Artigo publicado nos Anais do ENCONTRO NACIONAL CONPEDI/UFSC XXIII: Grupo de Trabalho Direitos Fundamentais e Democracia II
1.3.
A POSSIBILIDADE DE EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS ATRAVÉS DA
TUTELA JURISDICIONAL EM CONTRAPARTIDA A TEORIA DA SEPARAÇÃO DOS PODERES
1 CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS:
O presente trabalho tem por escopo embasar a possibilidade de efetivação dos direitos fundamentais através da
tutela jurisdicional em contrapartida à teoria da separação dos poderes.
Será utilizado o método indutivo, concretizado por meio de pesquisas jurisprudenciais
e doutrinárias acerca da temática.
Assim sendo, em primeiro momento destacar-se-á, como intróito do
respectivo artigo, a aplicação dos
direitos fundamentais, bem como, suas prerrogativas, abordando o tema de
forma ampla, a fim de adquirir conhecimento empírico necessário para a
apreciação do prosseguimento do documento, prosseguindo então, de maneira a
abordar o dever de respeitabilidade,
proteção e promoção dos direitos fundamentais na esfera judicial, como meio
de inclusão à base temática do referente artigo.
Para tanto, em segundo momento, necessário se mostra, apresentar os limites da tutela jurisdicional, como
meio para efetivar a segurança jurídica de concretização dos direitos
fundamentais, e limitações dos excessos por parte dos poderes.
Em continuidade, será apresentada a teoria da separação dos poderes, posto que, se torna
imprescindível, devido ao fato, de ser uma questão fundamental na temática do
artigo, bastante debatida no decorrer do exposto, ressurgindo para tanto, a
necessidade de uma breve explicação, pois que, no desdobrar deste documento
será taxativamente colocada em pauta, findando então na efetivação judicial do direito as prestações, núcleo central do
editorial, onde será explanado, acerca das teorias e opiniões doutrinárias sobre
a temática em questão, bem como, a verificação de sua conveniência ou não, como
forma de efetivar os direitos fundamentais, além de sua legalidade e utilidade,
como também, suas possíveis limitações.
Em encerramento será exposto jurisprudências respectivas a
matéria, como forma de averiguar na prática, a efetivação do conteúdo
explanado. Isso posto, segue-se com o texto.
1.3 2. APLICAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
Em face da supremacia dos direitos fundamentais, no art. 5º § 1º
da Constituição Federal, encontra-se, expressamente, definido que, as normas
definidoras de direitos e garantias fundamentais são de aplicação imediata,
posto que, se a aplicação dos direitos fundamentais estivesse condicionada a
regulamentação legislativa, ocorreria uma inversão de autoridade, assim, nas
palavras de Malmelstein (2013), “o poder constituído teria mais poderes do que
o próprio poder constituinte” ressalta-se, neste ponto, que devido ao fato, de
o dispositivo constitucional não fazer qualquer referência de taxatividade, a
aplicação direta e imediata serve para todos os direitos fundamentais.
Nesse sentido, assevera Krugrer, em citação do mencionado autor,
onde o mesmo denota que “não são os direitos fundamentais que devem girar em
torno das leis, mas as leis que devem girar em torno dos direitos
fundamentais”.
Em sentido contrário reporta Gebran Neto (2002), para o qual o
art. 5 § 1º da Constituição Federal, só produz efeitos imediatos e diretos no
que concerne a seu caput e incisos, pois que, “...essa aplicação restritiva
permite que se extraiam dele efeitos diferentes e superiores aos efeitos do
princípio da força normativa das normas constitucionais. Para tanto, ampliar
seu alcance para todos os direitos fundamentais significa reduzir sua eficácia,
passando a equipá-lo a atributo (força normativa), que já possui”.
Ocorre, porém, como já exposto, que Marmelstein (obra citada)
sustenta pela aplicação direta e imediata de todos os direitos fundamentais, in verbis:
Em hipótese alguma um direito fundamental pode deixar de ser
concretizado pela ausência de lei. Se determinado direito fundamental está
deixando de ser efetivado por ausência de regulamentação infraconstitucional,
cabe ao Judiciário tomar as medidas cabíveis para que o direito não fique sem
efetividade. Em outras palavras: o juiz, no atendimento concreto das providências
que se revelem indispensáveis para concretizar dado direito fundamental, pode
(e deve) atuar independentemente e mesmo contra a vontade da lei
infraconstitucional, pois, para efetivar preceitos constitucionais, não é
preciso pedir autorização a ninguém, muito menos ao legislador.
Assim, também, apóia Raul Machado Horta (1995), denominando a
Constituição Federal de Constituição
Plástica, declarando acerca da evidência de que, as posições dos direitos
fundamentais na Constituição Federal não despertam um sentido de hierarquia
entre as normas, em virtude do fato de que, “todas são normas fundamentais”, a
precedência serve de simples interpretação, podendo vir a servir de
“impregnação valorativa dos Princípios Fundamentais, sempre que eles forem
confrontados com atos do legislador, do administrador e do julgador.”
No entendimento de Alexandre de Moraes (2013), a Constituição
Federal necessita ser interpretada de acordo com suas “características históricas,
políticas e ideologias do momento”, para se obter uma exata compreensão do
sentido de seus dispositivos, em concordância, também, se posiciona Moreira
(1991), para quem, verifica, a “necessidade de delimitação do âmbito de cada
norma constitucional, vislumbrando-se sua razão de existência, finalidade e
extensão.”
Nessa questão, vem à baila a explanação de Delgado (2011), de que
“...os direitos fundamentais são prerrogativas ou vantagens jurídicas
estruturantes da existência, afirmação e projeção da pessoa humana e de sua
vida em sociedade.” Por tanto, traz como ponto principal, tanto para a
sociedade, quanto para o ordenamento jurídico, “o próprio ser humano, como
detentor do atributo da dignidade da pessoa humana...”.
Assim, defende-se a ideia de aplicação direta e imediata dos
direitos fundamentais, a qual se reporta, ao sentido de reconhecimento da
possibilidade de insurgência de direitos subjetivos advindos da Constituição,
ou seja, na aclaração de Marmelstein, (obra citada) “a norma constitucional torna-se
fonte direta de comandos e obrigações aos órgãos públicos,” com força normativa
autônoma, e independente de regulamentação. O que resulta, para os agentes
públicos, na possibilidade de extração direta da norma constitucional, acerca
do fundamento jurídico de suas atitudes.
