sábado, 2 de agosto de 2014

POSSIBILIDADE DE EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS ATRAVÉS DA TUTELA JURISDICIONAL EM CONTRAPARTIDA A TEORIA DA SEPARAÇÃO DOS PODERES

Artigo publicado nos Anais do ENCONTRO NACIONAL CONPEDI/UFSC XXIII: Grupo de Trabalho Direitos Fundamentais e Democracia II



1.3.            A POSSIBILIDADE DE EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS ATRAVÉS DA TUTELA JURISDICIONAL EM CONTRAPARTIDA A TEORIA DA SEPARAÇÃO DOS PODERES


1         CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS:
O presente trabalho tem por escopo embasar a possibilidade de efetivação dos direitos fundamentais através da tutela jurisdicional em contrapartida à teoria da separação dos poderes. Será utilizado o método indutivo, concretizado por meio de pesquisas jurisprudenciais e doutrinárias acerca da temática.

Assim sendo, em primeiro momento destacar-se-á, como intróito do respectivo artigo, a aplicação dos direitos fundamentais, bem como, suas prerrogativas, abordando o tema de forma ampla, a fim de adquirir conhecimento empírico necessário para a apreciação do prosseguimento do documento, prosseguindo então, de maneira a abordar o dever de respeitabilidade, proteção e promoção dos direitos fundamentais na esfera judicial, como meio de inclusão à base temática do referente artigo.

Para tanto, em segundo momento, necessário se mostra, apresentar os limites da tutela jurisdicional, como meio para efetivar a segurança jurídica de concretização dos direitos fundamentais, e limitações dos excessos por parte dos poderes.

Em continuidade, será apresentada a teoria da separação dos poderes, posto que, se torna imprescindível, devido ao fato, de ser uma questão fundamental na temática do artigo, bastante debatida no decorrer do exposto, ressurgindo para tanto, a necessidade de uma breve explicação, pois que, no desdobrar deste documento será taxativamente colocada em pauta, findando então na efetivação judicial do direito as prestações, núcleo central do editorial, onde será explanado, acerca das teorias e opiniões doutrinárias sobre a temática em questão, bem como, a verificação de sua conveniência ou não, como forma de efetivar os direitos fundamentais, além de sua legalidade e utilidade, como também, suas possíveis limitações.

Em encerramento será exposto jurisprudências respectivas a matéria, como forma de averiguar na prática, a efetivação do conteúdo explanado. Isso posto, segue-se com o texto.


1.3      2. APLICAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
Em face da supremacia dos direitos fundamentais, no art. 5º § 1º da Constituição Federal, encontra-se, expressamente, definido que, as normas definidoras de direitos e garantias fundamentais são de aplicação imediata, posto que, se a aplicação dos direitos fundamentais estivesse condicionada a regulamentação legislativa, ocorreria uma inversão de autoridade, assim, nas palavras de Malmelstein (2013), “o poder constituído teria mais poderes do que o próprio poder constituinte” ressalta-se, neste ponto, que devido ao fato, de o dispositivo constitucional não fazer qualquer referência de taxatividade, a aplicação direta e imediata serve para todos os direitos fundamentais.

Nesse sentido, assevera Krugrer, em citação do mencionado autor, onde o mesmo denota que “não são os direitos fundamentais que devem girar em torno das leis, mas as leis que devem girar em torno dos direitos fundamentais”.

Em sentido contrário reporta Gebran Neto (2002), para o qual o art. 5 § 1º da Constituição Federal, só produz efeitos imediatos e diretos no que concerne a seu caput e incisos, pois que, “...essa aplicação restritiva permite que se extraiam dele efeitos diferentes e superiores aos efeitos do princípio da força normativa das normas constitucionais. Para tanto, ampliar seu alcance para todos os direitos fundamentais significa reduzir sua eficácia, passando a equipá-lo a atributo (força normativa), que já possui”.

Ocorre, porém, como já exposto, que Marmelstein (obra citada) sustenta pela aplicação direta e imediata de todos os direitos fundamentais, in verbis:

Em hipótese alguma um direito fundamental pode deixar de ser concretizado pela ausência de lei. Se determinado direito fundamental está deixando de ser efetivado por ausência de regulamentação infraconstitucional, cabe ao Judiciário tomar as medidas cabíveis para que o direito não fique sem efetividade. Em outras palavras: o juiz, no atendimento concreto das providências que se revelem indispensáveis para concretizar dado direito fundamental, pode (e deve) atuar independentemente e mesmo contra a vontade da lei infraconstitucional, pois, para efetivar preceitos constitucionais, não é preciso pedir autorização a ninguém, muito menos ao legislador.

Assim, também, apóia Raul Machado Horta (1995), denominando a Constituição Federal de Constituição Plástica, declarando acerca da evidência de que, as posições dos direitos fundamentais na Constituição Federal não despertam um sentido de hierarquia entre as normas, em virtude do fato de que, “todas são normas fundamentais”, a precedência serve de simples interpretação, podendo vir a servir de “impregnação valorativa dos Princípios Fundamentais, sempre que eles forem confrontados com atos do legislador, do administrador e do julgador.”

No entendimento de Alexandre de Moraes (2013), a Constituição Federal necessita ser interpretada de acordo com suas “características históricas, políticas e ideologias do momento”, para se obter uma exata compreensão do sentido de seus dispositivos, em concordância, também, se posiciona Moreira (1991), para quem, verifica, a “necessidade de delimitação do âmbito de cada norma constitucional, vislumbrando-se sua razão de existência, finalidade e extensão.”

Nessa questão, vem à baila a explanação de Delgado (2011), de que “...os direitos fundamentais são prerrogativas ou vantagens jurídicas estruturantes da existência, afirmação e projeção da pessoa humana e de sua vida em sociedade.” Por tanto, traz como ponto principal, tanto para a sociedade, quanto para o ordenamento jurídico, “o próprio ser humano, como detentor do atributo da dignidade da pessoa humana...”.

