O USO DA HERMENÊUTICA VERDE NA PROTEÇÃO/PROMOÇÃO DO MEIO AMBIENTE
Resumo: O referido manuscrito tenciona
descortinar a sociedade acerca da importância que o meio ambiente possui para a
sobrevivência humana, assim como, alertar ao judiciário sobre sua inefetividade
no plano jurídico ambiental, em razão de que conforme a norma constitucional e o posicionamento que o
constituinte originário estabeleceu para o meio ambiente, é imprescindível que seus
preceitos se efetivem, sendo responsabilidade também do judiciário a
aplicabilidade de suas sanções e a promoção do mesmo na sociedade, por compreender direito e responsabilidade de todos, assim em um Estado Democrático
de Direito, sempre que se nega a aplicação de uma garantia da Carta Magna, está-se, automaticamente, negando a sua irradiação no plano prático. Tenciona-se evidenciar
a relevância deste bem por meio da hermenêutica.
Palavras-chave: Meio ambiente; hermenêutica verde;
dignidade humana; juridicidade.
1.
INTRODUÇÃO
O
respectivo artigo tem por escopo elucidar acerca do uso da hermenêutica verde
para a proteção e promoção do meio ambiente, bem como descortinar sobre a
interdependência que a vida possui com este bem, e, portanto, destacar a
necessidade de estabelecer uma convivência harmônica entre a sociedade, o consumismo imoderado e a finitude dos recursos naturais de forma a
complementarem-se. Estabelecendo sua definição e necessidade de seu bom
andamento para a possibilidade de uma vida digna e sadia. O método utilizado
foi o indutivo, o objetivo foi alcançado através de referências bibliográficas.
Em
primeiro momento será demarcado acerca da necessidade de um meio ambiente
saudável enfatizado no núcleo constitucional como um direito fundamental, neste
instante, será descrito sobre o capítulo que o constituinte originário definiu
para o meio ambiente, qual seja, Capítulo VI, art. 225, destacando suas
diretrizes e irradiações sobre o plano prático de um Estado Democrático de
Direito.
Em segundo ponto, será efetuada uma censura à dogmática jurídica, pois se analisará as verdades pressupostas engessadas na doutrina e descritas na Carta Magna, que, porém, se encontram sem vida prática, destacando a ineficácia das múltiplas normas protetivas existentes, que, por sua vez, encaminham o ser humano para a finitude de sua existência.
Neste instante, será destacado acerca da dicotomia existente entre a promoção da proteção e recuperação ao meio ambiente versus a busca desregrada por crescimento e ganhos financeiros a qualquer custo, ou seja, mesmo a custo dos bens finitos do meio ambiente seguindo o caminho da ineficácia de um Estado Democrático de Direito, e negando os preceitos estabelecidos na Carta Magna, definindo por consequência, o fim da vida humana na Terra.
Em último momento será destacado sobre a hermenêutica e as discussões nela inserida, objetivando alicerçar e robustar a efetivação do meio ambiente, pois, conforme o grau de importância que este bem possui para a vida humana, bem como, de acordo com sua colocação na Carta Máxima, não há como, em um Estado Democrático de Direito, negar seus frutos, e sua irradiação por toda a sociedade sob pena de negar-se aos comandos que a Constituição impõe ao Estado e à sociedade.
DEMARCANDO O PONTO INICIAL: A BUSCA POR UM MEIO AMBIENTE SAUDÁVEL COMO DIREITO FUNDAMENTAL
Convém demarcar que o Estado foi composto por
variados modelos, desde o Estado Liberal, que se fundamentara com a Revolução na
Inglaterra em meados de 1688, cujo ponto basilar era os direitos individuais,
acentuando um afastamento entre o público e o privado, bem como atuando no
incentivo do desenvolvimento pessoal, perdurando por dois séculos,
desencadeando em desigualdades e injustiças sociais, fazendo emergir no século
XX, o início do Estado Social, impulsionado por uma ideologia socialista, sendo
definido como Estado Providência ou Estado de Bem-Estar Social, conforme
enfatiza Klock (2011, p. 26/27).
Tal modelo estatal visava os interesses
coletivos (Estado Social), no entanto o mesmo se recusava a desamparar o regime capitalista, de
maneira a não ameaçar os interesses das classes burguesas, ocorre que tal
padrão mostrara-se ineficaz no que tange a promoção dos direitos fundamentais,
sendo considerado ineficiente e insuficiente, requerendo um novo padrão
estatal, harmonizando os modelos anteriores de forma a construir um padrão que
melhor atendesse aos anseios sociais, aqui incluída a tutela ambiental.
Desencadeando, portanto, no Estado Democrático de Direito, que trouxera em suas concepções a proteção à cidadania e a solidariedade, buscando na ação comunitária o desenvolver de suas prerrogativas, para então, incluir novos atores para prestar mais consistência e suporte social, posto que, deixariam do status passivo, para tornarem-se agentes promotores/efetivadores dos interesses que lhes são comuns, como define Klock (2011, p. 27).
Dentro desta nova concepção de Estado emergiu a Carta Magna de 88, cuja mesma dispôs de um artigo que consiste em cerne para a árvore constitucional, colorindo em verde a Expressão Máxima deste Estado Democrático de Direito, compreendido pelo artigo 225, onde é possível constatar que a hermenêutica protetiva ou como o presente manuscrito define ‘hermenêutica verde’ se apresenta nas seguintes dimensões:
A extensão do termo "'todos' têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado..." apresenta-se no sentido de caracterizar a titularidade de todas as espécies vivas como detentoras do mínimo existencial ambiental, e sua sustentabilidade nas mais variadas dimensões, não apenas respectivas aos humanos (animal político ou histórico), mas a todas as espécies e o equilíbrio ecológico que garante a teia da vida em todas as formas, como enfatiza Milaré (2011, p. 71).
b)
"... bem de uso comum do povo
e..." - caracteriza o patrimônio público e de domínio
público e comum da humanidade/sociedade planetária, pertencente como direito
difuso de todos, compreende um bem indivisível, de titularidade indeterminada,
direito de solidariedade, de fraternidade, transindividual, usufruto de
toda comunidade planetária, ou seja, o meio ambiente compreende um bem
jurídico per se - com identidade própria, dotado de um valor
intrínseco e com autonomia em relação a outros bens protegidos pela ordem
jurídica, ou simplesmente, res communis omnium, isto é, coisa de todos, de acordo com a definição de Milaré (2011, p.
