POSSIBILIDADE DE
CONSIDERAÇÃO DOS DIREITOS
SOCIAIS COMO DIREITOS
FUNDAMENTAIS NA EXPECTATIVA SUBJETIVA
Aline Oliveira Mendes de
Medeiros Franceschina*
Resumo
O respectivo manuscrito
trata acerca da possibilidade de se considerarem os direitos sociais como
direitos fundamentais, assim como analisar a aplicabilidade deles na ótica
subjetiva. Ocorre, porém, que para a concretização dessa medida, o Judiciário,
órgão incumbido pela resolução da questão, obriga-se a analisar teorias
edificadoras dessa atuação ativista, bem como a teoria da reserva do possível,
a qual atua como limitadora desse feito. Dessa forma, com base no fato de que a
Constituição garante a dignidade da pessoa humana, induzindo ao magistrado e ao
Estado a verificação de um mínimo existencial, sem o qual nenhum ser humano é
capaz de subsistir de maneira digna, verifica-se que essa possibilidade não
apenas é possível, como também é legítima, sendo edificada por meio do
posicionamento jurisprudencial.
Palavras-chave: Direitos
fundamentais. Direitos sociais. Dignidade da pessoa humana.
1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O presente trabalho tencionou abordar de
forma específica a possibilidade de considerarem-se os direitos sociais
elencados principalmente no art. 6º da Carta Máxima como direitos fundamentais,
bem como analisar a aplicabilidade deles na esfera subjetiva, isto é, a
situação jurídica estabelecida por uma norma, em que ela institui ao seu
titular o direito a um determinado ato frente ao seu destinatário, cujo qual,
por sua vez, vê-se no dever de executar este ato.
Dessa forma, foram feitas pesquisas
bibliográficas sobre a temática, e ainda observações em casos práticos, por
meio de pesquisas jurisprudenciais; acerca da temática, salienta-se que o
método utilizado neste manuscrito consiste no indutivo, em que o leitor, com
base nos dados estabelecidos, concluirá seu posicionamento.
Como forma de direcionar o autor, este
documento foi composto inicialmente mediante as considerações iniciais,
seguindo por intermédio da análise subjetiva dos direitos sociais,
considerando-os no enfoque dos direitos fundamentais; por conseguinte, foram
estabelecidas teorias que reforçam a edificação destes nesse sentido, bem como,
balizam-nos para que não extrapolem os limites legais, as quais concernem à
teoria do mínimo existencial, na qual o Estado se encontra obrigado a garantir
um mínimo legal a todo o ser humano. Posteriormente, atêm-se ao princípio da
subsidiaridade, em que o juiz é legalizado para atuar por meio do ativismo
judicial, estando essas ações pautadas na reserva do possível, a qual se refere
ao justo motivo para que o Estado se abstenha de praticar o ato que lhe cabe.
Como meio de reforçar esse posicionamento,
foram introduzidas jurisprudências acerca da temática, findando o respectivo
manuscrito mediante as considerações finais.
2 DIREITOS SOCIAIS NA PERSPECTIVA FUNDAMENTAL: SUBJETIVIDADE
Como se sabe, os direitos fundamentais
sociais estão englobados na segunda dimensão de direitos; não obstante, cabe
ressalvar, conforme preleciona Sarlet (2009), que apesar do marco diferencial
destes direitos ser de cunho positivo, eles também podem se apresentar como
direitos de liberdades negativas, isto é, direitos de defesa.
Assim, Sarlet e Figueiredo (2010)
esclarecem:
[...] os
direitos sociais abrangem tanto os direitos (posições ou poderes) à prestações
(positivos), quanto direitos de defesa (direitos negativos ou a ações
negativas), partindo-se, aqui, do critério da natureza da posição
jurídico-subjetiva, reconhecida ao titular do direito, bem como, da
circunstância de que, os direitos negativos (notadamente os direitos à não
intervenção na liberdade pessoal e nos bens fundamentais tutelados pela
Constituição), apresentam uma dimensão “positiva” (já que sua efetivação
reclama uma atuação positiva do Estado e da sociedade), ao passo que, os
direitos a prestações (positivos), fundamentam, também, posições subjetivas
“negativas”, notadamente, quando se cuida de sua proteção contra ingerências
indevidas por parte dos órgãos estatais, de entidades sociais e também, de
particulares.
