Resumo: A presente pesquisa pretende analisar o delito de
violência sexual contra o sujeito masculino, tendo a mulher no pólo passivo da
conduta, enfatizando a possibilidade de relativizar o direito à paternidade
como uma aposta à promoção da dignidade da pessoa humana e da igualdade entre
homens e mulheres, visando à transformação dos conflitos e resgatando a
sensibilidade. No intuito de verificar uma resposta a essa temática,
formulou-se o seguinte problema de pesquisa: a paternidade, quando resultante
de um ato de violência sexual compreende uma alternativa ou um dever moral e
jurídico do homem? Visando responder ao problema proposto, o trabalho tem por
objetivo geral discutir a possibilidade de alcançar a relativização do direito
a paternidade através do sistema judiciário a partir da dignidade da pessoa
humana e do direito a igualdade entre homens e mulheres. E, por objetivos
específicos: a) estudar o posicionamento social no que se refere ao ato de
violência sexual perpetrado contra o homem por uma mulher; b) analisar o
posicionamento legal e doutrinário dos mais renomados autores no que reporta à
temática; c) efetuar uma sopese conjunta ao que a sociedade interpreta através
da moral e dos casos práticos e ao posicionamento legal e doutrinário respectivo
ao tema, visando verificar a possibilidade de relativização do direito à
paternidade, ou até mesmo a legalização da prática do aborto humanitário no ato
proveniente de violação sexual ao sujeito masculino. O aprofundamento teórico
do estudo pauta-se em pesquisa bibliográfica, consubstanciada na leitura de
diversas obras, apoiando-se em um método dedutivo. Conforme a doutrina, a lei e
os casos práticos mostram, existe a possibilidade de um homem ser abusado
sexualmente por uma mulher, seja através do estupro ou por meio da violação
sexual mediante fraude, e a sociedade precisa estar descortinada frente à
matéria para que possa auxiliar na repressão e coibição desta modalidade
delitiva, que corrói silenciosamente o ser humano, o ferindo em sua dignidade.
Palavras-chave: Violência sexual contra o homem. Paternidade resultante
de violência sexual. Dignidade da pessoa humana. Relativização do direito à
paternidade. Aborto humanitário.
ALINE OLIVEIRA MENDES DE MEDEIROS[1]
1. INTRODUÇÃO
Este artigo tem por base a análise da
possibilidade de relativização do direito à paternidade quando proveniente do
delito de estupro ou de violação sexual mediante fraude, verificando os
critérios morais e legais que circundam o fato.
Com este objetivo, o primeiro item retrata as
circunstâncias morais e sociais da violência sexual praticada contra o sujeito
do sexo masculino, estando à mulher no pólo de autora e o homem no pólo de
vítima, dissecando as nuances relacionada à matéria, dando especial relevo à
possibilidade de o homem ser estuprado, como meio de descortinar a população
para a aceitação de que este fato acontece no plano dos fatos, visando
incentivar os homens a formalizarem estes atos, por meio de denúncias, abrindo
precedentes para que a polícia e o judiciário possam agir, com o alvo de coibir
esta prática delitiva, e acobertar o homem com o manto protetivo da dignidade
da pessoa humana.
Em segundo instante, será relacionada à
proteção jurídica no que tange a matéria, momento em que será estudado desde o
posicionamento constitucional até infraconstitucional, transmitindo ao leitor o
parecer que o arcabouço jurídico brasileiro transfere à área, de modo a
localizá-lo legalmente.
Por fim, o artigo se desenvolverá efetuando
uma junção entre a parte moral que a sociedade acredita e a parte jurídica que
o legislador promulga aos cidadãos, de maneira a extrair qual seria a melhor
alternativa para os casos de gravidez resultantes de violência sexual, quando a
vítima for homem, expressando à questão do aborto sentimental ou humanitário
e/ou a possibilidade de relativizar o direito à paternidade conferindo ao homem
a decisão de aceitar ou não o filho e as peculiaridades resultantes do ato.
2. A
VIOLÊNCIA SEXUAL CONTRA O SUJEITO MASCULINO: A MULHER ENQUANTO AUTORA E O HOMEM
ENQUANTO VÍTIMA
A questão do estupro praticado contra o homem
compreende um tema em que a doutrina é omissa se comparado ao fato de que a
violência sexual não escolhe o sexo de suas vítimas, ademais estudos efetuados
na universidade de Massachusets, apontam que nos Estados Unidos, em cada seis
homens, um sofrerá algum tipo de abuso de cunho sexual, enquanto entre as
mulheres isto ocorrerá em uma de cada quatro pessoas, isto considerado apenas
até completar dezesseis anos, o que significa dizer que, a probabilidade desta
espécie de violência ocorrer pode aumentar no transcorrer do tempo.
Dados apontam que o trauma do abuso sexual é
profundo em qualquer dos sexos, porém, no caso dos sujeitos masculinos o
impacto da violência costuma ser mais intenso, o que dificulta a sua recuperação,
como depreende do estudo efetuado pelo psicólogo da universidade, David Lisak
(2011, s/p)[2], cujo
qual trabalha em uma ONG que auxilia na recuperação dos sujeitos masculinos.
De seu trabalho o mesmo extrai que a vergonha
e o estigma por ter sido estuprado causam o isolamento, e a dificuldade em
trabalhar com a situação, ocasionando o favorecimento do delituoso através da
omissão da vítima, pois a vergonha atua feito uma mordaça emudecendo o
vitimizado e extraindo sua dignidade ao consumir silenciosamente o seu ser.
O ato de ser abusado abala o psicológico do
homem, em virtude de, aparentemente, afrontar a sua masculinidade, resultando
em seu silêncio corrosivo, visto que o ato vai de encontro com a ideia
tradicional de que o homem deve comandar a sexualidade, afinal, desde os
primórdios era a mulher quem se submetia aos caprichos do macho alfa, vivendo
somente para a sua satisfação, ao responsabilizar-se por efetuar a limpeza da
casa, cuidar dos filhos, e de si mesma, visando, simplesmente, atender as
expectativas de seu varão, enquanto o macho responsabilizava-se pela caça, com
vistas a promover o sustento da família. Nada obstante, Cornwall e Jolly (apud Marino e Cabette, 2012, p. 268),
depreendem que:
A visão monocromática do sexo no discurso do
desenvolvimento representa as mulheres como vítimas impotentes, os homens como
predadores sexuais vorazes e as crianças como seres inocentes. As pessoas trans
simplesmente não são mencionadas. As crianças são um grupo para o qual se
pressupõe que a sexualidade não constitui uma questão relevante.
