sábado, 16 de abril de 2016

A INCIDÊNCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS

 INTRODUÇÃO:

O presente artigo, tem por finalidade fazer uma ampla análise da eficácia horizontal dos direitos fundamentais nas relações privadas, desse modo, denota-se que a Constituição Federal/88 é uma constituição prolixa, que regulamenta todas as relações entre a sociedade e o Estado e para consigo mesma, formulando diretrizes para a harmonia da vida social no país, nesse sentido, os valores consagrados em seu texto devem ser considerados como prerrogativas em todas as relações jurídicas existentes, nisso imposto, às relações privadas.
Essa incidência ocorre de forma direta, posto que, não limita a autonomia privada, porém, realiza uma posição da mesma, em concordância com os princípios constitucionais, comportada pela atividade da ponderação.
O objetivo do respectivo trabalho é demonstrar a necessidade e a possibilidade de incidência das prerrogativas fundamentais nas esfera privada, de forma a dirimir conflitos e impossibilitar ameaça de direitos, tanto por parte do Estado, quanto por parte de terceiros. Para realizar este estudo foi efetuado pesquisas bibliográficas acerca de assuntos, bem como, o uso de decisões proferidas pelo STF, sendo que, o método utilizado na presente pesquisa é o indutivo.
Inicialmente esta pesquisa apresenta os direitos fundamentais como um sistema de normatividade, passando em um segundo momento, para as dimensões subjetivas e objetivas de tais prerrogativas, resultando na filtragem constitucional elaborada sob a ótica objetiva dessas normativas jurídicas.
Posteriormente, voltando-se, para a necessidade de interpretar as legislações sob a luz dos direitos fundamentais, de forma a tornar as leis efetivas e claras em concretude com a harmonia dos princípios constitucionais, de maneira a atender as necessidades da dignidade da pessoa humana.
Finalizando através da temática do respectivo trabalho ou seja, a eficácia horizontal dos direitos fundamentais nas relações privadas, dissecando de forma ampla, a presente teoria, abarcando inclusive, a doutrina do state acion, ou seja, a negação da aplicação dos direitos fundamentais à esfera privada, e suas ponderações, partindo em seguida para a teoria da eficácia mediata e indireta desses direitos, bem como, suas prerrogativas, encerrando nas eficácia imediata e direta dos direitos fundamentais nas relações privadas, teoria esta, seguida pelo Brasil, a qual dar-se-á um maior enfoque jurídico ao tema, que se inicia no próximo item.