Como perceptível, pela separação em
dimensões, os direitos foram se afirmando conforme o momento histórico e a
necessidade da sociedade, caracterizados por conquistas sociais em defesa da
liberdade, de forma gradual. No entanto, há divergências doutrinárias quanto a
essa classificação de direitos por dimensões, mesmo que didática, pois a
própria é utilizada como escape para os governos que, descomprometidos com a
efetivação dos direitos sociais, argumentem para o sentido de que os direitos
civis e políticos estariam em primazia, ou vice-versa.
Posicionamento equivocado, pois Coelho
(2009) desponta acerca da necessidade do reconhecimento da indivisibilidade dos
direitos fundamentais, para que essas denominadas dimensões de direitos não
sejam negligenciadas ou violadas, ainda que, sob a falsa afirmação de promoção
de outras garantias, em razão do fato de que essa visão fragmentada interessa,
sobremaneira, somente “[...] aos regimes autoritários, ao autoritarismo sem
bandeiras, seja no plano político, seja no plano econômico-social.”
Assim, os direitos sociais, conforme
Barreto (apud KELBERT, 2011), atuam como “[...] núcleos integradores e
legitimadores do bem comum, pois será, através deles, que se poderá garantir a
segurança, a liberdade, a sustentação e a continuidade da sociedade humana.”
Nesse sentido, Olsen (2011) salienta que os direitos fundamentais possuem duas
acepções a se destacar, sendo elas a objetiva, que corresponde aos objetivos
basilares da comunidade e a subjetiva, qual seja a de um direito individual
plenamente exigível.
No que diz respeito à concepção objetiva
dos direitos fundamentais, Sarlet (2009), aborda que, por se tratarem de
valores e fins que o Estado deve concretizar, esses direitos devem ser
verificados sob a perspectiva social, “[...] na qual se encontra inserido e não
pode ser dissociado”, podendo-se articular no sentido de uma “[...]
responsabilidade comunitária dos indivíduos”, estando, portanto, valoramente
ligada à percepção objetiva dos direitos fundamentais, e, consequentemente,
também, vinculada a esta perspectiva, encontra-se a obrigação indissociável do
Estado, de promover e garantir os direitos fundamentais. Assim, também, pondera
Olsen (2011), para a qual:
[...] esta
dimensão protetora revela, em verdade o caráter positivo que todos os direitos
fundamentais podem assumir, mesmo os clássicos direitos de defesa, na medida em
que todos exigiriam – como função autônoma e independente de sua subjetividade
– a proteção do Estado, para a qual, por certo, necessário se faz a adoção de
medidas prestacionais. A partir dessa perspectiva, torna-se mais evidente a
conclusão a que chegaram Cass Sustein e Stephen Holmes, no sentido de que,
todos os direitos fundamentais, são positivos e têm um custo.
Dessa forma, conforme Canotilho (2002),
“[...] diz-se, que uma norma garante um direito
subjetivo quando o titular de um
direito tem, face ao seu destinatário, o direito a um determinado ato, e este
último tem o dever de, perante o primeiro, praticar esse ato.” Conforme Clève
(2003), a sua dimensão subjetiva desempenha três funções, sendo elas defesa,
prestação e não discriminação, ou seja:
[...] os
direitos fundamentais (i) situam o particular em condição de opor-se à atuação
do poder público em desconformidade com o mandamento constitucional, (ii)
exigem do poder público a atuação necessária para a realização desses direitos,
e, por fim, (iii) reclamam que o Estado coloque à disposição do particular, de
modo igual, sem discriminação [...], os bens e serviços indispensáveis ao seu
cumprimento. Então, salvo nas hipóteses de ação afirmativa, onde poderá haver
uma discriminação (temporariamente justificável) que busque atender
determinadas finalidades constitucionais [...], a exigência é de que, os
serviços sejam colocados à disposição de todos os brasileiros [...], implicando
para o particular, o poder de reivindicar junto ao Judiciário, idêntico
tratamento.
Não obstante, ocorre que existem
divergências doutrinárias no que se refere à atuação dos direitos subjetivos,
em decorrência do próprio objeto do direito fundamental subjetivo, que, no
entender de Sarlet (2009), vincula-se ao fato de que a liberdade da pessoa
individual não possui um leque de garantias uniformizadas, consistindo na
existência de diferentes classificações, quanto ao grau de exigibilidade desses
direitos, bem como ao fato de que “[...] a complexidade das posições jurídicas
dos direitos fundamentais, que podem se constituir em direitos, liberdades,
pretensões e poderes de natureza diversa e ainda dirigir-se a diferentes
destinatários.”