São estas idéias preconcebidas que dificultam
a saída das ocorrências do mundo dos fatos para o mundo jurídico, concomitante
com a ideia de sujeira e de vergonha as quais se encontram vinculada ao ato de
ser estuprado, consciente disto Vigarello (apud
MARINO E CABETTE, 2012, p. 271) assevera que:
O estupro provoca uma lesão ao mesmo tempo
semelhante e diferente das outras. Semelhante porque é o efeito da brutalidade.
Diferente porque é muitas vezes pouco consciente no agressor, apagada pela
efemeridade do desejo, ao passo que intensifica a vergonha na vítima, a ideia
de uma contaminação pelo contato: a indignidade atravessando a pessoa atingida
para transformá-la aos olhos dos outros. Daí a sensação de aviltamento criando
obstáculos à queixa, inclinando a vítima a se calar e os observadores a
acusá-la. Situação muito especial, em que a violência pode se tornar menos
visível, empurrada para segundo plano, mascarada pela rejeição de que a vítima
é objeto.
E continua o autor (1998, p. 107):
[...] é o contato sofrido que causa a
indignidade da vítima, os corpos comunicando suas marcas, transformando em
sordidez pública o efeito de sua promiscuidade. A suspeita inicial se funda
nesse imaginário do contato: a pessoa atingida não é capaz de acusar, pois
parece, ela própria, contaminada. O que torna contraditório o trabalho do juiz
clássico, que afirma claramente a independência do corpo e da alma,
restringindo a lesão do estupro apenas à esfera do corpo, ao passo que sente
imediatamente o contrário, diante da realidade do crime, e tende muitas vezes a
não condenar. Raridade das queixas, raridade das penas, a vítima é encerrada no
impudor que desejava denunciar. A violência sofrida continua sendo uma
violência ocultada.
Este sentimento refere-se à vitimização
secundária que faz com que o crime se perpetue no psicológico da vítima, fato
este que torna o exame de corpo de delito, uma nova consumação do ilícito, posto
que a vítima passa a rememorá-lo em sua mente, o que intensifica a vergonha por
ter sido vítima do crime.
Isto conjunto ao fato de que a cultura humana
profana, desde o início dos tempos, o homem como sendo líder, enquanto à mulher
incumbe conformar-se com o que ele lhe designa, cedendo aos seus comandos e servindo
aos seus ideais, ideia esta que é transmitida inclusive pela Bíblia, a qual apregoa
a submissão feminina em Efésios 5.22 a 25, colocando a mulher na posição de
fragilidade enquanto o homem se posiciona como responsável e protetor.
No entanto, quando o delito de abuso sexual
se consuma esta posição milenar se rompe, diante disto não é apenas o direito a
liberdade sexual que se desfaz, mas também a ideologia aprendida secularmente
relacionada à sua masculinidade, esta ruptura relacionada com a ordem natural
das coisas causa confusão mental na vítima, porque conforme a cultura aprendida
e disseminada em sociedade, os homens não deveriam ser vítimas do delito de
estupro como explica a professora de enfermagem da universidade da Colombia,
Elizabeth Saweyc (2011, s/p), para a professora, o impacto é tão profundo que
ocasiona até mesmo uma recusa em assimilar o abuso por parte dos meninos.
Ademais, quando o delito é cometido por uma
mulher a sociedade vê o crime como se fosse a primeira transa de um homem,
ignorando o sofrimento psicológico do jovem, que cala-se incompreendido e
atormentado em sua dor, desta forma, vítimas da estupradora e da incompreensão
de sua família e amigos, as tendências a desenvolver doenças psicológicas
aumentam, por este fato, é imperioso que a nuvem da ignorância seja extraída da
sociedade para que seus olhos abram-se para estas modalidades de ocorrência
delitiva, elucidando-lhes quanto ao clamor por amparo que as pessoas do sexo
masculino precisam no que tange ao respeito por sua liberdade e dignidade sexual.
O pensamento patriarcal atenua o impacto da
violência contra a mulher, dando até mesmo respaldo social para que ela se
perpetue, tanto que um estudo realizado pela IPEA (apud SILVEIRA, 2015, s/p), afirmou que a violência relacionada à
mulher:
a) é visto como aceitável
(dentro de alguns limites); b) é naturalizado como algo pertencente à sociedade
e inerente às relações entre homens e mulheres; c) o agressor tem sua
responsabilidade atenuada, seja porque não estava no exercício pleno da
consciência, ou porque é muito pressionado socialmente, ou porque não consegue
controlar seus instintos; d) e a mulher é vista como responsável pela
violência, porque provocou o homem, seja porque não cumpriu com seus deveres de
esposa e de “mãe de família”, seja porque de alguma forma não se comportou da
maneira esperada socialmente.
O que denota a desigualdade de entendimentos
que existe em relação aos homens e mulheres, principalmente no que tange aos
temas de ordem criminal sexual, pois no pensamento patriarcal o homem era
considerado como o soberano que precisava disciplinar sua esposa, tanto que o
próprio Código Penal de 1940 evidenciou este pensamento ao disciplinar que o
casamento com a ofendida seria causa de extinção da punibilidade do delito
contra a ordem sexual feminina, por considerá-lo como motivo de desonra
familiar e a união entre o delituoso e a vítima restaurariam o mal causado pelo
crime, recuperando a dignidade social da mulher.
Verifica-se a aberração jurídica que a letra
anterior do código apregoava, pois além de ser estuprada, a vítima era
condenada a conviver em matrimônio com uma pessoa que nunca a respeitou e nem a
viu como um ser humano, pois se a visse não teria ofendido sua integridade
física, psíquica e dignidade sexual.
As condições de afloração da sexualidade
sempre foram desiguais entre homens e mulheres, posto que, enquanto eles
lideravam suprindo as necessidades econômicas da família, detinham a
capacidade, impulsionada pela sociedade, de manter relações extraconjugais,
inclusive com criadas e ex-escravas, enquanto as mulheres guardavam em si o
ensinamento da proibição e do desvalor social para tudo que se relacionasse a
sua lascívia sexual, sendo, inclusive, culpadas socialmente pelo ato de estupro
que vissem a sofrer, posto que a desvalorização da ação acarretava na vítima a
sua desonra social.
Nada obstante, até mesmo no plano jurídico a
mulher era desprestigiada de respaldo suficiente. Para Silveira (2015, s/p) a
mulher era considerada como um “objeto de satisfação sexual do homem”,
consagrando em seu ser o dever de fidelidade e da proibição de trabalhar fora
do âmbito familiar, diante disto, conforme Teixeira (apud SILVEIRA, 2015, s/p):
Vivia-se em uma sociedade
patriarcal, a mulher era vista como propriedade do homem, com finalidade apenas
de gerar filhos e satisfazer os desejos e caprichos dos seus maridos. Desta
forma, estas passaram a acreditar que sua existência estaria restrita a
reprodução e a sexualidade passiva, ficando sujeitas às mais variadas formas de
violência, físicas e psicológicas, praticadas pelo marido. Outro fator que
contribui para aceitação desta submissão e violência por parte das mulheres é o
fator da dependência financeira, uma vez que não era permitido que as mulheres
trabalhassem.