 DIREITOS FUNDAMENTAIS: UM SISTEMA DE NORMATIVIDADE

De forma ampla, no que se reporta a democracia, Alexandre de Moraes (2013) afirma, a existência de um governo escolhido por meio do povo, o qual será incumbido de representá-los, ocorre que, este poder delegado, através, da sociedade não é absoluto, obtendo limitações por intermédio dos direitos fundamentais.
Nesta acepção, assevera Canotilho, supracitado pelo referido autor, no sentido de que, a função dos direitos de defesa do cidadão, abarca uma dúplice perspectiva, em certa influência da categorização do direito, por status (negativo e positivo), desdobrado por Jellinek. Sendo elas, na esfera jurídica objetiva, os direitos civis e políticos (direitos de liberdade), os quais, teriam competência negativa aos poderes públicos, pois que, proíbem a intervenção dos mesmos no âmbito jurídico individual, e implicam na esfera jurídica subjetiva.
Isto é, os direitos sociais e econômicos, (direitos de igualdade), possuem o poder de exercer a liberdade positiva, ou seja, a influência positiva do Estado no que concerne aos direitos fundamentais, bem como, a liberdade negativa, isto é, a possibilidade de exigir omissões dos poderes públicos, com vistas a evitar lesões por parte dos próprios.
Neste aspecto, Miguel Ángel Ekmekdjian (1993) sintetiza, que para viver em sociedade o homem deve ceder parte de sua liberdade em benefício do próximo, essas frações de liberdade cedidas por seus integrantes, se unificam convertendo-se em poder, o qual será exercido através do representante da sociedade. Sendo assim, o poder e a liberdade, tendem a confrontar-se, necessitando, para tanto, de positivação jurídica, de maneira, a impedir a anarquia e a arbitrariedade.
Pois que, surge então, a Constituição Federal, que no parecer de Alexandre de Moraes (2013), organiza a forma de Estado, e consequentemente, as atribuições que exercerão os órgãos estatais, além de prestigiar os direitos e garantias fundamentais positivados aos indivíduos.
Ainda neste sentido, Baez (2010), preleciona que a Carta Maior não se trata de um “amontoado inorgânico de artigos ou dispositivos legais”, pelo contrário, se reporta a um conjunto em harmonia de “diretrizes e definições políticas fundamentais, que compõe um corpo sistemático de escolhas, por um caminho possível na história de seu povo, com o fim de transformar a realidade posta.”
Na concepção de George Marmelstein (2013), os direitos fundamentais são possuidores de força jurídica efetiva, ou seja, eles são direitos positivados, gerando consequentemente vantagens aos seus possuidores (sujeito ativo), e de forma automática, obrigações para seus designados (sujeito passivo).
Destarte, ainda no posicionamento do mencionado autor, ao considerar-se a localização de tais normatividades, que se encontram no nível mais alto do ordenamento jurídico (na Constituição Federal), perceptível se faz, a potencialidade de suas prerrogativas.
Nesse entendimento, enaltece Mello Francisco (1958), acerca da impossibilidade da separação entre os direitos individuais e a democracia, como também, a vinculação da democracia nas origens cristãs e nos princípios do Cristianismo, posto que, os mesmos, resultaram na cultura política humana, de que o valor transcende a criatura e a capacidade do Direito de limitar o poder, e nesse aspecto, a limitação do Direito por meio da justiça, pois que, nas palavras do mencionado autor: “sem respeito a pessoa humana não há justiça e sem justiça não há Direito”.
Em concordância, dispõe George Marmelstein (2013), no sentido que, ao Estado encarrega-se o dever de respeitar, proteger e promover os direitos fundamentais. Em virtude, como atitude de respeito, o Estado obriga-se, a agir em conformidade com o direito fundamental, estando para tanto, impedido de violá-lo, ou mesmo, adotar medidas que possam de qualquer forma ameaçar o bem jurídico garantido pela norma constitucional.
Portanto, através da garantia de dever de proteção aos direitos fundamentais, na concepção de Daniel Sarmento (2006), o legislador se obriga a editar normas que tutelem tais direitos, assim como, o administrador se obriga a agir de forma material, em prevenção e reparação das lesões praticadas contra os peculiares direitos, e no que concerne ao judiciário, o próprio, fica obrigado, na prestação da jurisdição, a voltar-se em defesa dos direitos fundamentais em suas prerrogativas.
Por fim como dever de promoção, mencionado também por George Marmelstein (2013), culmina na obrigação ao Estado, de adotar medidas concretas, com vistas a possibilitar o gozo dos direitos fundamentais, para as pessoas que se encontrem em desvantagem econômica.
Isto posto, carecer-se-á de um breve destaque, na diferenciação e aplicabilidade da dimensão subjetiva e dimensão objetiva dos direitos fundamentais, que far-se-á no próximo título.


A TEORIA DE JELLINEK

Assim, “no final do século XIX, Jellinek desenvolveu a doutrina dos quatro status em que o indivíduo pode encontrar-se em face do Estado. Dessas situações, extraem-se deveres ou direitos diferenciados por particularidades de natureza”, de acordo com Mendes e Branco (2011), neste sentido, Pinho (2012) define tais status como sendo:
a)            passivo (status subjectionis) – o indivíduo mantém um vínculo de subordinação com o Estado, por meio de mandamentos e obrigações; b) negativo – o indivíduo, por ser dotado de personalidade, desfruta de uma esfera de liberdade individual, que exclui o poder de império do Estado; c) positivo (status civitatis) – o indivíduo pode exigir do Poder Público que atue em seu favor; o Estado concede ao indivíduo prestações jurídicas positivas; e d) ativo – a denominada cidadania ativa; o indivíduo fica autorizado a exercer direitos políticos.