71). Ou ainda, como, determina Hely Lopes Meireles (apud MILARÉ, 2011,
p. 569), natureza de direito público subjetivo, patrimônio uti universi.
c)
“... essencial a sadia qualidade
de vida" - guarda relação de condição
indispensável à saúde, ao bem-estar e a sobrevivência da população, como
garantia inafastável de vida digna, direito humano fundamental à vida,
consoante com a inviolabilidade do direito à vida - art. 5 da CF/88 e cláusula
pétrea (art. 60,§4, IV da CF/88) amparado por meio da dignidade da pessoa
humana (art. 1, III da CF/88), expressão maior da Carta Magna, pois compreende pedra basilar na construção de um Estado Democrático de Direito.
Neste ínterim, a dimensão protetiva da ‘hermenêutica verde’ visa buscar uma convivência harmoniosa com a natureza, em preocupação com a 'sociedade de risco' vivenciada atualmente. Salientando acerca do dever de regrar a produção econômica para os excessos quantitativos e qualitativos que afetem a sustentabilidade, pautando-se em regras científicas, técnicas, sociais e jurídicas afetas a gestão dos impactos ambientais e usos dos recursos naturais e ambientais.
Desta forma, Leite et all (2005, p. 623), ambiciona evitar o
que define como "concepções econômicocêntricas": seria basear a econômica como foco principal, portando, deseja-se evitar operar
uma ecologia profunda, com higidez e salubridade do meio ambiente,
visando combater as "externalidades negativas" deste modelo de
sociedade de risco – insustentável em que a humanidade se encaminha.
Ocorre que o capitalismo desmedido gera uma injustiça social, pois vulnerabiliza o meio ambiente, deixando-o fragilizado frente à crise que o ser humano produz via o consumismo imoderado dos bens naturais, ademais, sabe-se que “perigos e riscos são inevitáveis em qualquer modelo de desenvolvimento. Entretanto, é preciso estar atento para que os efeitos perversos do capitalismo não elevem os graus de injustiça aos mais vulneráveis ambientais”, nas palavras de Klock (2011. p. 29).
Neste sentido, salienta-se que se de uma forma a globalização
facilita o ingresso as mais diversificadas tecnologias, rompendo qualquer
limite econômico, social, cultural ou geográfico, acelerando o progresso da
humanidade, de outra forma, atua negativamente, “aumentando as desigualdades
sociais e a degradação do meio ambiente”, conforme depreende o citado autor
(2011, p. 29).
Por quê as desigualdades sociais caminham de mãos dadas com a degradação ambiental, em razão de que, quanto mais o meio ambiente se denigre, mais propenso está ao desenvolvimento de doenças as quais irão atacar a população atingindo, principalmente, aos mais vulneráveis.
Ocorre que o nível de degradação que a globalização trouxera ao meio ambiente ainda é incerto em função da demora que um ato degradante tem em manifestar-se negativamente, assim, o respectivo autor (2011, p. 29) enfatiza acerca da necessidade em descortinar o meio ambiente para a sociedade de forma a demonstrar aos mesmos a fundamentalidade deste bem, que se presta como “elemento biológico essencial a vida humana”.
Ocorre, no entanto, que a vulnerabilidade ambiental distribui-se entre os planos científicos, técnicos, econômicos, psicológicos, sociais e políticos, que precisam ser considerados em conjunto, por compreenderem os “fatores socioeconômicos que frequentemente aumentam a vulnerabilidade das populações ameaçadas” conforme Klock (2011, p. 31). Neste sentido, percebe-se que esta vulnerabilidade ambiental encontra-se enraizada com a efetivação da justiça social, desta forma:
A globalização acentua tais vulnerabilidades, criando maiores
desigualdades sociais, porque a informação, a tecnologia e o capital são
restritos a poucos e utilizados em detrimentos de muitos. Com efeito, os mais
pobres e, consequentemente, mais vulneráveis participam do processo
universalizador mundial como meros expectadores, tornando-se os maiores suportadores de riscos. Portanto, os
riscos ambientais aumentam conforme o grau de vulnerabilidade da
sociedade-grupo. (Klock, 2011, p. 31).
Desenvolve-se neste artigo o despertar da atenção dos cidadãos para a
indispensabilidade de proteção que carece este bem, em virtude do caos que se
instala neste ambiente devido ao crescimento das atividades industriais,
desencadeando um consumismo imoderado em escala interplanetária, em virtude da
ideologia capitalista atinente ao desenvolvimento a qualquer custo, desenvolvido
desde a Revolução Industrial, ignorando totalmente a finitude dos bens naturais,
desatentos acerca dos impactos que seus atos venham a produzir, revelando a
tendência crescente ao desrespeito ao meio ambiente.
O descompasso entre o consumismo aos bens ambientais e a compensação
efetuada encontra-se a nível alarmante ao ponto de as leis protetivas a este
bem tomarem escala mundial, pois que seus resultados negativos mostram-se a
nível internacional, universalizados, assim o respeito, a promoção e recuperação
desta propriedade, consistem em muito mais que uma necessidade moral, mas sim, uma
exigência jurídica, pois, encontra-se na Carta Magna a salvaguarda ao
direito a vida, sendo então, até mesmo, inconstitucional que suas prerrogativas
deixem este bem ao abandono em função de sua intrínseca relação com o pulsar
da vida humana, visto que, sem a disponibilidade dos recursos naturais seria
impossível a sobrevivência humana (aqui incluída qualquer espécie, inclusive a
do homem), como enfatiza Klock (2011, p. 33).
Destaca Bobbio (2004, p. 43/45), que a maior questão não está em justificar a necessidade de proteção, mas sim em efetivar este direito, razão esta que diz que a questão em pauta não é filosófica, mas, nuclearmente jurídica e de forma ampla pode-se dizer que também é política. Ademais, em um Estado Democrático de Direito, não se vê a permissão de que seja quebrada a ordem social em benefício de alguns poucos indivíduos, como ocorre por meio do capitalismo, pois conforme Rousseau (2012, p. 23), esta compreende “um direito sagrado.”
Posto
que, ao promover o contrato social a multidão reuniu-se em um corpo, onde o
dever e o interesse comum os obriga a agirem em conformidade e auxílio uns com
os outros, neste sentido, o interesse particular cede lugar ao interesse comum,
conforme salienta o referido autor (2004, p. 44/45).