Notável, se faz a execução por parte de Judiciário, de uma ação
quase legislativa, posto que, o mesmo “alarga substancialmente o sentido
literal da lei, funcionando como uma espécie de catalisador da vontade
constitucional”, como preleciona Marmelstein, (obra citada). Tal encontra
justificativa, nas hipóteses de lacuna da lei frente a um caso de necessidade
concreta.
Assim sendo, sob a luz dos direitos fundamentais, emerge a
possibilidade de alargar o sentido genérico desta lei, e decidir utilizando-se
de outros valores agregados as normas constitucionais, em razão de que, o poder
Judiciário encontra-se diretamente vinculado aos princípios de garantia dos
direitos fundamentais, criando um compromisso com o Estado, que em consequência,
torna justificável o ativismo judiciário, dado que, conforme explanação do
mencionado autor, “o bom juiz é aquele que, além de conhecer as leis,
preocupa-se em efetivar os valores e objetivos previstos pelo constituinte.”
Destarte, em consonância com o art. 5º da CF, é de competência do
Poder judiciário, a garantia e efetivação plena, bem como, o respeito aos
direitos fundamentais, vedada por parte deste órgão, excluir de sua apreciação
qualquer lesão ou ameaça de direito. Conseguinte, aponta Alexandre de Moraes, (obra
citada), em citação à Sanches Viamonte, na direção de que, a definição da
função do poder judiciário, “não consiste somente em administrar a Justiça,
pura e simplesmente, sendo mais, pois, seu mister é ser o verdadeiro guardião da Constituição, com a
finalidade de preservar os direitos humanos fundamentais e, mais
especificamente, os princípios da legalidade e igualdade, sem os quais os
demais se tornariam vazios”.
Em concordância, Zaffaroni (1995) assevera, sobre a
indispensabilidade, para um verdadeiro Estado democrático de direito, da
existência de um Poder Judiciário autônomo e independente, pois que, neste
ponto, surge sua essência de guardião das leis. Assim, também, prolata
Alexandre de Morais, (obra citada anteriormente), em menção a Bandrés, acerca
da necessidade da “independência judicial, como um direito fundamental dos
cidadãos, inclusive o direito a tutela jurisdicional e o direito ao processo e
julgamento por um Tribunal independente e imparcial.”
Em conformidade decidiu o STF, na ADC 12/2005, rel. Min. Carlos
Britto, (j. 16/2/2006), respectivo a proibição do nepotismo do Poder
Judiciário, posto que, além da lei, a Constituição também tem capacidade de
emitir comandos normativos orientativos à atividade pública, inclusive a jurídica.
Em conformidade, em decisão proferida pelo STJ, baseado no direito
à saúde e no princípio da dignidade da pessoa humana, através do relator Min.
Carlos Moreira (STJ, RESP865.010/PE,rel. Min. Carlos Brito, DJU 11.10.2006),
decidiu-se acerca da possibilidade de levantar o PIS pelos participantes, cuja
idade seja avançada e que encontrem-se, em situação de miserabilidade.
Em consonância, antes mesmo que houvesse legislação acerca da
possibilidade de liberação das verbas do FGTS, para suportar as despesas
decorrentes de desastres naturais, a Justiça Federal, se adiantava no sentido
de reconhecer esta viabilidade, baseada na dimensão social do Fundo de Garantia,
tal como, no direito fundamental, à moradia e ainda no princípio da dignidade
da pessoa humana (TRF4ª Região. AC 570.401-SC, rel. Juiz Carlos Eduardo
Thompsom Flores Lenz, j. 30.03.2000).
Isso exposto passar-se-á a discorrer a respeito do dever de
responsabilidade, proteção e respeitabilidade que aflora das normas
constitucionais, conquanto, esse entendimento se faz indispensável para o
objetivo específico do presente documento, então, adentrar-se-á ao próximo
tópico.
3. DEVER DE RESPEITABILIDADE, PROTEÇÃO E PROMOÇÃO DOS DIREITOS
FUNDAMENTAIS NA ESFERA JUDICIAL
No Brasil, por via da jurisdição da Constituição de 1988, emergiu
o fortalecimento do Poder judiciário, através de, mecanismos de controle
constitucional com efeitos erga omnes
e vinculantes. Então, a inércia apresentada pelos Poderes Políticos em dar
total efetividade as normas constitucionais, desencadeou na formação de novas
técnicas interpretativas, cujas quais, atribuíram amplitude as ações judiciárias,
acerca de temas, antes de competência apenas Legislativa e Executiva. Nesse
sentido, instrui Alexandre Moraes, (obra citada), in verbis:
Principalmente, a possibilidade do Supremo Tribunal Federal em
conceder interpretações conforme a Constituição, declarações de nulidades sem
redução de texto, e, ainda, mais recentemente, a partir da edição da Emenda
Constitucional nº45/04, a autorização constitucional para editar, de oficio, Súmulas
Vinculantes não só no tocante a vigência e eficácia do ordenamento jurídico,
mas também, em relação a sua interpretação, acabaram por permitir, não raras
vezes, a transformação da Corte Suprema em verdadeiro legislador positivo, completando e especificando princípios e
conceitos indeterminados do texto constitucional; ou ainda, moldando sua
interpretação com elevado grau de subjetivismo.
Por via da Constituição Federal, ter-se-á o reconhecimento formal,
efetuado através do constituinte de que, os direitos fundamentais possuem
aplicabilidade imediata, ou seja, possuem força jurídica especial e capaz.
Sendo assim, ao proceder em análise a uma norma da Constituição, deve-se partir
do princípio de que, a mesma, possui aplicabilidade imediata, por mais que seu
efeito nuclear dependa do exercício do legislador. Por exemplo, tem-se o artigo
5º, inc. XXXII, referente a uma “cláusula geral de proteção ao consumidor”.
