A RECONSTRUÇÃO DO DIREITO AMBIENTAL SOB A PERSPECTIVA DE UM CONTRATO NATURAL ENTRE O HOMEM E A NATUREZA
Aline Oliveira Mendes
de Medeiros Franceschina*
Introdução
O respectivo manuscrito tenciona de forma geral analisar
o posicio- namento do meio ambiente
na contemporaneidade, ou seja, a
ineficácia das prerrogativas relacionadas ao mesmo na ordem prática,
bem como mais especificamente, o próprio pretende
abordar a teoria
da elaboração de um contrato natural entre o homem e o
meio ambiente, originada por Michel
Serres, como condição de salvaguardar e concretizar este bem cons- titucionalmente previsto, em decorrência
da relação de dependência que integra
a subsistência do indivíduo ao meio ambiente, tornando, por tanto, necessário e imprescindível a
correspondência sadia e equilibrada entre o sujeito
e a natureza.
De toda esta questão emerge no núcleo social a maior problemática con- cernente a este tema, definida como sustentabilidade, ou seja, o ser huma- no encontra-se incerto no que tange ao método de como proceder de ma- neira a garantir sua sobrevivência e ao mesmo tempo sustentar-se. Ocorre que como tudo ao entorno do homem compreende-se como meio ambien- te, torna-se impossível uma visão global da temática, reconduzindo para tanto, a uma percepção fragmentada da realidade vigente, perspectiva a qual mostra-se favorável ao mesmo como forma de demonstrar as frontei- ras humanas naturais, que se circunscrevem ao homem, e aos quais in- cumbe ultrapassar, estimulados através do objetivo da sobrevivência plane- tária.
Basta um olhar mais perspicaz com relação ao meio
ambiente para se tornar evidente a crise na qual o mesmo se encontra
verificável em fatos como os avanços
frequentes na tecnologia, a crise consumista à qual a so- ciedade sucumbe, o fortalecimento do
aquecimento global, assim como do efeito
estufa, vista também por meio do desmatamento e noutras diversas formas de depredação dos recursos
naturais, neste sentido, cita-se Milaré (2011),
o qual expressa-se através de um apontamento levantado por Al Go- re, no
sentido de que:
A ameaça mais perigosa ao
meio ambiente de nosso planeta talvez não
seja representada pelas ameaças estratégicas propriamente ditas, mas
por nossa percepção dessas ameaças, pois a maioria ainda não aceita o fato de que a crise que
enfrentamos é extremamente grave. (grifos no original).
Ciente da complexidade desta crise ambiental é que visa o
respecti- vo manuscrito abordar a
redefinição da perspectiva social com relação ao meio ambiente, de maneira a incluir tal relacionamento como um
contrato natural estabelecido para o
homem ao nascer neste meio, ou seja, um con-
trato nato ao mesmo, em similaridade com o contrato
social, disposto por
J.
J. Rousseau (2012), questão a qual somente será abordada de maneira precisa no item 5 do referido artigo, visto
que antes, necessitará percorrer uma
trajetória de entendimentos iniciada por meio do ponto concernente ao direito ao meio ambiente de forma
extensiva ao direito à vida, expresso através do próximo tópico, em função da
subordinação que a vida humana naturalmente
sujeita ao meio ambiente.
Direito ao Meio Ambiente
como Forma Extensiva
ao Direito à Vida
Conforme expressa Milaré
(2011), não há possibilidade de precisar em que ponto se encontra a história da humanidade e do planeta
Terra, visto que no que refere-se a
esta pauta, apenas constam informações re- trospectivas
acerca do itinerário percorrido, no entanto vislumbra-se um futuro incerto, com bases em simples
hipóteses, posto que não há ciência capaz
de oferecer resposta segura. Em suas palavras, o mesmo dispõe “esta não é uma questão teórica e abstrata: ela
é real, concreta e prática, porque nos
interessa saber do nosso destino coletivo e do nosso dia a dia já em curto prazo”. A única certeza que se
possui é que os ecossistemas demoram milhões
de anos para se desenvolver, sendo alterados em instantes através da imposição
do homem, desta forma dispõe Milaré (2011):
Num prazo muito curto
– e que se torna sempre mais curto – são di-
lapidados os patrimônios formados lentamente no decorrer dos tempos geológicos e biológicos, cujos
processos não voltarão
mais. Os recursos consumidos
e esgotados não se recriarão. O desequilí- brio
acentua-se a cada dia que passa.