Assim, defende-se a ideia de aplicação direta e imediata dos direitos fundamentais, a qual se reporta, ao sentido de reconhecimento da possibilidade de insurgência de direitos subjetivos advindos da Constituição, ou seja, na aclaração de Marmelstein, (obra citada) “a norma constitucional torna-se fonte direta de comandos e obrigações aos órgãos públicos,” com força normativa autônoma, e independente de regulamentação. O que resulta, para os agentes públicos, na possibilidade de extração direta da norma constitucional, acerca do fundamento jurídico de suas atitudes.

Notável, se faz a execução por parte de Judiciário, de uma ação quase legislativa, posto que, o mesmo “alarga substancialmente o sentido literal da lei, funcionando como uma espécie de catalisador da vontade constitucional”, como preleciona Marmelstein, (obra citada). Tal encontra justificativa, nas hipóteses de lacuna da lei frente a um caso de necessidade concreta.

Assim sendo, sob a luz dos direitos fundamentais, emerge a possibilidade de alargar o sentido genérico desta lei, e decidir utilizando-se de outros valores agregados as normas constitucionais, em razão de que, o poder Judiciário encontra-se diretamente vinculado aos princípios de garantia dos direitos fundamentais, criando um compromisso com o Estado, que em consequência, torna justificável o ativismo judiciário, dado que, conforme explanação do mencionado autor, “o bom juiz é aquele que, além de conhecer as leis, preocupa-se em efetivar os valores e objetivos previstos pelo constituinte.”

Destarte, em consonância com o art. 5º da CF, é de competência do Poder judiciário, a garantia e efetivação plena, bem como, o respeito aos direitos fundamentais, vedada por parte deste órgão, excluir de sua apreciação qualquer lesão ou ameaça de direito. Conseguinte, aponta Alexandre de Moraes, (obra citada), em citação à Sanches Viamonte, na direção de que, a definição da função do poder judiciário, “não consiste somente em administrar a Justiça, pura e simplesmente, sendo mais, pois, seu mister é ser o verdadeiro guardião da Constituição, com a finalidade de preservar os direitos humanos fundamentais e, mais especificamente, os princípios da legalidade e igualdade, sem os quais os demais se tornariam vazios”.

Em concordância, Zaffaroni (1995) assevera, sobre a indispensabilidade, para um verdadeiro Estado democrático de direito, da existência de um Poder Judiciário autônomo e independente, pois que, neste ponto, surge sua essência de guardião das leis. Assim, também, prolata Alexandre de Morais, (obra citada anteriormente), em menção a Bandrés, acerca da necessidade da “independência judicial, como um direito fundamental dos cidadãos, inclusive o direito a tutela jurisdicional e o direito ao processo e julgamento por um Tribunal independente e imparcial.”

Em conformidade decidiu o STF, na ADC 12/2005, rel. Min. Carlos Britto, (j. 16/2/2006), respectivo a proibição do nepotismo do Poder Judiciário, posto que, além da lei, a Constituição também tem capacidade de emitir comandos normativos orientativos à atividade pública, inclusive a jurídica.

Em conformidade, em decisão proferida pelo STJ, baseado no direito à saúde e no princípio da dignidade da pessoa humana, através do relator Min. Carlos Moreira (STJ, RESP865.010/PE,rel. Min. Carlos Brito, DJU 11.10.2006), decidiu-se acerca da possibilidade de levantar o PIS pelos participantes, cuja idade seja avançada e que encontrem-se, em situação de miserabilidade.

Em consonância, antes mesmo que houvesse legislação acerca da possibilidade de liberação das verbas do FGTS, para suportar as despesas decorrentes de desastres naturais, a Justiça Federal, se adiantava no sentido de reconhecer esta viabilidade, baseada na dimensão social do Fundo de Garantia, tal como, no direito fundamental, à moradia e ainda no princípio da dignidade da pessoa humana (TRF4ª Região. AC 570.401-SC, rel. Juiz Carlos Eduardo Thompsom Flores Lenz, j. 30.03.2000).

Isso exposto passar-se-á a discorrer a respeito do dever de responsabilidade, proteção e respeitabilidade que aflora das normas constitucionais, conquanto, esse entendimento se faz indispensável para o objetivo específico do presente documento, então, adentrar-se-á ao próximo tópico.


3. DEVER DE RESPEITABILIDADE, PROTEÇÃO E PROMOÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NA ESFERA JUDICIAL

No Brasil, por via da jurisdição da Constituição de 1988, emergiu o fortalecimento do Poder judiciário, através de, mecanismos de controle constitucional com efeitos erga omnes e vinculantes. Então, a inércia apresentada pelos Poderes Políticos em dar total efetividade as normas constitucionais, desencadeou na formação de novas técnicas interpretativas, cujas quais, atribuíram amplitude as ações judiciárias, acerca de temas, antes de competência apenas Legislativa e Executiva. Nesse sentido, instrui Alexandre Moraes, (obra citada), in verbis:

Principalmente, a possibilidade do Supremo Tribunal Federal em conceder interpretações conforme a Constituição, declarações de nulidades sem redução de texto, e, ainda, mais recentemente, a partir da edição da Emenda Constitucional nº45/04, a autorização constitucional para editar, de oficio, Súmulas Vinculantes não só no tocante a vigência e eficácia do ordenamento jurídico, mas também, em relação a sua interpretação, acabaram por permitir, não raras vezes, a transformação da Corte Suprema em verdadeiro legislador positivo, completando e especificando princípios e conceitos indeterminados do texto constitucional; ou ainda, moldando sua interpretação com elevado grau de subjetivismo.