Por este motivo, os movimentos feministas tem
ganhado força na atualidade, fazendo com que as mulheres procurem inverter esta
posição de submissão, desde o século XIX, famoso pelas mobilizações sociais
promovidas pelas mulheres na seara trabalhista, buscando inovações sociais e
legislativas, como elucida Barsted (apud SILVEIRA, 2015, s/p):
[...] denunciando
desigualdades, propondo políticas públicas, atuando junto ao Poder Legislativo
e, também, na interpretação da lei. Desde meados da década de 70, o movimento
feminista brasileiro tem lutado em defesa da igualdade de direitos entre homens
e mulheres, dos ideais de Direitos Humanos, defendendo a eliminação de todas as
formas de discriminação, tanto nas leis como nas práticas sociais. De fato, a
ação organizada do movimento de mulheres, no processo de elaboração da
Constituição Federal de 1988, ensejou a conquista de inúmeros novos direitos e
obrigações correlatas do Estado, tais como o reconhecimento da igualdade na
família, o repúdio à violência doméstica, a igualdade entre filhos, o
reconhecimento de direitos reprodutivos, etc.
Cabe salientar que, mesmo com o pensamento
patriarcal, os homens sempre foram vítimas de delitos de ordem sexual, porém,
quanto mais machista a sociedade era, maior seria o silêncio da vítima e piores
as represálias que a própria sociedade efetuava contra ele. Outrossim, em 1940,
com a promulgação do Código Penal, a cogitação de a mulher constranger o homem
a ter conjunção carnal seria uma ideia impensável, tanto que os doutrinadores atuais
custam a habituar-se a este entendimento, isto se deve a clandestinidade que é
dada ao crime, em razão do pensamento machista impregnado na sociedade, que
leva o homem a permanecer calado.
3. ASPECTOS
JURÍDICOS DA VIOLÊNCIA SEXUAL CONTRA O HOMEM
A proteção jurídica conferida ao homem
inicia-se na Constituição Federal, vertente que oferece base para a existência
das demais normas legais. Diante disto, é sabido que o Estado Democrático de
Direito fundamenta sua existência na dignidade da pessoa humana, a qual
compreende a fonte que sacia a cede dos cidadãos ao fornecer vida ao
ordenamento jurídico pátrio, posto que da mesma nenhuma norma pode
desvincular-se sob pena de afronta à Constituição – de inconstitucionalidade
(Art. 1°, inc. III).
Ao folhear este caderno de leis será possível
constatar como objetivos fundamentais de sua vigência a construção de uma
sociedade livre, justa e solidária (Art. 3°, inc. I), bem como, a promoção do
bem de todos, indistintamente (Art. 3°, inc. IV). Para que isto se consagre, a
Carta Magna petrificou em seu art. 5°, a igualdade indistinta frente à lei,
garantindo-se aos viventes e transeuntes deste país “a inviolabilidade do
direito à vida, à liberdade, à igualdade”, e à segurança, esculpindo
expressamente que homens e mulheres serão igualados em direitos e obrigações,
estabelecendo o fato de que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer
algo a não ser em virtude de lei (Art. 5°, inc. I e II).
Pondo como invioláveis “a intimidade, a vida
privada, a honra e a imagem das pessoas” (Art. 5°, inc. X), expressando como
direito social a segurança (art. 6°, caput).
Diante disto, emergiu o Código Penal ainda em 1940, visando dar tutela
específica aos crimes contra a liberdade e dignidade sexual da pessoa humana,
definindo em seu Título VI os crimes contra a dignidade sexual e Capítulo I, os
crimes contra a liberdade sexual, consoante com a redação nova dada no ano de
2009, através da Lei n° 12.015, a qual trouxe respaldo jurídico ao homem como
sujeito passivo do delito de estupro, juntando os delitos de estupro e de
atentado violento ao pudor em um só tipo penal.
Conforme depreendeu do estudo até então
efetuado, o homem desde os primórdios foi vítima de delitos contra a sua
liberdade sexual, como o estupro, por exemplo, no entanto, apenas em 2009
recebeu proteção jurídica contra o crime, isto evidencia o quanto este tema tem
permanecido esquecido entre os estudiosos, e diante disto, ganhado vida própria
pelas ruas das cidades, recuperando suas forças através das lacunas ofertadas
pelo legislador, e imperando-se no silêncio atemorizado das vítimas solitárias
em suas lutas pessoais.
Destaca Bitencourt (2012, p. 758) que as
modificações ocasionadas por esta lei referem-se ao fato de que o capítulo em
questão despiu-se de tutelar os costumes e vestiu uma roupagem atual e
condizente com as necessidades evidenciadas socialmente, abandonando a proteção
da moral média da sociedade, onde se resguardava, simplesmente, os bons
costumes[3],
para proteger especificamente a dignidade dos ofendidos, vestindo-se de
proteção de cunho sexual.
A nova roupagem trazida pela lei acobertada pela
dignidade do ser humano em seu aspecto sexual, visando proteger os direitos a
ela inerentes, como, por exemplo, sua liberdade, integridade física, vida e honra
e resguardando em segunda instância, a moralidade pública sexual, padronizando
as condutas dos indivíduos, de forma a efetuar um resgate de valores, onde o
Estado não seja sobrepujado.
O bem jurídico
protegido é a liberdade sexual do homem e da mulher, consubstanciada pela
faculdade que ambos possuem de escolher livremente seus parceiros sexuais, no
entender de Bitencourt (2013, p. 47), podendo recusar, inclusive seu próprio
cônjuge se assim desejarem.