Nesse sentido desponta Marmelstein, (obra supracitada):
Essa cláusula terá aplicação imediata na medida em que impõe,
desde logo, o dever de respeito e proteção ao consumidor, a serem observados
por todos os agentes públicos e até mesmo privados, independentemente de
qualquer regulamentação. O juiz, por exemplo, ao decidir um conflito envolvendo
relação de consumo, deverá interpretar as cláusulas contratuais e as normas
legais aplicáveis ao caso, com os olhos voltados a proteção do consumidor. Por
isso, pode-se dizer que, esse dever de respeito e proteção não precisa, em
regra, aguardar o legislador para gerar efeitos imediatos. Já, o dever de
promoção, que é a principal razão do referido dispositivo constitucional,
dependerá, sem dúvida, da atividade legislativa para ser plenamente realizado.
À vista disso, irrompe o ativismo
judicial, que seria “uma filosofia, quanto a decisão judicial, mediante a
qual, os juízes permitem que suas decisões sejam guiadas por suas opiniões
pessoais sobre políticas públicas, entre outros fatores”, sendo por vezes
identificado por doutrinadores norte-americanos, como uma ação que viabiliza
violações a Constituição; ou seria nas palavras do referido autor, “um método
de interpretação constitucional, no exercício de sua função jurisdicional, que
possibilita, por parte do Poder Judiciário, a necessária colmatação das lacunas constitucionais geradas pela omissão total
ou parcial dos outros Poderes...”
Nesse enfoque, Dworkin (2006), utiliza como exemplo, o direito à
liberdade de expressão, cujo efeito imediato é inegável, no entanto, para sua completa
efetividade requer necessidades de intervenções legislativas, posto que, o
pleno exercício de tal liberdade, demanda o dever de respeito, bem como, de condições
para o exercício completo deste direito, o que se desdobra, para o sujeito, no
direito de exigência através do poder judiciário de efetivação de tais
premissas, em virtude da obrigação Estadual de criação de políticas públicas.
Ocorre, porém, que doutrinadores apontam o ativismo judicial de maneira a desqualificar tal prática, como evidente afronta à Separação dos
Poderes, com aberta usurpação das funções da legislatura ou da autoridade
administrativa, indo de encontro com a teoria de anuência ao exercício de tal
método, que afirma que, tal prática se propõe a garantir a supremacia e a plena
efetividade dos direitos fundamentais.
De maneira a funcionar como um sistema de freios e contrapesos,
posto que, a total eficácia das normas constitucionais exige do Judiciário uma
concretização o mais abrangente possível de seus valores e princípios, sendo
que, nos casos de inércia legislativa, o Poder Legislativo encontra-se
autorizado a agir, na concepção de Luiz Roberto Barroso, supracitado por
Alexandre Moraes, (obra supracitada).
Ocorre, porém, que inúmeros doutrinadores veem o ativismo judicial
como um perigo para a Democracia e a vontade popular, nesta direção explana
Ronald Dworkin, (2006):
O ativismo é uma
forma virulenta de pragmatismo jurídico. Um juiz ativista ignoraria o texto da
Constituição, a história de sua promulgação, as decisões anteriores da Suprema
Corte que buscaram interpretá-la e as duradouras tradições de nossa cultura
política. O ativista ignoraria tudo isso para impor a outros poderes do Estado
o seu próprio ponto de vista sobre o que a justiça exige.
Nesta questão, como forma de maior segurança jurídica, requer-se
por parte do Poder Judiciário, como meio de respeito a separação dos poderes,
que o próprio, considere a vontade do legislador, ou seja, que o mesmo apenas
intervenha nos casos de inconstitucionalidade evidente, agindo de maneira
objetiva e fundamentada, como recurso a respeitar o que se denomina, a
liberdade de conformação do legislador.
No entanto, cabe salientar, por meio da explanação feita pelo
Ministro Celso de Mello, na posse do Min. Gilmar Mendes na presidência do STF, sobre
o fato de que, o ativismo judicial, que, sendo efetuado em momentos
excepcionais, tende a tornar-se uma necessidade institucional, ou seja:
Quando os órgãos do Poder Público se omitem ou retardam,
excessivamente, o cumprimento de obrigações a que estão sujeitos por expressa
determinação do próprio estatuto constitucional, ainda mais se tiver presente
que o Poder Judiciário, tratando-se de comportamentos estatais ofensivos à
Constituição, não pode se reduzir a uma posição de pura passividade (23.04.2008).
De outra forma, assegura Jürgen SCHWAB (2006), para o qual, apenas
com a observância da proibição da arbitrariedade é que se tona possível um
controle por parte do Tribunal Constitucional Federal e não simplesmente, a
constatação que o legislador tenha encontrado no caso em questão, como mais
adequada, justa ou razoável.
Assim, assegura Alexandre Moraes, (obra supracitada):
O bom-senso entre a “passividade
judicial” e o “pragmatismo jurídico”,
entre o “respeito à tradicional
formulação das regras e freios e contrapesos da Separação dos Poderes” e “a necessidade de garantir às normas
constitucionais à máxima efetividade” deve guiar o Poder judiciário, e, em
especial, o Supremo Tribunal Federal na aplicação do ativismo judicial, com a apresentação de metodologia interpretativa
clara e fundamentada, de maneira a balizar o excessivo subjetivismo, permitindo
a análise crítica da opção tomada, com o desenvolvimento de técnicas de
autocontenção judicial, principalmente, afastando sua aplicação em questões
estritamente políticas, e, basicamente, com a utilização minimalista desse
método decisório, ou seja, somente interferindo excepcionalmente de forma
ativista, mediante a gravidade de casos concretos colocados e em defesa da
supremacia dos Direitos Fundamentais. (Grifo original).
Convém salientar que é de competência do poder legislativo, a
função de legislar, bem como a de escolher o momento adequado para decidir
quais questões merece prioridade, no entanto, em algumas circunstâncias, o
constituinte estabeleceu certo dever de legislar, que resulta em uma obrigação
do Parlamento de editar leis, para o efetivo cumprimento e promoção das normas
constitucionais.
Surge nessa direção, uma questão a ser confrontada, qual seja, até
que ponto o Poder Judiciário possui autonomia de exigir do Congresso Nacional
medidas de promoção dos direitos fundamentais? Ou mesmo de que forma o ativismo judicial pode atuar em defesa
de tais prerrogativas? Tais questões serão amplamente discutidas no item a
seguir, por meio dos limites da tutela jurisdicional.