Por via da Constituição Federal, ter-se-á o reconhecimento formal, efetuado através do constituinte de que, os direitos fundamentais possuem aplicabilidade imediata, ou seja, possuem força jurídica especial e capaz. Sendo assim, ao proceder em análise a uma norma da Constituição, deve-se partir do princípio de que, a mesma, possui aplicabilidade imediata, por mais que seu efeito nuclear dependa do exercício do legislador. Por exemplo, tem-se o artigo 5º, inc. XXXII, referente a uma “cláusula geral de proteção ao consumidor”. Nesse sentido desponta Marmelstein, (obra supracitada):

Essa cláusula terá aplicação imediata na medida em que impõe, desde logo, o dever de respeito e proteção ao consumidor, a serem observados por todos os agentes públicos e até mesmo privados, independentemente de qualquer regulamentação. O juiz, por exemplo, ao decidir um conflito envolvendo relação de consumo, deverá interpretar as cláusulas contratuais e as normas legais aplicáveis ao caso, com os olhos voltados a proteção do consumidor. Por isso, pode-se dizer que, esse dever de respeito e proteção não precisa, em regra, aguardar o legislador para gerar efeitos imediatos. Já, o dever de promoção, que é a principal razão do referido dispositivo constitucional, dependerá, sem dúvida, da atividade legislativa para ser plenamente realizado.

À vista disso, irrompe o ativismo judicial, que seria “uma filosofia, quanto a decisão judicial, mediante a qual, os juízes permitem que suas decisões sejam guiadas por suas opiniões pessoais sobre políticas públicas, entre outros fatores”, sendo por vezes identificado por doutrinadores norte-americanos, como uma ação que viabiliza violações a Constituição; ou seria nas palavras do referido autor, “um método de interpretação constitucional, no exercício de sua função jurisdicional, que possibilita, por parte do Poder Judiciário, a necessária colmatação das lacunas constitucionais geradas pela omissão total ou parcial dos outros Poderes...”

Nesse enfoque, Dworkin (2006), utiliza como exemplo, o direito à liberdade de expressão, cujo efeito imediato é inegável, no entanto, para sua completa efetividade requer necessidades de intervenções legislativas, posto que, o pleno exercício de tal liberdade, demanda o dever de respeito, bem como, de condições para o exercício completo deste direito, o que se desdobra, para o sujeito, no direito de exigência através do poder judiciário de efetivação de tais premissas, em virtude da obrigação Estadual de criação de políticas públicas.

Ocorre, porém, que doutrinadores apontam o ativismo judicial de maneira a desqualificar tal prática, como evidente afronta à Separação dos Poderes, com aberta usurpação das funções da legislatura ou da autoridade administrativa, indo de encontro com a teoria de anuência ao exercício de tal método, que afirma que, tal prática se propõe a garantir a supremacia e a plena efetividade dos direitos fundamentais.

De maneira a funcionar como um sistema de freios e contrapesos, posto que, a total eficácia das normas constitucionais exige do Judiciário uma concretização o mais abrangente possível de seus valores e princípios, sendo que, nos casos de inércia legislativa, o Poder Legislativo encontra-se autorizado a agir, na concepção de Luiz Roberto Barroso, supracitado por Alexandre Moraes, (obra supracitada).

Ocorre, porém, que inúmeros doutrinadores veem o ativismo judicial como um perigo para a Democracia e a vontade popular, nesta direção explana Ronald Dworkin, (2006):

 O ativismo é uma forma virulenta de pragmatismo jurídico. Um juiz ativista ignoraria o texto da Constituição, a história de sua promulgação, as decisões anteriores da Suprema Corte que buscaram interpretá-la e as duradouras tradições de nossa cultura política. O ativista ignoraria tudo isso para impor a outros poderes do Estado o seu próprio ponto de vista sobre o que a justiça exige.

Nesta questão, como forma de maior segurança jurídica, requer-se por parte do Poder Judiciário, como meio de respeito a separação dos poderes, que o próprio, considere a vontade do legislador, ou seja, que o mesmo apenas intervenha nos casos de inconstitucionalidade evidente, agindo de maneira objetiva e fundamentada, como recurso a respeitar o que se denomina, a liberdade de conformação do legislador.

No entanto, cabe salientar, por meio da explanação feita pelo Ministro Celso de Mello, na posse do Min. Gilmar Mendes na presidência do STF, sobre o fato de que, o ativismo judicial, que, sendo efetuado em momentos excepcionais, tende a tornar-se uma necessidade institucional, ou seja:

Quando os órgãos do Poder Público se omitem ou retardam, excessivamente, o cumprimento de obrigações a que estão sujeitos por expressa determinação do próprio estatuto constitucional, ainda mais se tiver presente que o Poder Judiciário, tratando-se de comportamentos estatais ofensivos à Constituição, não pode se reduzir a uma posição de pura passividade (23.04.2008).

De outra forma, assegura Jürgen SCHWAB (2006), para o qual, apenas com a observância da proibição da arbitrariedade é que se tona possível um controle por parte do Tribunal Constitucional Federal e não simplesmente, a constatação que o legislador tenha encontrado no caso em questão, como mais adequada, justa ou razoável.

Assim, assegura Alexandre Moraes, (obra supracitada):

O bom-senso entre a “passividade judicial” e o “pragmatismo jurídico”, entre o “respeito à tradicional formulação das regras e freios e contrapesos da Separação dos Poderes” e “a necessidade de garantir às normas constitucionais à máxima efetividade” deve guiar o Poder judiciário, e, em especial, o Supremo Tribunal Federal na aplicação do ativismo judicial, com a apresentação de metodologia interpretativa clara e fundamentada, de maneira a balizar o excessivo subjetivismo, permitindo a análise crítica da opção tomada, com o desenvolvimento de técnicas de autocontenção judicial, principalmente, afastando sua aplicação em questões estritamente políticas, e, basicamente, com a utilização minimalista desse método decisório, ou seja, somente interferindo excepcionalmente de forma ativista, mediante a gravidade de casos concretos colocados e em defesa da supremacia dos Direitos Fundamentais. (Grifo original).

Convém salientar que é de competência do poder legislativo, a função de legislar, bem como a de escolher o momento adequado para decidir quais questões merece prioridade, no entanto, em algumas circunstâncias, o constituinte estabeleceu certo dever de legislar, que resulta em uma obrigação do Parlamento de editar leis, para o efetivo cumprimento e promoção das normas constitucionais.