Protege-se a liberdade individual, em sua expressão
mais elementar, acobertando com o manto jurídico a intimidade e a privacidade,
que atingem sua plenitude ao abraçarem com o véu jurídico a liberdade carnal, a qual deve ser
respeitada por todos, indistintamente, seja o cônjuge ou não, tratando-se de
prostituta ou não. Conforme o autor (2013, p. 48) a liberdade sexual do homem e
da mulher refere-se ao:
[...]
reconhecimento do direito de dispor livremente de suas necessidades sexuais ou
voluptuárias, ou seja, a faculdade de comportar-se, no plano sexual, segundo
suas aspirações carnais, sexuais, lascivas e eróticas, governada somente por
sua vontade consciente, tanto sobre a
relação em si como em relação a escolha de parceiros. Em outros termos,
reconhece-se que homem e mulher têm direito de negarem-se a se submeter à
prática de ato lascivos ou voluptuosos, sexuais ou eróticos, que não queiram
realizar, opondo-se a qualquer possível constrangimento contra quem quer que
seja, inclusive contra o próprio cônjuge, namorado(a) ou companheiro(a) (união
estável); no exercício desta liberdade podem, inclusive, escolher o momento, a
parceira, o lugar, ou seja, onde, quando, como e com quem lhe interesse
compartilhar seus desejos e necessidades sexuais. Em síntese, protege-se, acima
de tudo, a dignidade sexual individual,
do homem e da mulher, indistintamente, consubstanciada na liberdade sexual e no
direito de escolha.
Ensina Gonçalves (2012, p. 516) que a livre
escolha do parceiro sexual pode ser violada mediante violência ou grave ameaça,
caracterizada no delito de estupro (art. 213 do CP), ou através de fraude,
definido no crime de violação sexual mediante fraude (art. 215 do CP).
O delito de estupro caracteriza-se pelo ato
de, “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção
carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”,
o crime consuma-se na ação de constranger qualquer pessoa, seja homem ou
mulher, a praticar o ato contra sua vontade, ferindo gravemente os preceitos
estabelecidos pela Carta Magna.
Assevera
Bitencourt (2012, p. 761) que o tipo penal do “estupro passou a abranger a
prática de qualquer ato libidinoso, conjunção carnal ou não, ampliando a sua
tutela legal, para abarcar não só a liberdade sexual da mulher, mas também a do
homem”. Para Nucci (2009, p. 874) “constranger significa tolher a liberdade,
forçar ou coagir. Nesse caso, o cerceamento destina-se a obter a conjunção
carnal”.
Na
definição de Capez (2012, p. 57) constranger
se refere ao ato de “forçar, compelir, coagir alguém a: (a) ter conjunção
carnal; ou (b) a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato
libidinoso”, a conjunção carnal
refere-se à cópula vagínica, isto é, a efetiva penetração do membro masculino
viril na vagina (ainda que parcial), enquanto ato libidinoso caracteriza-se por qualquer outra forma de
realização do ato sexual que não seja a conjunção carnal, refere-se aos coitos
anormais, como, por exemplo, a cópula anal ou oral.
Diante
disto, o “ato libidinoso é aquele destinado a satisfazer a lascívia, o apetite
sexual. Cuida-se de conceito bastante abrangente, na medida em que compreende
qualquer atitude com conteúdo sexual que tenha por finalidade a satisfação da
libido”.
Neste
delito a vítima pode ser obrigada a ter uma conduta ativa, ao proceder com a
prática de ato libidinoso no agente, como por exemplo, realizar sexo oral, ou
introduzir dedos na vagina, realizar coito anal ou vaginal, apalpar seus seios
e etc., ou a vítima é obrigada a ter uma conduta passiva, deixando que o agente
a possua sexualmente, da forma como lhe convier. Destaca Gonçalves (2012, p.
517) que:
Para
que haja o crime, é desnecessário contato
físico entre o autor do crime e a vítima. Assim, se ele usar de grave
ameaça para forçar a vítima a se automasturbar ou a introduzir um vibrador na
própria vagina, estará configurado o estupro. Da mesma maneira, se ela for
forçada a manter relação com terceiro (o agente obrigar duas pessoas a fazerem
sexo) ou até com animais. O que é pressuposto do crime, em verdade, é o
envolvimento corpóreo da vítima no ato sexual. Por
isso, se ela for simplesmente obrigada a assistir a um ato sexual envolvendo
outras pessoas, o crime é o de constrangimento ilegal (art. 146) ou, se a
vítima for menor de 14 anos, o de satisfação da lascívia mediante presença de
criança ou adolescente (art. 218-A). (Grifos da autora).
O delito de estupro
se configura através das elementares de violência ou grave ameaça, sendo que a
primeira modalidade refere-se a “toda forma de agressão ou emprego de força
física para dominar a vítima e viabilizar a conjunção carnal ou outro ato de
libidinagem”, enquanto a segunda diz respeito a “a promessa de mal injusto e
grave, a ser causado na própria vítima do ato sexual ou em terceiro”, conforme
ensina Gonçalves (2012, p. 518).
Outra
modalidade de delito, expressa no código penal contra a liberdade sexual da
vítima, refere-se ao ato de praticar conjunção carnal mediante fraude, cuja
tipificação expressa “ter conjunção carnal ou
praticar outro ato libidinoso com alguém, mediante fraude ou outro meio que
impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima", nesta
espécie delitiva o sujeito ativo, conforme Capez (2012, p. 71) pode ser
qualquer pessoa (homem ou mulher, inclusive homem com homem e mulher com
mulher), para a configuração delitiva não interessa ao direito se a pessoa é
virgem ou honesta, pois não se exclui da proteção jurídica a prostituta, “que
embora mercantilize o seu corpo, não perde o direito de dele dispor quando
quiser” (2012, p. 79).
Para Bitencourt (2012, p. 66) o direito visa proteger a
liberdade sexual do sujeito que tem sua vontade viciada em virtude do emprego
de fraude pelo sujeito ativo, esta fraude atua induzindo a vítima a erro em relação
ao seu parceiro sexual. A ação de ter conjunção carnal ou praticar outro ato
libidinoso tem como meio de execução a fraude,
a qual compreende “o engodo, o ardil, o artifício que leva ao engano”, desta
forma, “a fraude deve constituir meio idôneo para enganar o ofendido sobre a identidade pessoal do agente ou sobre a legitimidade da conjunção carnal ou do ato libidinoso diverso. Contudo, a fraude não pode anular a capacidade
de entendimento ou mesmo de resistência da vítima,”, pois neste caso, se
configurará o delito de estupro de vulnerável (art. 217-A do CP).
Para se configurar a fraude
a vítima precisa ser enganada pelo agente, é preciso que a vítima consinta com
a prática do ato mediante erro, “é
preciso o emprego de artifícios e estratagemas, criando uma situação de fato ou
uma disposição de circunstâncias que torne insuperável o erro do ofendido”,
como exemplos a doutrina trás a simulação de casamento pelo agente, a substituição
de uma pessoa por outra, hipóteses de casamento por procuração e etc.
Por outro meio que
impeça a livre manifestação da vontade da vítima, esta forma deve
assemelhar-se à fraude, pois deve
conter em si a mesma capacidade para ludibriar a vítima, com a condição de não
inviabilizar a vontade da vítima. O elemento subjetivo desta modalidade
delitiva é o dolo “constituído pela vontade
consciente de ter conjunção carnal com a vítima, ou praticar outro ato
libidinoso, ou de permitir que com ela se pratique, fraudulentamente, ou seja,
com o emprego de fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a
sua livre manifestação de vontade”.