1. 4. LIMITES DA TUTELA JURISDICIONAL
Ocorre a omissão legislativa, no momento em que, determinado
direito depende de lei para tornar-se plenamente efetivo e o legislador mantém-se
inerte diante da questão. Da mesma forma, nas hipóteses em que o Congresso
Nacional incorra na mesma inércia, impedindo a eficácia de norma constitucional
em pauta, também, ocorrerá a omissão constitucional. Nesse sentido explana o
Min. Celso de Mello, na citação de Malmelstein, (obra citada), pois que, “o
direito a legislação só pode ser invocado pelo interessado, quando também,
existir, - simultaneamente, imposta pelo próprio texto constitucional - a
previsão do dever estatal de emanar normas legais”. Em continuação:
Desse modo, (...) revela-se essencial que se estabeleça, tal como
sucede na espécie, a necessária correlação entre a imposição constitucional de
legislar, de um lado, e o consequente reconhecimento do direito público
subjetivo à legislação, de outro, de tal forma que, presente a obrigação jurídico-constitucional
de emanar provimentos legislativos, tornar-se-á, possível, não só imputar
comportamento moroso ao Estado (como já ocorreu, no caso, quando do julgamento
do MI 20/DF, Rel. Min. Celso de Mello), mas, o que é muito mais importante
ainda, pleitear junto ao Poder Judiciário, que este dê expressão concreta, que
confira efetividade e que faça atuar a cláusula constitucional tornada
inoperante por um incompreensível estado de inércia governamental.
Como forma de correção destas situações de inconstitucionalidade
por omissão legislativa, emerge por via do constituinte originário a Ação
Direta de Inconstitucionalidade, cuja função é a de declarar a mora do Poder
Legislativo, sem que seja possível cobrar mudanças neste sentido, apenas,
assinala-se um prazo para que tal poder tome iniciativa, podendo
responsabilizar civilmente o órgão omisso, caso não respeite tal prazo, bem
como o Mandato de Injunção, que se preza como instrumento perfeito na solução
desta questão, em consonância com o art. 5º da CF, inc. LXXI, “conceder-se-á
mandato de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável
o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas
inerentes a nacionalidade, a soberania e à cidadania”.
A força do Mandato de Injunção possibilitou ao Judiciário a
emissão de comandos normativos provisórios, enquanto permanecer a mora
legislativa. Assim, para Sérgio Fernando Moro (2004), no momento em que o texto
constitucional concebe objetivos a serem efetivados, o órgão responsável pela
observância constitucional se incumbe de obrigar o poder político a agir, ou a
ele próprio, elaborar em caráter temporário e substitutivo os revestimentos das
lacunas.
Em consequência, argumenta Marmelstein (2013), na direção de que,
o Poder Judiciário tem a missão de concretizar todas as normas constitucionais,
principalmente em casos de inconstitucionalidade por omissão, pois que, se o
legislador permaneceu em inércia, é perfeitamente aceitável que o judiciário
entre em proteção aos direitos fundamentais, dando a melhor concretização
possível à norma em apreço, visto que, como defensor da Supremacia
Constitucional, é função dos juízes “zelar para que os direitos constitucionais
sejam efetivados da melhor forma possível”.
Findo este item, necessário se faz uma breve colocação no que
concerne a teoria da repartição dos poderes, em virtude de que, no percurso do
respectivo trabalho, já fora enunciado e abordado por diversas vezes o referido
assunto, resultando então, apenas na necessidade de um amplo enunciado acerca
da temática, para que a mesma não passe desatenta aos nossos entendimentos.
1.3.5.
TEORIA DA SEPARAÇÃO DOS PODERES
Como forma de poder, os atos do Estado obrigam, porém como poder
abstrato, ele não se vê afetado através das modificações que alcançam seus
agentes, posto que, o Estado enraíza-se no poder, já que se efetiva por meio da
expressão dos ideais compartilhados na sua sociedade. Nesse sentido, a
separação dos poderes (Judiciário, Legislativo e Executivo), fora utilizada
pela primeira vez por Aristóteles em sua obra Política, sendo aperfeiçoada por
e Locke através do Segundo Tratado do Governo Civil e Montesquieu na obra O
Espírito das Leis (2000), em citação:
Quando, na mesma pessoa ou no mesmo corpo de
Magistratura, o Poder Legislativo é reunido ao Executivo, não há liberdade.
Porque pode temer-se que o mesmo Monarca ou mesmo o Senado faça leis tirânicas
para executá-las tiranicamente. Também não haverá liberdade, se o Poder de
Julgar não estiver separado do Legislativo e do Executivo. Se estivesse junto
com o Legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria
arbitrário: pois, o Juiz seria o Legislador. Se estivesse junto com o
Executivo, o Juiz poderia ter a força de um opressor. Estaria tudo perdido se
um mesmo homem, ou um mesmo corpo de principais ou nobres, ou do Povo,
exercesse estes três poderes: o de
fazer as leis; o de executar as
resoluções públicas; e o de julgar os crimes ou as demandas dos particulares.
Dessa forma,
abordando a atualidade, por meio da promulgação da Constituição de 88, a
separação dos poderes, trouxe a expressão de equilíbrio e harmonia entre os
órgãos, bem como, admitindo-se em situações excepcionais a interferência entre
os mesmos, como meio de vigilância e controle recíprocos no que reporta ao
cumprimento dos deveres constitucionais de cada um.
Na concepção
de José Afonso da Silva (2005), o princípio da separação dos poderes
hodiernamente não é absoluto, posto que, os órgãos possuem o dever de buscar o
equilíbrio necessário em prol da sociedade, verificável no fato de que, os
mesmos possuem em sua essência, os mecanismos de freios e contrapesos, que se
baseiam na harmonia destes poderes, além de que, os próprios, findam-se na
busca preferencial pela concretização dos direitos fundamentais.