E assim chegamos ao
estado atual, em que nossas ações chocam-se contra
nossos deveres e direitos, comprometendo nosso próprio des- tino. O renomado historiador H.G. Wells
registrou: “A história hu- mana é
cada vez mais uma corrida entre a educação e o desastre”. Este é o paradoxo existente nas relações
do homem com a Terra. As raízes da
Questão Ambiental ficam expostas e interpelam a respon- sabilidade dos seres humanos, que é inequívoca e intransferível.
Desta feita, o complexo deste teorema encontra-se no fato
de que a sociedade em busca de sanar
suas necessidades ilimitadas, demandam os bens
da natureza, cujos quais são limitados, é neste contexto que encontra- se a causa dos maiores problemas acerca
do assunto. Destarte, pioneira- mente
através da conferência de Estocolmo, o meio ambiente de qualidade se ascendeu como um direito fundamental
intergeracional, de caráter cole- tivo,
amparando a toda humanidade, em conformidade com Varela (1998), objetivando intrinsecamente garantir o direito à vida.
Neste sentido, a Constituição Federal, além de elencar o
direito ao meio ambiente em suas
cláusulas pétreas, o apregoa em vários outros dis- positivos de seu núcleo, dentre os quais, destaca-se o art. 225,
categorizan- do-o, como bem de uso
comum do povo, vinculado a sadia qualidade de
vida do ser humano. Denotando certa equiparação ao direito à vida da
pes- soa humana, justificável
através do posicionamento constitucional atribuí- do ao bem em destaque, disposto em seu âmago como direito
fundamen- tal, bem como pelo
princípio constitucional da dignidade da pessoa huma- na, posto que, não basta um simples viver, em expressão da Carta
Máxima, mister se faz, viver com
dignidade.
Em encadeamento, o direito à vida, também possui
expressão na norma ambiental, sendo
interpretado de forma extensiva, em virtude de
que, emerge a imprescindibilidade de garantir a sadia qualidade de vida
de todas as formas de existência
humana, neste sentido se posiciona Machado (2002),
para quem, “não basta viver ou consagrar a vida. É justo buscar e conseguir
a qualidade de vida”.
Por conseguinte, dispõe Silva (2000) em citação a Gotor,
para o qual, a sociedade depara-se
“com uma nova projeção do direito à vida, pois neste há de incluir-se
a manutenção daquelas
condições ambientais que são su-
portes da própria vida, e o ordenamento jurídico,
ao qual compete tutelar o interesse público”, encontra-se
encarregado de responder de maneira co- erente
e eficaz a esta necessidade social então avistada, cuja qual aflora da busca social por uma nova
forma e padrão de vida.
Salienta-se, no entanto, que a efetividade da proteção
ambiental a- penas se mostra concreta
através da conjugação entre a coletividade e o
Poder Público, em analogia com Silva (2000) para quem, a proteção ambi- ental abarca não apenas a proteção da
natureza, mas de todos os elemen- tos
substanciais à vida humana e à
conservação da harmonia ecológica, com o objetivo de garantir a qualidade do
meio ambiente, em incumbência da qualidade de vida, como garantia fundamental da pessoa humana.
Destarte, a qualidade do meio ambiente, mais que
referencial da qualidade de vida,
presta-se a corresponder o controle ambiental relacio- nado às agressões sofridas, de forma que, considerando estes
dois bens como interligados,
coaduna-se a idéia de que as políticas relacionadas a es- tes dois recursos também devem estar
contíguos, de maneira a se comple- mentarem,
visto que se torna impossível haver qualidade de vida, ou até mesmo a própria existência da mesma, sem
que haja um meio ambiente sadio ao dispor e cuidado da sociedade.
Findo a conjectura do meio ambiente como suporte basilar
da qua- lidade e da própria
existência senão da vida, mas da qualidade da mesma, passar-se-á a transcorrer acerca da construção de um Estado Constitucio- nal Ambiental, isto é, a edificação efetiva das garantias constitucionais no que reporta ao direito ao meio ambiente,
em concretização do princípio constitucional
da dignidade da pessoa humana, expresso por meio do tópi- co a
seguir elaborado.
Construção de um estado
constitucional ambiental (crise contemporânea)
Acerca deste assunto, Milaré (2011), dispõe que a
Constituição, como lei fundamental,
incumbe-se de traçar conteúdos, rumos e também os li- mites da ordem jurídica vigente. “A inserção do meio ambiente em
seu tex- to, como realidade natural
e, ao mesmo tempo, social, deixa manifesto por
parte do constituinte o escopo de tratar o assunto como res maximi mo- menti”, ou seja, cabe a mesma ressaltar a importância da
matéria para a so- ciedade em geral.