Expresso
os aspectos jurídicos atinentes aos delitos é imperioso retratar, ante a
possibilidade de gravidez do sujeito ativo mulher, como poderia o homem, vítima
do delito de estupro do qual resultou a gravidez, proceder com relação à
criança? Possui ele dever jurídico ou moral de assumir a paternidade? O mesmo
encontra respaldo no abordo sentimental? Estes pontos serão retratados no
próximo item.
4. POSSIBILIDADE
DE GRAVIDEZ DA ESTUPRADORA E OS TRANSBORDAMENTOS JURÍDICOS E MORAIS DO ATO
No que tange a consumação do delito, foi
visto até então que a cultura machista que predomina na sociedade, recusa-se a
admitir o homem como vítima do delito de estupro ou de violação sexual mediante
fraude, no entanto, a possibilidade existe no mundo dos fatos e no mundo
jurídico e enquanto a doutrina recusar-se a apreciar e estudar suas
peculiaridades os magistrados não terão oportunidade de apreciar casos
concretos, em razão da vergonha e da negação relacionada com a matéria.
Afinal conforme a seara médica, no que se
refere “à asfixia mecânica nas modalidades de enforcamento e de estrangulamento
uma das consequências apontadas pela área médica é a turgescência peniana ou
ereção e, em alguns casos, a ocorrência de ejaculação” em um fenômeno de
reflexo, como ensino Gomes (apud
MARINO E CABETTE, 2012, p. 273), estes orgasmos podem ser produzidos através do
ato de enforcamento, o que tem incluído a ação em fantasias eróticas,
caracterizado pela constrição espontânea do pescoço, através de um laço ou das
mãos, com a intenção de ocasionar prazer, por meio da ereção, contudo, comumente
tem sobrevindo o estado de inconsciência e subsequentemente a morte da vítima
antes de ela ter alcançado o prazer pretendido.
Por meio da “suspensão completa, devido à
perda de tonicidade e eventual repleção das vesículas seminais, poderá ocorrer,
a ejaculação post mortem e
ingurgitamento hipostático dos corpos cavernosos penianos”. O curioso neste iter criminis é que, de acordo com
Marino e Cabette (2012, p. 274):
[...] no caso de morte da vítima, poderá
caracterizar o estupro com resultado morte (art. 213, § 2º, do Código Penal)
ou, ainda o crime de estupro em concurso formal com o crime de vilipêndio a
cadáver (arts. 213, 212 e 70, todos do Código Penal), se o agente sabia que a
vítima estava morta e agiu com o propósito de aviltar o cadáver ou suas cinzas.
Estes fatos coadunados com o acréscimo de
medicamentos de disfunção erétil podem facilitar com que a mulher atue como
sujeito ativo no delito de estupro, ao produzir no homem uma ereção reflexa[4]
ou psicogênica[5]. O fato
é que hipóteses não faltam para caracterizar o estupro e diante dele a
possibilidade de a vítima engravidar a estupradora, principalmente se a
gravidez era pretendida pela agente antes mesmo de planejar a consumação do
delito, isto justifica a necessidade de abertura doutrinária atinente a matéria,
de maneira o oferecer respaldo jurídico suficiente para que a vítima possa
proteger-se legalmente.
Importa salientar que estas modalidades
delitivas encontram-se esculpidas no Código Penal, não havendo como negar sua
ocorrência no plano prático, ademais conforme o site da Secretaria de Segurança
Pública do Estado de Santa Catarina a média de cada trimestre do ano de 2014
relacionados a estupros ocorridos em seu solo é de 800 (figura 1), destes não
há como precisar quais se referem a homens ou não, porém, pesquisas
jurisprudenciais apontam que não há nenhum delito de violência sexual em que a
mulher atua como sujeito ativo contra homem sendo discutido no judiciário, o
que não afasta a sua possibilidade de ocorrência, apenas evidencia que o
pensamento machista imperioso na sociedade encerra por calar as vítimas
masculinas, fazendo com que sua dor ecoe somente em suas mentes.
Figura 1 – Estupros
relacionados ao ano de 2014. Fonte:
Secretaria de Segurança Pública do Estado de Santa Catarina.
O problema da questão é que o site da SSP de
SC sentenciou que no ano de 2015, a média trimestral de estupro permaneceu
igual ao do ano de 2014, fazendo da casa dos 800 o seu domicílio (figura 2),
instante em que novamente as vítimas não estavam caracterizadas, estando,
então, incluídos neste número, homens e mulheres, fato este que contribui para
com a doutrina atual, pois demonstra que os homens estão formalizando as
ocorrências de estupro, e com isto, promovendo para que a doutrina abra vistas
a estas modalidades delitivas, abrindo parecer para o estudo desta prática
delitiva e permitindo que o judiciário possa atuar através da aplicação da lei
aos casos práticos, contribuindo para a inibição desta prática ilegal e para a
expansão do véu protetivo da dignidade da pessoa humana, também, ao homem no
que tange ao abrigo de sua dignidade e liberdade sexual.
Figura 2 – estupros
relacionados ao ano de 2015. Fonte:
Secretaria de Segurança Pública do Estado de Santa Catarina.
Ocorre que sendo a mulher o sujeito ativo do
delito de estupro, a probabilidade de que a mesma venha a engravidar no ato
ilícito aumenta, visto que será ela quem estará dominando a ação, e muitas
vezes a mesma atua nesta modalidade de ilicitude em razão de querer engravidar
do sujeito passivo, por ambição, por exemplo, diante disto, prevê o Código
Penal no art. 234-A, inc. III, que se do crime resultar gravidez a pena será
aumentada em metade. Ademais, não paira dúvida sobre a aplicabilidade do
dispositivo, quando a mulher for estupradora, pois a mesma deverá ser
sancionada por todas as condutas ilícitas que venha a praticar, não sendo
correto que o homem além de ter sido vítima de um delito, tenha que vir a arcar
com o sustento de um possível filho proveniente do ato.
A problemática circunda o fato de o homem não
ficar sabendo da gravidez no período da gestação, instante em que seria
possível que o mesmo adentrasse na esfera jurisdicional pretendendo a
sentenciação do abordo humanitário ou sentimental, tutelado pelo art. 128, inc.