Em continuação, o mencionado autor afirma
que a eficácia imediata se encontra definida nos termos do art. 5º, § 1º da
Constituição. Assim, partindo desse pressuposto, Marmelstein (2013) salienta
que a cláusula de aplicação imediata é a aplicabilidade expressa do princípio
da máxima efetividade, inerente a todas as normas constitucionais. Acerca
disso, o próprio fez menção a Krugrer, ao denotar que são as leis que devem
girar em torno dos direitos fundamentais, e não o contrário, em consequência do
caráter primordial, da efetivação dos direitos fundamentais, não havendo,
portanto, nenhuma possibilidade de abstenção jurídica, desse dever legal.
Destarte, também, preceitua Mello (2011),
para quem a Constituição não é apenas uma ideologia, mas o resultado de um
ideário, isto é, consiste na conversão de necessidades e ideologias em
positivações. Ainda nesse sentido, explana Olsen (2011), para quem “[...] a
exigibilidade não é condição de existência do direito, ele não existe porque é
exigível. Ele (simplesmente) existe, razão pela qual deve ser exigível.” Em
continuação à sua explanação, a autora faz citação a Eros Grau, in verbis:
Afirmar que
determinadas normas constitucionais têm sua eficácia dependente da edição de
normas pelo legislador ordinário, equivaleria a uma “revogação de fato”, sempre que o legislador se
omitisse no seu dever de concretizar a norma constitucional. Seria inverter a
hierarquia das normas jurídicas, na medida em que, uma lei ordinária acabaria
por, se sobrepor a uma norma constitucional. Nestas condições, o autor defende
que, as normas de direitos sociais, ainda que, prevejam a possibilidade de
integração do seu conteúdo, por legislação ordinária, não dependem desta, para
sua interpretação e aplicação, gerando verdadeiros direitos subjetivos, aos
seus titulares.
Assim, também pondera
Kelbert (2011), em citação a Sarmento, para quem:
[...]
conceber os direitos sociais como normas programáticas implica deixá-los
praticamente desprotegidos diante das omissões estatais, o que não se
compatibiliza nem com o texto constitucional, que consagrou a aplicabilidade
imediata de todos os direitos
fundamentais, nem com a importância destes para a vida das pessoas.
Dessa forma, em conformidade com Olsen
(2011), mister se faz a diferenciação das normas programáticas e das
definidoras de direitos; para tanto, a diferença nuclear reside em seu objeto,
isto é, em decorrência do fato de que as primeiras apenas determinam um fim a
ser efetivado por meio do Estado, porém, as segundas atribuem um direito
subjetivo aos seus titulares.
A discussão se encerra, porém, sem pacificação doutrinária, sob a
observação da necessidade de utilizar-se do método de ponderação, em cada caso
concreto, como elemento direcionador para a concretização e efetividade dos
direitos sociais, como forma de constatação da necessidade de interferência ou
não, do Poder Judiciário, para agir além de sua competência institucional. Não
obstante, afirmar que os direitos sociais estão diretamente vinculados à vida e
à dignidade da pessoa humana, o que substancialmente lhes imprime um caráter de
efetividade ou subjetividade. Isso colocado, passar-se-á a abordar a teoria do
mínimo existencial por meio da seção a seguir.
3 A TEORIA DO MÍNIMO EXISTENCIAL
Marmelstein (2013), acerca
dos países desenvolvidos, considera:
A
possibilidade de o Judiciário vir a efetivar direitos a prestações materiais é
vista com bastante desconfiança, pois se entende que, a escassez dos recursos
necessários à concretização de direitos prestacionais demandaria escolhas
políticas, que deveriam ser tomadas, preferencialmente, por órgãos politicamente
responsáveis (legislador de administrador) e não pelos juízes. Além disso, são
poucas as Constituições, como a brasileira, que incluíram em seu rol de
direitos fundamentais, diversos direitos sociais.