Surge nessa direção, uma questão a ser confrontada, qual seja, até que ponto o Poder Judiciário possui autonomia de exigir do Congresso Nacional medidas de promoção dos direitos fundamentais? Ou mesmo de que forma o ativismo judicial pode atuar em defesa de tais prerrogativas? Tais questões serão amplamente discutidas no item a seguir, por meio dos limites da tutela jurisdicional.


1.        4. LIMITES DA TUTELA JURISDICIONAL
Ocorre a omissão legislativa, no momento em que, determinado direito depende de lei para tornar-se plenamente efetivo e o legislador mantém-se inerte diante da questão. Da mesma forma, nas hipóteses em que o Congresso Nacional incorra na mesma inércia, impedindo a eficácia de norma constitucional em pauta, também, ocorrerá a omissão constitucional. Nesse sentido explana o Min. Celso de Mello, na citação de Malmelstein, (obra citada), pois que, “o direito a legislação só pode ser invocado pelo interessado, quando também, existir, - simultaneamente, imposta pelo próprio texto constitucional - a previsão do dever estatal de emanar normas legais”. Em continuação:

Desse modo, (...) revela-se essencial que se estabeleça, tal como sucede na espécie, a necessária correlação entre a imposição constitucional de legislar, de um lado, e o consequente reconhecimento do direito público subjetivo à legislação, de outro, de tal forma que, presente a obrigação jurídico-constitucional de emanar provimentos legislativos, tornar-se-á, possível, não só imputar comportamento moroso ao Estado (como já ocorreu, no caso, quando do julgamento do MI 20/DF, Rel. Min. Celso de Mello), mas, o que é muito mais importante ainda, pleitear junto ao Poder Judiciário, que este dê expressão concreta, que confira efetividade e que faça atuar a cláusula constitucional tornada inoperante por um incompreensível estado de inércia governamental.

Como forma de correção destas situações de inconstitucionalidade por omissão legislativa, emerge por via do constituinte originário a Ação Direta de Inconstitucionalidade, cuja função é a de declarar a mora do Poder Legislativo, sem que seja possível cobrar mudanças neste sentido, apenas, assinala-se um prazo para que tal poder tome iniciativa, podendo responsabilizar civilmente o órgão omisso, caso não respeite tal prazo, bem como o Mandato de Injunção, que se preza como instrumento perfeito na solução desta questão, em consonância com o art. 5º da CF, inc. LXXI, “conceder-se-á mandato de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes a nacionalidade, a soberania e à cidadania”.

A força do Mandato de Injunção possibilitou ao Judiciário a emissão de comandos normativos provisórios, enquanto permanecer a mora legislativa. Assim, para Sérgio Fernando Moro (2004), no momento em que o texto constitucional concebe objetivos a serem efetivados, o órgão responsável pela observância constitucional se incumbe de obrigar o poder político a agir, ou a ele próprio, elaborar em caráter temporário e substitutivo os revestimentos das lacunas.

Em consequência, argumenta Marmelstein (2013), na direção de que, o Poder Judiciário tem a missão de concretizar todas as normas constitucionais, principalmente em casos de inconstitucionalidade por omissão, pois que, se o legislador permaneceu em inércia, é perfeitamente aceitável que o judiciário entre em proteção aos direitos fundamentais, dando a melhor concretização possível à norma em apreço, visto que, como defensor da Supremacia Constitucional, é função dos juízes “zelar para que os direitos constitucionais sejam efetivados da melhor forma possível”.

Findo este item, necessário se faz uma breve colocação no que concerne a teoria da repartição dos poderes, em virtude de que, no percurso do respectivo trabalho, já fora enunciado e abordado por diversas vezes o referido assunto, resultando então, apenas na necessidade de um amplo enunciado acerca da temática, para que a mesma não passe desatenta aos nossos entendimentos.


1.3.5.      TEORIA DA SEPARAÇÃO DOS PODERES
Como forma de poder, os atos do Estado obrigam, porém como poder abstrato, ele não se vê afetado através das modificações que alcançam seus agentes, posto que, o Estado enraíza-se no poder, já que se efetiva por meio da expressão dos ideais compartilhados na sua sociedade. Nesse sentido, a separação dos poderes (Judiciário, Legislativo e Executivo), fora utilizada pela primeira vez por Aristóteles em sua obra Política, sendo aperfeiçoada por e Locke através do Segundo Tratado do Governo Civil e Montesquieu na obra O Espírito das Leis (2000), em citação:

Quando, na mesma pessoa ou no mesmo corpo de Magistratura, o Poder Legislativo é reunido ao Executivo, não há liberdade. Porque pode temer-se que o mesmo Monarca ou mesmo o Senado faça leis tirânicas para executá-las tiranicamente. Também não haverá liberdade, se o Poder de Julgar não estiver separado do Legislativo e do Executivo. Se estivesse junto com o Legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário: pois, o Juiz seria o Legislador. Se estivesse junto com o Executivo, o Juiz poderia ter a força de um opressor. Estaria tudo perdido se um mesmo homem, ou um mesmo corpo de principais ou nobres, ou do Povo, exercesse estes três poderes: o de fazer as leis; o de executar as resoluções públicas; e o de julgar os crimes ou as demandas dos particulares.


Dessa forma, abordando a atualidade, por meio da promulgação da Constituição de 88, a separação dos poderes, trouxe a expressão de equilíbrio e harmonia entre os órgãos, bem como, admitindo-se em situações excepcionais a interferência entre os mesmos, como meio de vigilância e controle recíprocos no que reporta ao cumprimento dos deveres constitucionais de cada um.

Na concepção de José Afonso da Silva (2005), o princípio da separação dos poderes hodiernamente não é absoluto, posto que, os órgãos possuem o dever de buscar o equilíbrio necessário em prol da sociedade, verificável no fato de que, os mesmos possuem em sua essência, os mecanismos de freios e contrapesos, que se baseiam na harmonia destes poderes, além de que, os próprios, findam-se na busca preferencial pela concretização dos direitos fundamentais.