II do CP, caso em que a justiça brasileira torna impunível o aborto praticado
pelo médico nos casos provenientes de estupro, sendo, a vítima procurada pela
estupradora, somente após o nascimento da criança, com a pretensão de alcançar
direitos na esfera cível (no que se refere à esfera patrimonial, ocasionando problemas de sucessão hereditária, pensão alimentícia,
gastos com a criação de um filho, alimentos gravídicos), para o filho
fruto do crime, isto sem contar nos problemas atinentes ao aspecto sentimental
(psicológico), de saber que além de ter visto a sua carne e dignidade sexual
violada por alguém, ainda precisaria conviver com o fato de este ato ter
resultado em uma criança.
Imagine que uma mulher
acaricie e seduza um menor de treze anos para com ele praticar conjunção
carnal, visando exatamente a gravidez para locupletar-se com a maternidade de
um herdeiro abastado e dos recursos provenientes de uma robusta pensão
alimentícia, considerando o extenso patrimônio da família do menor. E se assim
não for, mesmo que a gravidez se constitua em algo não desejado para a autora
do estupro (seja do vulnerável ou de qualquer outra situação não mencionada
neste trabalho, mas passível de ocorrência), isso não exclui sua
responsabilidade pela conduta e seus resultados na medida em que atingem mais
intensamente a vítima, que deverá arcar com os deveres advindos da paternidade.
(Costa, 2014, s/p).[6]
Da conduta ilícita da mulher resultará
inúmeros danos, tanto para o menor, quanto para sua família, e inclusive para a
criança proveniente do delito. Para o doutrinador Nucci (apud SANTOS, 2014, s/p) o aborto humanitário somente é lícito em
razão de que o ato de estupro ofende demasiadamente a mulher, e o fato de a
mesma ter que gerar um filho em seu ventre proveniente do delito ofenderia sua
dignidade, ocasionando profundos abalos psicológicos, entendimento este que
resultou na excludente de ilicitude do art. 128, inc. II do CP.
Portanto, não sendo o homem o gestante não
haveria motivos para que o mesmo sentisse sua dignidade ofendida, o que
afastaria a aplicabilidade deste dispositivo tornando o ato do aborto um
ilícito, e deixando para a mulher todas as responsabilidades pelo
transbordamento do ato criminoso, afastando, desta forma, a necessidade de o
homem cooperar financeira ou sentimentalmente com relação à agressora e a
criança, resultante da agressão.
Para Nucci e Santos (2014, s/p), o pedido,
por parte do vitimizado, pelo abortamento da gestante não se enquadra dentro
dos limites da lei, e seria considerado inconstitucional em razão do direito à
inviolabilidade da integridade corporal da gestante, o que, no entender deste
estudo, não seria, pois, mesmo o homem não sendo gestante, ele possui o mesmo
teor de participação na gravidez, e sendo este resultado de um ilícito
ofenderia sua dignidade da mesma forma que ofende a da mulher vitimizada pelo
delito, quando ela é a vítima do crime.
Entendimentos a parte, o fato é que não seria
nem ao menos lógico que um homem fosse condenado a prover com o sustento de uma
criança proveniente de um estupro, sendo até mesmo, uma espécie de condenação
por ter sido estuprado que o mesmo tivesse que sustentar e amar uma pessoa
resultante de um delito, e o direito deve se organizar conforme as necessidades
sociais, afinal as leis apenas existem para facilitar e proteger as relações
das pessoas.
Entrosamento ao qual se coaduna Alexy (2009,
4), pois para uma norma compreender o direito
a mesma deve deter em si duas características a “da legalidade conforme o ordenamento ou dotada de autoridade e o da eficácia social”, e uma norma para ser
válida precisa ser justa, e para isto os magistrados precisam estar atentos,
pois “o legislador também pode estabelecer a injustiça”, pois sempre que uma
norma contrariar dispositivos fundamentais ela estará eivada de vícios, devendo
então ter sua aplicabilidade afastada pelo juiz.
[...] embora, em geral, lei e direito
coincidam facticamente, isso não acontece de maneira consciente nem necessária.
O direito não é idêntico a totalidade de leis escritas. Quanto às disposições
positivas do poder estatal, pode existir, sob certas circunstâncias, uma
excedência de direito, que tem sua fonte no ordenamento jurídico constitucional
como um conjunto de sentido e é capaz de operar como corretivo em relação à lei
escrita; encontrar essa excedência de direito e concretizá-la é tarefa da
jurisprudência. (ALEXY, 2009, 10).
Salienta Bedin[7]
(2012, s/p) que é a capacidade que a pessoa possui de sentir compaixão que faz
dela um ser humano, quando uma pessoa abandona seus sentimentos, ela
automaticamente, encontra-se desprovida de razão para existir, para o estudioso
é “a figura da divindade, associada ao amor e a compaixão incondicional” que
consubstanciam o sentido figurativo da democracia, para o autor (2012, s/p), a
mesma compreende “a liberdade de associação, de expressão, sem privilégios de
classe, sem distinções e preconceitos. É justiça sem justiçamento. É tratar
diferente os desiguais. É punir os culpados e absolver os não culpados, já que
quem comete crime não é inocente”.
Bedin (2012, s/p) é oficial de Polícia
Militar a mais de trinta anos, e em todo o tempo em que tem trabalhado a frente
da corporação militar pode constatar que é possível a um funcionário público
usar da capacidade que o Estado lhe empresta para transformar o seu entorno,
modificando para melhor sua circunscrição de trabalho, para o mesmo é
presumível que um funcionário, ao desempenhar seu trabalho, aja mecanicamente,
laborando todos os dias da mesma forma, o que faz desta pessoa, um trabalhador
descartável, pois não inova e nem pensa diferente, agindo como uma máquina. Porém,
quando um funcionário público reflete seu agir, analisa seu ambiente, e inova
em suas atitudes ele passa a ser um ser humano, conseguindo, com isto,
modificar a sua volta, como dizia Montesquie “juízes não sois máquinas, homens
é o sois”.
Concordante, Alexy (2009, p. 15) define que
direito e moral andam de mãos dadas. Em seu trabalho o autor indaga sobre qual
seria o conceito de direito correto e adequado, aquele em que o mesmo mune-se
da moral ou aquele dissociado desta? “Quem pretende responder a essa pergunta
deve relacionar três elementos: o da legalidade
conforme o ordenamento, o da eficácia
social e o da correção material”.
Conforme a medida relacionada entre esses três elementos, surgirão conceitos
diferenciados.
O fato é que para uma norma possuir
aplicabilidade em seu aspecto externo a mesma precisará regular algo e aplicar
uma punição para quem desrespeitá-la como meio de coagir ao seu respeito,
obtendo, mesmo que forçadamente o acatamento de sua regularidade; já no aspecto
interno ela precisará conter uma motivação de observância ou aplicação,
contendo em si, disposições psíquicas que motivem os homens a respeitá-la, pois
o direito compreende unicamente o que a comunidade de homens “reconhecem
reciprocamente como norma e regra dessa convivência”, como salienta Alexy
(2009, p. 18/19).
