. The theoretical deepening of the
study is based on bibliographical research, based on the reading of several
works, based on a deductive method. Furthermore, as the doctrine, the law and
practical cases show, there is the possibility of a man being sexually abused
by a woman, either through rape or through sexual violation through fraud, and
society needs to be aware of the matter to that can help in the repression and
restraint of this criminal modality, which silently corrodes the human being,
hurting his dignity.
Keywords: Sexual
violence against man. resulting Paternity sexual violence. Dignity of human person.
Relativization of the right to parenthood. humanitarian abortion.
1. INTRODUÇÃO
Este
artigo tem por base a análise da possibilidade de relativização do direito à
paternidade quando proveniente do delito de estupro ou de violação sexual
mediante fraude, verificando os critérios morais e legais que circundam o fato.
Com
este objetivo, o primeiro item retrata as circunstâncias morais e sociais da
violência sexual praticada contra o sujeito do sexo masculino, estando à mulher
no polo de autora e o homem sob a perspectiva de vítima, dissecando as nuances
relacionada à matéria, dando especial relevo à possibilidade de o homem ser estuprado,
como meio de desanuviar a população para a aceitação de que este fato acontece
no plano dos fatos, visando incentivar os homens a formalizarem estes delitos,
por meio de denúncias, abrindo precedentes para que a polícia e o judiciário
possam agir, com o alvo de coibir esta prática delitiva e socorrer o homem por
meio do manto protetivo da dignidade da pessoa humana.
Em
segundo instante, será relacionada à proteção jurídica no que tange a matéria,
momento em que será estudado desde o posicionamento constitucional até
infraconstitucional, transmitindo ao leitor o parecer que o arcabouço jurídico
brasileiro transfere à área, de modo a localizá-lo legalmente.
Por
fim, o artigo se desenvolverá efetuando uma junção entre a parte moral que a
sociedade acredita e a parte jurídica que o legislador promulga aos cidadãos,
de maneira a extrair qual seria a melhor alternativa para os casos de gravidezes
resultantes de violência sexual, quando a vítima for homem, expressando à
questão do aborto sentimental ou humanitário e/ou a possibilidade de
relativizar o direito à paternidade conferindo ao homem a decisão de aceitar ou
não o filho e as peculiaridades resultantes do ato.
2. A
VIOLÊNCIA SEXUAL CONTRA O SUJEITO MASCULINO: A MULHER ENQUANTO AUTORA E O HOMEM
NO VIÉS DE VÍTIMA
A
questão do estupro praticado contra o homem compreende um tema em que a
doutrina é omissa considerando o fato de que a violência sexual não escolhe o
sexo de suas vítimas. Ademais estudos efetuados na universidade de
Massachusets, apontam que nos Estados Unidos, em cada seis homens, um sofrerá
algum tipo de abuso de cunho sexual, enquanto entre as mulheres isto ocorrerá
em uma de cada quatro pessoas, isto considerando apenas até completar os
dezesseis anos de idade, o que significa dizer que, a probabilidade desta
espécie de violência ocorrer pode aumentar no transcorrer do tempo.
Dados
apontam que o trauma do abuso sexual é profundo em qualquer dos sexos, porém,
no caso dos sujeitos masculinos o impacto da violência costuma ser mais
intenso, o que dificulta a sua recuperação, como depreende do estudo efetuado
pelo psicólogo da universidade, David Lisak (2011, s/p)[1], cujo qual trabalha em
uma ONG que auxilia na recuperação dos sujeitos masculinos.
De
seu trabalho o mesmo extrai que a vergonha e o estigma por ter sido estuprado
causam isolamento e dificuldade em trabalhar com a situação, ocasionando o
favorecimento do delituoso através da omissão da vítima, pois a vergonha atua
feito uma mordaça, que emudece o vitimado enquanto extrai sua dignidade ao
consumir silenciosamente o seu ser.
O
ato de ser abusado abala o psicológico do homem – salienta-se o fato de que,
aqui, abordar-se-á o homem, sujeito vítima-, em virtude de, aparentemente,
afrontar a sua masculinidade, resultando em um silêncio corrosivo, visto que o
ato vai de encontro com a ideia tradicional de que o homem deve comandar a
sexualidade.
Isso
considerando a tradição cultural de que desde os primórdios era a mulher quem
se submetia aos caprichos do macho alfa, vivendo somente para a sua satisfação,
ao responsabilizar-se por efetuar a limpeza da casa, cuidar dos filhos, e de si
mesma, visando, simplesmente, atender as expectativas de seu varão, enquanto o
macho responsabilizava-se pela caça, com vistas a promover o sustento da
família.
Ou
seja, a ideia impregnada desde o chão das calçadas das primeiras civilizações
até o ultimo tijolo do mais imponente prédio atual construído, - salienta-se
aqui, que parte-se na contramão das feministas, pedra desta primeira calçada e
tijolo deste último prédio edificados pela mão de um ou mais homens-, é que a
força provém do braço masculino, que cresce e se alimenta da ideia patriarcal
de alicerce familiar, social e etc. Nada obstante, Cornwall e Jolly (apud Marino
e Cabette, 2012, p. 268), depreendem que:
A
visão monocromática do sexo no discurso do desenvolvimento representa as
mulheres como vítimas impotentes, os homens como predadores sexuais vorazes e
as crianças como seres inocentes. As pessoas trans, simplesmente, não são
mencionadas. As crianças são um grupo para o qual se pressupõe que a
sexualidade não constitui uma questão relevante.
Depreende-se
desta ideia, que um homem que é constantemente estuprado torna-se um trans e
não que ele, devido as reiteradas condutas sofridas, se calou e tornou-se um sujeito
passivo e aceitador de sua condição, nota-se, uma ausência de técnica em tocar
neste assunto e até mesmo aceitar o fato de um homem, sujeito masculino ter
sofrido abuso sexual por um outro homem e findar por ser alvo de uma mulher -
sujeito feminino, de aparência frágil e indefesa -, que mais tarde irá
pedir-lhe para assumir uma paternidade, favorecendo-se de sua fragilidade em
lidar com a situação: ser violado
sexualmente.
Neste
estudo citado acima, os autores definem a mulher como sujeito impotente, forjando uma realidade nestas calçadas em que as
mulheres são vistas como sujeitos frágeis, submissos, passivos e fáceis de
serem controlados – as eternas vítimas - acobertando a ideia de que, elas sabem
usar seus atributos psicológicos e sexuais a seu favor, subestimando as suas
habilidades em tomarem conhecimento de situações desfavoráveis ao homem e de
usá-las a seu favor e em detrimentos destes.
Joga-se
ao descaso o fato de que muitas destas mulheres se criaram nestas calçadas,
usando seus corpos em benefício próprio. Ou seja, aprenderam em tenra infância
a escolher suas vítimas para através de seus atributos fazê-las suas presas, ao
menos até auferir uma pensão alimentícia.
São
ideias preconcebidas pela sociedade que dificultam a saída das ocorrências delitivas
do mundo dos fatos para o mundo jurídico, concomitante com a ideia de sujeira e
de vergonha que se encontram vinculadas ao ato de ser estuprado, consciente
disto Vigarello (apud MARINO E CABETTE, 2012, p. 271) assevera que:
O
estupro provoca uma lesão ao mesmo tempo semelhante e diferente das outras.