Por decorrência a ideia de desenvolvimento sustentável propõe uma relação de harmonia entre o homem e o meio ambiente, promovendo uma inclusão social, e um respeito comum entre ambos, pela impossibilidade de haver crescimento humano sem os nutrientes que a Terra produz, portanto, pretende-se compatibilizar os interesses socioeconômicos às limitações naturais, de maneira a complementarem-se, priorizando a máxima de que, sem os recursos naturais não há vida, que dirá progresso ou desenvolvimento, ou seja, um meio está intrinsecamente ligado ao outro.
Tenciona-se atentar que o desenvolvimento
econômico compreende em um meio e não um fim de ascensão da vida humana,
conscientizando que o pensamento antropológico de que o homem compreende o
centro de tudo encontra-se desmedido, pois, na verdade este nada mais é que um
ser que habita a Terra, sendo dependente dos recursos desta, o que evidencia a
distorção evolutiva criada na cabeça do homem que via os recursos naturais
apenas como matéria-prima e não como fonte de vida que realmente os são.
Sobreleva-se a necessidade de salvaguardar o meio ambiente no plano internacional, como direito fundamental e cláusula pétrea que é, devido a sua capital importância, posto que, de acordo com Carvalho (2005, p. 142):
[...] homem não pode sobreviver mais do que quatro minutos sem respirar,
mais de que uma semana sem beber água e mais do que um mês sem se alimentar. O
único local conhecido no universo no qual o homem pode respirar, tomar água e
alimentar-se é a Terra. Nessa ótica, o ambiente estaria intrinsecamente
relacionado com os direitos à vida e à saúde.
Ocorre que, somente a positivação de leis protetivas mostra-se ineficiente para suprimir as exigências da crise vivenciada, é preciso mais que isso, se faz primordial despertar a consciência ambiental, por meio de uma reeducação cultural de forma a promover a efetividade das leis, devidoa o fato de que, simplesmente proibir e punir se mostra ineficaz, portanto, mister se faz, descortinar a sociedade acerca da imprescindibilidade deste bem, e a atemporalidade de suas consequências, por produzir resultados para as presentes e futuras gerações.
Já que um dano efetuado em momento x desenvolve danos para momento y, instante em que fica mais difícil precisar a dimensão do dano e seus efeitos reais.
Abrindo espaço para a discussão acerca da efetivação destas leis, visto que, as mesmas encontram-se engessadas na doutrina, e distante de seu objetivo final, que compreende a promoção de um meio ambiente sadio e equilibrado, consumando os preceitos da Constituição Verde, conforme se tratará no próximo item.
UMA CENSURA À DOGMÁTICA JURÍDICA: AS VERDADES PRESSUPOSTAS ENGESSADAS NA DOUTRINA TRABALHANDO PARA A INEFICÁCIA DAS NORMAS PROTETORAS DO MEIO AMBIENTE
Define-se
como meio ambiente “tudo aquilo que nos cerca”, e, compreende “um direito
para cada pessoa humana”, isto é, inclui “a interação do conjunto dos elementos
naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado
da vida humana”. Por consequência, Custódio (2011, p. 200) o define legalmente
como sendo:
[...]
‘o conjunto de condições, leis, influências e interações da ordem física,
química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas
formas,’ considerando-se, ainda, o ‘meio ambiente como patrimônio público a ser
necessariamente assegurado e protegido, tendo em vista o uso coletivo’ (Lei
6.938, de 31.08.1981, arts. 3°, inc. I, e 2°, inc. I). Trata-se de ampla
definição legal, pois atinge ‘tudo que permite a vida, que a abriga e rege’,
abrangendo ‘as comunidades, os ecossistemas e a biosfera’.
Consciente
acerca da fundamentalidade do meio ambiente é que emergiu o Direito Ambiental
como meio de promover a interação harmônica entre o homem e este bem, assim de
acordo com o respectivo autor (2011, p. 200) este ramo da árvore jurídica
compreende:
[...]
o conjunto de princípios e regras impostos, coercitivamente, pelo Poder Público
competente, e disciplinadores de todas as atividades direta ou indiretamente
relacionadas com o uso racional dos recursos naturais (ar, águas superficiais e
subterrâneas, águas continentais ou costeiras, solo espaço aéreo ou subsolo,
espécies animais e vegetais, alimentos e bebidas em geral, luz, energia), bem
como com a proteção e promoção dos bens culturais (de valor histórico,
artístico, arquitetônico, paleontológico, ecológico, científico), tendo por
objetivo a defesa e a preservação do patrimônio ambiental (natural e cultural)
e por finalidade a incolumidade da vida em geral, tanto a presente como a
futura.
Apesar
do emprego através do constituinte originário da Política Ambiental definida
pelo art. 225, alínea C, harmonizado com a Política Agrícola, expressa no art.
187, alínea C, bem como a Política Urbanística apregoada no art. 182, alínea C,
findando na colocação da salvaguarda do Patrimônio Cultural no viés do art.
216, alínea C, coadunado com a existência das mais variadas normas
constitucionais e infraconstitucionais protetivas ao patrimônio ambiental,
tanto o natural quanto o cultural, constata-se que na prática, assim como, através
da verificação das decisões jurisprudenciais, verifica-se que pouco ou nada se
materializa comparado com o nível de desrespeito que este bem sofre, como assevera
Custódio (2011, p. 219).
Assim,
outra atitude não nos resta senão a de interpretar os textos citados no sentido
de que o ‘desenvolvimento sustentado’ é aquele que propugna por um crescimento
econômico qualitativo, única forma de ‘melhorar a qualidade de vida humana
dentro dos limites da capacidade de suporte dos ecossistemas’. E mais: o
princípio do desenvolvimento econômico sustentado é indicativo sério de que ‘a
humanidade precisa viver dentro da capacidade de suporte do Planeta Terra. Não
existe nenhuma outra opção a longo prazo. Se não utilizarmos as reservas da
Terra de maneira sustentável e prudente, estaremos negando um futuro à
humanidade. Temos a obrigação de adotar modos de vida e caminhos de
desenvolvimento que respeitem e funcionem dentro dos limites da natureza. Podemos
realizar isso sem rejeitar os muitos benefícios trazidos pela moderna
tecnologia, desde que a própria tecnologia funcione dentro desses limites’.
(Netto, 2011, p. 679/680).