De forma
ampla, fora abordada a teoria da repartição dos poderes, cuja qual, não será
discutida profundamente visto não se tratar do ponto crucial do respectivo
trabalho, também, porque a parte de sua colaboração, que se mostra essencial ao
nosso documento, já fora abordada no decorrer deste registro, findando então
nesta breve, mas necessária consideração, a qual reporta-se em absoluto, no
sentido da efetivação judicial do direito as prestações e suas especialidades,
para onde remeter-se-á no item a seguir.
1.3.6.
EFETIVAÇÃO JUDICIAL DO DIREITO AS PRESTAÇÕES
Inicialmente, se faz necessário efetuar a distinção entre eficácia
e efetividade, então, na expressão de Sarlet (2006), ter-se-á eficácia, na
possibilidade de uma norma jurídica ser aplicada a casos em espécies e gerar
efeitos na esfera jurídica, do mesmo modo, ter-se-á efetividade no conjunto da
decisão da aplicação desta norma e do resultado concreto decorrente ou não
desta aplicação.
Até o presente momento ficou evidenciado que os direitos
fundamentais além de serem reconhecidos pela Constituição, também, possuem
aplicabilidade imediata, para tanto, sua efetividade não pode ficar restrita a
decisões políticas tanto do Legislativo, quanto do Executivo, de tal forma que
se faz justa a interferência judicial na efetivação e concretude de tais
prerrogativas, mesmo frente a omissão infraconstitucional.
Ficou evidenciado que, além de um caráter negativo, os direitos
fundamentais, também, possuem uma face positiva, ou seja, aquela em que visa
atribuições de recursos para serem implantados. Ressalta-se porém que este
caráter é mais intenso nos direitos sociais, no entanto, possui efetividade em
outras prerrogativas.
Então, atém-se a um questionamento levantado por Marmelstein (obra
citada), cujo qual, trata-se de “saber se os direitos fundamentais que emitem
comandos prestacionais (deveres de implementação), poderiam ser efetivados pelo
Poder Judiciário sem uma prévia intervenção legislativa” ou não.
Insere no caso em questão “um conflito entre o princípio da máxima
efetividade dos direitos fundamentais (...) e os princípios da separação dos
poderes e da democracia representativa (que pressupõe que as decisões políticas
sejam tomadas por representantes eleitos pelo povo e não pelos juízes)”.
Assim sendo, Strapazzon (2010), assevera:
A tradição ensina que em nome da segurança jurídica e da
preservação das liberdades contra o arbítrio, os magistrados deveriam se
abstiver de (em uma fórmula antiga) ‘consultar o espírito das leis’; ou (para
falar de maneira mais atual) de promover interpretações evolutivas do direito
positivo. (...) por uma questão de legitimidade política, a inovação na ordem
jurídica deveria ser exclusiva atribuição dos representantes eleitos,
competentes para criar, modificar ou renovar normas gerais. (...) as inovações
promovidas pelo Judiciário exporiam o ordenamento jurídico a uma torrente de
opiniões pessoais, que, assim, obstariam a uniforme proteção das liberdades,
com grave elevação da insegurança jurídica. As inovações promovidas por juízes-
pior ainda - não estariam sujeitas aos mesmos controles democráticos, visto que
não são alcançadas pelas mesmas formas de responsabilização política que
constrangem tanto o Legislativo quanto o Executivo.
Nesse sentido, alerta Barroso (2013), in verbis:
A importância da Constituição – e do Judiciário como seu intérprete
maior – não pode suprimir, por evidente, a política, o governo da maioria, nem
o papel do Legislativo. A Constituição não pode ser ubíqua. Observados os
valores e fins constitucionais, cabe à lei, votada pelo parlamento e sancionada
pelo Presidente, fazer as escolhas entre as diferentes visões alternativas que
caracterizam as sociedades pluralistas. Por essa razão, o STF deve ser
deferente para com as deliberações do Congresso. Com exceção do que seja
essencial para preservar a democracia e os direitos fundamentais, em relação a
tudo mais, os protagonistas da vida política, devem ser os que têm votos.
Juízes e tribunais não podem presumir demais de si próprios – como ninguém
deve, aliás, nessa vida – impondo suas escolhas, suas preferências, sua
vontade. Só atuam, legitimamente, quando sejam capazes de fundamentar
racionalmente suas decisões, com base na Constituição.
Nesse sentido, considera-se também, como ponto negativo ao ativismo
judicial o fato de que o juiz nem sempre possui informações suficientes e o
tempo necessário para analisar o impacto das decisões emitidas, o que cobra do
Poder Judiciário uma posição de cautela e deferência. Na mesma direção, assevera
Facury Scaff (2008), para o qual as denominadas sentenças aditivas, que
determinam de forma imediata o desembolso do Estado, ou determinam o bloqueio
judicial das verbas públicas, possuem efeitos negativos, posto que:
Esta, a meu ver, é a pior fórmula que existe, pois destrói a possibilidade
de planejamento financeiro público, e solapa a capacidade organizacional de
qualquer governo. A alocação das verbas passa a ser determinada de forma
pontual pelo Poder Judiciário, através de decisões individualizadas ou grupais,
e não de forma global, como só pode ser feito através de normas – leis,
decretos, portarias e outros atos similares que compõem aquilo que se
convencionou chamar de 'política pública', que não se esgota em um único ato
normativo, mas se configura na disposição organizada e coordenada de em um
conjunto deles.
Também se elenca como argumento negativo a esta prática, a questão do
direito a igualdade, pois que, como não há verba pública suficiente para
garantir os direitos mínimos de todos os cidadãos, o Judiciário, ao conceder a
medida de proteção a um cidadão, estaria prejudicando aos demais, como bem
pondera Lopes (2008):
Engana-se quem acha que o Judiciário deve dar a um cidadão aquilo que
este não conseguiu da Administração porque ela não teria como dar a mesma coisa
a todos. Se o Judiciário concedesse a um em particular, estaria certamente
violando o direito de todos os outros, pois atenderia com recursos públicos
apenas os que conseguissem chegar a ele.
Ocorre, porém, que frente à inércia dos outros poderes políticos,
se os órgãos judiciários não tiverem força vinculante no que concerne aos
direitos fundamentais, os mesmos podem ser transformados em simples retórica
política, em contrapartida, caso esses direitos passem a serem exigíveis na via
judicial, emerge a prenuncia de deslocamento de decisões de cunho legislativo e
executivo para a esfera Judicial, conforme adverte Robert Alexy (1997).