Semelhante porque é o efeito da brutalidade. Diferente porque é muitas vezes
pouco consciente no agressor, apagada pela efemeridade do desejo, ao passo que
intensifica a vergonha na vítima, a ideia de uma contaminação pelo contato: a
indignidade atravessando a pessoa atingida para transformá-la aos olhos dos
outros. Daí a sensação de aviltamento criando obstáculos à queixa, inclinando a
vítima a se calar e os observadores a acusá-la. Situação muito especial, em que
a violência pode se tornar menos visível, empurrada para segundo plano,
mascarada pela rejeição de que a vítima é objeto.
Ou
seja, o homem detentor da força bruta é jogado de cara no chão, agora vê-se
sujeito indefeso do que ele mesmo considerava dever ser prazeroso, quando
consegue se libertar do ato, por vezes, não consegue levantar os olhos e seguir
adiante. Neste instante, o ato fere o seu corpo, a vergonha sangra a sua
dignidade. Neste interim, continua o autor (1998, p. 107):
[...]
é o contato sofrido que causa a indignidade da vítima, os corpos comunicando
suas marcas, transformando em sordidez pública o efeito de sua promiscuidade. A
suspeita inicial se funda nesse imaginário do contato: a pessoa atingida não é
capaz de acusar, pois parece, ela própria, contaminada. O que torna
contraditório o trabalho do juiz clássico, que afirma claramente a
independência do corpo e da alma, restringindo a lesão do estupro apenas à
esfera do corpo, ao passo que sente imediatamente o contrário, diante da
realidade do crime, e tende muitas vezes a não condenar. Raridade das queixas,
raridade das penas, a vítima é encerrada no impudor que desejava denunciar. A
violência sofrida continua sendo uma violência ocultada.
Este
sentimento refere-se à vitimização secundária que faz com que o crime se
perpetue no psicológico da vítima, fato este que torna o exame do corpo de
delito, uma nova consumação/continuação do ilícito, posto que a vítima passa a
rememorá-lo em sua mente, o que intensifica a vergonha por ter sido sujeito
passivo de um crime de natureza sexual.
Isto
conjunto ao fato de que a cultura humana profana, desde o início dos tempos, o
homem como sendo líder, enquanto à mulher incumbe conformar-se com o que ele
lhe designa, cedendo aos seus comandos e servindo aos seus ideais, ideia esta
que é transmitida inclusive pela Bíblia, a qual apregoa a submissão feminina em
Efésios 5.22 a 25, ressaltando sua condição de fragilidade enquanto posiciona o
homem em status de responsável e protetor. Isto é, os braços fortes e mãos
calejadas, forjados nas ferramentas do trabalho diário agora precisam controlar
sua força para não abraçar muito forte ou acariciar de forma que venha a ferir
a mulher – sujeito frágil -, eles desconhecem sua força, elas sabem disso.
Posto
isso, fácil constatar que, quando o delito de abuso sexual se consuma esta
posição milenar se rompe, diante disto, não é apenas o direito à liberdade
sexual que se desfaz, mas também a ideologia aprendida secularmente relacionada
à sua masculinidade, esta ruptura relacionada com a ordem natural das coisas
causa confusão mental no vitimado, porque conforme a cultura aprendida e
disseminada na sociedade: não cabe aos homens serem vistos como vítimas do
delito de estupro.
Conforme
explica a professora de enfermagem da universidade da Colombia, Elizabeth Saweyc
(2011, s/p), o impacto é tão profundo que ocasiona até mesmo uma recusa em
assimilar o abuso por parte dos meninos, ou seja, a força que eles aprenderam a
ter sobre si mesmos e que deveria favorecer, se torna insuficiente até para
protegê-los, o varão, líder ao menos da sua família, agora vê sua dignidade
sangrar sem saber como estancar a ferida.
Ademais,
quando o delito é cometido por uma mulher a sociedade vê o crime como se fosse
a primeira transa de um homem, ignorando o sofrimento psicológico do jovem, que
cala-se incompreendido e atormentado em sua dor, desta forma, vítimas –
vitimado - pela estupradora e também, através da incompreensão de sua família e
amigos, ele vê que tendências para desenvolver doenças psicológicas são
favorecidas, no entanto, sua boca está amordaçada por uma mão invisível que
diz: “agora você já é homem, parabéns”.
Deste
modo, é imperioso que a nuvem da ignorância seja extraída da sociedade para que
seus olhos se abram para esta modalidade de ocorrência delitiva e faça com que
suas almas sejam molhadas por outra coisa que não lágrimas silenciadas, elucidando
a todos quanto ao clamor por amparo que as pessoas do sexo masculino precisam
no que tange ao respeito por sua liberdade e dignidade sexual, para que, então,
todas as vozes sejam ouvidas.
De
outra forma, o pensamento patriarcal atenua o impacto da violência contra a
mulher, dando até mesmo respaldo social para que ela se perpetue, tanto que um
estudo realizado pela IPEA (apud SILVEIRA, 2015, s/p), afirmou que
a violência relacionada à mulher:
a) é visto como aceitável (dentro de alguns limites); b) é naturalizado
como algo pertencente à sociedade e inerente às relações entre homens e
mulheres; c) o agressor tem sua responsabilidade atenuada, seja porque não
estava no exercício pleno da consciência, ou porque é muito pressionado
socialmente, ou porque não consegue controlar seus instintos; d) e a mulher é
vista como responsável pela violência, porque provocou o homem, seja porque não
cumpriu com seus deveres de esposa e de “mãe de família”, seja porque de alguma
forma não se comportou da maneira esperada socialmente.
O
que denota a desigualdade de entendimentos que existe em relação a homens e
mulheres, principalmente no que tange aos temas de ordem criminal sexual, pois
no pensamento patriarcal o homem era considerado como o soberano que precisava
disciplinar sua esposa, tanto que o próprio Código Penal de 1940 evidenciou
este pensamento ao disciplinar que o homem que fosse considerado estuprador de uma
mulher e após isso, restituísse sua honra na sociedade através do casamento,
seria isento de pena, pois o delito era tratado como motivo de desonra
familiar, então a união entre o casal restauraria a integridade quebrada, recuperando
a dignidade social da mulher.
Verifica-se
a aberração jurídica que a letra anterior do código apregoava, pois, além de
ser estuprada, a vítima era condenada a conviver em matrimônio com uma pessoa
que nunca a respeitou e nem a viu como um ser humano, pois se a visse não teria
ofendido sua integridade física, psíquica e dignidade sexual.
Na
contramão disso, fazia da dignidade do homem, letra morta no cemitério
jurídico, pois, em nenhum instante, abria margem para a possibilidade de uma
fraude premeditada e familiar para obrigarem-no ao matrimônio, que conforme
estudos, eram motivados até mesmo para evitar gastos excessivos por parte dele
com festas sociais, esculpindo em sua “lápide que pôs fim a sua vida social” a
obrigação de conviver com uma mulher, estranha e que se encarregava de ter um
filho para garantir o casamento.
As
condições de afloração da sexualidade sempre foram desiguais entre homens e
mulheres, posto que, enquanto eles lideravam suprindo as necessidades
econômicas da família, detinham a capacidade, impulsionada pela sociedade, de
manter relações extraconjugais, inclusive com criadas e execravas, enquanto as
mulheres guardavam em si o ensinamento da proibição e do desvalor social para
tudo que se relacionasse a sua lascívia sexual, sendo, inclusive, culpadas
socialmente pelo ato criminoso de estupro que viessem a sofrer, posto que a
desvalorização da ação acarretava nela a sua desonra social – para isto, havia
uma solução: casamento-, para o homem restava o silêncio e um dedo acusador apontando-o
por entre esquinas.