O direito embasa em si uma estrutura de um
sistema social que se fundamenta “na generalização congruente de expectativas
de comportamento”, assim, “um comando é definido pelo fato de ser reforçado por
sanções”, mas nem todo comando é direito, somente é direito, aquele instituído
por uma força superior, e legalizada, como a exemplo do legislativo. Ademais,
conforme Alexy (2009, p 29):
Como sistema de procedimentos, o sistema jurídico é um sistema de ações baseadas em
regras e direcionadas por regras, por meio das quais as normas são promulgadas,
fundamentadas, interpretadas, aplicadas e impostas. Como sistema normativo, o sistema jurídico é um
sistema de resultados ou de produtos de procedimentos que, de alguma maneira,
criam normas. Pode-se dizer que aquele que considera o sistema jurídico um
sistema normativo refere-se ao seu aspecto externo. Em contrapartida, trata-se
do aspecto interno quando o sistema jurídico é considerado um sistema de
procedimentos.
Desta forma, o direito visando atingir
resultados concretos emana direcionamentos, para que o magistrado percorra,
como meio de auferir estes efeitos nas casuísticas em espécie, por isto, o
mesmo não compreende somente a totalidade das leis escritas, pois ele embasa,
também, os entendimentos dos magistrados consubstanciados em jurisprudências e
o entendimento de doutrinadores encontrados em livros, pois a sentença
compreende um ato maior do que o de dizer a lei ao caso concreto, pois se assim
o fosse, até mesmo uma máquina seria apta a sentenciar.
Conforme Bedin (2012, s/p), o ato de ser
funcionário público emprega a ação de entender, refletir e racionalizar sobre a
função que o Estado lhe entrega, assim sentenciar é proceder com uma analise
sobre o caso que esta sob seu julgamento, refletir e racionalizar sobre os
resultados que sua sentença produzirá no mundo prático, é analisar sob a luz
que a Constituição emana, visando à materialização dos direitos humanos
fundamentais consolidados em suas linhas.
Pelo entendimento unificado na Carta Magna
será possível verificar que não existe direito absoluto, nem mesmo o direito à
vida é. Afinal, no instante em que a legislação é feita por seres humanos, é
natural que a mesma não seja investida de perfeição, e por isto, “não poderia
prever todas as situações passíveis de ocorrência”, deste modo, de acordo com
Costa (2014, s/p) deve o direito:
[...] permitir a
relativização de alguns direitos em detrimento de outros, pois existem
circunstâncias que tornam desproporcionais e desarrazoadas as aplicações de
certas garantias legais, quando se tratar de um caso peculiar, analisado
concretamente. Desse modo, obedecendo a uma análise principiológica, bem como
dos conceitos substanciais que guiam o atual ordenamento jurídico pátrio, bem
como sabendo-se que sempre há a possibilidade de não ser um dispositivo legal a
melhor solução para uma situação real previamente positivada, é sensato o
afastamento da imposição conjecturada por lei.
Diante disto, resta à possibilidade de
relativização do direito a paternidade nos casos em que a gravidez resulte de
violação sexual, sob o manto protetor proveniente dos direitos humanos fundamentais
irradiantes da Carta Magna, instante em que o suporte desta teoria
corporifica-se na dignidade da pessoa humana, princípio que dá suporte a
“supremacia da proteção do ser humano”. Do exposto Costa (2014, s/p) define
que:
A dignidade da pessoa humana
supera a condição de princípio e figura como valor do indivíduo, como núcleo
exegético do ordenamento jurídico, devendo ser observado como orientador de
todos os feitos relacionados à pessoa humana. Fala-se também em caráter
absoluto da dignidade da pessoa humana, pois não haveria circunstância ou
direito que pudesse tirar a sua prioridade, especialmente pelo fato de tal
principio ser um fundamento da República Federativa do Brasil, apontado no
primeiro artigo da Constituição Federal. Desse modo, o fundamento aludido será
sempre o guia basilar do Direito, sendo imprescindível na argumentação para
relativização de certo direito em detrimento de outro, como é o caso em exame.
Um dos princípios constitucionais que caminha
entrelaçado ao da dignidade da pessoa humana é o da justiça e da igualdade,
conforme já afirmado, os quais permitem ao magistrado, tratar de forma desigual
os desiguais no limite de suas desigualdades, de maneira a equilibrar as
diferenças, os quais coadunados aos princípios da razoabilidade e da
proporcionalidade unificam a junção entre humanidade e legalidade nas decisões
dos magistrados. Desta forma frente a uma colisão entre os direitos do homem,
vítima do estupro, e da mulher, sujeito ativo do delito e da criança, resultado
deste crime, findam na possibilidade de relativização dos direitos de
paternidade em todos os âmbitos (sentimentais, jurídicos, morais e
patrimoniais).
Assim como nos casos de doação de esperma o
homem não cria vínculos com a mãe ou a criança, também, nos casos de delito
este vínculo não deve ser exigido, posto que a imposição da paternidade à
vítima do crime vai de encontro ao princípio da dignidade, chocando-se
frontalmente com a igualdade e a justiça brasileira, pois compelir o ofendido à
submissão dos efeitos desta gestação é favorecer a perpetuação desta modalidade
delitiva, além de que, conforme Costa (2014, s/p) “ignorar a invasão à honra do ser humano ao conduzi-lo por uma relação
não sadia com o gerado é desvalorizar a imagem do homem como sujeito de direitos”, conforme o autor:
A vontade procriacional diz
respeito à intenção de gerar um filho por meio da relação sexual, quando um
casal decide por aumentar a família e criar uma nova vida. Quando, por exemplo,
uma mulher engravida sem planejamento, apesar de não ser a intenção inicial, é
sabido que tal ato é capaz de ocasionar a gestação. Não é
o caso em análise. A vontade procriacional inequívoca encontra-se ausente nesse
fato específico, pois a vítima não desejou a gestação nem tampouco assumiu o
seu risco ao proceder à prática sexual mediante violência ou grave ameaça. O
homem, além de vítima da invasão sexual que ofende o bem jurídico da dignidade
sexual, tutelado pelo Código Penal, terá que arcar com as consequências civis
do ilícito, que não previu ou assentiu, resultando essas circunstâncias em
relevante desrespeito às garantias constitucionais da dignidade humana e
razoabilidade.
De acordo com a razoabilidade é sensata a
ideia de relativizar o direito à paternidade, permitindo a vítima que escolha
entre assumir o filho ou não, posto que no caso inverso a dignidade da mulher é
imposta, não sendo justo que no caso do homem não o fosse.