         De forma detalhada, Schlink e Bodo (2012), expressam através do conceito de George Jellinek, como status negativo (status negativus), a liberdade que o indivíduo tem em face do Estado, que possui harmonização e garantia através dos direitos fundamentais, na forma em que, como direitos de defesa, garantem a liberdade dos cidadãos e seus bens jurídicos, contra a arbitrariedade estatal.
Esta prerrogativa decorre segundo Mendes e Branco (obra citada), da característica advinda da personalidade do indivíduo, ou seja, a mesma exige que o ser humano tenha condições de exercer sua liberdade, isto é, tenham âmbito de ação, frente aos Poderes Públicos, assim sendo, em citação ao próprio Jellinek, o mesmo destaca que a autoridade estatal somente pode ser “exercida sobre homens livres”.
         Ocorre também, que o indivíduo pode encontrar-se em situação de subordinação aos Poderes Públicos, localizando-se por tanto, como sujeito detentor de deveres relacionados ao Estado, é o que ocorre, no status passivo ou status subjectiones, na acepção do citado autor, com vistas de que, o poder estatal possui competência, neste instante, de vincular o cidadão por meio de mandamentos ou proibições, em concordância, Schlink e Bodo (obra citada), acrescentam que a liberdade do ser humano depende de ação estatal, para se concretizar.
Esta forma estatal encontra fundamento basilar nos direitos fundamentais, na forma em que, conforme as palavras do referido autor, “quando e na medida em que sejam direitos de reivindicação, de proteção, de participação, de prestação e de procedimento”. Neste sentido, esses direitos se dão por meio dos denominados “direitos derivados, isto é, derivados dos direitos já existentes”, e ou, através dos direitos originários, ou seja, “direitos que produzem algo que ainda não existe”.
Sendo que, na direção dos referidos autores, tal status confere ao indivíduo um direito a prestação, isto é, garante a concretude do efeito jurídico do direito de defesa, por meio da reparação e da compensação pelo ônus ou omissão causados.
Existem também, algumas situações, em que a pessoa é detentora do direito de exigir do Estado uma atuação positiva, ou seja, que o próprio realize uma prestação. Neste caso, em conformidade com Mendes e Branco (obra citada), o indivíduo se encontra com capacidade de pretender “que o Estado aja em seu favor. O seu status é, assim, positivo (status civitatis)”.
Como quarto status, Jellinek, adiciona o Status Ativo, cujo qual, “o indivíduo desfruta de competência para influir sobre a formação da vontade do Estado”, na acepção de Mendes e Branco (obra citada), exemplificativamente, têm-se o direito ao voto, onde o cidadão exerce seus direitos políticos.
Fora a partir desta teoria, que emergiram direitos fundamentais, como, os direitos de defesa (ou direitos de liberdade), bem como, os direitos à prestações (ou direitos cívicos).
A essas duas espécies, alguns doutrinadores acrescentam, os direitos de participação. No conceito de Schlink e Bodo (obra citada), “é o estado em que o particular exerce a sua liberdade no e para o Estado, isto é, o ajuda à construir e nele participa. É conformado e assegurado pelos direitos cívicos”, situação em que, a liberdade do sujeito e a ordem estadual, coadunam-se em uma relação funcional de reciprocidade.
Consequentemente, o suporte textual deste status, insere ao ser humano, o direito a suportar e harmonizar um Estado Democrático de Direito em seu status ativo, da mesma maneira que, em seu status negativo, com suas opiniões expressas por meio de reuniões e manifestações, ou também, através da mídia, ou meios de telecomunicações.
Isto posto, conclui-se que o diferencial entre os quatro status, concerne apenas, no que refere-se, a liberdade do indivíduo e sua forma de prevenir arbitrariedades e garantias de proteção, assim como também, a garantia de cooperação na conformação e harmonização do Estado.
Isso expresso passar-se-á ao próximo tópico do presente artigo, ou seja, a dimensão subjetiva e a dimensão objetiva dos direitos fundamentais.