Nada
obstante, cabe respaldo para o fato de que, no plano jurídico a mulher, também,
era desprestigiada de respaldo suficiente, o que abriu precedentes para o fato
de que o homem que fora obrigado a casar-se, não conseguia psicológico para
obrigar-se a amar. Para Silveira (2015, s/p) a mulher era considerada como um
“objeto de satisfação sexual do homem”, consagrando em seu ser o dever de
fidelidade e da proibição de trabalhar fora do âmbito familiar, diante disto,
conforme Teixeira (apud SILVEIRA, 2015, s/p):
Vivia-se em uma sociedade patriarcal, a mulher era vista como
propriedade do homem, com finalidade apenas de gerar filhos e satisfazer os
desejos e caprichos dos seus maridos. Desta forma, estas passaram a acreditar
que sua existência estaria restrita a reprodução e a sexualidade passiva,
ficando sujeitas às mais variadas formas de violência, físicas e psicológicas,
praticadas pelo marido. Outro fator que contribui para a aceitação desta
submissão e violência por parte das mulheres é o fator da dependência
financeira, uma vez que não era permitido que as mulheres trabalhassem.
Da
mesma forma que não convém fechar os olhos para este fato, também, não é
possível cegar-se para a realidade de um homem estuprado e forçado a
matrimônio, pela família, amigos e uma estranha com quem passa a conviver
maritalmente. No entanto, a fragilidade da mulher fora protegida e aflorada,
ganhando as ruas através de conversinhas de comadre, que nas calçadas ganharam
a roupagem de movimentos feministas, os quais, tem auferido força, fazendo com
que as mulheres procurem inverter a posição de submissão que lhe fora imposta.
Estes movimentos iniciaram-se em meados do século XIX, famoso pelas
mobilizações sociais promovidas pelas mulheres na seara trabalhista, buscando
inovações sociais e legislativas, como elucida Barsted (apud SILVEIRA,
2015, s/p):
[...]
denunciando desigualdades, propondo políticas
públicas, atuando junto ao Poder Legislativo e, também, na interpretação da
lei. Desde meados da década de 70, o movimento feminista brasileiro tem lutado
em defesa da igualdade de direitos entre homens e mulheres, dos ideais de
Direitos Humanos, defendendo a eliminação de todas as formas de discriminação,
tanto nas leis como nas práticas sociais. De fato, a ação organizada do
movimento de mulheres, no processo de elaboração da Constituição Federal de
1988, ensejou a conquista de inúmeros novos direitos e obrigações correlatas do
Estado, tais como o reconhecimento da igualdade na família, o repúdio à
violência doméstica, a igualdade entre filhos, o reconhecimento de direitos
reprodutivos, etc.
Silenciados,
desde os primórdios, através do pensamento patriarcal, os homens sempre foram
vítimas de delitos de ordem sexual, de forma tão intensa quanto as mulheres, porém,
quanto mais machista a sociedade era, maior seria o silêncio da vítima e piores
as represálias que a própria sociedade efetuava contra ele. Outrossim, em 1940,
com a promulgação do Código Penal, a cogitação de a mulher constranger o homem a
ter conjunção carnal seria uma ideia impensável, tanto que os doutrinadores
atuais custam a habituar-se a este entendimento, isto se deve a clandestinidade
que é dada ao crime, em razão do pensamento machista impregnado na sociedade,
que leva o homem a permanecer calado e sofrer sozinho suas dores.
3. ASPECTOS
JURÍDICOS DA VIOLÊNCIA SEXUAL CONTRA O HOMEM
A
proteção jurídica conferida ao homem inicia-se na Constituição Federal,
vertente que oferece base para a existência das demais normas legais. Diante
disto, é sabido que o Estado Democrático de Direito fundamenta sua existência
na dignidade da pessoa humana, a qual compreende a fonte que sacia a sede dos
cidadãos ao fornecer vida ao ordenamento jurídico pátrio, em razão de que
nenhuma norma pode desvincular-se dela sob pena de afronta à Constituição – de
inconstitucionalidade (Art. 1°, inc. III).
Ao
folhear este caderno de leis será possível constatar como objetivos
fundamentais de sua vigência a construção de uma sociedade livre, justa e
solidária (Art. 3°, inc. I), bem como, a promoção do bem de todos,
indistintamente (Art. 3°, inc. IV). Para que isto se consagre, a Carta Magna
petrificou em seu art. 5°, a igualdade indistinta frente à lei, garantindo-se
aos viventes e transeuntes deste país “a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade”, e à segurança, esculpindo expressamente que homens e
mulheres serão igualados em direitos e obrigações, estabelecendo o fato de que
ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo a não ser em virtude de
lei (Art. 5°, inc. I e II).
Pondo
como invioláveis “a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas”
(Art. 5°, inc. X), expressando como direito social a segurança (art. 6°, caput).
Antes disto (CF/88), emergiu o Código Penal ainda em 1940, visando dar tutela
específica aos crimes contra a liberdade e dignidade sexual da pessoa humana,
definindo em seu Título VI os crimes contra a dignidade sexual e Capítulo I, os
crimes contra a liberdade sexual. Consoante, o mesmo apenas sofreu modificações,
no que se reporta ao assunto, no ano de 2009, através de nova redação que vige através
da Lei n° 12.015, e traz respaldo jurídico ao homem como sujeito passivo do
delito de estupro, ne mesma letra de lei em que junta os delitos de estupro e
de atentado violento ao pudor em um só tipo penal.
Nesta
linha de entendimento, o homem desde os primórdios foi vítima de delitos contra
a sua liberdade sexual, como o estupro, por exemplo, no entanto, apenas em 2009
recebeu proteção jurídica contra o crime. Este fato, evidencia o quanto este
tema tem permanecido esquecido entre os estudiosos, e submisso a cultura
impetrada, pois, vê-se impedido de ganhar vida própria pelas ruas das cidades, fazendo
imperar o silêncio atemorizado das vítimas solitárias em suas lutas pessoais.
As quais, ficam omissas sob o status de “impedidas” de buscar recuperar sua
dignidade ferida, pois permanecem estagnados ao invés de levar o crime ao conhecimento
da lei, e apropriar-se de lacunas ofertadas pelo legislador para ensejar na
condena do(a) estuprador(a).
Destaca
Bitencourt (2012, p. 758) que as modificações ocasionadas pela lei referem-se
ao fato de que o capítulo em questão despiu-se de tutelar os costumes e vestiu
uma roupagem atual e condizente com as necessidades evidenciadas socialmente,
abandonando a proteção da moral média da sociedade, onde se resguardava,
simplesmente, os bons costumes[2], para proteger
especificamente a dignidade dos ofendidos, vestindo-se de proteção de cunho
sexual. Aqui protege-se a vítima e o vitimado por ter sido sujeito de um delito
contra sua dignidade sexual e não por possuir um sexo A ou B.
A
nova roupagem trazida pela lei acobertada pela dignidade do ser humano em seu
aspecto sexual, visa a proteger os direitos a ela inerentes, como, por exemplo,
sua liberdade, integridade física, vida e honra e resguardar, em segunda
instância, a moralidade pública sexual, padronizando as condutas dos indivíduos,
de forma a efetuar um resgate de valores, onde o Estado não seja sobrepujado e
o ser humano deixe de ser coisificado por ter seus lábios selados por beijos de
um(a) traidor(a) criminoso(a). O crime passa a ser considerado delito por si
mesmo.