Assim, o deslinde apontado não seria
incompatível com os direitos do nascituro, pois o mesmo não teria sua vida
ceifada, como no caso inverso, somente teria o bem jurídico relacionado com a
filiação relativizado, de maneira a resguardar a dignidade do ofendido, pois
forçar uma relação entre ofendido e o fruto do crime, não seria compatível com
os preceitos constitucionais irradiados da norma maior brasileira. Este também
é o entendimento de Damásio de Jesus e Smanio (apud COSTA, 2014, s/p):
Muito embora, em nosso
sistema jurídico, a vida seja protegida desde o momento da concepção,
excepciona-se a proibição de matar em prol de uma limitação humana em lidar com
um fato indelével e que ocasiona, na maioria das vezes, transtornos
psicológicos difíceis de superar. Partindo dessa premissa, se a vítima do
estupro é o homem, pode não ser de sua vontade que a mulher criminosa dê à luz
um filho seu. Apesar de não ser ele a pessoa a suportar os reflexos físicos da
gravidez, a paternidade implica uma série de obrigações de ordem jurídica,
ética, moral e até mesmo financeira, para não falar de outras. Nessa ótica,
poder-se-ia cogitar de uma mulher que dolosamente realiza a conduta criminosa,
intencionando engravidar para obter um vínculo com o homem e, ainda, uma pensão
futura para o filho comum ou até mesmo para chantagear alguém de ótimas
condições financeiras.
Pelo exposto conclui ser coerente a
relativização do direito à paternidade em relação ao explanado das normas
constitucionais, nos casos em que haja gravidez da delituosa, em razão da
ausência da participação da vítima (o homem genitor), sendo a ideia coerente
com os princípios da Carta Magna, consubstanciados na dignidade da pessoa
humana, na igualdade e na justiça e com relação à proporcionalidade e
razoabilidade das decisões magistrais.
5.
DEFINIÇÕES CONCLUSIVAS
Este estudo teve por interesse analisar a
possibilidade de relativização do direito à paternidade, ou da legalidade da
prática do aborto humanitário quando a gravidez resulte de violação sexual
mediante fraude ou estupro praticada por mulher contra homem.
No primeiro momento foi efetuada uma análise
ao entendimento social relacionado à matéria, transferindo a este estudo os
aspectos morais e culturais relacionados ao delito.
Em seguida foi procedido com um exame aos
aspectos jurídicos atinentes ao crime, efetuando um estudo desde os preceitos
constitucionais até infraconstitucionais de maneira a robustecer o entendimento
do leitor sobre o tema.
Por fim, foi juntado o entendimento social,
com o legal e o doutrinário de onde se extraiu que não apenas é possível a
relativização do direito à paternidade, como, também é viável visto que a
vontade da vítima encontra-se eivada de vício no instante em que a mulher
engravidar através de um crime e não seria justo, que o homem arcasse com todas
as consequências de uma gravidez quando a mesma resultou de um delito, sendo
até mesmo uma afronta aos princípios da isonomia e da dignidade da pessoa
humana se isto ocorresse.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
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Robert. Conceito e validade do direito.
Organização Ernesto Garzon Valdes [et al]. ; Tradução Gercelia Batista de
Oliveira Mendes. – São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009.
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Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm. Acesso em 09 de abr. de 2016.
_______.
Código Penal. Decreto-lei n° 2.848,
de 07 de dezembro de 1940. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm. Acesso em 09 de abr. de 2016.
BEDIN,
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— 7. ed. — São Paulo: Saraiva, 2012.
______.
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Capez,
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Capez,
Fernando. Curso de direito penal,
volume 3, parte especial : dos crimes contra a dignidade sexual a dos crimes
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Anderson Pinheiro da. A mulher como
sujeito ativo do crime de estupro e as conseqüências nas esferas cível e penal.
Artigo do site Conteúdo Jurídico, 2014.
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parte especial, volume III. 6ª ed. – Niteroi: Rio de Janeiro: Impetus, 2009.
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MARINO,
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como sujeito ativo do crime de estupro: aspectos doutrinários, possíveis
hipóteses médico-legais e consequências nas esferas civil e penal. - artigo publicado,
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NUCCI,
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Comentado. 9ª ed. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.
Site
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sexo masculino têm mais dificuldade de lidar com o trauma, 2011.
UTIDA,
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N. 3. São Paulo: Bevilacqua Editora e Consultoria, set.-dez. 2004.
VIGARELLO,
Georges. História do estupro:
violência sexual nos séculos XVI-XX. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998.
[1]
Advogada; Graduada em Direito; Autora do livro A promoção dos Direitos Humanos
Fundamentais através da Polícia Militar; Articulista assídua em diversas
revistas jurídicas.
[2]
Extraído do site Hype Science: Vítimas de abuso sexual do sexo masculino têm
mais dificuldade de lidar com o trauma.
[3]
O vocábulo costumes é aí empregado para significar (sentido restritivo) os
hábitos da vida sexual aprovados pela moral prática, ou, o que vale o mesmo, a
conduta sexual adaptada à conveniência e disciplina sociais. O que a lei penal
se propõe a tutelar, in subjecta matéria,
é o interesse jurídico concernente a preservação do mínimo ético reclamado pela experiência sexual em torno dos fatos
sexuais. GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial, volume III. 6ª
ed. – Niteroi: Rio de Janeiro: Impetus, 2009, Pág. 462.
[4]Ereção reflexa: é induzida pelo estímulo
tátil nos órgãos genitais; (...) os impulsos seguem pelo nervo pudendo até
atingir o centro sacral da ereção. Há ativação dos núcleos parassimpáticos e
através dos nervos cavernosos é obtida a ereção. (UTIDA et al., 2004, p.150).
[5]Ereção psicogênica: (...) é o resultado
de estímulos audiovisuais ou imaginativos e encontra- -se na dependência da
modulação dos centros eretores medulares (T11-L2 e S2-S4). Para que seja
ativado o processo da ereção, os impulsos cerebrais são transmitidos através
das vias simpáticas (inibição da liberação de norepinefrina), parassimpáticas
(liberação de óxido nítrico e acetilcolina) e somáticas (liberação de
acetilcolina). (UTIDA et al., 2004, p.150).
[6]Estupro de vulnerável: Art. 217-A do CP. Ter
conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze)
anos: Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15
(quinze) anos. § 1o
Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém
que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento
para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer
resistência. § 3o Se da conduta resulta lesão corporal
de natureza grave: Pena - reclusão, de 10 (dez) a 20 (vinte) anos. § 4o
Se da conduta resulta morte: Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.
[7]
Coronel da 4ª Região de Polícia Militar, no município de Chapecó, estado de
Santa Catarina.