De forma ampla, fora abordada a teoria da repartição dos poderes, cuja qual, não será discutida profundamente visto não se tratar do ponto crucial do respectivo trabalho, também, porque a parte de sua colaboração, que se mostra essencial ao nosso documento, já fora abordada no decorrer deste registro, findando então nesta breve, mas necessária consideração, a qual reporta-se em absoluto, no sentido da efetivação judicial do direito as prestações e suas especialidades, para onde remeter-se-á no item a seguir.


1.3.6.      EFETIVAÇÃO JUDICIAL DO DIREITO AS PRESTAÇÕES
Inicialmente, se faz necessário efetuar a distinção entre eficácia e efetividade, então, na expressão de Sarlet (2006), ter-se-á eficácia, na possibilidade de uma norma jurídica ser aplicada a casos em espécies e gerar efeitos na esfera jurídica, do mesmo modo, ter-se-á efetividade no conjunto da decisão da aplicação desta norma e do resultado concreto decorrente ou não desta aplicação.

Até o presente momento ficou evidenciado que os direitos fundamentais além de serem reconhecidos pela Constituição, também, possuem aplicabilidade imediata, para tanto, sua efetividade não pode ficar restrita a decisões políticas tanto do Legislativo, quanto do Executivo, de tal forma que se faz justa a interferência judicial na efetivação e concretude de tais prerrogativas, mesmo frente a omissão infraconstitucional.

Ficou evidenciado que, além de um caráter negativo, os direitos fundamentais, também, possuem uma face positiva, ou seja, aquela em que visa atribuições de recursos para serem implantados. Ressalta-se porém que este caráter é mais intenso nos direitos sociais, no entanto, possui efetividade em outras prerrogativas.

Então, atém-se a um questionamento levantado por Marmelstein (obra citada), cujo qual, trata-se de “saber se os direitos fundamentais que emitem comandos prestacionais (deveres de implementação), poderiam ser efetivados pelo Poder Judiciário sem uma prévia intervenção legislativa” ou não.

Insere no caso em questão “um conflito entre o princípio da máxima efetividade dos direitos fundamentais (...) e os princípios da separação dos poderes e da democracia representativa (que pressupõe que as decisões políticas sejam tomadas por representantes eleitos pelo povo e não pelos juízes)”.

Assim sendo, Strapazzon (2010), assevera:

A tradição ensina que em nome da segurança jurídica e da preservação das liberdades contra o arbítrio, os magistrados deveriam se abstiver de (em uma fórmula antiga) ‘consultar o espírito das leis’; ou (para falar de maneira mais atual) de promover interpretações evolutivas do direito positivo. (...) por uma questão de legitimidade política, a inovação na ordem jurídica deveria ser exclusiva atribuição dos representantes eleitos, competentes para criar, modificar ou renovar normas gerais. (...) as inovações promovidas pelo Judiciário exporiam o ordenamento jurídico a uma torrente de opiniões pessoais, que, assim, obstariam a uniforme proteção das liberdades, com grave elevação da insegurança jurídica. As inovações promovidas por juízes- pior ainda - não estariam sujeitas aos mesmos controles democráticos, visto que não são alcançadas pelas mesmas formas de responsabilização política que constrangem tanto o Legislativo quanto o Executivo.

Nesse sentido, alerta Barroso (2013), in verbis:

A importância da Constituição – e do Judiciário como seu intérprete maior – não pode suprimir, por evidente, a política, o governo da maioria, nem o papel do Legislativo. A Constituição não pode ser ubíqua. Observados os valores e fins constitucionais, cabe à lei, votada pelo parlamento e sancionada pelo Presidente, fazer as escolhas entre as diferentes visões alternativas que caracterizam as sociedades pluralistas. Por essa razão, o STF deve ser deferente para com as deliberações do Congresso. Com exceção do que seja essencial para preservar a democracia e os direitos fundamentais, em relação a tudo mais, os protagonistas da vida política, devem ser os que têm votos. Juízes e tribunais não podem presumir demais de si próprios – como ninguém deve, aliás, nessa vida – impondo suas escolhas, suas preferências, sua vontade. Só atuam, legitimamente, quando sejam capazes de fundamentar racionalmente suas decisões, com base na Constituição.

Nesse sentido, considera-se também, como ponto negativo ao ativismo judicial o fato de que o juiz nem sempre possui informações suficientes e o tempo necessário para analisar o impacto das decisões emitidas, o que cobra do Poder Judiciário uma posição de cautela e deferência. Na mesma direção, assevera Facury Scaff (2008), para o qual as denominadas sentenças aditivas, que determinam de forma imediata o desembolso do Estado, ou determinam o bloqueio judicial das verbas públicas, possuem efeitos negativos, posto que:

Esta, a meu ver, é a pior fórmula que existe, pois destrói a possibilidade de planejamento financeiro público, e solapa a capacidade organizacional de qualquer governo. A alocação das verbas passa a ser determinada de forma pontual pelo Poder Judiciário, através de decisões individualizadas ou grupais, e não de forma global, como só pode ser feito através de normas – leis, decretos, portarias e outros atos similares que compõem aquilo que se convencionou chamar de 'política pública', que não se esgota em um único ato normativo, mas se configura na disposição organizada e coordenada de em um conjunto deles.

Também se elenca como argumento negativo a esta prática, a questão do direito a igualdade, pois que, como não há verba pública suficiente para garantir os direitos mínimos de todos os cidadãos, o Judiciário, ao conceder a medida de proteção a um cidadão, estaria prejudicando aos demais, como bem pondera Lopes (2008):

Engana-se quem acha que o Judiciário deve dar a um cidadão aquilo que este não conseguiu da Administração porque ela não teria como dar a mesma coisa a todos. Se o Judiciário concedesse a um em particular, estaria certamente violando o direito de todos os outros, pois atenderia com recursos públicos apenas os que conseguissem chegar a ele.