Conforme os preceitos da Carta Magna a vida constitui direito inviolável, em razão disso é indispensável que o ser humano aprenda a conviver de forma sustentável com o meio ambiente, posto que, o direito à vida, compreende a raiz da árvore jurídica, visto que, via de regra, não há direito que proteja o que não nasceu, portanto, como direito fundamental, este bem (a vida), orienta todo o ordenamento, sendo seguido pela dignidade da pessoa humana, porquê a ideia de viver enfatiza o direito a usufruir de uma uma vida plena e para ser plena ela carece de possuir dignidade.
Por defluência, uma vida digna, apenas será
possível se for vivida em consenso com o meio ambiente, o que enseja que um
elemento depende do outro, descortinando sobre o fato de que, sempre que se
fala em meio ambiente, intrinsecamente se refere à vida, nesta razão, é o
meio ambiente que possibilita a mesma. Ademais, como “passageiros do mesmo
barco, ‘os habitantes deste irrequieto planeta vão tomando consciência clara da
alternativa essencial com que se defrontam: salvarem-se juntos ou juntos
naufragarem”, nas palavras de Netto (2011, p. 681).
Juridicamente
tratando, verifica-se que, no que tange a proteção legal, este bem se encontra rigorosamente
assegurado, exemplificativamente cita-se aqui, a Ação Civil Pública, Ação
Popular, Mandado de Segurança Coletivo, Ação Direta de Inconstitucionalidade,
Ação Declaratória de Constitucionalidade, Ação Direta de Inconstitucionalidade
por Omissão, Mandado de Injunção, Proteção Penal do Meio Ambiente, Título XIII
do Código Penal, (arts. 401 a 416), além destes cita-se outros artigos esparsos
como o art. 163, 250, 259, 270 e 271 do dispositivo em comento, Lei das
Contravenções Penais, Código Florestal, Código da Pesca, Lei da Política
Nacional do Meio Ambiente, dentre outras, prerrogativas. Salienta-se que a
Epístola Maior robusta tal proteção, pois que:
[...]
além de dedicar artigos esparsos, mas expressos, à matéria ambiental (arts. 5°,
LXIII; art. 20, II; art. 23, I, II, IV, V, VI, VII; art. 24, I, IV, VII, VIII;
art. 129, II; art. 1.170, V, VI; art. 174 § 3°, art. 186, II; art. 200, VI,
VII, VIII; art. 216, V e §1°; art. 220, § 3°, II e § 4°), dedica também, um
capítulo inteiro ao meio ambiente (art. 225). (Santos, 2011, pág. 774).
No entanto, no que tange a materialização de tais leis, pouco se verifica, conforme enfatiza Wainer, pois a legislação é abundante, mas é ineficaz, devido ao fato de que, “apesar do grande número de normas jurídicas ambientais, não se tem evidência de sua aplicação”, (2011, pág. 712). Ocorre que a morosidade da justiça, encerra por constituir uma dificuldade no processo de efetividade da lei, posto que, em conformidade com Alexy (2011, pág. 10), “embora, em geral, lei e direito coincidam facticamente, isso não acontece de maneira constante nem necessária. O direito não é idêntico a totalidade das leis escritas”, por isso, a demora coadunada com as lacunas dificultam o processo de ação/sanção.
Pois, direito é muito mais que uma lei escrita, um direito para ser direito não precisa estar escrito mais sim, estar condizente com a necessidade humana para uma vida digna, para a fruição de um mínimo existencial. Uma lei pode estar publicada e ser efetiva, no entanto, não mais condizente com a realidade e necessidade social, ela é direito, porém, desnecessária, enquanto um direito pode ser direito porém, não estar descrito. Neste sentido, mister se faz, estar definindo a ideia de direito, cuja mesma
compreende a relação entre três elementos:
[...]
o da legalidade conforme o
ordenamento, o da eficácia social e o
da correção material. Conforme o peso
entre esses três elementos é repartido, surgem conceitos de direito
completamente diferentes. Quem não atribui importância alguma a legalidade
conforme o ordenamento e a eficácia social e considera exclusivamente a
correção material obtem um conceito de direito puramente jusnatural ou
jusracional. Quem segrega por completo a correção material, focalizando
unicamente a legalidade conforme o ordenamento e/ou a eficácia social chega a
um conceito de direito puramente positivista. No espaço compreendido entre
esses dois extremos é possível conceber muitas formas intermediárias. (Alexy,
2011, pág. 15).
De
acordo com Austin (apud Alexy, 2011, pág. 21) o direito significa uma
“totalidade de comandos de um soberano que são reforçados por sanções.” Assim,
busca-se o respeito e a promoção e recuperação do meio ambiente através de
sanções jurídicas, visando uma convivência harmônica entre os dois, no entanto
Dworking (2000, pág. 400/402) salienta:
Sempre
que a ideia de uma ‘combinação certa’ está em jogo, devem-se distinguir dois
sentidos dessa ideia. O primeiro é a ideia de uma troca ou conciliação entre
dois bens e duas qualidades desejadas independentemente. Uma pessoa que gosta
de parques e de colheitas, por exemplo, deve pensar na melhor combinação de
parque e campos cultivados em sua propriedade. Ela quer tudo que pode ter de
cada um, mas, como a propriedade total é limitada, precisa sacrificar parte do
que quer para ter mais de outra coisa que também quer (...) portanto, pode
valer a pena ter menos utilidade total como um todo para ter uma distribuição
mais igualitária.
A
problemática que se verifica é que a sociedade possui padrões de importância
diferentes uma das outras, assim, criam uma hierarquia no que tange a estimação
de algo, fato este que Walzer (apud Dworking, 2000, pág. 319) define como
“significado social”, portanto as peculiaridades são distribuídas conforme a
carência social, neste sentido, “a punição e as honras, conforme o merecimento
das pessoas, a educação superior conforme o talento, o trabalho conforme a
necessidade do empregador, a riqueza conforme a habilidade e a sorte no mercado
de trabalho”, e assim, por diante, fato este, coadunado com a cultura do
consumismo desregrado e do crescimento a qualquer custo, considerado como uma
verdade para o assentamento do capitalismo, produziu os resultados nefastos aos
quais o meio ambiente encontra-se submetido.
Têm-se a necessidade do direito então ele passa a existir no plano jurídico e após isso, se materializa sobre a sociedade em conformidade com a vontade de uma maioria que o instituiu. Ou seja, uma lei para tornar-se lei não precisa que todo e qualquer cidadão concorde ou necessite dela, mas precisa que uma maioria assine o contrato social que a institui como direito para depois tornar-se um dever.