Ocorre, porém, que mesmo nesses países,
reconhece-se a obrigação, por parte do Estado, de garantir aos cidadãos ao
menos condições mínimas de uma existência digna, a qual se denomina “teoria do mínimo existencial”. No que
diz respeito a essa teoria, apenas o conteúdo basilar dos direitos sociais
teriam um grau indispensável, com capacidade suficiente para gerar direitos
subjetivos aos seus titulares. Caso a pretensão se encontre fora deste mínimo
existencial, “[...] o reconhecimento dos direitos subjetivos ficaria na
dependência de legislação infraconstitucional regulamentando a matéria, não
podendo o Judiciário agir além da previsão legal.”
Há, porém, uma constatação a ser feita no
que se refere ao mínimo existencial, em conformidade com Sarlet e Figueiredo
(2010), sendo de relevo frisar que a teoria em pauta em nada se compara com o
denominado mínimo vital ou mínimo de sobrevivência, posto que estes últimos,
apenas dizem respeito à garantia da vida humana, sem deterem-se na qualidade de
vida, ou seja, na vida com dignidade; assim, proteger alguém de sucumbir,
certamente, seria o primeiro passo ao mínimo existencial, no entanto, não
bastaria, posto que este seria “[...] um conjunto de garantias materiais para
uma vida digna.”
Faz-se menção acerca disso
da decisão do Tribunal Constitucional Federal, da qual é possível extrair:
Certamente a
assistência aos necessitados integra as obrigações essenciais de um Estado
Social [...] Isto inclui, necessariamente, a assistência social aos cidadãos,
que, em virtude de sua precária condição física e mental, encontram-se
limitados nas suas atividades sociais, não apresentando condições de prover a
sua própria subsistência. A comunidade estatal, deve, assegurar-lhes, pelo
menos, as condições mínimas para uma existência digna e envidar os esforços
necessários para integrar estas pessoas na comunidade, fomentando seu
acompanhamento e apoio na família ou por terceiros, bem como, criando as
indispensáveis instituições assistenciais.
Destarte, torna-se evidente que a garantia
efetiva de uma existência com dignidade vai além da mera sobrevivência física,
do mínimo vital (mínimo fisiológico), encontrando-se, então, além do estado de
pobreza absoluta, posto que a vida não pode ser reduzida à mera existência, em
virtude do fato de que, além da proteção básica, é necessário assegurar ao ser
humano um mínimo de inserção na vida social (mínimo sociocultural), ou seja, um
direito à garantia fundamental.
Por conseguinte, Sarlet e Figueiredo
(2010) também predispõem acerca da impossibilidade de incluir um rol taxativo
de direitos garantidos, por meio do mínimo existencial, pois que se faz
necessário efetuar uma análise (ou pelo menos a possibilidade de uma
averiguação), à luz da necessidade de cada pessoa e de seu núcleo familiar. Com
efeito, no que reporta à garantia ao mínimo existencial, um dos principais
argumentos em desfavor da prática encontra-se na dimensão econômica designada
“reserva do possível”, a qual será averiguada na seção 6 deste artigo, nesse
sentido:
[...]
argumenta-se que as prestações necessárias à efetivação dos direitos
fundamentais, dependem sempre da disponibilidade financeira e da capacidade
jurídica de quem tenha o dever de assegurá-las. Por conta de tal objeção,
sustenta-se, que os direitos a prestações e o mínimo existencial encontram-se
condicionados pela, assim designada, “reserva do possível” e pela relação que
esta guarda, entre outros aspectos, com as competências constitucionais, o
princípio da separação dos Poderes, a reserva de lei orçamentária, e o
princípio federativo.
Isso posto, conclui-se que, se for dada
uma interpretação máxima ao conceito de mínimo, com certeza afastar-se-iam os
aspectos negativos e tal teoria seria de grande contribuição para a efetivação
dos direitos fundamentais sociais; assim, será feita uma explanação do princípio da subsidiariedade, na próxima
seção, que, em conjunto com o princípio anteriormente expresso, contribui de
forma fundamental para a efetividade dos direitos sociais.
4 PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE
Por via deste princípio, emerge a
possibilidade de o Judiciário implementar direitos fundamentais, sem
prerrogativas legislativas ou executivas, como meio de concretização dessas
garantias, o que automaticamente gera direitos subjetivos aos titulares de tais
direitos.
Assim, convém salientar que a intervenção
judiciária somente é possível frente à omissão, ou má administração dos demais
poderes, por meio de ações insuficientes ou equivocadas, posto que não reporta
ao Judiciário a implementação de políticas públicas, sob pena de desrespeito à
separação de poderes, bem como afronta ao ideal democrático, o qual regulamenta
que tal matéria cabe, como dito, ao Legislativo e ao Executivo. Destarte, a
interferência judiciária tende a ser subsidiária e temporária, apenas até que o
órgão competente tome as medidas cabíveis.