Neste sentido, a exemplo de nossas Constituições anteri- ores, as Constituições antecedentes ao ano de 1972, momento em
que ocor- reu a Conferência de Estocolmo, a exemplo das Cartas “como a norte-
americana, a francesa e a italiana”, não dispuseram de norma expressa acerca
da temática, no entanto, como o meio ambiente constitui bem maior con- cerne à proteção da vida e em consequência
da saúde humana, os mesmos promulgaram a proteção da matéria através de leis e regulamentos.
Disso decorre o princípio basilar da tutela ambiental,
isto é, “a saúde humana, tendo como
pressuposto, explícito ou implícito, a saúde ambien- tal”. Ocorre, porém, como salientado, que nas Cartas Constitucionais
con- temporâneas, como a brasileira,
a portuguesa ou a espanhola, o assunto em pauta,
vem declaradamente expresso, ainda que de maneira vinculada à saúde humana, porém com “identidade
própria”, de cunho abrangente e compreensivo,
desta feita, Milaré (2011) destaca que, “o meio ambiente dei- xa de ser considerado um bem jurídico per accidens (...) e é elevado a uma categoria de bem jurídico per se, (...), dotado de um valor
intrínseco e com autonomia”. Neste
sentido o referido autor denota acerca da Constituição Federal de 1988, “ao proclamar o meio ambiente como ‘bem de uso
comum do povo’, foi reconhecida a
sua natureza de ‘direito público subjetivo’, vale dizer, exigível e exercitável em face do próprio Estado, que tem
também a missão de protegê-lo”.
Por conseguinte, Capella (1994), ressalva que a
edificação do Estado de direito
ambiental depreende do emprego do princípio da solidariedade econômica e social com o intuito de
concretizar um padrão duradouro e e- ficaz,
conduzido através da obtenção da igualdade substancial do ser hu- mano (homem) através do controle forense
do uso coerente do meio ambi- ente.
Destarte Ferreira et. al. (2010) em citação a Leite, enfatiza que este modelo estatal constitui uma
caracterização de cunho teórico-abstrato que
aborda conjuntamente, elementos jurídicos, sociais e políticos no
encalço de uma conjunção ambiental
apta a guarnecer o equilíbrio entre os ecossis- temas e, em decorrência, efetivar a plena concretização da
dignidade “para além do ser
humano”.
De acordo com Freitas (2000), a tendência internacional
se posicio- na no sentido de
constitucionalizar o meio ambiente, em virtude da visão contemporânea sobre a conjectura dos direitos humanos aos
direitos am- bientais, cujos quais,
encontram-se de tal maneira interligados que a so- brevivência de um depende do outro, visto que ambos buscam a
preserva- ção da vida e a garantia da
continuidade dos seres humanos. Neste sentido,
dispõe Derani (1997), in verbis:
O Direito Ambiental
é em si reformulador, modificador, pois atinge toda a organização da sociedade atual,
cuja trajetória conduziu
à
ameaça da existência humana
pela atividade do próprio homem, o que
jamais ocorreu em toda história da humanidade. Um Direito que surge
para rever e redimensionar
conceitos que dispõem sobre a convivência
das atividades sociais bem como para resolver proble- mas inter-relacionados de proteção ambiental, permeando pratica- mente todo o conjunto da ordem jurídica,
superando, com isto, toda a classificação tradicional sistemática
do Direito.
Destarte não basta avistar o meio ambiente como bem comum
da sociedade, antes disso, necessário
se faz, considerá-lo como bem do inte- resse
público, em virtude de que a simples atuação do Estado é ineficiente, pois, se mostra essencial a ação conjunta
da sociedade em efetividade das leis
e prerrogativas protetoras, desta forma, tanto a administração quanto o uso e a gestão deste bem, impõe-se à sociedade
de maneira compartilhada e solidária, influenciado por um modelo de democracia
ambiental. Neste sentido, mesmo que,
nas palavras de Santos (1994), o Direito Ambiental encontre-se em uma “utopia democrática”, a importância concedida
por meio da Constituição a este bem
através do fornecimento de um capítulo próprio
a este tema e seu posicionamento na Carta Magna implica em re- conhecimento suficiente para que se
constitua tal padrão. Ao dissertar a- cerca
deste modelo Ferreira (2010) em citação a Canotilho dispõe sobre os pressupostos essenciais a este “processo
de edificação do Estado de direito ambiental”:
(...) destacam-se: a adoção
de uma concepção integrada do meio ambiente,
a institucionalização dos deveres fundamentais ambien- tais e o agir integrativo da administração. No que se refere ao
pri- meiro dos pressupostos
referidos, o autor menciona que a proteção do
meio ambiente não deve ser limita em função dos seus elementos constituintes, mas entender-se sobre um
amplo conjunto de siste- mas e
fatores que possam produzir efeitos diretos ou indiretos, me- diatos ou imediatos, sobre os seres vivos
e a qualidade de vida. (...) A adoção
de uma concepção integrada do meio ambiente, acrescenta- se, favorece o desenvolvimento de um conceito de direito
ambiental integrativo e, como
consequência, promove substantivas modifica-
ções na forma como os instrumentos jurídicos são concebidos, defi- nidos e
implementados pelo Estado.