Ocorre, porém, que frente à inércia dos outros poderes políticos, se os órgãos judiciários não tiverem força vinculante no que concerne aos direitos fundamentais, os mesmos podem ser transformados em simples retórica política, em contrapartida, caso esses direitos passem a serem exigíveis na via judicial, emerge a prenuncia de deslocamento de decisões de cunho legislativo e executivo para a esfera Judicial, conforme adverte Robert Alexy (1997).

No entendimento de Germano Schwartz (2001), o Poder Judiciário fica incumbido de solucionar as lacunas no direito postulado, exercitando o controle de insuficiências ou mesmo ausências de políticas públicas, porém, este processo deve ocorrer de forma secundária, ou seja, em primeiro momento o cidadão deve buscar seu direito na via administrativa, e em razão da negativa é que o mesmo deve se socorrer na esfera judicial, como garantia de todos os cidadãos ao acesso igualitário e universal de seus direitos fundamentais.

Consequentemente, também, salienta Mancuso (2001), para o qual, a intervenção judicial no que concerne aos direitos fundamentais é essencialmente necessária, posto que, não se trata de invasão na esfera dos poderes, mas sim, de correção de omissões. Destarte, neste momento, a questão da guarda do Estado Democrático de Direito, visto que, um Estado não se mantém, se seus princípios básicos expressos constitucionalmente, não forem efetivados, assim sendo, o Judiciário estaria em consequência da proteção de seus cidadãos, guardando seu modelo estatal.

Destarte, no que reporta a quantidade de recursos a serem utilizados na implementação de um direito a um caso prático, Barcellos (2002) preceitua que a Constituição já se encarrega de oferecer parâmetros normativos objetivos, de maneira que torna o controle judicial viável e possível.

Nesse sentido, no que reporta a invasão de poderes, considerada desarmônica com a democracia, a mesma, preleciona três pontos, sendo eles, em primeiro momento, para o próprio funcionamento regular da democracia, e ao controle social de políticas públicas, mister se faz o exercício de um conjunto essencial dos direitos fundamentais, em segundo ponto, refere-se ao fato de que, devido ao poder vinculante da Constituição suas normatividades não podem ser ignoradas, em terceiro ponto assevera sobre ser adotada uma pratica intermediária, ou seja, nem totalmente contra ao ativismo, nem totalmente a favor, isto é, uma atitude ponderada, conforme o caso em circunstância.  

Na seara brasileira, esta prática tem tido bastante aceitação e resultados plausíveis no que concerne a efetividade dos direitos fundamentais, em vista da omissão do Parlamento e do Governo, inclusive, cita-se, como exemplo, a área da saúde, onde vários julgados foram proferidos vinculando o Poder Público a custear medicamentos para as pessoas hipossuficientes.

Assim sendo, Strapazzon (obra citada), destaca três postulados que legitimam a interpretação evolutiva dos direitos fundamentais sociais, pois que, possuem caráter positivo, desafiando ao intérprete uma ampliação do sentido e do alcance das normas dos direitos fundamentais, sendo elas, ‘o postulado da força normativa da constituição, o postulado da interpretação proporcional e razoável e o postulado da máxima efetividade, dos direitos fundamentais’.

Por conseguinte, de acordo com Ferreira Filho (2006), os direitos sociais como prerrogativas subjetivas, implicam ao Estado um poder não apenas de agir, mas de exigir, posto que, são direitos de créditos. Estes direitos são denominados, na explanação de Gouvêa (2003), direitos prestacionais, pois que, o mesmo assiste a todos os direitos de prestações materiais do Estado. Assim, cita-se Faria (1994) em atinência as dificuldades do Sistema Judiciário no que alude a efetivação dos direitos fundamentais:

         (...) Os juízes enfrentam o desafio de definir o sentido e o conteúdo das normas programáticas que expressam tais direitos ou considerar como não-vinculante um dos núcleos centrais do próprio texto constitucional. É aí, justamente, que se percebe como os direitos humanos e sociais, apesar de cantados em prosa e verso pelos defensores dos paradigmas jurídicos de natureza normativa e formalista, nem sempre são tornados efetivos por uma Justiça burocraticamente inepta, administrativamente superada e processualmente superada; uma Justiça ineficiente diante dos novos tipos de conflito – principalmente os “conflitos-limite” para a manutenção da integridade social; ou seja, os conflitos de caráter intergrupal, intercomunitário e interclassista; uma Justiça que, revelando-se incapaz de assegurar a efetividade dos direitos humanos e sociais, na prática acaba sendo conivente com sua sistemática violação. É aí, igualmente, que se constata o enorme fosso entre os problemas socioeconômicos e as leis em vigor.

Trata-se do fosso revelado pela crônica incapacidade dos tribunais de aplicar normas de caráter social ou de alargar seu enunciado por via de uma interpretação praeter legem, com finalidade de fazer valer os direitos mais elementares dos cidadãos situados abaixo da linha de pobreza.

Por efeito, verifica-se, que não há violação do Princípio da Separação dos Poderes, em razão de que, cabe ao Poder Judiciário, agir frente às omissões ou descumprimento de preceitos dos outros órgãos, em assistência a garantia e promoção dos direitos fundamentais, inerentes aos cidadãos.

Nesse sentido, em abril de 2004, por via do informativo 345 do STF, fora publicada a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 45, a qual discorria sobre a possibilidade do controle judicial de políticas públicas, decidida através do Min. Celso de Mello, supracitada por Marmelstein (obra acima citada), cuja ementa é a seguinte:

Ementa: Arguição de descumprimento de preceito fundamental. A questão da legitimidade constitucional do controle e da intervenção do poder judiciário em tema de implementação de políticas públicas, quando configurada hipótese de abusividade governamental.

Dimensão política da jurisdição constitucional atribuída ao Supremo Tribunal Federal. Inoponibilidade do arbítrio estatal à efetivação dos direitos econômicos, sociais e culturais. Caráter relativo da liberdade de conformação do legislador. Considerações em torno da cláusula da ‘reserva do possível’. Necessidade de preservação, em favor dos indivíduos, da integridade e da intangibilidade do núcleo consubstanciador do ‘mínimo existencial’. Viabilidade instrumental da arguição de descumprimento no processo de concretização das liberdades positivas (direitos constitucionais de segunda geração).