O
bem jurídico protegido é a liberdade sexual do homem e da mulher,
consubstanciada pela faculdade que ambos possuem de escolher livremente seus
parceiros sexuais, que, com base no entender de Bitencourt (2013, p. 47), faz
com que ambos, homem ou mulher, possam recusar ter relações sexuais, inclusive com
seu próprio cônjuge, se assim desejarem. O ditado “quando um não quer, dois não
faz” deixa de ser popular – abandona as ruas - para se tornar legítimo e
adentrar no caderno jurídico.
Protege-se
a liberdade individual, em sua expressão mais elementar,
acobertando com o manto jurídico a intimidade e a privacidade,
que atingem sua plenitude ao abraçarem com o véu jurídico a liberdade
carnal, a qual deve ser respeitada por todos, indistintamente, seja cônjuge
ou não, indiferente de referir-se a um(a) prostituto(a) ou não. Conforme o
autor (2013, p. 48) a liberdade sexual do homem e da mulher refere-se ao:
[...]
reconhecimento do direito de dispor livremente de suas necessidades sexuais ou
voluptuárias, ou seja, a faculdade de comportar-se, no plano sexual, segundo
suas aspirações carnais, sexuais, lascivas e eróticas, governada somente por
sua vontade consciente, tanto sobre a relação em si como em relação
a escolha de parceiros. Em outros termos, reconhece-se que homem e mulher têm
direito de negarem-se a se submeter à prática de ato lascivos ou voluptuosos,
sexuais ou eróticos, que não queiram realizar, opondo-se a qualquer possível
constrangimento contra quem quer que seja, inclusive contra o próprio cônjuge,
namorado(a) ou companheiro(a) (união estável); no exercício desta liberdade
podem, inclusive, escolher o momento, a parceira, o lugar, ou seja, onde,
quando, como e com quem lhe interesse compartilhar seus desejos e necessidades
sexuais. Em síntese, protege-se, acima de tudo, a dignidade sexual
individual, do homem e da mulher, indistintamente, consubstanciada na
liberdade sexual e no direito de escolha.
Ensina
Gonçalves (2012, p. 516) que a livre escolha do parceiro sexual pode ser
violada mediante violência ou grave ameaça, caracterizada no delito de estupro
(art. 213 do CP), ou através de fraude, definido no crime de violação sexual
mediante fraude (art. 215 do CP).
O
delito de estupro caracteriza-se pelo ato de, “constranger alguém, mediante
violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que
com ele se pratique outro ato libidinoso”, o crime consuma-se na ação de
constranger qualquer pessoa, seja homem ou mulher, a praticar o ato contra a sua
vontade, ferindo gravemente os preceitos estabelecidos pela Carta Magna e
demais leis.
Assevera
Bitencourt (2012, p. 761) que o tipo penal do “estupro passou a abranger a
prática de qualquer ato libidinoso, conjunção carnal ou não, ampliando a sua
tutela legal, para abarcar não só a liberdade sexual da mulher, mas também a do
homem”. Para Nucci (2009, p. 874) “constranger significa tolher a liberdade,
forçar ou coagir. Nesse caso, o cerceamento destina-se a obter a conjunção
carnal”.
Na
definição de Capez (2012, p. 57) constranger se refere ao ato
de “forçar, compelir, coagir alguém a: (a) ter conjunção carnal; ou (b) a
praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”, a conjunção
carnal refere-se à cópula vagínica, isto é, a efetiva penetração do
membro masculino viril na vagina (ainda que parcial), enquanto ato
libidinoso caracteriza-se por qualquer outra forma de realização do
ato sexual que não seja a conjunção carnal, refere-se aos coitos anormais, como,
por exemplo, a cópula anal ou oral.
Salienta-se
por coitos anormais o que na prática
ganha amplitude e disseminação social, fazendo de homens, mulheres e crianças
as suas vítimas, porém, a dificuldade em falar sobre o assunto, promove seu
silêncio e a falsa ideia de inexistência.
Diante
disto, o “ato libidinoso é aquele destinado a satisfazer a lascívia, o apetite
sexual. Cuida-se de conceito bastante abrangente, na medida em que compreende
qualquer atitude com conteúdo sexual que tenha por finalidade a satisfação da
libido”.
Neste
delito a vítima pode ser obrigada a ter uma conduta ativa, ao proceder com a
prática de ato libidinoso no agente, como por exemplo, realizar sexo oral, ou
introduzir dedos na vagina, realizar coito anal ou vaginal, apalpar seus seios
e etc., ou a vítima é obrigada a ter uma conduta passiva, deixando que o agente
a possua sexualmente, da forma que lhe convier. Destaca Gonçalves (2012, p.
517) que:
Para
que haja o crime, é desnecessário contato físico entre o autor do crime
e a vítima. Assim, se ele usar de grave ameaça para forçar a vítima a se auto
masturbar ou a introduzir um vibrador na própria vagina, estará configurado o
estupro. Da mesma maneira, se ela for forçada a manter relação com terceiro (o
agente obrigar duas pessoas a fazerem sexo) ou até com animais. O que é
pressuposto do crime, em verdade, é o envolvimento corpóreo da vítima no
ato sexual. Por isso, se ela for simplesmente obrigada a assistir a um ato
sexual envolvendo outras pessoas, o crime é o de constrangimento ilegal (art.
146) ou, se a vítima for menor de 14 anos, o de satisfação da lascívia mediante
presença de criança ou adolescente (art. 218-A). (Grifos da autora).
O
delito de estupro se configura através das elementares de violência ou grave
ameaça, sendo que a primeira modalidade refere-se a “toda forma de agressão ou
emprego de força física para dominar a vítima e viabilizar a conjunção carnal
ou outro ato de libidinagem”, enquanto a segunda diz respeito a “a promessa de
mal injusto e grave, a ser causado na própria vítima do ato sexual ou em
terceiro”, conforme ensina Gonçalves (2012, p. 518).
Outra
modalidade de delito, expressa no código penal contra a liberdade sexual da
vítima, refere-se ao ato de praticar conjunção carnal mediante fraude, cuja
tipificação expressa “ter conjunção carnal ou
praticar outro ato libidinoso com alguém, mediante fraude ou outro meio que
impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima", nesta
espécie delitiva o sujeito ativo, conforme Capez (2012, p. 71) pode ser
qualquer pessoa (homem ou mulher, inclusive homem com homem e mulher com
mulher), salienta-se o fato de que, para a configuração delitiva não interessa
ao direito se a pessoa é virgem ou honesta, pois não se exclui da proteção
jurídica a prostituta, “que embora mercantilize o seu corpo, não perde o
direito de dele dispor quando quiser” (2012, p. 79).
Para Bitencourt (2012, p. 66) o direito visa proteger a liberdade sexual
do sujeito que tem sua vontade viciada em virtude do emprego de fraude pelo
sujeito ativo, esta fraude atua induzindo a vítima a erro em relação ao seu
parceiro sexual. A ação de ter conjunção carnal ou praticar outro ato
libidinoso tem como meio de execução a fraude, a qual compreende “o
engodo, o ardil, o artifício que leva ao engano”, desta forma, “a fraude deve
constituir meio idôneo para enganar o ofendido sobre a identidade
pessoal do agente ou sobre a legitimidade da conjunção carnal ou
do ato libidinoso diverso. Contudo, a fraude não pode
anular a capacidade de entendimento ou mesmo de resistência da vítima,”,
pois neste caso, se configurará o delito de estupro de vulnerável (art. 217-A
do CP).