Um dado alarmante, é que de acordo com a revista “Science”, até o ano de 2100, existe uma forte possibilidade de que metade das espécies da Terra tenham se extinguido. Em escala mundial, as espécies existentes estão desaparecendo a um nível mil vezes mais rápido que o ritmo considerado normal até então, no que se refere a sua extinção. Fato este, que faz com que pesquisadores almejem a construção de uma Arca de Noé, ou seja, um ambiente (refúgio) em que possam manter as espécies de animais a salvo, em especial as que são consideradas vitais para a sobrevivência humana, como, por exemplo, tem-se as abelhas, cujas quais aproximadamente ¾ da produção internacional de alimentos dependem das mesmas.
Ademais cerca de 121 países juntaram-se formando a
Plataforma Intergovernamental de Serviços de Biodiversidade e Ecossistemas
com o objetivo de proteger e salvaguardar a natureza. Na Florida a problemática
encontra-se no fato de que o nível do mar está subindo incontrolavelmente, no
Brasil, o índice de desmatamento e poluição é assombrosa, a cidade de São Paulo
é a vencedora neste índice.[1]
É por este motivo que o direito insere-se sobre a sociedade e não sobre o Estado, em decorrência de que, é da sociedade que o direito cria consistência, é desta que o mesmo se exprime, assim o direito compreende uma organização conforme exprime Grossi (2005, p.12), “o direito organiza o social, coloca ordem no desordenado conflito que ferve no seio da sociedade; é antes de tudo ondenamento”.
Deste modo, salienta-se que o núcleo do direito não se encontra em um ato de
comando, mas de ordem, pois desta forma o mesmo, “opera um benéfico
deslocamento do sujeito produtor (ou pretensamente visto como tal) a objeto que
necessita de organização. É, sob vários aspectos, a dimensão objetiva que
emerge e até mesmo domina” (2005,
p. 12/13), por decorrência, ordenar incumbe em respeito à complexidade social,
constituindo uma delimitação para a vontade ordenadora, de forma a impedir que
esta sucumba em simples valorações sem eficácia.
Mas
por outro aspecto convém sublinhar: organização é antes de tudo coexistência de
sujeitos diferentes que, ainda que conservem as características de suas
próprias diversidades, estão coordenados num escopo comum; pode também se
concretizar em sobreordenação e subordinação, mas a posição de superior e de
inferior é absorvida numa coordenação coletiva que despersonaliza e, como
consequência, atenua uma visão ordenada hierarquicamente. Organização, de fato,
significa sempre o primado da dimensão objetiva, com um resultado que acomete
beneficamente a todos os componentes da comunidade organizada; significa sempre
superação de posições singulares em seus isolamentos para obter o resultado
substancial da ordem, substancial para a própria vida da comunidade (2005, p.13).
Por meio de Grossi, se propõe efetuar um resgate do meio ambiente, através do direito, não como um meio superior ou como uma forma de imposição, mas sim, como “uma pretensão que vem de baixo” (2005, p. 13), como um artifício de salvação para a sociedade intermundial, e por decorrência, o direito, antes visto de forma terrificante, devido sua intima ligação com a limitação de vontade, mostra-se intrínseco a sociedade, ou seja, compilado pelo próprio homem para possibilitar a convivência harmônica entre este e seus semelhantes, para com os demais seres.
É sabido que o direito nunca se mostrará
de forma dócil, posto que sua própria essência advém da ordem, que o rigorisa
em suas pretensões e aplicações através de sua coercitividade, no entanto, não
constata-se outro meio que não este de domestificar o homem para o respeito com
seu meio de sobrevivência (meio ambiente).
Desta maneira, o direito à consideração/promoção do meio ambiente é colocado como um instrumento de sustento da sociedade, de maneira a impedir seu desfalecimento, é algo que emerge de seu seio, e irradia-se por seu corpo de maneira a mantê-lo vivo, conforme destaca o autor (2005, p. 14/15) “o direito no coração da sociedade” coadunado a evidencia sobre a importância do meio ambiente, é o que manterá o pulsar da vida neste Planeta.
Constata-se neste instante uma colisão entre direitos, pois, de um lado tem-se
o direito à liberdade de agir que possui o homem e de outro lado, tem-se a
finitude do meio ambiente, fato este que Alexy (2008, p. 94/95), resolve
estabelecendo a necessidade de verificar qual destes direitos possui “maior
peso ao caso concreto”, ou seja, efetuar um sopesamento de valores, por
decorrência como o direito à vida é o bem maior da Magna Carta, o cuidado com o
meio ambiente prevalece, fazendo com que este direito se sobressaia aos demais.
Não se quer com isto, simplesmente aplicar a
teoria do Emotivismo (cuja mesma analisa o fator da utilização da emoção para
as expressões morais), defendido por Stevenson, no sentido de evocar
sentimentos e atitudes, ou seja, apelar para valores morais para influenciar
atitudes, exercendo influência psicológica, mas sim, estabelecer uma lógica
jurídica, ética e moral pautada na imprescindibilidade deste bem para a
humanidade.
Em explicação sobre a teoria do emotivismo, destaca-se que, para o
respectivo autor (apud ALEXY, 2001, p. 50/51), esta ideologia baseia-se em dois
padrões, um consiste na atitude do orador de expressar significados descritivos
dos termos, bem como o significado emotivo dos mesmos, posto que o respectivo
autor apura “o poder que a palavra adquire, levando em conta sua história em
situações emocionais, para evocar ou diretamente expressar atitudes, como
distintas de descrevê-las ou designá-las,” o ouvinte não possui consciência da
pressão psicológica que tal atitude lhe acarreta. Já no viés do outro modelo:
Enquanto que o significado descritivo do
primeiro modelo continua constante, no segundo ele pode mudar quase a vontade.
Isso faculta a possibilidade da definição persuasiva. Definições persuasivas
servem no processo de influenciar as atitudes ao determinar ou mudar o
significado descritivo ao mesmo tempo que preservam o significado emotivo. A palavra ‘democracia’,
por exemplo, tem um significado emotivo positivo. Este significado pode ser
ligado às mais diversas ideias políticas e, desta maneira, pode ser usado para
influenciar pessoas (2001, p. 51).