No entendimento de Germano Schwartz (2001), o Poder Judiciário
fica incumbido de solucionar as lacunas no direito postulado, exercitando o
controle de insuficiências ou mesmo ausências de políticas públicas, porém,
este processo deve ocorrer de forma secundária, ou seja, em primeiro momento o
cidadão deve buscar seu direito na via administrativa, e em razão da negativa é
que o mesmo deve se socorrer na esfera judicial, como garantia de todos os
cidadãos ao acesso igualitário e universal de seus direitos fundamentais.
Consequentemente, também, salienta Mancuso (2001), para o qual, a
intervenção judicial no que concerne aos direitos fundamentais é essencialmente
necessária, posto que, não se trata de invasão na esfera dos poderes, mas sim,
de correção de omissões. Destarte, neste momento, a questão da guarda do Estado
Democrático de Direito, visto que, um Estado não se mantém, se seus princípios
básicos expressos constitucionalmente, não forem efetivados, assim sendo, o
Judiciário estaria em consequência da proteção de seus cidadãos, guardando seu
modelo estatal.
Destarte, no que reporta a quantidade de recursos a serem
utilizados na implementação de um direito a um caso prático, Barcellos (2002)
preceitua que a Constituição já se encarrega de oferecer parâmetros normativos
objetivos, de maneira que torna o controle judicial viável e possível.
Nesse sentido, no que reporta a invasão de poderes, considerada
desarmônica com a democracia, a mesma, preleciona três pontos, sendo eles, em
primeiro momento, para o próprio funcionamento regular da democracia, e ao
controle social de políticas públicas, mister se faz o exercício de um conjunto
essencial dos direitos fundamentais, em segundo ponto, refere-se ao fato de
que, devido ao poder vinculante da Constituição suas normatividades não podem
ser ignoradas, em terceiro ponto assevera sobre ser adotada uma pratica
intermediária, ou seja, nem totalmente contra ao ativismo, nem totalmente a
favor, isto é, uma atitude ponderada, conforme o caso em circunstância.
Na seara brasileira, esta prática tem tido bastante aceitação e
resultados plausíveis no que concerne a efetividade dos direitos fundamentais,
em vista da omissão do Parlamento e do Governo, inclusive, cita-se, como
exemplo, a área da saúde, onde vários julgados foram proferidos vinculando o
Poder Público a custear medicamentos para as pessoas hipossuficientes.
Assim sendo, Strapazzon (obra citada), destaca três postulados que
legitimam a interpretação evolutiva dos direitos fundamentais sociais, pois que,
possuem caráter positivo, desafiando ao intérprete uma ampliação do sentido e
do alcance das normas dos direitos fundamentais, sendo elas, ‘o postulado da
força normativa da constituição, o postulado da interpretação proporcional e
razoável e o postulado da máxima efetividade, dos direitos fundamentais’.
Por conseguinte, de acordo com Ferreira Filho (2006), os direitos
sociais como prerrogativas subjetivas, implicam ao Estado um poder não apenas
de agir, mas de exigir, posto que, são direitos de créditos. Estes direitos são
denominados, na explanação de Gouvêa (2003), direitos prestacionais,
pois que, o mesmo assiste a todos os direitos de prestações materiais do
Estado. Assim, cita-se Faria (1994) em atinência as dificuldades do Sistema
Judiciário no que alude a efetivação dos direitos fundamentais:
(...) Os juízes
enfrentam o desafio de definir o sentido e o conteúdo das normas programáticas
que expressam tais direitos ou considerar como não-vinculante um dos núcleos
centrais do próprio texto constitucional. É aí, justamente, que se percebe como
os direitos humanos e sociais, apesar de cantados em prosa e verso pelos
defensores dos paradigmas jurídicos de natureza normativa e formalista, nem
sempre são tornados efetivos por uma Justiça burocraticamente inepta,
administrativamente superada e processualmente superada; uma Justiça
ineficiente diante dos novos tipos de conflito – principalmente os “conflitos-limite”
para a manutenção da integridade social; ou seja, os conflitos de caráter intergrupal,
intercomunitário e interclassista; uma Justiça que, revelando-se incapaz de
assegurar a efetividade dos direitos humanos e sociais, na prática acaba sendo
conivente com sua sistemática violação. É aí, igualmente, que se constata o
enorme fosso entre os problemas socioeconômicos e as leis em vigor.
Trata-se do fosso revelado pela crônica incapacidade dos tribunais
de aplicar normas de caráter social ou de alargar seu enunciado por via de uma
interpretação praeter legem, com finalidade de fazer valer os direitos mais
elementares dos cidadãos situados abaixo da linha de pobreza.
Por efeito, verifica-se, que não há violação do Princípio da Separação
dos Poderes, em razão de que, cabe ao Poder Judiciário, agir frente às omissões
ou descumprimento de preceitos dos outros órgãos, em assistência a garantia e
promoção dos direitos fundamentais, inerentes aos cidadãos.
Nesse sentido, em abril de 2004, por via do informativo 345 do
STF, fora publicada a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 45,
a qual discorria sobre a possibilidade do controle judicial de políticas
públicas, decidida através do Min. Celso de Mello, supracitada por Marmelstein
(obra acima citada), cuja ementa é a seguinte:
Ementa: Arguição de descumprimento de preceito fundamental. A
questão da legitimidade constitucional do controle e da intervenção do poder
judiciário em tema de implementação de políticas públicas, quando configurada
hipótese de abusividade governamental.
Dimensão política da jurisdição constitucional atribuída ao
Supremo Tribunal Federal. Inoponibilidade do arbítrio estatal à efetivação dos
direitos econômicos, sociais e culturais. Caráter relativo da liberdade de
conformação do legislador. Considerações em torno da cláusula da ‘reserva do possível’. Necessidade de
preservação, em favor dos indivíduos, da integridade e da intangibilidade do
núcleo consubstanciador do ‘mínimo
existencial’. Viabilidade instrumental da arguição de descumprimento no
processo de concretização das liberdades positivas (direitos constitucionais de
segunda geração).