Nesse sentido,
prolatou-se, a decisão do Ministro Celso de Mello, do STF, na ADPF n. 45/2004,
no sentido de:
É certo que não se inclui,
ordinariamente, no âmbito das funções institucionais do Poder Judiciário – e
nas desta Suprema Corte, em especial – a atribuição de formular e de
implementar políticas públicas [...], pois, nesse domínio, o encargo reside,
primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo.
Tal
incumbência, no entanto, embora em bases excepcionais, poderá atribuir-se ao
Poder Judiciário, se e quando, os órgãos estatais competentes, por descumprirem
os encargos político-jurídicos, que sobre eles incidem, vierem a comprometer,
com tal comportamento, a eficácia e a integridade de direitos individuais e/ou
coletivos, impregnados de estatura constitucional, ainda que, derivados de
cláusulas revestidas de conteúdo programático.
Desse modo, no Brasil, essa intervenção
tem se mostrado extremamente necessária, em razão do fato de que os direitos
sociais de previsão constitucional têm sido encarados como um “[...] favor que
o político concede aos seus eleitores famintos, em troca de apoio eleitoral”,
como assevera Marmelstein (2013), em menção a Schwarzer. Concomitante a essa
realidade, verifica-se que os mecanismos clássicos da democracia representativa
têm falhado em suas prerrogativas de fornecimento à sociedade, dos mais básicos
direitos à vida com dignidade, ocasionando lacunas e desrespeito aos direitos
do ser humano de viver com dignidade, resultando no fato de o juiz necessitar
agir de forma subsidiária, em proteção ao cidadão, como meio de concretizar os
direitos fundamentais expressos na Carta Magna.
Isso expresso passar-se-á a colocar no
item a seguir, acerca do princípio da reserva
do possível, o qual integra o rol principiológico, por meio do qual os
juízes se atêm, em verificação da necessidade de intervenção jurídica na
casuística em concreto, bem como se institui como meio de efetivar o direito a
uma vida digna ao ser humano.
4.1
RESERVA DO POSSÍVEL
Implementar um direito prestacional exige
a alocação de recursos, ocorre, porém, que não há recursos suficientes para
atender a todas as demandas. Nesse sentido, as decisões que visem concretizar
um direito podem ocasionar outras ameaças; portanto, ao julgar as demandas, o
Judiciário deverá considerar que sua decisão “[...] poderá interferir na
realização de outros direitos, de modo que, somente deve agir se estiver seguro
de que não causará mal maior.” Nas palavras de Marmelstein (2013), em citação a
Amaral:
O ideal seria que houvesse disponibilidade
financeira para cumprir todos os objetivos da Constituição. Mas não há. E é aí
que entra a cláusula da reserva do possível, tão alardeada e mal interpretada
pelos que são contra o ativismo judicial em matéria de direitos sociais.
No entanto, os direitos de defesa, por
serem direitos subjetivos, exigem apenas uma omissão estatal, sendo, então,
desconsiderados dessa condição econômica, de modo que o bem jurídico de que
tutelam pode ser alcançado independente das circunstâncias econômicas.
Ressalta-se, porém, que autores como Amaral e Gaudino (apud SARLET; FIGUEIREDO,
2010), sustentam que, também, os direitos de defesa, são de certa forma
direitos positivos, na direção de que
[...] os
direitos de liberdade, bem como, os de defesa em geral, exigem, para que seja
efetivado, um conjunto de medidas positivas por parte do poder público e que
sempre abrangem a alocação significativa de recursos materiais e humanos para
sua proteção e efetivação de uma maneira geral.
Assim, é inegável que todos os direitos
fundamentais podem implicar, de certa forma, algum custo, que, no entanto, não
constitui fator impeditivo para a sua efetivação jurisdicional. Acerca disso
emerge a teoria da reserva do possível, a qual teve origem na Alemanha nos
primórdios de 1970, preceituando que “[...] a efetividade dos direitos sociais
a prestações materiais estaria sob a reserva das capacidades financeiras do
Estado, uma vez que, seriam direitos fundamentais dependentes de prestações
financiadas pelos cofres públicos.” (SARLET; FIGUEIREDO, 2010).