Estas duas formas se complementam, assim, o
referido autor (2001, p.51) desenvolve uma tese de argumentação moral, onde
que:
[...] exceto num pequeno número de casos em que o ponto
em questão é de não contradição no sentido lógico, as relações entre as razões
(reasons) (G), aduzidas a favor ou contra uma afirmação normativa, e a
afirmação normativa (N) em si mesma, não
são relações lógicas (quer dedutivas
quer indutivas), mas apenas psicológicas.
Apesar de Stevenson excluir dessa forma a
argumentação moral do âmbito da lógica, no entanto ele faz uma distinção entre
os métodos racionais e não-racionais de justificação. Uma justificação é racional quando os fatos são aduzidos
como razões; ela não é racional ou persuasiva quando se ocorre a outros
modos de influenciar pessoas. (Grifos do original).
De outra forma, salienta Stevenson (apud Alexy, 2001, p. 53) que esta forma de persuasão seria inválida, pois priorizar os “métodos racionais sobre os persuasivos não” seria apropriado, em decorrência do fato de que como a questão de valor possui uma diferença individual, “a escolha do método mais uma vez dependeria de um julgamento de valor e, portanto, de uma atitude mental”, como objeção Alexy (2001, p. 53) salienta que, “o significado emotivo das expressões morais consiste em seu potencial casual de provocar uma mudança ou fortalecimento das atitudes emocionais. Nesse caso os argumentos não passam de instrumentos para exercer pressão psicológica”.
Destarte, é neste sentido que baseia-se o presente manuscrito, baseado na racionalidade do ser humano sobre sua necessidade de existência digna, procurar instrumentos que o descortinem para a realidade caótica deste bem, assim como, para sua fundamentalidade para a vida humana, abrindo-o para o caminho da proteção e preservação.
Neste ínterim, a afirmativa levantada por
Stevenson em Ethics and Language de que é impossível separar argumentos morais
válidos dos inválidos, pelo motivo de que estes não podem ser definidos como
verdadeiros ou falsos é indagada por Alexy (2001, p. 54), pois, para o mesmo a
verdade ou falsidade de um argumento pode ser verificada na conclusão dos
fatos, ou mesmo da validade de argumentos que a alicerçam, portanto,
utilizar-se da moral e até mesmo da emoção para revelar e instruir sobre algo
se mostra perfeitamente válido e até mesmo, um caminho em direção a efetivação
e cobrança da materialização das leis, pois, como bem de uso comum do povo, o
meio ambiente compreende um direito e responsabilidade de todos, não restrito
aos entes públicos, ou simplesmente, engessado no judiciário.
4.
ENCAMINHANDO-SE
PARA A SOLUÇÃO DA PROBLEMÁTICA POR MEIO DA HERMENÊUTICA VERDE
Define
Marmelstein (2013, p. 349) que o direito consiste em uma interpretação, e desta
forma, “tudo é uma questão de hermenêutica”, a mesma é dividida em dois pontos: o primeiro consiste no momento em que o juiz decide no seu sentir, ou seja, com
base no seu sentimento de justiça e verdade, em segunda instância, o mesmo
procede racionalizando acerca de sua decisão, procurando fundamentar suas
decisões, através da argumentação e do discurso jurídico. Destaca Guerra (2007,
p. 25), que a hermenêutica corresponde:
[...] à ‘teoria dos fundamentos do
interpretar’, ou seja, se exterioriza como o processo coordenador que ampara e
fornece os trilhos de atuação da atividade da interpretação técnica que, por
sua vez, consiste na busca prática e investigativa da verdadeira essência de
cada texto que lhe é apresentado, de modo que seja possível retirar o correto
entendimento, conteúdo e significado da norma analisada.
A
conclusão baseada na técnica permite uma melhor aplicação da lei à casuística
em espécie, de maneira a confirmar a validade de uma norma, moldando-a ou mesmo
negando-lhe validade, ou seja, a hermenêutica investiga e coordena por uma
forma sistemática, de maneira a disciplinar o conteúdo, sentido e objetivo a
que se destina uma norma jurídica, ou seja, a mesma procede com a adaptação dos
conceitos das normas aos casos em concreto.
Habermas (1997, p. 247) salienta que a hermenêutica jurídica possui a capacidade de contestar o modelo convencional, que constata a decisão jurídica como uma subordinação à norma correspondente, de outra forma por meio da hermenêutica é possível efetuar uma interpretação a esta norma nos casos em espécies.
Vislumbra-se evidentemente, uma crise no ramo
jurídico, razão pela qual, as leis existem, no entanto, não são materializadas, porém,
para Habermas (1997, p. 181) não trata-se de uma sobrecarga na atividade
estatal, mas de uma institucionalização insuficiente. Assim:
Os
paradigmas do direito permitem diagnosticar a situação e servem de guias para a
ação. Eles iluminam o horizonte de determinada sociedade, tendo em vista a
realização do sistema de direitos. Nesta medida, sua função primordial consiste
em abrir portas para o mundo. Paradigmas abrem perspectivas de interpretação
nas quais é possível referir os princípios do Estado de direito ao contexto da
sociedade como um todo. Eles lançam luz sobre as restrições e as possibilidades
para a realização dos direitos fundamentais, os quais, enquanto princípios não
saturados, necessitam de uma interpretação e de uma estruturação ulterior. Por
isso, o paradigma jurídico procedimentalista, como qualquer paradigma,
necessita de elementos normativos e descritivos.
Ou
seja, a hermenêutica age como luz sobre o sistema jurídico, guiando para o
total entendimento da norma e sua utilização correta. Assim sendo, tem-se:
De
um lado, a teoria do direito, fundada
no discurso, entende o Estado democrático de direito como a institucionalização
de processos e pressupostos comunicacionais necessários para uma formação
discursiva da opinião e da vontade, a qual possibilita, por seu turno o
exercício da autonomia política e a criação legítima do direito. De outro lado,
a teoria da sociedade fundada na
comunicação entende o sistema político estruturado conforme o Estado de
direito como um sistema de ações entre outros. (...) Finalmente, uma determinada concepção de direito
estabelece a relação entre a abordagem normativa e a empírica.
Por meio deste entendimento, a comunicação jurídica presta-se como agente concretizador das idealizações para o plano das relações sociais, envolvendo toda a sociedade em seu tecido. Uma problemática evidenciada pelo respectivo autor encontra-se no respeito à separação de poderes, ou seja, até que ponto um ente pode desviar-se de sua função objetivando a materialização do direito (1997, p. 182).