Para se configurar a fraude a vítima precisa ser
enganada pelo agente, é preciso que a vítima consinta com a prática do ato
mediante erro, “é preciso o emprego de artifícios e estratagemas,
criando uma situação de fato ou uma disposição de circunstâncias que torne
insuperável o erro do ofendido”, como exemplos a doutrina traz a simulação de
casamento pelo agente, a substituição de uma pessoa por outra, hipóteses de
casamento por procuração e etc.
Por outro meio que impeça a livre manifestação da vontade da
vítima, entende-se que esta forma assemelha-se à fraude, por
conter em si a mesma capacidade para ludibriar a vítima, com a condição de que
não inviabilize sua vontade por completo, ocorre, por exemplo, no ato de aproveitar-se
de um estado alcoólico de um homem para fingir ser sua namorada, desde que, ele
não esteja em estado de total incapacidade.
O elemento subjetivo desta modalidade delitiva é o dolo “constituído
pela vontade consciente de ter conjunção carnal com a vítima,
ou praticar outro ato libidinoso, ou de permitir que com ela se pratique,
fraudulentamente, ou seja, com o emprego de fraude ou outro
meio que impeça ou dificulte a sua livre manifestação de vontade”.
Expresso
os aspectos jurídicos atinentes aos delitos é imperioso retratar, ante a
possibilidade de gravidez do sujeito ativo mulher, como poderia o homem, vítima
do delito de estupro do qual resultou a gravidez, proceder com relação à
criança? Possui ele dever jurídico ou moral de assumir a paternidade? O mesmo
encontra respaldo no aborto sentimental? Estes pontos serão retratados no
próximo item.
4. POSSIBILIDADE
DE GRAVIDEZ DA ESTUPRADORA E OS TRANSBORDAMENTOS JURÍDICOS E MORAIS DO ATO
No
que tange a consumação do delito, foi visto até então que a cultura machista
que predomina na sociedade, recusa-se a admitir o homem como vítima do delito
de estupro ou de violação sexual mediante fraude, no entanto, a possibilidade
existe no mundo dos fatos e no mundo jurídico e enquanto a doutrina recusar-se
a apreciar e estudar suas peculiaridades os magistrados não terão oportunidade
de apreciar casos concretos, em razão da vergonha e da negação relacionada com
a matéria – negação social-.
Neste
desenrolar, conforme a seara médica, no que se refere “à asfixia mecânica nas
modalidades de enforcamento e de estrangulamento uma das consequências
apontadas pela área médica é a turgescência peniana ou ereção e, em alguns
casos, a ocorrência de ejaculação” em um fenômeno de reflexo. Neste
entendimento, ensina Gomes (apud MARINO E CABETTE, 2012, p. 273) que,
estes orgasmos podem ser produzidos através do ato de enforcamento, o que tem
incluído a ação em fantasias eróticas, caracterizadas pela constrição
espontânea do pescoço, através de um laço ou das mãos ou outro meio, com a
intenção de proporcionar prazer, e com isso: ereção, contudo, comumente tem
sobrevindo o estado de inconsciência e subsequentemente a morte do vitimado
antes de ter alcançado o prazer pretendido.
Por
meio da “suspensão completa, devido à perda de tonicidade e eventual repleção
das vesículas seminais, poderá ocorrer, a ejaculação post mortem e
ingurgitamento hipostático dos corpos cavernosos penianos”. O curioso
neste iter criminis é que, de acordo com Marino e Cabette
(2012, p. 274):
[...]
no caso de morte da vítima, poderá caracterizar o estupro com resultado morte
(art. 213, § 2º, do Código Penal) ou, ainda o crime de estupro em concurso
formal com o crime de vilipêndio a cadáver (arts. 213, 212 e 70, todos do
Código Penal), se o agente sabia que a vítima estava morta e agiu com o
propósito de aviltar o cadáver ou suas cinzas.
Estes
fatos coadunados com o acréscimo de medicamentos de disfunção erétil podem
facilitar com que a mulher atue como sujeito ativo no delito de estupro, ao
produzir no homem uma ereção reflexa[3] ou psicogênica[4]. O fato é que hipóteses
não faltam para caracterizar o estupro e diante dele a possibilidade de a
vítima engravidar a estupradora, principalmente se a gravidez era pretendida
pela agente antes mesmo de planejar a consumação do delito, isto justifica a
necessidade de abertura doutrinária atinente a matéria, de maneira o oferecer
respaldo jurídico suficiente para que o vitimado possa proteger-se legalmente.
Importa
salientar que estas modalidades delitivas encontram-se esculpidas no Código
Penal, não havendo como negar sua ocorrência no plano prático, ademais conforme
o site da Secretaria de Segurança Pública do Estado de Santa Catarina a média
de cada trimestre do ano de 2014 relacionados a estupros ocorridos em seu solo
é de 800 (figura 1), destes não há como precisar quais se referem a homens ou
não, porém, pesquisas jurisprudenciais apontam que não há nenhum delito de
violência sexual em que a mulher atua como sujeito ativo contra um homem, o que
não afasta a sua possibilidade de ocorrência, apenas evidencia que o pensamento
machista imperioso na sociedade encerra por calar as vítimas masculinas,
fazendo com que sua dor ecoe somente em suas mentes.
1-
1º Trimestre: 982
2
- 2º Trimestre: 774
3
- 3º Trimestre: 831
4
- 4º Trimestre: 753
Figura 1 –
Estupros relacionados ao ano de 2014. Fonte: Secretaria
de Segurança Pública do Estado de Santa Catarina.
O
problema da questão é que o site da SSP de SC sentenciou que no ano de 2015, a
média trimestral de estupro permaneceu igual ao do ano de 2014, fazendo da casa
dos 800 o seu domicílio (figura 2), instante em que novamente as vítimas não
estavam caracterizadas, estando, então, incluídos neste número, homens e
mulheres, fato este que contribui para com a doutrina silenciosa atual.
No
entanto, esta descaracterização da vítima facilita ao homem o registro da ocorrência
do delito sofrido, e com isto, promove a doutrina a possibilidade de abrir
vistas a estas modalidades delitivas, oferecendo parecer para o estudo desta
prática delituosa e permitindo que o judiciário possa atuar através da
aplicação da lei em casos práticos, contribuindo para a inibição desta conduta
ilegal e para a expansão do véu protetivo da dignidade da pessoa humana,
também, ao homem de modo a proteger a sua dignidade e liberdade sexual.
1
- 1º Trimestre: 937
2
- 2º Trimestre: 690
3
- 3º Trimestre: 751
4
- 4º Trimestre: 696
Figura 2 –
estupros relacionados ao ano de 2015. Fonte: Secretaria
de Segurança Pública do Estado de Santa Catarina.
Ocorre
que sendo a mulher o sujeito ativo do delito de estupro, a probabilidade de que
a mesma venha a engravidar no ato ilícito aumenta, visto que será ela quem
estará dominando a ação, e muitas vezes a mesma atua nesta modalidade de
ilicitude em razão de querer engravidar do sujeito passivo, por ambição, por
exemplo, diante disto, prevê o Código Penal no art. 234-A, inc. III, que se do
crime resultar gravidez a pena será aumentada em metade.