A partir desse momento, passou-se a um
entendimento teórico de que a efetivação do direito a prestações estaria
subjugada à “[...] disponibilidade de recursos financeiros por parte do Estado,
disponibilidade esta, que estaria localizada no campo discricionário das
decisões governamentais e parlamentares, sintetizadas no orçamento público.”
Esta, denominada reserva do possível em alusão aos autores, apresenta uma
tríplice dimensão vinculada entre si e com outros princípios constitucionais,
com força sistemática e constitucional, em razão de ferramenta auxiliar da
máxima eficácia e efetividade dos direitos fundamentais, sendo eles:
[...] a) a
efetiva disponibilidade fática dos recursos para a efetivação dos direitos
fundamentais; b) a disponibilidade jurídica dos recursos materiais e humanos,
que guarda íntima conexão com a distribuição das receitas e competências
tributárias, orçamentárias, legislativas e administrativas, entre outras, e
que, além disso, reclama equacionamento, notadamente no caso do Brasil, no
contexto do nosso sistema constitucional federativo; c) já na perspectiva
(também) do eventual titular de um direito a prestações sociais, a reserva do
possível envolve o problema da proporcionalidade da prestação, em especial no
tocante à sua exigibilidade e, nesta quadra, também da sua razoabilidade [...]
Em consequência, é possível afirmar que a
reserva do possível se assemelha à razoabilidade econômica ou à
proporcionalidade financeira. Dessa maneira, assinala-se o voto do Ministro
Celso de Mello do STF:
Não se
ignora que a realização dos direitos econômicos, sociais e culturais – além de
caracterizar-se pela gradualidade de seu processo de concretização – depende,
em grande medida, de um inescapável vínculo financeiro subordinado às
possibilidades orçamentárias do Estado, de tal modo que, comprovada,
objetivamente, a alegação de incapacidade econômico-financeira da pessoa
estatal, desta, não se poderá razoavelmente exigir, então, considerada a
limitação material referida, a imediata efetivação do comando fundado no texto
da Carta Política. (STF, RE 436966/SP, Rel. Ministro Celso de Mello, j. 26 out.
2005).
Em virtude da escassez de recursos, surge
a exigência ao magistrado de se preocupar com os resultados de sua decisão,
que, porventura, venham a causar impactos negativos, visto que a ausência de
orçamento para o cumprimento de uma ordem judicial poderá ensejar tanto o
desprestígio do julgado quanto o prejuízo na concretização de outro direito
fundamental necessário; no entanto, de acordo com Marmelstein (2013), “[...] o
direito fundamental não pode deixar de ser concretizado sob a alegatória de que
a realização de despesa ficaria dentro da estrita conveniência do
administrador.”
Nessa acepção também desponta Moro, em
citação de Marmelstein (2013): “[...] o juiz constitucional não deve
desconhecer seus limites. Quanto mais intensa a atividade da jurisdição
constitucional, maiores serão os questionamentos acerca da legitimidade da
interferência judicial em regime democrático.” Isso posto, assevera-se que, apesar
da alegação da reserva do possível como limitação à efetivação judicial dos
direitos socioeconômicos, essas alegações devem ser consideradas com
desconfiança, pois “[...] não basta simplesmente alegar que não há
possibilidades financeiras de se cumprir a ordem judicial; é preciso
demonstrá-la.” Assim, faz-se conveniente a citação do voto do Ministro Celso de
Mello, na já mencionada ADPF n. 45/2004, na qual delibera:
A cláusula
da ‘reserva do possível’ – ressalvada
a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível – não pode ser invocada,
pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações
constitucionais, em particular quando, dessa conduta governamental negativa,
puder ressaltar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos
constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade.
Portanto, a justificativa da reserva do
possível apenas deve ser aceita caso o Poder Público demonstre que a decisão
causará mais prejuízo do que vantagens à concretização dos direitos
socioeconômicos. Cabe aqui ressaltar que os obstáculos apontados pelo Poder
Público, em negativa a estes direitos como a reserva do possível, a liberdade
de conformação do legislador, a discricionariedade política e a ausência de
previsão orçamentária ou legal, entre outros, consistem apenas em
contra-argumentos, e não em barreiras intransponíveis (MARMELSTEIN, 2013).
Isso expresso, como meio
de edificar tal ideia, utilizar-se-á no respectivo documento de decisões
jurispru-
denciais, expressas na seção
a seguir.