Neste ínterim, Habermas salienta para a importância da fundamentação, no
sentido de que, “na medida em que os programas legais dependem de uma
concretização que contribui para desenvolver o direito – a tal ponto que a
justiça, apesar de todas as cautelas, é obrigada a tomar decisões nas zonas
cinzentas que surgem entre a legislação e a aplicação do direito” (1997, p 183),
baseadas no amparo dos discursos jurídicos, apresentando motivações críticas ao
judiciário, com capacidade de ultrapassar a cultura especialista, mas sendo
sensível ao ponto de transformar as decisões, como tenciona o respectivo
manuscrito, com o fim de modificar não apenas as decisões jurídicas, mas
envolver todo o conjunto social neste viés, com vistas no bem comum da
sociedade de promover o meio ambiente, por intermédio da hermenêutica verde
defendida pela Magna Cartha.
No entendimento de Mendes e Branco (2012, p. 122) a hermenêutica presta-se a descobrir o sentido da Constituição, “que proclama valores a serem protegidos, seguidos e estimulados pelos poderes constituídos e pela própria sociedade”, função esta de relevo imensurável para a vida social e para a materialização do direito, posto que não há como aplicar uma norma sem antes descobrir o motivo para o qual a mesma se destina, assim não há como aplicar sem interpretar.
Interpretar uma Constituição é uma função única, pois a mesma não se apresenta
como uma norma qualquer, ao contrário, suas diretrizes possuem efeito
imediato e vinculantes, visto que esta compreende uma norma suprema e “fonte de
legitimidade formal de toda a sua ordem jurídica” (2012, p.122).
Dispondo a Constituição
sobre as relações entre os poderes e destes com as pessoas, a interpretação
constitucional não se desprende, tampouco, de uma ineliminável pressão
ideológica e política. Os interesses apanhados pela fixação do entendimento de
um preceito da Lei Fundamental tendem a ser mais amplos e de projeção
estrutural mais avultada, se comparados com os interesses que, ordinariamente,
estão em jogo, quando se cuida de definir normas de setores outros do mundo
jurídico.
A problemática insere-se no fato de que “vivemos a inserção em normas constitucionais de metas impostas à ação do Estado, muitas delas de feitio social, que impõem um fazer, sem, contudo, indicar o como fazer” (2012, p. 123).
Igualmente é típico das constituições atuais a incorporação de valores morais ao domínio jurídico, não se limitando as Cartas a simplesmente discriminar competências e limitar a ação do Estado — indo-se além, para injetar índole jurídica a aspirações filosóficas e princípios ético-doutrinários. As constituições contemporâneas absorvem noções de conteúdo axiológico e, com isso, trazem para a realidade do aplicador do direito debates políticos e morais. As pré-compreensões dos intérpretes sobre esses temas, tantas vezes melindrosos, não têm como ser descartadas, mas devem ser reconhecidas como tais pelos próprios aplicadores, a fim de serem medidas com o juízo mais amplo, surgido da detida apreciação dos vários ângulos do problema proposto, descobertos a partir da abertura da interpretação da Constituição a toda a comunidade por ela afetada. Decerto, porém, que esse exercício não pode conduzir à dissolução da Constituição no voluntarismo do juiz ou das opiniões das maiorias de cada instante. A força da Constituição acha-se também na segurança que ela gera — segurança, inclusive quanto ao seu significado e ao seu poder de conformação de comportamentos futuros. A interpretação casuística da Constituição é esterilizante, como é também insensata a interpretação que queira compelir o novo, submetendo a sociedade a algo que ela própria, por seus processos democráticos, não decidiu.
No entendimento de Grau (apud Mendes e Branco, 2012, p. 124), “o intérprete discerne o sentido do texto a partir e em virtude de um determinado caso dado (...)”. Ou seja, “a norma é produzida, pelo intérprete, não apenas a partir de elementos colhidos no texto normativo (mundo do dever ser), mas também a partir de elementos do caso ao qual ela será aplicada, isto é, a partir de dados da realidade (mundo do ser)”.
Ademais, a norma não se
confunde com seu enunciado, a mesma não se resume simplesmente em seu texto, assim,
para encontrar o núcleo de uma norma é necessário ir além do que a mesma,
permite, impõe ou proíbe, é necessário identificar o significado de seus
termos, para então encontrar seu sentido, por tanto, a norma compreende um
produto da interpretação, coadunado a realidade fática de utilização da mesma.
A interpretação
orientada à aplicação não se torna completa se o intérprete se bastar com a
análise sintática do texto. Como as normas têm por vocação própria ordenar a
vida social, os fatos que compõem a realidade e lhe desenham feição específica
não podem ser relegados no trabalho do jurista. Para se definir o âmbito normativo
do preceito constitucional, para se delinear a extensão e intensidade dos bens,
circunstâncias e interesses atingidos pela norma, não se prescinde da
consideração de elementos da realidade mesma a ser regida (2012, p. 125).
Por defluência, “a norma constitucional, assim, para que possa atuar na solução de problemas concretos, para que possa ser aplicada, deve ter o seu conteúdo semântico averiguado, em coordenação com o exame das singularidades da situação real que a norma pretende reger” (2012, p. 125).
Nesse aporte, Streck (2013, p. 62) efetua uma crítica a discricionariedade jurídica, posto que, conforme o respectivo o judiciário tem utilizado de argumentos não convincentes para decidir em favor de suas vontades, ou seja, baseia-se em princípios em sua mais ampla extensão de maneira que tudo passa a ser permitido.
Para o referido autor (2013, p. 63) a problemática encontra-se na
discussão entre direito e moral, e por corolário, na função que “a razão prática
no contexto da teoria do direito que já não pode conviver com as
divisões/cisões entre faticidade-validade, moral-direito, teoria e prática, para ficar apenas nestas”.
Para firmar o foco: o jargão “decido conforme minha consciência” tem, assim, uma umbilical dependência do papel desempenhado pela razão prática. Relembremos: a razão prática nos vem desde a filosofia grega, quando Aristóteles delimitou uma filosofia teórica (que pergunta pela verdade ou pela falsidade) e uma filosofia prática (que pergunta pelo certo e pelo errado). Na primeira, está em jogo uma observação de uma determinada realidade, ao passo que, na segunda, tem-se o questionamento de uma ação concreta (2013, p. 63).