Por conseguinte, destaca o referido autor em menção a
Canotilho que, no que concerne a institucionalização
da responsabilidade fundamen- tal
ambiental, no momento em que o individualismo, cedeu a incorporação de uma sociedade com deveres ecológicos,
emergiu juntamente a “preocu- pação com o sentido
jurídico-constitucional do dever fundamental de pro-
teção
ambiental”. Neste sentido o mesmo reforça a idéia de responsabili- dade comum, concretizada através do
compartilhamento de obrigações en- tre
a sociedade civil e as entidades públicas, definindo como “terceiro mo- mento” alicerçador na construção deste modelo de Estado ambiental, isto é, através da ação integrada entre a
administração e a sociedade, como meio de rejeitar o inconformismo, ou seja, este paradigma
explora as dife- rentes
possibilidades distintas das até então efetivadas com o fim de com- por novos preceitos
e reforçar o que já
esta em concretização.
Por consequência, o respectivo autor destaca algumas
funções elen- cadas como basilares à
obtenção de um patamar concreto de proteção jurí- dica ao meio ambiente:
Favorecer a institucionalização de mecanismos mais compatíveis com a natureza
diferenciada dos problemas
ambientais, priorizando a gestão de riscos que possam comprometer
significativamente a qualidade do
meio ambiente. (...); possibilitar a juridicização de ins- trumentos capazes de garantir um nível de
proteção adequado ao meio ambiente,
fortalecendo os enfoques preventivo e precaucional. (...); viabilizar o desenvolvimento de um conceito de direito
ambien- tal integrativo. Partindo-se
do pressuposto de que o meio ambiente deve
ser concebido como unitário e indivisível, conclui-se que sua defesa requer abordagens multitemáticas
capazes de considerar e in- corporar
sua amplitude. (...); estimular a formação da consciência ambiental. É impossível o exercício da
responsabilidade comparti- lhada e da
participação pública como forma de gestão de problemas ambientais sem que haja um processo de conscientização. (...);
pro- piciar maior compreensão do
objeto estudado. Nesse contexto, o es- tabelecimento
de um conceito de meio ambiente torna-se indispen- sável como condição que possibilitará a compreensão da posição
e- cológica do ser humano e das
implicações decorrentes de uma visão integrativa do macrobem ambiental.
Salienta o referido autor que o estabelecimento destes
postulados no Estado de direito
ambiental não repercute definitivamente em um elemen- to solucionador da crise que se instala, no entanto, o mesmo
adéqua-se a uma possibilidade de
solução, com o objetivo de criar métodos para identi- ficar as carências e deficiências forenses que afetam na
qualidade do aco- lhimento do direito
ambiental. Desta forma, este método tende a estimular um processo de transformação onde o Estado e a sociedade passem
a agir em conjunto, conscientizando-se
do estado de adversidades ambientais e abastecendo-se de instrumentos jurídicos e institucionais delineados como
forma
de assegurar o equilíbrio ecológico como exigência basilar à sadia qualidade de vida.
Isto posto, convém destacar acerca da necessidade de uma
mudança a nível global no foco do
direito ambiental, em virtude de que, até então a sociedade e também o direito baseavam-se no ser humano como o
núcleo basilar da Terra, ocorre,
porém, que o indivíduo consiste em um ser dis-
pensável para a subsistência do planeta, além de que, é o próprio, com
vis- tas em melhorias desraigadas que
causa a devastação e destruição dos bens naturais,
neste sentido, quem depende para subsistir é o homem e não o meio ambiente, por tanto, aflora a
necessidade de mudar os sujeitos tute- lados,
por meio dessa conscientização de indispensabilidade e indepen- dência do meio ambiental com relação ao
sujeito homem. Acerca disso, abordar-se-á no próximo tópico.
A redefinição dos sujeitos através
da racionalidade ambiental
No que concerne à crise ambiental, Milaré (2011)
indaga-se acerca da sociedade estar
ou não dispensando tratamento adequado ao planeta Ter- ra, em resposta verifica-se por meio de levantamentos
científicos de reco- nhecidas
instituições, a demonstração de um estado de dificuldades, caren- te de ações benfeitoras. Dessa forma, “é
pacificamente aceito em nossos di- as
que preservar e restabelecer o equilíbrio ecológico é questão de vida ou morte. Os riscos globais, a extinção de
espécies animais e vegetais, assim como
a satisfação de novas necessidades em termos de qualidade de vida”, esclarece o autor, em conjunto com o
“fenômeno biológico e suas manifes- tações
sobre o planeta estão perigosamente alterados”, cujas conseqüências são imprevisíveis.