DIMENSÃO SUBJETIVA E DIMENSÃO OBJETIVA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Conforme já exposto no título anterior, a doutrina reconhece a duplicidade de dimensões dos direitos fundamentais. Estando, na compreensão de George Marmelstein (2013), de um lado os direitos fundamentais em sua dimensão subjetiva, servindo como fonte de direitos subjetivos, concebendo para seus titulares uma pretensão individual de buscar a sua consumação, por meio do Poder Judiciário.
De outra forma, com base em sua dimensão objetiva, esses direitos assumem um sistema valorativo com capacidade para legitimar todo o ordenamento jurídico, vinculando toda a interpretação jurídica, a força axiológica decorrente de tais direitos.
Ainda no entendimento do referido autor, como dimensão subjetiva, diz-se, que “os direitos fundamentais são normas jurídicas”, e em sua dimensão objetiva, considera-se, “que por sua importância axiológica, fundamentam e legitimam todo o ordenamento jurídico”.
Não se aterá de forma abrangente a estas diferenciações, pois que, o referido trabalho possui como núcleo basilar, a perspectiva objetiva dos direitos fundamentais, bem como, a necessidade da normatização e seguimento dos referidos princípios, com base na disposição da Constituição Federal, o que denominaremos de “filtragem”, ou seja, a seleção de leis apenas no que for compatível com os direitos fundamentais, sendo negada, a positivação de normas em desfavor da mencionada garantia fundamental, assunto o qual, abarcar-se-á, no tópico a seguir.


  A FILTRAGEM CONSTITUCIONAL NA ÓPTICA OBJETIVA

Em conformidade com Daniel Sarmento (2003), “a dimensão objetiva dos direitos fundamentais, liga-se, ao reconhecimento de que, tais direitos, além de, imporem certas prestações aos poderes estatais, consagram, também, valores mais importantes em uma comunidade política, construindo como afirmou Konrad Hesse, ‘as bases de ordem jurídica da coletividade’”.
Em consequência, a dimensão objetiva, conforme expressa George Marmelstein, na direção de que, “qualquer interpretação jurídica deverá ser feita à luz dos direitos fundamentais, que se transformam no fundamento axiológico de todo o sistema normativo”. Assim, concorda Ronald Dworkin (2006), no sentido de que, os juízes devem interpretar a Constituição através de uma “leitura moral”, como meio de transcrever o espírito ético que nela subsiste.
Assim sendo, conforme preleciona Vieira de Andrade (2004), a dimensão objetiva (positiva), dos direitos fundamentais, exige mais que o simples respeito às garantias fundamentais, ou seja, determina por parte do Estado proteção vertical, isto é, segurança no que concerne aos atos estatais, e de forma horizontal, proteção de ameaças de lesões, por parte de terceiros.
Consequentemente aponta Sarlet (2008), que os direitos fundamentais, consonantes com a dignidade da pessoa humana, “fornecem impulsos e diretrizes para a aplicação e interpretação dos direitos infraconstitucionais”, isto é, a “necessidade de uma interpretação conforme os direitos fundamentais”, validando a unicidade do sistema jurídico.
Em conformidade, Daniel Sarmento (2006) desponta que, “todos os ramos do Direito, com suas normas e conceitos, devem sujeitar-se a uma verdadeira ‘filtragem’ constitucional, para que se conformem, com a tábua axiológica dos direitos fundamentais”.
De forma ampla, denota George Marmelstein (2013), que por meio da “‘filtragem constitucional”, os direitos fundamentais passam a ocupar, uma função estratégica de fundamentação e de legitimação do sistema normativo como um todo.
Eles seriam como um filtro necessário à interpretação das demais normas jurídicas... “Que depurará o conteúdo do texto legal, permitindo que apenas o que for compatível com os valores constitucionais seja aproveitado pelo operador de direito”. Sendo assim, “todo o ato de poder está condicionado à observância dos valores constitucionais”.
Para tanto, a dimensão objetiva dos direitos fundamentais resulta na necessidade de vincular a interpretação das prerrogativas jurídicas em conformidade com os direitos fundamentais, como se demonstrará no próximo item.
     