Ademais,
não paira dúvida sobre a aplicabilidade do dispositivo, quando a mulher for
estupradora, pois a mesma deverá ser sancionada por todas as condutas ilícitas
que venha a praticar, não sendo correto que o homem além de ter sido vítima de
um delito, tenha que vir a arcar com o sustento de um possível filho
proveniente do ato.
A
problemática circunda o fato de o homem não ficar sabendo da gravidez no
período da gestação, o que impossibilitaria ao mesmo adentrar na esfera
jurisdicional pretendendo a sentenciação da prática de um aborto humanitário ou
sentimental, tutelado pelo art. 128, inc. II do CP. Situação na qual, a justiça
brasileira torna impunível o aborto praticado pelo médico nos casos
provenientes de estupro.
Porém,
sendo, a vítima procurada pela estupradora, somente após o nascimento da
criança sob a pretensão de alcançar direitos na esfera cível (esfera
patrimonial/dinheiro, ocasionando problemas
de sucessão hereditária, pensão alimentícia, gastos com a criação de um filho,
alimentos gravídicos), visando tutela e resguarda de um filho fruto de
um crime, o delito transcende a prática do ato para adentrar na seara
sentimental (psicológica), devido ao fato de o vitimado tomar conhecimento de
que, além de ter sido vítima de um delito desta natureza, será obrigado a
conviver com o resultado disso através de um outro rosto, que cospe inocência contra
a sua cara.
Imagine que uma mulher acaricie e seduza um menor de treze anos para com
ele praticar conjunção carnal, visando exatamente a gravidez para locupletar-se
com a maternidade de um herdeiro abastado e dos recursos provenientes de uma
robusta pensão alimentícia, considerando o extenso patrimônio da família do
menor. E se assim não for, mesmo que a gravidez se constitua em algo não
desejado para a autora do estupro (seja do vulnerável ou de qualquer outra
situação não mencionada neste trabalho, mas passível de ocorrência), isso não
exclui sua responsabilidade pela conduta e seus resultados na medida em que
atingem mais intensamente a vítima, que deverá arcar com os deveres advindos da
paternidade. (Costa, 2014, s/p).[5]
Da
conduta ilícita da mulher resultará inúmeros danos, tanto para o menor, quanto
para a sua família. O resultado de um delito, detentor de direitos possui
capacidade o bastante para anular os direitos do vitimado pelo estupro? Para o
doutrinador Nucci (apud SANTOS, 2014, s/p) o aborto humanitário
somente é lícito em razão de que o ato de estupro ofende demasiadamente a
mulher, e o fato de a mesma ter que gerar um filho em seu ventre proveniente do
delito ofenderia sua dignidade, ocasionando profundos abalos psicológicos,
entendimento este que resultou na excludente de ilicitude do art. 128, inc. II
do CP.
Portanto,
não sendo o homem o gestante não haveria motivos para que o mesmo sentisse sua
dignidade ofendida, o que afastaria a aplicabilidade deste dispositivo tornando
o ato do aborto um ilícito, e deixando para a mulher todas as responsabilidades
pelo transbordamento do ato criminoso, afastando, desta forma, a necessidade de
o homem cooperar financeira ou sentimentalmente com relação à agressora e a
criança, resultante da agressão. Esta possibilidade, se mostra legítima e digna
com relação ao vitimado, de maneira a não abandoná-lo as margens da lei,
destituindo-o de sua dignidade.
Para
Nucci e Santos (2014, s/p), o pedido, por parte do vitimado, do abortamento da
gestante não se enquadra dentro dos limites da lei, e seria considerado
inconstitucional em razão do direito à inviolabilidade da integridade corporal
da gestante. Fato este, afastado por este estudo, vez que, aqui busca-se
proteger a vítima, no caso, o sujeito masculino vítima e não resguardar os direitos de um ser, que da mesma maneira
que não possui culpa, também não possui consciência de ser fruto de um delito
que resulte em danos ao vitimado. Busca-se um entender humanitário e não um
batom masculino maquiado nos lábios de um sujeito estuprado, através de uma
cultura milenar: calando-o.
Salienta-se o fato de que, mesmo não carregando
em sua barriga o fruto de um delito, o vitimado o levaria em sua mente, o que
garante a ele o mesmo teor de participação, participação na gravidez, e sendo
esta, o resultado de um ilícito ofenderia a sua dignidade da mesma forma que
ofende a da mulher vitimada pelo delito, quando ela é a vítima do crime. Não
cabe ao judiciário ou legislador esta visão fragilizada e fragmentada de que a
mulher é vítima e o homem é o abusador.
Entendimentos
a parte, o fato é que não seria nem ao menos lógico que um homem fosse
condenado a prover com o sustento de uma criança proveniente de um estupro,
pois este fato seria visto como uma espécie de condenação a ele por ter sido
vitimado por um delito desta espécie e o direito deve se organizar conforme as
necessidades sociais, afinal as leis apenas existem para facilitar e proteger
as relações das pessoas.
Entrosamento
ao qual se coaduna Alexy (2009, 4), pois para uma norma compreender o direito a
mesma deve deter em si duas características a “da legalidade conforme
o ordenamento ou dotada de autoridade e o da eficácia social”, e
uma norma para ser válida precisa ser justa, e para isto os magistrados
precisam estar atentos, pois “o legislador também pode estabelecer a
injustiça”, pois sempre que uma norma contrariar dispositivos fundamentais ela
estará eivada de vícios, devendo então ter sua aplicabilidade afastada pelo
juiz.
[...]
embora, em geral, lei e direito coincidam facticamente, isso não acontece de
maneira consciente nem necessária. O direito não é idêntico a totalidade de
leis escritas. Quanto às disposições positivas do poder estatal, pode existir,
sob certas circunstâncias, uma excedência de direito, que tem sua fonte no
ordenamento jurídico constitucional como um conjunto de sentido e é capaz de
operar como corretivo em relação à lei escrita; encontrar essa excedência de
direito e concretizá-la é tarefa da jurisprudência. (ALEXY, 2009, 10).
Havendo
um excesso na lei, urge o imperativo de sanar este excesso e praticar a justiça
social, protegendo a vítima por ter sido sujeito passivo de um delito e não por
possuir um sexo masculino e por isso, ser numerado com uma tarja que o promova
ao eterno status de sujeito culpado (por possuir a força, o dinheiro, a beleza,
ou outro atributo que inspire a fêmea).
Salienta
Bedin[6] (2012, s/p) que é
a capacidade que a pessoa possui de sentir compaixão que faz dela um ser
humano, quando uma pessoa abandona seus sentimentos, ela, automaticamente,
encontra-se desprovida de razão para existir, para o estudioso é “a figura da
divindade, associada ao amor e a compaixão incondicional” que consubstanciam o
sentido figurativo da democracia, para o autor (2012, s/p), a mesma compreende
“a liberdade de associação, de expressão, sem privilégios de classe, sem
distinções e preconceitos. É justiça sem justiçamento. É tratar diferente os
desiguais. É punir os culpados e absolver os não culpados, já que quem comete
crime não é inocente”.
Bedin
(2012, s/p) é oficial de Polícia Militar a mais de trinta anos, e em todo o
tempo em que tem trabalhado a frente da corporação militar pôde constatar que é
possível a um funcionário público usar da capacidade que o Estado lhe empresta
para transformar o seu entorno, modificando para melhor sua circunscrição de
trabalho, para o mesmo é presumível que um funcionário ao desempenhar o seu
trabalho aja mecanicamente, laborando todos os dias da mesma forma, o que faz
desta pessoa, um trabalhador descartável, pois não inova e nem pensa diferente,
agindo como uma máquina. Porém, quando um funcionário público reflete seu agir,
analisa seu ambiente, e inova em suas atitudes ele passa a ser um ser humano,
conseguindo, com isto, modificar a sua volta, como dizia Montesquie “juízes não
sois máquinas, homens é o sois”.