Por conseguinte, Erickson (1992), destaca no sentido de
que, “as rá- pidas mudanças
climáticas” em andamento na Terra, juntamente com a ín- fima multiplicidade de espécies ensejaram em capacidade de
adaptação mais baixa que o normal, em
decorrência da viabilidade genética o que li-
mitará o processo evolutivo, “comprometendo inclusive a viabilidade de sobrevivência de grandes contingentes
populacionais da espécie humana”. No
que concerne a este fato, Milaré (2011) fundamenta, através da posição bíblica a respeito do assunto, no sentido
de que, expresso por Bento XVI, o catolicismo
evidenciou a necessidade de revisão do modelo de desenvolvi- mento que atualmente coordena as políticas
econômicas e a convivência entre o
homem e a natureza, na direção de que a natureza é um bem dis- ponível
para todas as gerações e não apenas para a atualidade.
Baseado no fundamento de Strong, o referido autor
salienta que, a- nalisando o meio
ambiente em comparação a uma empresa, o próprio “es- taria à beira da falência, pois dilapida seu capital, que são os
recursos natu- rais, como se eles
fossem eternos. O poder de autopurificação do meio am- biente está chegando ao limite”. Neste sentido, no que cabe ao
balanço efe- tuado por PNUMA
(Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente), acerca da situação ambiental do Planeta nos períodos entre 1972
a 1992, o mesmo auferiu o resultado
de que, o próprio, “nunca esteve tão sujo e do- ente”, ou seja, em decorrência da sobrecarga aos ecossistemas,
as “civiliza- ções correm risco”.
Em consequência no que reporta a Conferência Rio + 5,
concretizada no Rio de Janeiro em
19.03.1997, pode-se afirmar que as iniciativas se mos- traram “tímidas e pontuais”, demonstrando que caso não ocorra
uma mu- dança na percepção e atitude
humana, “as mudanças na biosfera serão ir- reversíveis,
porque vão interferir deleteriamente nos sistemas vivos e na auto-regulação do Planeta. E nós não temos
outro sistema para substituí- la”.
Destarte, através da conferência Rio + 10 realizada em
Joanesburgo, no período de 26 de
agosto a 04 de setembro de 2002, demonstrou-se que a sociedade atual já esta consumindo o capital natural do Planeta
pertencen- te às gerações futuras,
através do consumo imprudente e pondo em risco a prosperidade futura, ou seja, relatórios evidenciaram que a
humanidade es- tava então consumindo
em média 20% além da capacidade de suporte e
reposição que os recursos naturais possuíam. Neste sentido o mesmo des- taca, in verbis:
Mais preocupante,
ainda, é a situação retratada na ultima versão do aludido documento – o Relatório Planeta Viva 2010 -, de outubro
de 2010, que demonstra ter a nossa
demanda por recursos naturais du- plicado
desde 1966 e que estamos utilizando o equivalente a um pla- neta e meio para sustentar as nossas
atividades. Se continuarmos a viver
além da capacidade de suporte e reposição do planeta, diz o Relatório, até 2030 precisaremos de uma
capacidade produtiva equi- valente a
dois deles para satisfazer os níveis anuais da nossa deman- da. Pior: se todos os habitantes da Terra
– já chegando a casa dos se- te bilhões
de pessoas – buscassem o mesmo estilo
de vida ao de quem vive hoje nos Estados Unidos ou nos
Emirados Árabes Unidos, seriam
necessários os recursos de quatro planetas e meio como o nosso.
(...) Essa doença
(degradação ambiental) é, ao mesmo tempo, epi-
dêmica, enquanto se alastra por toda parte; e é endêmica, porquanto
está como que enraizada no
modelo de civilização em uso, na socie- dade
de consumo e na enorme demanda que exercemos sobre os sis- temas vivos, ameaçados de exaustão.