5 JURISPRUDÊNCIAS
Destarte, serão
apresentadas algumas jurisprudências, respectivas à temática:
O direito à
saúde é prerrogativa constitucional indisponível, garantido mediante a
implementação de políticas públicas, impondo ao Estado a obrigação de criar
condições objetivas que possibilitem o efetivo acesso a tal serviço. (AI
734.487-AgR, Rel. Ministra Ellen Gracie, julgamento em 03 ago. 2010, Segunda
Turma, DJE de 20 ago. 2010). Vide: RE 436.996-AgR, Rel. Ministro Celso de
Mello, julgamento em 22 nov. 2005, Segunda Turma, DJ de 03 fev. 2006; RE
271.286-AgR, Rel. Ministro Celso de Mello, julgamento em 12 set. 2000, Segunda
Turma, DJ de 24 nov. 2000.
No mesmo sentido:
Doente
portadora do vírus HIV, carente de recursos indispensáveis à aquisição dos
medicamentos de que necessita para seu tratamento. Obrigação imposta pelo
acórdão ao Estado. Alegada ofensa aos arts. 5º, I, e 196 da CF. Decisão que
teve por fundamento central dispositivo de lei (art. 1º da Lei 9.908/1993) por
meio da qual, o próprio Estado do Rio Grande do Sul, regulamentando a norma do
art. 196 da CF, vinculou-se a um programa de distribuição de medicamentos a
pessoas carentes, não havendo, por isso, que se falar em ofensa aos
dispositivos constitucionais apontados. (RE
242.859, Rel. Ministro Ilmar Galvão,
julgamento em 29 jun. 1999, Primeira Turma, DJ
de
17 set.
1999.)
E ainda:
Consolidou-se
a jurisprudência desta Corte no sentido de que, embora o art. 196 da
Constituição de 1988 traga norma de caráter programático, o Município não pode
furtar-se do dever de propiciar os meios necessários ao gozo do direito à saúde
por todos os cidadãos. Se uma pessoa necessita, para garantir o seu direito à
saúde, de tratamento médico adequado, é dever solidário da União, do Estado e
do Município providenciá-lo. (AI 550.530-AgR, Rel. Ministro Joaquim Barbosa, julgamento em 26 jun.
2012, Segunda Turma, DJE de 16 ago.
2012.).
Por conseguinte,
proceder-se-á por meio das definições conclusivas expressas na próxima seção.
6 CONCLUSÃO
O presente trabalho discorreu sobre a
possibilidade de se considerarem os direitos sociais como direitos
fundamentais, bem como sua atuação na expectativa subjetiva. Assim, como meio
de edificá-lo, foram abordadas primeiramente as considerações iniciais, por
conseguinte, especificou-se a temática objetiva do manuscrito, ou seja, os
direitos fundamentais sociais atuando de maneira subsidiária, afirmando tal
atuação por meio de pesquisas bibliográficas.
Em consequência, versou-se sobre as
teorias que englobam o tema de forma a reforçá-lo e a balizá-lo, consistindo na
teoria do mínimo existencial, a qual obriga o Estado a fornecer o mínimo a uma
vida digna para todo e qualquer ser humano, passando para a teoria do princípio
da subsidiariedade, a qual legaliza para que o juiz atue sem prescrição legal
ou executiva na direção de concretização de direitos indispensáveis ao ser
humano, culminando na teoria da reserva do possível que delimita o ativismo
judicial. Concluindo, no fortalecimento da temática em questão, por meio de
decisões jurisprudenciais proferidas mediante os órgãos judiciários, as quais
atestam e concretizam a possibilidade em comento.
Possibility
of consideration of social rights as fundamental rights in subjective
expectations
Abstract
This manuscript is about the possibility of
considering the social rights as fundamental rights, as well as analyzing their
applicability in subjective viewpoint. Occurs, however, that to achieve this
measure, the Judiciary body, responsible for resolving the matter, undertakes
to analyze builder theories of this activist action, as well as the theory of
reserve for contingencies, which acts as limiting this feat. Based on the fact
that the Constitution guarantees human dignity, leading to the magistrate and
the rule checking an existential minimum, without which no human is able to can
survive in a dignified way. Thus, it turns out that this is not only possible
but also legitimate, being built through the jurisprudential position.
Keywords: Fundamental rights. Social rights. Human
dignity.
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