Concordante,
Alexy (2009, p. 15) quando define que o direito e a moral andam de mãos dadas.
Em seu trabalho o autor indaga sobre qual seria o conceito de direito correto e
adequado, aquele em que o mesmo mune-se da moral ou aquele dissociado desta?
“Quem pretende responder a essa pergunta deve relacionar três elementos: o
da legalidade conforme o ordenamento, o da eficácia
social e o da correção material”. Conforme a medida
relacionada entre esses três elementos, surgirão conceitos diferenciados.
O
fato é que para uma norma possuir aplicabilidade em seu aspecto externo a mesma
precisará regular algo e aplicar uma punição para quem desrespeitá-la como meio
de coagir ao seu respeito, obtendo, mesmo que forçadamente o acatamento de sua
regularidade; já no aspecto interno ela precisará conter uma motivação de
observância ou aplicação, contendo em si, disposições psíquicas que motivem os
homens a respeitá-la, pois o direito compreende unicamente o que a comunidade
de homens “reconhecem reciprocamente como norma e regra dessa convivência”,
como salienta Alexy (2009, p. 18/19).
O
direito embasa em si uma estrutura de um sistema social que se fundamenta “na
generalização congruente de expectativas de comportamento”, assim, “um comando
é definido pelo fato de ser reforçado por sanções”, mas nem todo comando é
direito, somente é direito, aquele instituído por uma força superior, e
legalizada, como a exemplo do legislativo. Neste entender, existe o comando não estupre, porém, não parece existir o
direito não estupre o homem, pelo
menos não no aspecto que o vê como vítima de uma mulher. Ademais, conforme
Alexy (2009, p 29):
Como
sistema de procedimentos, o sistema jurídico é um sistema de ações
baseadas em regras e direcionadas por regras, por meio das quais as normas são
promulgadas, fundamentadas, interpretadas, aplicadas e impostas. Como
sistema normativo, o sistema jurídico é um sistema de resultados ou
de produtos de procedimentos que, de alguma maneira, criam normas. Pode-se
dizer que aquele que considera o sistema jurídico um sistema normativo
refere-se ao seu aspecto externo. Em contrapartida, trata-se do aspecto interno
quando o sistema jurídico é considerado um sistema de procedimentos.
Desta
forma, o direito visando a atingir resultados concretos emana direcionamentos,
para que o magistrado percorra, como meio de auferir estes efeitos nas
casuísticas em espécie, por isto, o mesmo não compreende somente a totalidade
das leis escritas, pois ele embasa, também, os entendimentos dos magistrados
consubstanciados em jurisprudências e o entendimento de doutrinadores
encontrados em livros, pois a sentença compreende um ato maior do que o de
dizer a lei ao caso concreto, pois se assim o fosse, até mesmo uma máquina
seria apta a sentenciar.
O
sistema normativo descreve o direito em linhas escritas num papel, já em seu
aspecto interno estas linhas para ganharem a vida prática precisam percorrer um
caminho de procedimentos. A lei não se torna efetiva sem o procedimento
adequado. No entanto, ambas, leis e procedimentos se tornam nulos caso não
aufiram o resultado para o qual foram criadas, qual seja, o de criminalizar o
delito de estupro, indiferente de, contra quem ou de que forma tenha sido
efetuado.
Conforme
Bedin (2012, s/p), o ato de ser funcionário público emprega a ação de entender,
refletir e racionalizar sobre a função que o Estado lhe entrega, assim sentenciar
é proceder com uma análise sobre o caso que está sob seu julgamento, refletir e
racionalizar sobre os resultados que sua sentença produzirá no mundo prático, é
analisar sob a luz que a Constituição emana, visando à materialização dos
direitos humanos fundamentais consolidados em suas linhas.
Pelo
entendimento unificado na Carta Magna será possível verificar que não existe
direito absoluto, nem mesmo o direito à vida é. Afinal, no instante em que a
legislação é feita por seres humanos, é natural que a mesma não seja investida
de perfeição, e por isto, “não poderia prever todas as situações passíveis de
ocorrência”, deste modo, de acordo com Costa (2014, s/p) deve o direito:
[...] permitir a relativização de alguns direitos em detrimento de
outros, pois existem circunstâncias que tornam desproporcionais e desarrazoadas
as aplicações de certas garantias legais, quando se tratar de um caso peculiar,
analisado concretamente. Desse modo, obedecendo a uma análise principiológica,
bem como dos conceitos substanciais que guiam o atual ordenamento jurídico
pátrio, bem como sabendo-se que sempre há a possibilidade de não ser um
dispositivo legal a melhor solução para uma situação real previamente
positivada, é sensato o afastamento da imposição conjecturada por lei.
Diante
disto, resta à possibilidade de relativização do direito a paternidade nos
casos em que a gravidez resulte de violação sexual, sob o manto protetor
proveniente dos direitos humanos fundamentais irradiantes da Carta Magna,
instante em que o suporte desta teoria corporifica-se na dignidade da pessoa
humana, princípio que dá suporte a “supremacia da proteção do ser humano”. Do
exposto Costa (2014, s/p) define que:
A dignidade da pessoa humana supera a condição de princípio e figura
como valor do indivíduo, como núcleo exegético do ordenamento jurídico, devendo
ser observado como orientador de todos os feitos relacionados à pessoa humana.
Fala-se também em caráter absoluto da dignidade da pessoa humana, pois não
haveria circunstância ou direito que pudesse tirar a sua prioridade,
especialmente pelo fato de tal principio ser um fundamento da República
Federativa do Brasil, apontado no primeiro artigo da Constituição Federal.
Desse modo, o fundamento aludido será sempre o guia basilar do Direito, sendo
imprescindível na argumentação para relativização de certo direito em
detrimento de outro, como é o caso em exame.
A
dignidade humana abre a Constituição, dá início a ela, por este motivo e devido
a sua relevância social ela não pode ser afastada com base em uma visão
machista e cultural instaurada na sociedade, - um homem não se torna mulher por
ter sido estuprado e não se torna pai por, através de um estupro, ter ejaculado
um esperma capaz de gerar uma outra vida-, uma vítima é vitimada em um delito
por se enquadrar no rol delitivo expresso no tipo penal e não por ter um sexo
ou outro. Ele é vítima porque um crime foi cometido contra ele.
Um
dos princípios constitucionais que caminha entrelaçado ao da dignidade da
pessoa humana é o da justiça e da igualdade, os mesmos, permitem ao magistrado,
tratar de forma desigual os desiguais no limite de suas desigualdades, de
maneira a equilibrar as diferenças, os quais coadunados aos princípios da
razoabilidade e da proporcionalidade unificam a junção entre humanidade e
legalidade nas decisões dos magistrados. Desta forma frente a uma colisão entre
os direitos do homem, vítima do estupro, e da mulher, sujeito ativo do delito e
da criança, resultado deste crime, resulta a possibilidade de relativização dos
direitos de paternidade em todos os âmbitos (sentimentais, jurídicos, morais e
patrimoniais).