Em conformidade, Cenci (2011) denota que, mesmo esta crise
sendo evidenciada a nível global e
por decorrência, a mesma fazer parte de um grande
percentual das discussões de maior extensão, a própria ainda per- manece em segundo plano, sempre que
encontra-se, nestas reuniões polí- ticas,
em conflitos com interesses econômicos. Disso percebe-se que os in- teresses particulares continuam
sobrepondo-se sobre os interesses públi- cos,
neste sentido compreende-se que a economia, a política e o aspecto social de um Estado estão interligados,
não podendo relacionar um sem ci- tar
o outro. Desta forma salienta Leff (2003):
A crise ambiental é a crise
do nosso tempo. O risco ecológico questi- ona
o conhecimento do mundo. Esta crise se apresenta a nós como um limite no real que re-significa e
re-orienta o curso da história: li- mite
do crescimento econômico e populacional; limite dos desequi- líbrios ecológicos e das capacidades de
sustentação da vida; limite da pobreza
e da desigualdade social. Mas também crise do pensamento ocidental: da “determinação metafísica” que, ao pensar o ser
como ente, abriu a via da
racionalidade científica e instrumental, que pro- duz a modernidade como uma ordem coisificada e fragmentada, como
forma de domínio
e controle sobre o mundo.
Esta questão traz à tona a denominada teoria da sociedade
de risco concebida por Ulrick Beck,
cujo qual preceitua que a crise evidenciada no
meio ambiente é produzida
através da própria humanidade,
ocasionados de maneira ampla e
artificial, ameaçando um número incerto de pessoas, com grande potencialidade visto que advém dos riscos
tecnológicos, desta maneira resta
evidenciado que em busca das facilidades e comodidades a vida humana, o próprio ser humano tem destruído a natureza,
neste senti- do pondera Capra (1996),
para o qual, os problemas atuais da sociedade
devem ser interpretados de maneira coligadas, visto que para o mesmo, a crise em grande parte torna-se mais
alarmante devido ao fato de que a mesma
consiste em uma “crise de percepção”, isto é, “(...) ela deriva do fato que a maioria de nós, e em especial
nossas grandes instituições sociais, concordam
com os conceitos de uma visão de mundo obsoleta, uma per- cepção
da realidade inadequada (...)”.
Desta forma, entender a gravidade do assunto em pauta
implica em reconstruir conceitos então imutáveis, guiando-se através do questiona-
mento
de questões até então aceitas, de maneira a reformular toda uma es- trutura de concepções e verdades
predispostas. Neste sentido destaca Ben- jamin (2000),
para o qual:
Estamos finalmente em
um sistema-mundo em que tudo é mercado- ria,
em que se produz loucamente para consumir mais loucamente, e se consome loucamente para se produzir
ainda mais loucamente. Produz-se por
dinheiro, especula-se por dinheiro, faz-se guerra por dinheiro, corrompe-se por dinheiro, organiza-se toda a vida social por dinheiro, só se pensa em dinheiro.
Cultua-se o dinheiro, o verda- deiro deus da nossa
época – um deus indiferente aos homens, inimigo
da arte, da cultura, da solidariedade, da ética, da vida, do espírito,
do amor. Um deus que se tornou
imensamente mediocrizante e destru- tivo.
E que é incansável, pois a acumulação de riqueza abstrata é, por definição, um processo sem limites.
Por conseguinte, Milaré (2011), concorda que no
consumismo desen- freado é que se
encontra a raiz de toda a crise. Em suas palavras, “a possibi- lidade de conflitos tende a aumentar, já
que o mundo, depois de ter en- frentado
a crise do petróleo na segunda metade do século XX, prepara-se agora para enfrentar a crise da água”.
Percebe-se que os resultados desta crise
são alarmantes, fazendo-se então necessária uma ação imediata em proteção e recuperação dos recursos
naturais, neste sentido, destaca Barbi- eri
(2000):
Considerando que o
conceito de desenvolvimento sustentável sugere
um legado permanente de geração a outra, para que todas possam prover suas necessidades, a
sustentabilidade, ou seja, a qualidade daquilo
que é sustentável, passa a incorporar o significado de manu- tenção e conservação ad eternum dos recursos naturais. Isso exige avanços científicos e tecnológicos que ampliem permanentemente a capacidade de utilizar, recuperar e
conservar esses recursos, bem como
novos conceitos de necessidades humanas para aliviar as pres- sões da
sociedade sobre eles.
Milaré (2011) dispõe sobre a necessidade de concretizar o
progresso em função da sociedade e
não a dispêndio do universo natural e por con-
sequência da própria humanidade. Em citação ao ambientalista Carlos Ga- baglia Penna, o mesmo preceitua:
O desenvolvimento
sustentável exige da sociedade que suas necessi- dades sejam satisfeitas pelo aumento da produtividade e pela
criação de oportunidades políticas, econômicas e sociais iguais
para todos.