Em seguimento, o manuscrito adapta-se na direção, da perfeita
harmonia da possibilidade de o judiciário auxiliar na concretização dos direitos
fundamentais a prestações, mesmo que, de forma subsidiária, uma vez que, encontram
sentido em consubstancializar os direitos outorgados por meio da Constituição,
na ausência de ação do poder competente, conquanto que “o Judiciário precisa
despertar para a realidade social, econômica e política do país”, nas palavras
de José Eduardo Faria (obra citada anteriormente), “caso contrário ficará em
risco de passar a ser considerado uma instituição irrelevante ou até mesmo
‘descartável’, por parte da sociedade. O grau de descartabilidade
corresponderá, nesse caso, ao grau de fraqueza do Estado de Direito tão
arduamente conquistado”.
Ocorrem, no entanto, que tal preceito deve ser usado com cautela, em
consequência da observação efetuada por Streck (2011):
Importante anotar que no Brasil, os tribunais, no uso descriterioso da teoria alexyana, transformaram a
regra da ponderação em um princípio. Com efeito, se na formatação proposta
por Alexy a ponderação conduz à formação de uma regra – que será aplicada ao caso
de subsunção -, os tribunais brasileiros
utilizam esse conceito como se fosse um enunciado performático, uma espécie de
álibi teórico capaz de fundamentar os posicionamentos mais diversos. Esse
tratamento equivocado - que enxerga a ponderação como um princípio - fica
evidente a partir de uma simples pesquisa nos tribunais brasileiros.
De se consignar, por fim, que esse uso da ponderação como um –
verdadeiro - princípio, decorre de um fenômeno muito peculiar à realidade
brasileira que venho denominando pan-principiologismo.
Em linhas gerais, o pan-principiologismo é um subproduto do constitucionalismo
contemporâneo que acaba por fragilizar as efetivas conquistas que formaram o
caldo de cultura que possibilitou a consagração da Constituição brasileira de 1988.
Esse pan-principiologismo faz com que
- a pretexto de se estar aplicando princípios constitucionais - haja uma
proliferação incontrolada de enunciados para resolver determinados problemas
concretos, muitas vezes, ao alvedrio da própria legalidade constitucional.
Exemplificativamente desta situação utiliza-se o Habeas Corpus nº 82.424, de 17 de
setembro de 2003, cujo qual ficou conhecido como caso Ellwanger, trata-se de um crime de discriminação e preconceito
contra judeus, onde houve diversos votos baseados no princípio da ponderação,
de maneira um tanto equivocada, inclusive utilizados no sustendo de que, o
crime de racismo era garantia apenas aos negros, em total desacordo de tal
direito.
Em seguimento, o mencionado autor preleciona acerca dos votos vencedores
que se baseavam em argumentos de política ou em juízo de ponderação, com
enfoque no perigo que corre a teoria alexyana na esfera brasileira, em virtude
de que a mesma, “desconsidera os procedimentos formais estabelecidos por Alexy
e termina por mesclar a ponderação alexyana com o modelo interpretativo próprio
da chamada jurisprudência de valores”. Assim sendo, a ponderação acaba por
ensejar a discricionariedade.
Neste desfecho, o
ativismo judicial faz com que diversos princípios venham surgindo como forma de
“resolver os casos difíceis ou ‘corrigir’ as incertezas da linguagem”,
fragilizando dessa forma, o grau de autonomia do direito e a força normativa da
Constituição, destarte, a democracia e os avanços passa a subordinar-se, às
posições individuais de juízes e tribunais, resultando, então, no fato de que,
o uso de tal prática deve ser analisado com cautela, e principalmente, posto em
exercício, somente em casos excepcionais.
Assim também, coloca-se Marmelstein (obra citada anteriormente),
visto que, a função do Judiciário não seria primordialmente, encarregar-se de “implementar
políticas públicas”, devido ao fato de que, esta função é do Poder Legislativo
e Executivo, então, o papel do Judiciário seria meramente subsidiário, como bem
colocado no voto do Min. Celso de Mello, do STF na ADPF 45/2004:
“Tal
incumbência, no entanto, embora em base excepcionais, poderá atribuir-se ao
Poder Judiciário, se e quando os órgãos estatais competentes, por descumprirem
os encargos político-jurídicos que sobre eles incidem, vierem a comprometer,
com tal comportamento, a eficácia e a integridade de direitos individuais e/ou
coletivos impregnados de estatura constitucional, ainda que derivados de
cláusulas revestidas de conteúdo programático.”
Destarte, finalizar-se-á no entendimento de que, o Poder
judiciário possui força normativa para intervir na efetivação dos direitos à
prestações, não incorrendo em qualquer abuso de direito ou violação, dado que,
nesse conflito de interesses, deverá prevalecer o princípio da dignidade humana
e a primazia aos direitos fundamentais, em razão de que, sempre que o órgão
incumbido de tal tarefa, agir mal, de forma insuficiente ou inadequada, ou
mesmo se omitir de agir, ou seja, apenas por força do princípio da subsidiaridade
é que o Judiciário possui força efetiva de ação.
Por tanto, abordar-se-á algumas jurisprudências articuladas, neste
sentido, de maneira a expressar a atuação deste órgão, como meio fiscalizador e
garantidor da concretização e efetivação dos direitos fundamentais.
1.3.7.
JURISPRUDÊNCIAS ACERCA DA TEMÁTICA
No que concerne a excepcionalidade da atuação do Poder Judiciário
na aplicação de políticas públicas, cita-se a decisão proferida através do Rel.
Min. Celso de Mello, em 23.08.2011:
“CRIANÇA
DE ATÉ CINCO ANOS DE IDADE - ATENDIMENTO EM CRECHE E EM PRÉ-ESCOLA – (...)
EDUCAÇÃO INFANTIL - DIREITO ASSEGURADO PELO PRÓPRIO TEXTO CONSTITUCIONAL (CF,
ART. 208, IV, NA REDAÇÃO DADA PELA EC Nº 53/2006)- COMPREENSÃO GLOBAL DO
DIREITO CONSTITUCIONAL À EDUCAÇÃO - DEVER JURÍDICO CUJA EXECUÇÃO SE IMPÕE AO
PODER PÚBLICO, NOTADAMENTE AO MUNICÍPIO (CF, ART. 211, § 2º)- LEGITIMIDADE
CONSTITUCIONAL DA INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO EM CASO DE OMISSÃO ESTATAL NA
IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS PREVISTAS NA CONSTITUIÇÃO –(...)