  INTERPRETAÇÃO VINCULADA AOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

No que reporta a interpretação das normativas jurídicas, explana Vicente Ráo (1952), que a hermenêutica, cuja finalidade consiste em, “investigar e coordenar, por modo sistemático, os princípios científicos e leis decorrentes que disciplinam a apuração do conteúdo, do sentido e dos fins das normas jurídicas e a restauração do conceito orgânico de direito...” ainda nesse aspecto, “a aplicação das normas jurídicas consiste na técnica de adaptação dos preceitos nela contidos, assim interpretados, ás situações de fato que lhes subordinam”.
Nesta extensão, no que reporta a interpretação vinculada diretamente aos direitos fundamentais, Luís Roberto Barroso (1998), assevera que, a hermenêutica exige que, em meio as possibilidades de interpretação existentes, a que deve prevalecer é a que se mantenha em harmonia com a Constituição Federal, para que, se encontre um sentido para a norma, o que automaticamente, resulta na exclusão da linha interpretativa, que se mostre, em discordância com a norma constitucional, automaticamente, seguindo esta linha de raciocínio, funciona para além de, uma simples técnica interpretativa, mas principalmente, como um mecanismo de controle do constitucionalidade.
Nesta direção, esclarece Raul Machado Horta (1995), acerca de que, este posicionamento, não enfatiza uma “hierarquia entre as normas constitucionais”, pois que, todas se vestem de garantia fundamental, sendo assim, “a precedência serve a interpretação da Constituição, para extrair dessa nova disposição formal a impregnação valorativa dos Princípios Fundamentais, sempre que eles forem confrontados com atos do legislador, do administrador e do julgador”.
Neste alcance, Alexandre de Moraes (2013), denota que, a Constituição Federal, precisa sempre ser interpretada, pois, somente, considerando a letra do texto da referida norma, em conformidade com as “características históricas, políticas e ideológicas” da situação, será constatado, o sentido que mais favorece a norma jurídica, com vistas a sua plena eficácia.
Bem como, em acordo com Jorge Miranda, supracitado pelo referido autor, propõe-se duas principais regras, no que concerne, a interpretação da Constituição, sendo elas, que tal, deve-se partir da ideia de que “todas as normas constitucionais desempenham uma função útil no ordenamento, sendo vedada a interpretação que lhes suprima ou diminua a finalidade”; em seguida, ter-se-á a premissa de que, os preceitos constitucionais, deverão ser interpretados da forma que melhor evidencie seu verdadeiro significado.
Basicamente a aplicação da interpretação das normativas, deverá abarcar a harmonia da Constituição, com suas finalidades intrínsecas, de maneira, a adequar-se, à realidade atual e buscar uma “maior aplicabilidade dos direitos, garantias e liberdades públicas”.
Dito isso, adentrar-se-á ao objetivo deste documento, ou seja, ao plano da eficácia horizontal dos direitos fundamentais, isto é, a eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas.


         EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NO QUE REPORTA AS RELAÇÕES PRIVADAS