Ele não deve por em risco a
atmosfera, a água, o solo e os ecossiste- mas,
fundamentais à vida na Terra. O desenvolvimento sustentável é um processo de mudança no qual o uso dos
recursos, as políticas e- conômicas,
a dinâmica populacional e as estruturas institucionais es- tão em harmônio e reforçam o potencial
atual e futuro para o pro- gresso
humano. Apesar de reconhecer que as atividades econômicas devem caber a iniciativa privada, a busca
do desenvolvimento sus- tentável
exigirá, sempre que necessário, a intervenção dos governos nos campos social, ambiental, econômico,
de justiça e de ordem pú- blica, de
modo a garantir democraticamente um mínimo de qualida- de de vida para
todos.
No respectivo manuscrito, expressa-se a necessidade de
alterar a percepção da sociedade
acerca dos riscos em que a mesma se encontra, de- vido ao consumismo imoderado, e o progresso desregrado,
acentuando a necessidade de
racionalizar e repensar as idéias preconcebidas, de modo que o foco localize-se na proteção e recuperação do meio
ambiente, de maneira que se entenda
que este bem é indispensável à sobrevivência hu- mana, para tanto, necessita-se mudar o foco, em decorrência de
que o Pla- neta possui capacidade de
independência, no entanto, o homem, como ser
humano, compreende um ser incapaz de se autodeterminar e subsistir sem que tenha amparo dos recursos naturais
limitados que o meio ambiente fornece,
desta forma o respectivo manuscrito oferece amparo na teoria do contrato
natural, expressa através do próximo
tópico.
A construção
ambientalista sob o olhar de um contrato
natural
Segundo J. J. Rousseau (2012), como forma de conservação
o homem adere à convivência em
sociedade, formando então um conjunto de forças, objetivando a resistência, empregando então uma razão, para que
todos a- jam em conformidade uns com
os outros, para isso, no entanto, o homem teria
que abdicar parte de sua liberdade, passando a viver então a partir das premissas deste pacto social, onde
encontraria sua defesa e a defesa de seus bens, através da união de todos seus
componentes, dessa forma:
As cláusulas deste contrato
são de tal modo determinadas pela natu- reza
do ato, que a menor modificação as tornaria vãs e de efeito nu- lo; de modo que, embora não possa jamais
ser enunciadas formal- mente, são as
mesmas em toda parte, tacitamente admitidas e reco- nhecidas em toda parte; até que o pacto social seja violado,
cada um volveria, então, a seus
primeiros direitos e retomaria sua liberdade
natural, perdendo a liberdade convencional à qual renunciou.
Estas cláusulas, bem
compreendidas, reduzem-se todas a uma só, saber
a alienação total de cada associado, com todos os seus direitos, a toda a comunidade. Pois, primeiramente,
se cada um se der por in- teiro, as
condições são iguais para todos, e, sendo as condições iguais para todos, ninguém tem interesse em
torná-las onerosas para os ou- tros.
Desta forma ao invés “da pessoa particular de cada
contratante”, tal ato de associação sucede-se por um corpo
moral e coletivo, se tornando
uno e indivisível, formando por tanto uma pessoa pública denominada Es- tado. Desta forma esta multidão compõe um
corpo, e sendo assim, impos- sibilita-se
a ofensa a um de seus membros sem que isso ataque ao corpo, de maneira que o interesse obriga as partes
contratantes a se auxiliarem de forma correspondente, formando então uma autentica democracia.
Por sua vez na obra “O Contrato Natural”, Michel Serres
(1990) ob- serva a forma como se
constituíram as delimitações da ciência e do direito, através de contratos fundados na regulamentação das relações
sociais, por meio do contrato social
por ora definido, de maneira a ignorar a natureza, tanto através do direito natural, quanto por meio do direito do
homem, dessa forma sua tese propõe um
novo pacto entre a humanidade, onde os sujeitos
sejam o indivíduo e a natureza, através de um contrato natural. Es- te contrato parte da idéia de associação
recíproca, baseado no respeito mú- tuo,
edificando na consciência humana, a necessidade de equilíbrio entre todos os seres vivos no que concerne
ao meio ambiente, ou seja:
Portanto, o retorno à
natureza! O que implica acrescentar ao contra-
to exclusivamente social a celebração de um contrato natural de simbiose
e de reciprocidade em que a nossa relação com as coisas permitiria o domínio e a possessão pela escuta admirativa, a
recipro- cidade, a contemplação e o
respeito, em que o conhecimento não suporia
já a propriedade, nem a acção o domínio, nem estes os seus resultados ou condições estertorarias. Um
contrato de armistício na guerra
objectiva, um contrato de simbiose: o simbiótico admite o di- reito do hospedeiro, enquanto o parasita –
o nosso actual estatuto – condena à
morte aquele que pilha e o habita sem ter consciência de que, a prazo, se condena a si mesmo ao desaparecimento.