Em seguimento, o manuscrito adapta-se na direção, da perfeita harmonia da possibilidade de o judiciário auxiliar na concretização dos direitos fundamentais a prestações, mesmo que, de forma subsidiária, uma vez que, encontram sentido em consubstancializar os direitos outorgados por meio da Constituição, na ausência de ação do poder competente, conquanto que “o Judiciário precisa despertar para a realidade social, econômica e política do país”, nas palavras de José Eduardo Faria (obra citada anteriormente), “caso contrário ficará em risco de passar a ser considerado uma instituição irrelevante ou até mesmo ‘descartável’, por parte da sociedade. O grau de descartabilidade corresponderá, nesse caso, ao grau de fraqueza do Estado de Direito tão arduamente conquistado”.

Ocorrem, no entanto, que tal preceito deve ser usado com cautela, em consequência da observação efetuada por Streck (2011):

Importante anotar que no Brasil, os tribunais, no uso descriterioso da teoria alexyana, transformaram a regra da ponderação em um princípio. Com efeito, se na formatação proposta por Alexy a ponderação conduz à formação de uma regra – que será aplicada ao caso de subsunção -, os tribunais brasileiros utilizam esse conceito como se fosse um enunciado performático, uma espécie de álibi teórico capaz de fundamentar os posicionamentos mais diversos. Esse tratamento equivocado - que enxerga a ponderação como um princípio - fica evidente a partir de uma simples pesquisa nos tribunais brasileiros.

De se consignar, por fim, que esse uso da ponderação como um – verdadeiro - princípio, decorre de um fenômeno muito peculiar à realidade brasileira que venho denominando pan-principiologismo. Em linhas gerais, o pan-principiologismo é um subproduto do constitucionalismo contemporâneo que acaba por fragilizar as efetivas conquistas que formaram o caldo de cultura que possibilitou a consagração da Constituição brasileira de 1988. Esse pan-principiologismo faz com que - a pretexto de se estar aplicando princípios constitucionais - haja uma proliferação incontrolada de enunciados para resolver determinados problemas concretos, muitas vezes, ao alvedrio da própria legalidade constitucional.

Exemplificativamente desta situação utiliza-se o Habeas Corpus nº 82.424, de 17 de setembro de 2003, cujo qual ficou conhecido como caso Ellwanger, trata-se de um crime de discriminação e preconceito contra judeus, onde houve diversos votos baseados no princípio da ponderação, de maneira um tanto equivocada, inclusive utilizados no sustendo de que, o crime de racismo era garantia apenas aos negros, em total desacordo de tal direito.

Em seguimento, o mencionado autor preleciona acerca dos votos vencedores que se baseavam em argumentos de política ou em juízo de ponderação, com enfoque no perigo que corre a teoria alexyana na esfera brasileira, em virtude de que a mesma, “desconsidera os procedimentos formais estabelecidos por Alexy e termina por mesclar a ponderação alexyana com o modelo interpretativo próprio da chamada jurisprudência de valores”. Assim sendo, a ponderação acaba por ensejar a discricionariedade.

            Neste desfecho, o ativismo judicial faz com que diversos princípios venham surgindo como forma de “resolver os casos difíceis ou ‘corrigir’ as incertezas da linguagem”, fragilizando dessa forma, o grau de autonomia do direito e a força normativa da Constituição, destarte, a democracia e os avanços passa a subordinar-se, às posições individuais de juízes e tribunais, resultando, então, no fato de que, o uso de tal prática deve ser analisado com cautela, e principalmente, posto em exercício, somente em casos excepcionais.

Assim também, coloca-se Marmelstein (obra citada anteriormente), visto que, a função do Judiciário não seria primordialmente, encarregar-se de “implementar políticas públicas”, devido ao fato de que, esta função é do Poder Legislativo e Executivo, então, o papel do Judiciário seria meramente subsidiário, como bem colocado no voto do Min. Celso de Mello, do STF na ADPF 45/2004:

“Tal incumbência, no entanto, embora em base excepcionais, poderá atribuir-se ao Poder Judiciário, se e quando os órgãos estatais competentes, por descumprirem os encargos político-jurídicos que sobre eles incidem, vierem a comprometer, com tal comportamento, a eficácia e a integridade de direitos individuais e/ou coletivos impregnados de estatura constitucional, ainda que derivados de cláusulas revestidas de conteúdo programático.”

Destarte, finalizar-se-á no entendimento de que, o Poder judiciário possui força normativa para intervir na efetivação dos direitos à prestações, não incorrendo em qualquer abuso de direito ou violação, dado que, nesse conflito de interesses, deverá prevalecer o princípio da dignidade humana e a primazia aos direitos fundamentais, em razão de que, sempre que o órgão incumbido de tal tarefa, agir mal, de forma insuficiente ou inadequada, ou mesmo se omitir de agir, ou seja, apenas por força do princípio da subsidiaridade é que o Judiciário possui força efetiva de ação.

Por tanto, abordar-se-á algumas jurisprudências articuladas, neste sentido, de maneira a expressar a atuação deste órgão, como meio fiscalizador e garantidor da concretização e efetivação dos direitos fundamentais.


1.3.7.      JURISPRUDÊNCIAS ACERCA DA TEMÁTICA     
No que concerne a excepcionalidade da atuação do Poder Judiciário na aplicação de políticas públicas, cita-se a decisão proferida através do Rel. Min. Celso de Mello, em 23.08.2011:

“CRIANÇA DE ATÉ CINCO ANOS DE IDADE - ATENDIMENTO EM CRECHE E EM PRÉ-ESCOLA – (...) EDUCAÇÃO INFANTIL - DIREITO ASSEGURADO PELO PRÓPRIO TEXTO CONSTITUCIONAL (CF, ART. 208, IV, NA REDAÇÃO DADA PELA EC Nº 53/2006)- COMPREENSÃO GLOBAL DO DIREITO CONSTITUCIONAL À EDUCAÇÃO - DEVER JURÍDICO CUJA EXECUÇÃO SE IMPÕE AO PODER PÚBLICO, NOTADAMENTE AO MUNICÍPIO (CF, ART. 211, § 2º)- LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DA INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO EM CASO DE OMISSÃO ESTATAL NA IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS PREVISTAS NA CONSTITUIÇÃO –(...)