Basear-se muito na moral pode ensejar uma
problemática, pois, de acordo com Kelsen (apud STRECK 2013, p. 66), a moral
varia conforme o local e a época em que se encontra, assim, não existem uma
única moral, mas “vários sistemas de moral profundamente diferentes entre os
outros e muitas vezes antagônicos”, a única coisa que permanece intacto neste
método é seu caráter de norma, assim a moral é analisada pela ética, enquanto o
direito é circunspecto a ciência jurídica, assim, o ponto chave encontra-se na
“aplicação judicial do direito”, conforme
define Streck (2013, p. 67).
Daí as conclusões
kelsenianas de todos conhecidas: a interpretação dos órgãos jurídicos (os
tribunais, por exemplo) é um problema de vontade (interpretação como ato de
vontade), no qual o intérprete sempre possui um espaço que poderá preencher no
momento da aplicação da norma (é a chamada “moldura da norma”, que, no limite, pode
até ser ultrapassada). Já a interpretação que o cientista do direito
realiza é um ato de conhecimento que pergunta – logicamente – pela validade dos
enunciados jurídicos. É nesse duplo viés que reside o cerne do paradigma da filosofia
da consciência. É também na interpretação como “ato de vontade” que faz morada
a discricionariedade positivista.
Deste modo, enfatiza o referido autor (2013, p. 67):
Conforme insisto em vários de meus textos (em especial, em Verdade e Consenso), há um ponto que marca definitivamente o equívoco cometido por todo o positivismo ao apostar em certo arbítrio (eufemisticamente epitetado como “discricionariedade”) do julgador no momento de determinar sua decisão: sendo o ato jurisdicional um ato de vontade, ele representa uma manifestação da razão prática, ficando fora das possibilidades do conhecimento teórico. Isso ainda não foi devidamente entendido pela(s) teoria(s) do direito. Não é fácil, pois, derrotar o positivismo...
É notável o fato de que o olhar da interpretação como um ato de vontade, se cruza com a separação entre o direito e a moral, pela razão destes compreenderem o que os gregos definiam como filosofia prática, definido modernamente por meio do pensamento Kantiano como razão prática, assim, o positivismo investe na discricionariedade devido ao fato de que “paradigma filosófico sob o qual está assentado não consegue apresentar uma solução satisfatória para a aporia decorrente da dicotomia “razão teórica-razão prática”. Eis aí o ponto de estofo” (2013, p. 67).
É por este motivo que os
juristas preferem apostar na razão teórica do que na razão prática, abandonando
a interpretação para o plano secundário, pois segundo o referido autor “apostar
na razão teórica é acreditar na possibilidade
de resposta antes das perguntas”, apostando então na discricionariedade, apresentando
múltiplas respostas ao direito. Devido a este motivo é que Streck posiciona-se
contra tanto da arbitrariedade, tanto contra a discricionariedade, deste modo (2013,
p. 68):
Arbitrariedade
e/ou discricionariedade de sentidos (ou nos sentidos) são “práticas” típicas de
um racionalismo que teima em sobreviver em outro paradigma. Tanto
uma como outra são frutos de “consensos artificiais”, de “conceitos sem
coisas”, somente possíveis a partir do descolamento entre lei e
realidade. É por essa razão que na hermenêutica aqui defendida não há
respostas/interpretações (portanto, aplicações) antes da diferença
ontológica ou, dizendo de outro modo, antes da manifestação do caso a ser
decidido.
De outra maneira, apostas na razão teórica e ignorar a razão prática é um desrespeito ao judiciário, por ferir o que eles tem aceito por costume e que está em conformidade com seu entendimento, é certo que mentes novas possuem ideias novas e estas merecem a luz de ser acreditadas e respeitadas, porém, não quer-se com isso desrespeitar a prática forense, que vem sendo decidida por ter razões concretas e não vislumbres de ideais como diretriz.
Ademais, efetuado o discurso acerca da hermenêutica, intolerável se apresenta o desleixo e o descaso jurídico para com o meio ambiente em virtude de sua importância para a sobrevivência humana, evidenciada inclusive na Carta Maior, onde que a mesma o abarcou em um capítulo próprio enfatizando sua importância, bem como, o recolocou em diversos outros dispositivos, fortificando suas raízes na árvore jurídica, como meio de destacar sua importância para todo o Estado Democrático de Direito.
Visto que, não se
constitui um Estado sem pessoas, bem como, não há vida sem o meio ambiente,
além de que, como expressão da Magna Cartha, tal direito irradia-se para todo o
ordenamento, iluminando o Estado Democrático Verde e o encaminhando para sua
promoção e recuperação, conforme os preceitos que a referida Carta apregoa,
posto que, é impossível negar-se ao fato de que cada caso prático possui suas
peculiaridades, no entanto em um Estado sob a égide de uma Constituição é
impraticável negar seus efeitos.
5.
DEFINIÇÕES
CONCLUSIVAS
O
respectivo artigo apregoou acerca da imprescindível aplicação da hermenêutica
verde em um Estado Democrático de Direito, posto que como núcleo da Carta
Magna, sua efetivação não pode ser desconsiderada, e sua promoção deve ser
incentivada, em decorrência de que o meio ambiente compreende uma extensão ao
direito à vida, por corolário, não existe Estado sem pessoas, nesta medida, não
existe a mera possibilidade de vida sem que haja também o meio ambiente em seu
fomento.
Não quer-se deslocar o posicionamento jurídico, almeja-se apenas uma mudança no foco em que a hermenêutica base a basear-se no bem-estar do meio-ambiente em razão de sua imprescindibilidade à vida humana com dignidade.
É
sabido que a Epístola Maior ilumina todo o Estado, direcionando o mesmo no
caminho de sua efetivação, portanto, cada garantia que contém em seu âmago possui
obrigatoriedade de prestação e materialização, ademais, o meio ambiente possui
ramificação, inclusive como cláusula pétrea, sendo então, inexequível seu
cumprimento e valoração social, sob pena de negar-se a vigência da Constituição
Federal neste Estado.
Em
defluência, no art. 1, inc. III da respectiva Carta encontra-se a base nuclear
da vigência da mesma, qual seja a dignidade da pessoa humana, categorizada em
grau máximo referente à colocação do restante de seus preceitos, o que
novamente, enfatiza a responsabilidade que o meio ambiente possui, posto que, é
em decorrência do bom andamento do mesmo, que se faz possível uma vida sadia e
digna, assim, não há dúvida acerca da imprescindibilidade deste bem e da
necessidade de estar dando-lhe o valor que lhe cabe, por meio da efetivação de
suas normas.
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