-
Embora inquestionável que resida, primariamente, nos Poderes Legislativo e
Executivo, a prerrogativa de formular e executar políticas públicas, revela-se
possível, no entanto, ao Poder Judiciário, ainda que em bases excepcionais,
determinar, especialmente nas hipóteses de políticas públicas definidas pela
própria Constituição, sejam estas implementadas, sempre que os órgãos estatais
competentes, por descumprirem os encargos político- -jurídicos que sobre eles
incidem em caráter impositivo, vierem a comprometer, com a sua omissão, a
eficácia e a integridade de direitos sociais e culturais impregnados de
estatura constitucional. DESCUMPRIMENTO DE POLÍTICAS PÚBLICAS DEFINIDAS EM SEDE
CONSTITUCIONAL: HIPÓTESE LEGITIMADORA DE INTERVENÇÃO JURISDICIONAL. - O Poder
Público - quando se abstém de cumprir, total ou parcialmente, o dever de
implementar políticas públicas definidas no próprio texto constitucional -
transgride, com esse comportamento negativo, a própria integridade da Lei
Fundamental, estimulando, no âmbito do Estado, o preocupante fenômeno da erosão
da consciência constitucional. (STF - ARE: 639337 SP, Relator: Min. CELSO DE
MELLO, Data de Julgamento: 23/08/2011, Segunda Turma, Data de Publicação:
DJe-177 DIVULG 14-09-2011 PUBLIC 15-09-2011 EMENT VOL-02587-01 PP-00125)”.
Neste ponto, acerca do que concerne a inércia do Estado em
executar as prerrogativas constitucionais, citar-se-á a ADI 1.484/DF, proferida
por meio do Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.:
“A inércia estatal em adimplir as imposições constitucionais
traduz inaceitável gesto de desprezo pela autoridade da Constituição e
configura, por isso mesmo, comportamento que deve ser evitado. É que nada se
revela mais nocivo, perigoso e ilegítimo do que elaborar uma Constituição, sem
a vontade de fazê-la cumprir integralmente, ou, então, de apenas executá-la com
o propósito subalterno de torná-la aplicável somente nos pontos que se
mostrarem ajustados à conveniência e aos desígnios dos governantes, em
detrimento dos interesses maiores dos cidadãos. - A intervenção do Poder
Judiciário, em tema de implementação de políticas governamentais previstas e
determinadas no texto constitucional, notadamente na área da educação infantil
(RTJ 199/1219-1220), objetiva neutralizar os efeitos lesivos e perversos, que,
provocados pela omissão estatal, nada mais traduzem senão inaceitável insulto a
direitos básicos que a própria Constituição da República assegura à
generalidade das pessoas”.
Em continuação, citar-se-á a decisão do STF, respectivo, aos
mecanismos de freios e contrapesos:
“Os mecanismos de controle recíprocos entre os poderes, os ‘freios
e contrapesos’ admissíveis na estruturação das unidades federadas, sobre
constituírem matéria constitucional local, só se legitimam na medida em que
guardem estreita similaridade com os previstos nas Constituição da República”.
(STF- Pleno- ADI1.905-MC- Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento:
19-11-1998).”
Por conseguinte, abordar-se-á decisão proferida, por meio do Rel.
Min. Ricardo Lewandowski, sobre a separação dos poderes e a regra da ampla
divisão judicial:
“Cabe ao Poder Judiciário a análise da legalidade e
constitucionalidade dos atos dos três Poderes Constitucionais e, em
vislumbrando mácula no ato impugnado, afastar sua aplicação.” (STF-1ªT. –AI
640.272-AgR- Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento: 02-10-2009).
Por fim, ter-se-á a decisão do Tribunal Jurídico do Maranhão, por
via do Rel. PAULO SÉRGIO VELTEN PEREIRA, 17/05/2012, que refere-se a
intervenção Judiciária:
“INTERESSE
DE AGIR. INAFASTABILIDADE DA JURISDIÇÃO. SAÚDE PÚBLICA. DIREITO SUBJETIVO
INDIVIDUAL. JULGAMENTO ULTRA PETITA. CELERIDADE E EFETIVIDADE DA TUTELA
JUDICIAL. 1. (...). 2. A saúde pública, além de ser um direito coletivo, também
constitui direito subjetivo individual, de modo que o Judiciário está autorizado
a intervir sempre que o Estado se torna inadimplente no cumprimento desse
direito fundamental. 3(...). (TJ-MA - Não Informada: 71282012 MA, Relator:
PAULO SÉRGIO VELTEN PEREIRA, Data de Julgamento: 17/05/2012, SAO LUIS)”.
1.3.8.
CONSIDERAÇÕES FINAIS:
Conclui-se através do explanado que o Poder Judiciário não apenas
possui legitimidade para atuar na efetivação
do direito às prestações, como possui dever de estar agindo, em vista de
que, como guardião dos direitos constitucionais, o mesmo se incumbe de trabalhar
em prol da concretização de tais direitos, e consequentemente, encontrando-se frente
a um caso concreto, sob inobservância ou omissão dos preceitos fundamentais, o
mesmo deve proceder de forma a concretizar e efetivar tais direitos, uma vez
que, tais positivações em um Estado Democrático de Direito, emanam do povo e
são regulamentados através do Poder Judiciário, que por tanto, possuem
autonomia para agir em sua materialização.
Em última análise ponderam-se, também sobre a necessidade de
evolução do sistema judiciário com vistas à consubstancializar os direitos
fundamentais, sob o prisma, de ser questionado, através, dos cidadãos sobre sua
função, qual seja, atuar no bem comum dos cidadãos e em garantia de seu dever
constitucional de concretude jurídica, logo que, os direitos fundamentais
expressos constitucionalmente são direitos de todos os cidadãos e dever de
Estado a sua recuperação, promoção e proteção, objetivando a concretude de
princípios como o da dignidade humana.
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