Assim
como nos casos de doação de esperma o homem não cria vínculos com a mãe ou a
criança, também, nos casos de um delito de ordem sexual este vínculo não deve
ser exigido, posto que a imposição da paternidade à vítima do crime vai de
encontro ao princípio da dignidade, chocando-se frontalmente com a igualdade e
a justiça, pois compelir o ofendido à submissão dos efeitos desta gestação é
favorecer a perpetuação desta modalidade delitiva, além de que, conforme Costa
(2014, s/p) “ignorar a invasão à honra do ser
humano ao conduzi-lo por uma relação não sadia com o gerado é desvalorizar a
imagem do homem como sujeito de direitos”, conforme o autor:
A vontade procriacional diz respeito à intenção de gerar um filho por
meio da relação sexual, quando um casal decide por aumentar a família e criar
uma nova vida. Quando, por exemplo, uma mulher engravida sem planejamento,
apesar de não ser a intenção inicial, é sabido que tal ato é capaz de ocasionar
a gestação. Não é o caso em análise. A vontade procriacional inequívoca
encontra-se ausente nesse fato específico, pois a vítima não desejou a gestação
nem tampouco assumiu o seu risco ao proceder à prática sexual mediante
violência ou grave ameaça. O homem, além de vítima da invasão sexual que ofende
o bem jurídico da dignidade sexual, tutelado pelo Código Penal, terá que arcar
com as consequências civis do ilícito, que não previu ou assentiu, resultando
essas circunstâncias em relevante desrespeito às garantias constitucionais da
dignidade humana e razoabilidade.
De
acordo com a razoabilidade é sensata a ideia de relativizar o direito à
paternidade, permitindo a vítima que escolha entre assumir o filho ou não,
posto que, se no caso inverso a dignidade da mulher é imposta, não se vê
justiça se este direito for extraído do homem. Adiante, o deslinde apontado não
se mostra incompatível com os direitos do nascituro, pois o mesmo não teria sua
vida ceifada, como no caso inverso, somente teria o bem jurídico relacionado
com a filiação relativizado, de maneira a resguardar a dignidade do ofendido,
pois forçar uma relação entre o ofendido e o fruto de um crime, não se
apresenta compatível com os preceitos constitucionais irradiados da norma maior
brasileira. Este também é o entendimento de Damásio de Jesus e Smanio (apud COSTA,
2014, s/p):
Muito embora, em nosso sistema jurídico, a vida seja protegida desde o
momento da concepção, excepciona-se a proibição de matar em prol de uma
limitação humana em lidar com um fato indelével e que ocasiona, na maioria das
vezes, transtornos psicológicos difíceis de superar. Partindo dessa premissa,
se a vítima do estupro é o homem, pode não ser de sua vontade que a mulher
criminosa dê à luz um filho seu. Apesar de não ser ele a pessoa a suportar os
reflexos físicos da gravidez, a paternidade implica uma série de obrigações de
ordem jurídica, ética, moral e até mesmo financeira, para não falar de outras.
Nessa ótica, poder-se-ia cogitar de uma mulher que dolosamente realiza a
conduta criminosa, intencionando engravidar para obter um vínculo com o homem
e, ainda, uma pensão futura para o filho comum ou até mesmo para chantagear
alguém de ótimas condições financeiras.
Pelo
exposto conclui ser coerente a relativização do direito à paternidade em
relação ao explanado das normas constitucionais, nos casos em que haja gravidez
da delituosa, em razão da ausência da vontade de participar por parte da vítima
(o homem genitor), sendo a ideia coerente com os princípios da Carta Magna,
consubstanciados na dignidade da pessoa humana, na igualdade e na justiça e com
relação à proporcionalidade e razoabilidade das decisões magistrais.
5. DEFINIÇÕES
CONCLUSIVAS
Este
estudo teve por interesse analisar a possibilidade de relativização do direito
à paternidade, ou da legalidade da prática do aborto humanitário quando a
gravidez resulte de violação sexual mediante fraude ou estupro praticada por
mulher contra homem.
No
primeiro momento foi efetuada uma análise do entendimento social relacionado à
matéria, transferindo a este estudo os aspectos morais e culturais relacionados
ao delito.
Em
seguida foi procedido com um exame aos aspectos jurídicos atinentes ao crime,
efetuando um estudo desde os preceitos constitucionais até infraconstitucionais
de maneira a robustecer o entendimento do leitor sobre o tema.
Por
fim, foi juntado o entendimento social, com o legal e o doutrinário de onde se
extraiu que não apenas é possível a relativização do direito à paternidade,
como, também é viável visto que a vontade da vítima encontra-se eivada de vício
no instante em que a mulher engravidar através de um crime e não seria justo,
que o homem arcasse com todas as consequências de uma gravidez quando a mesma
resultou de um delito, sendo até mesmo uma afronta aos princípios da isonomia e
da dignidade da pessoa humana se isto ocorresse.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
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direito. Organização Ernesto Garzon Valdes [et al]. ; Tradução Gercelia
Batista de Oliveira Mendes. – São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009.
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BEDIN, Edivar. Democracia. Justiça sem
Justiçamento!. Extraído do site Edivar Bedin. Disponível em: http://www.edivar.com.br/?p=319.
Acesso em 19.08.2021.
Bitencourt, Cezar Roberto. Código penal
comentado. — 7. ed. — São Paulo: Saraiva, 2012.
______. Tratado de Direito Penal, 4:
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VIGARELLO, Georges. História do estupro:
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[1] Extraído
do site Hype Science: Vítimas de abuso sexual do sexo masculino têm mais
dificuldade de lidar com o trauma.
[2] O
vocábulo costumes é aí empregado para significar (sentido restritivo) os
hábitos da vida sexual aprovados pela moral prática, ou, o que vale o mesmo, a
conduta sexual adaptada à conveniência e disciplina sociais. O que a lei penal
se propõe a tutelar, in subjecta matéria, é o interesse jurídico
concernente a preservação do mínimo ético reclamado pela
experiência sexual em torno dos fatos sexuais. GRECO, Rogério. Curso de Direito
Penal: parte especial, volume III. 6ª ed. – Niteroi: Rio de Janeiro: Impetus,
2009, Pág. 462.
[3]Ereção
reflexa: é induzida pelo estímulo tátil nos órgãos genitais; (...) os impulsos
seguem pelo nervo pudendo até atingir o centro sacral da ereção. Há ativação
dos núcleos parassimpáticos e através dos nervos cavernosos é obtida a ereção.
(UTIDA et al., 2004, p.150).
[4]Ereção
psicogênica: (...) é o resultado de estímulos audiovisuais ou imaginativos
e encontra- -se na dependência da modulação dos centros eretores medulares
(T11-L2 e S2-S4). Para que seja ativado o processo da ereção, os impulsos
cerebrais são transmitidos através das vias simpáticas (inibição da liberação
de norepinefrina), parassimpáticas (liberação de óxido nítrico e acetilcolina)
e somáticas (liberação de acetilcolina). (UTIDA et al., 2004, p.150).
[5]Estupro
de vulnerável: Art. 217-A do CP. Ter conjunção carnal ou
praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos: Pena -
reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos. § 1o
Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com
alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário
discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode
oferecer resistência. § 3o Se da conduta resulta lesão
corporal de natureza grave: Pena - reclusão, de 10 (dez) a 20 (vinte)
anos. § 4o Se da conduta resulta morte: Pena -
reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.
[6] Coronel
da 4ª Região de Polícia Militar, no município de Chapecó, estado de Santa
Catarina.