- Embora inquestionável que resida, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo, a prerrogativa de formular e executar políticas públicas, revela-se possível, no entanto, ao Poder Judiciário, ainda que em bases excepcionais, determinar, especialmente nas hipóteses de políticas públicas definidas pela própria Constituição, sejam estas implementadas, sempre que os órgãos estatais competentes, por descumprirem os encargos político- -jurídicos que sobre eles incidem em caráter impositivo, vierem a comprometer, com a sua omissão, a eficácia e a integridade de direitos sociais e culturais impregnados de estatura constitucional. DESCUMPRIMENTO DE POLÍTICAS PÚBLICAS DEFINIDAS EM SEDE CONSTITUCIONAL: HIPÓTESE LEGITIMADORA DE INTERVENÇÃO JURISDICIONAL. - O Poder Público - quando se abstém de cumprir, total ou parcialmente, o dever de implementar políticas públicas definidas no próprio texto constitucional - transgride, com esse comportamento negativo, a própria integridade da Lei Fundamental, estimulando, no âmbito do Estado, o preocupante fenômeno da erosão da consciência constitucional. (STF - ARE: 639337 SP, Relator: Min. CELSO DE MELLO, Data de Julgamento: 23/08/2011, Segunda Turma, Data de Publicação: DJe-177 DIVULG 14-09-2011 PUBLIC 15-09-2011 EMENT VOL-02587-01 PP-00125)”.

            Neste ponto, acerca do que concerne a inércia do Estado em executar as prerrogativas constitucionais, citar-se-á a ADI 1.484/DF, proferida por meio do Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.:

     “A inércia estatal em adimplir as imposições constitucionais traduz inaceitável gesto de desprezo pela autoridade da Constituição e configura, por isso mesmo, comportamento que deve ser evitado. É que nada se revela mais nocivo, perigoso e ilegítimo do que elaborar uma Constituição, sem a vontade de fazê-la cumprir integralmente, ou, então, de apenas executá-la com o propósito subalterno de torná-la aplicável somente nos pontos que se mostrarem ajustados à conveniência e aos desígnios dos governantes, em detrimento dos interesses maiores dos cidadãos. - A intervenção do Poder Judiciário, em tema de implementação de políticas governamentais previstas e determinadas no texto constitucional, notadamente na área da educação infantil (RTJ 199/1219-1220), objetiva neutralizar os efeitos lesivos e perversos, que, provocados pela omissão estatal, nada mais traduzem senão inaceitável insulto a direitos básicos que a própria Constituição da República assegura à generalidade das pessoas”.

Em continuação, citar-se-á a decisão do STF, respectivo, aos mecanismos de freios e contrapesos:

“Os mecanismos de controle recíprocos entre os poderes, os ‘freios e contrapesos’ admissíveis na estruturação das unidades federadas, sobre constituírem matéria constitucional local, só se legitimam na medida em que guardem estreita similaridade com os previstos nas Constituição da República”. (STF- Pleno- ADI1.905-MC- Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento: 19-11-1998).”

Por conseguinte, abordar-se-á decisão proferida, por meio do Rel. Min. Ricardo Lewandowski, sobre a separação dos poderes e a regra da ampla divisão judicial:

“Cabe ao Poder Judiciário a análise da legalidade e constitucionalidade dos atos dos três Poderes Constitucionais e, em vislumbrando mácula no ato impugnado, afastar sua aplicação.” (STF-1ªT. –AI 640.272-AgR- Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento: 02-10-2009).

Por fim, ter-se-á a decisão do Tribunal Jurídico do Maranhão, por via do Rel. PAULO SÉRGIO VELTEN PEREIRA, 17/05/2012, que refere-se a intervenção Judiciária:

“INTERESSE DE AGIR. INAFASTABILIDADE DA JURISDIÇÃO. SAÚDE PÚBLICA. DIREITO SUBJETIVO INDIVIDUAL. JULGAMENTO ULTRA PETITA. CELERIDADE E EFETIVIDADE DA TUTELA JUDICIAL. 1. (...). 2. A saúde pública, além de ser um direito coletivo, também constitui direito subjetivo individual, de modo que o Judiciário está autorizado a intervir sempre que o Estado se torna inadimplente no cumprimento desse direito fundamental. 3(...). (TJ-MA - Não Informada: 71282012 MA, Relator: PAULO SÉRGIO VELTEN PEREIRA, Data de Julgamento: 17/05/2012, SAO LUIS)”.


1.3.8.      CONSIDERAÇÕES FINAIS:
Conclui-se através do explanado que o Poder Judiciário não apenas possui legitimidade para atuar na efetivação do direito às prestações, como possui dever de estar agindo, em vista de que, como guardião dos direitos constitucionais, o mesmo se incumbe de trabalhar em prol da concretização de tais direitos, e consequentemente, encontrando-se frente a um caso concreto, sob inobservância ou omissão dos preceitos fundamentais, o mesmo deve proceder de forma a concretizar e efetivar tais direitos, uma vez que, tais positivações em um Estado Democrático de Direito, emanam do povo e são regulamentados através do Poder Judiciário, que por tanto, possuem autonomia para agir em sua materialização.

Em última análise ponderam-se, também sobre a necessidade de evolução do sistema judiciário com vistas à consubstancializar os direitos fundamentais, sob o prisma, de ser questionado, através, dos cidadãos sobre sua função, qual seja, atuar no bem comum dos cidadãos e em garantia de seu dever constitucional de concretude jurídica, logo que, os direitos fundamentais expressos constitucionalmente são direitos de todos os cidadãos e dever de Estado a sua recuperação, promoção e proteção, objetivando a concretude de princípios como o da dignidade humana.


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