Parasita agarra tudo
e não dá nada; o hospedeiro dá tudo e não agar- ra nada. O direito de dominação e de propriedade reduz-se ao
para- sitismo. Pelo contrário, o
direito de simbiose define-se pela recipro- cidade:
aquilo que a natureza dá ao homem é o que este lhe deve dar a ela, tornada sujeito de direito.
Para o referido autor a
Terra comunica-se com o homem
por meio de forças, ligações e
interações e isto seria o suficiente para possibilitar a celebração de um contrato, onde que um dos contratantes entrega
seu di- reito à vida ao outro, em
virtude de que, sabe-se que sem o meio ambiente o homem não possui capacidade de sobrevivência humana. O autor
desta- ca que não há como haver
sistema mais fraco que aquele que se une objeti- vando a morte, como a atualidade se encaminha, para o mesmo, as
possibi- lidades de sobrevivência
seriam muito maiores se o mundo se unisse glo-
balmente, constituindo um bloco sólido e unificado, desta forma as
atitu- des efetivadas seriam
estendidas na totalidade do mundo. O próprio desta- ca a urgência política onde que o governo deverá “sair das
ciências huma- nas, das ruas e dos
muros da cidade, tornar-se físico, emergir do contrato social, inventar um novo contrato natural, devolvendo à palavra
natureza o sentido original das
condições em que nascemos – ou deveremos renascer amanhã.
Por conseguinte os homens precisam da celebração deste
contrato natural, o qual não seria
privado, nem comum, mas simbiótico, associando
o coletivo ao mundo, bem como o acordo com o seu objeto de acordo. Des- ta forma o mesmo
especifica:
Por mim, passarei a entender
por contrato natural, em primeiro lu- gar,
o reconhecimento, exactamente metafísico, por parte de cada colectividade de que vive e trabalha no
mesmo mundo global de to- das as
outras; não só cada colectividade política associada por um contrato social, mas também qualquer um
dos colectivos, militar, comercial,
religioso, industrial..., associado por um contrato de direi- to e ainda o colectivo
técnico associado pelo contrato científico. Chamo metafísico e natural a este contrato, porque vai além
das li- mitações vulgares das
diversas especialidades locais e, em particular, da física. Revela-se
tão global como o contrato
social, introduzindo-o, de alguma forma, no mundo e é tão mundial
como o contrato cientí- fico que, de certo modo, faz entrar este na
história.
Este contrato seria virtual e tácito a exemplo do
contrato social, ga- rantindo o
equilíbrio das forças mundiais, de maneira igualitária, findando equilibrar os interesses das partes, a
exemplo de um contrato científico, es- te
também teria por base a racionalidade, considerando o “mundo em sua totalidade”, definido por uma associação
unificando todo o globo terrestre, de maneira
a manter os sujeitos conectados.
Considerações finais
O texto evidencia a necessidade de uma atitude por parte
do ser humano, em busca de resguardar
a natureza e em virtude de salvaguardar seu
direito de viver, assim, como meio de concretizar tal direito, apresenta- se a elaboração de um contrato social
entre o indivíduo e a natureza, de maneira
que possam conviver em equilíbrio e harmonia, no qual tacita- mente o mundo em sua totalidade participe,
tendo como objetivo maior a garantia da vida.
Em virtude de que o ser humano necessita conscientizar-se
de que o mesmo já não pode mais ser
visto como o centro do universo, onde tudo se
coloca em seu benefício, posto que na verdade o mesmo encontra-se em nível de dependência do restante do mundo,
em vistas de que, o Planeta Terra sem
a interferência ou atuação do homem, possui total garantia de sobrevivência, porém, o sujeito homem, sem
o amparo e colaboração do Planeta não
possui meios de sobrevivência, em virtude da relação de inde- pendência que este possui em relação ao
outro e não o contrário, como pa- rece
ser.
Neste sentido é que se postula a necessidade de uma
racionalização acerca dos sujeitos de
direito desta relação, posto que, verifica-se clara- mente que são as pessoas que possuem necessidade de manter uma
convi- vência com este Planeta em
garantia de sua subsistência e não o contrário, evidenciando-se abertamente uma inversão de valores, onde o
homem se coloca no centro do
universo, porém, na verdade, o mesmo seria apenas um sujeito dentro desta relação formalizada por meio deste
contrato natu- ral, em que o homem
como forma de garantir e cumprir com seu pacto
contratual deveria primordialmente, respeitar os limites da natureza,
atu- ando de forma protetiva e
garantidora do bem imensurável, que são os re-
cursos naturais e automaticamente,
possuir amparado, seu direito
à vida.
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