Na concepção de George Marmelstein (obra citada), os direitos fundamentais, foram “concebidos como instrumentos de proteção dos indivíduos contra a opressão estatal.” Nesse sentido, o particular obtinha o patamar de titular de direitos, nunca convertendo esse estágio, como sujeito passivo. A esta relação, denominar-se-á, eficácia vertical dos direitos fundamentais, onde o Estado ocupa uma posição de superioridade, em relação ao indivíduo.
Nesse sentido, Daniel Sarmento (2006), assevera, in verbis:
No contexto da economia capitalista, o poder crescente de instâncias não estatais, como as grandes empresas e associações, tornara-se uma ameaça para os direitos do homem, que não poderia ser negligenciada, exigindo que a artilharia destes direitos, se voltasse, também, para os atores privados. Estes, que até então eram apenas titulares de direitos humanos, oponíveis em face do Estado, assumem agora, em determinados contextos, a condição de sujeito passivos de tais direitos. Se a opressão e a injustiça não provém apenas dos poderes públicos, surgindo, também, nas relações privadas travadas no mercado, nas relações laborais, na sociedade civil, na família, e em tantos outros espaços, nada mais lógico do que, estender a estes domínios, o raio de incidência dos direito fundamentais, sob pena de, frustração dos ideais morais e humanitários em que eles lastreiam.
Assim, também, pondera Stuart Mill (2006), no que reporta a capacidade de tiranizar, que a sociedade possui, de forma tão determinante e cruel, quanto o próprio Estado, pois que, segundo o referido autor, ao executar suas determinações, a sociedade pode praticar uma tirania social, violando os princípios basilares dos direitos do ser humano, pois que, a mesma deixaria poucas formas de evasão, “penetrando muito mais profundamente nos pormenores da vida, e escravizando a própria alma.”
Em consequência, destaca Cristina Queiroz (2002), no sentido de que, “os direitos fundamentais são direitos constitucionais, que não devem, em primeira linha, ser compreendidos numa dimensão técnica de limitação do poder do Estado. Devem antes, ser compreendidos e inteligidos, como elementos definidores e legitimadores de toda ordem jurídica positiva.”
Destarte, George Marmelstein, específica a afirmativa do reconhecimento da eficácia horizontal dos direitos fundamentais, de forma pioneira, no ano de 1958, através do Tribunal Constitucional Federal alemão, no caso Luth, tornando-se, símbolo do compromisso da interpretação jurídica de tais direitos. Trata-se de um filme, que passou por um boicote por parte do Sr. Luth, que, por via de sua influência na condição de presidente do Clube de Imprensa, pediu para que os “alemães decentes” não assistissem a tal filme alegando que seu diretor apoiou o anti-semitismo durante o regime nazista.
Ao que a Corte Constitucional alemã, decidiu que “o boicote seria uma manifestação do direito de liberdade de expressão do pensamento, razão pala qual, não poderia ser proibido, mesmo que estivesse causando prejuízo a produtora e a distribuidora de vídeo.” Abaixo um pequeno trecho, retirado da referida decisão, supracitado pelo mencionado autor, utilizando-se da obra de Daniel Sarmento:
Este sistema de valores, que centra na dignidade da pessoa humana, em livre desenvolvimento dentro da comunidade social, deve ser considerado como uma decisão constitucional fundamental, que afeta a todas as esferas do direito público ou privado. Ele serve de metro para a aferição e controle de todas as ações estatais nas áreas da legislação, administração e jurisdição. Assim é evidente que os direitos fundamentais, também, influenciam o desenvolvimento do direito privado. Cada preceito do direito privado deve ser compatível com este sistema de valores e deve, ainda, ser interpretada a luz de seu espírito... o conteúdo das normas em vigor, também, deve ser harmonizado com esta ordem de valores. Este sistema infunde, um conteúdo constitucional específico ao direito privado, orientando sua interpretação.

Nesse sentido, existem três possibilidades doutrinarias de entendimento, no que reporta a este assunto, as quais aludir-se-á, nos tópicos a seguir.


        A NEGAÇÃO DA EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS: DOUTRINA STATE ACION

Este entendimento doutrinário nega completamente a incidência dos direitos fundamentais, no que reporta-se, as relações privadas, enumera-se neste caso, exemplificativamente, a esfera norte-americana, referente a teoria State Acion, onde a maioria da doutrina e da jurisprudência negam o direito a particulares atuarem como sujeito passivo, prestando-se, então, a impor limitações apenas ao Poderes Públicos, com exceção da 13ª emenda da Constituição que vetou a escravidão, como, dispõe Daniel Sarmento (2006).
Ainda sob a égide de Ney de Barros Bello Filho(2007), faz-se perceptível que a doutrina do State Action, aproxima-se com a teoria de eficácia mediata, pois que a 14 emenda assim denota:
É vedado aos Estados, fazer ou executar leis que, restrinjam as prerrogativas e garantias dos cidadãos dos Estados Unidos, privar alguma pessoa da vida, liberdade ou propriedade, sem observância dos limites legais ou recusar a qualquer pessoa sob sua jurisdição, a igualdade perante a lei.
Ainda neste ponto, a doutrina justifica sua posição com base na literalidade do texto constitucional norte americano, o qual faz referência, apenas aos poderes públicos, bem como, reforça essa ideia com base, principalmente, na autonomia privada, instrumentalizadas nas normas de Laurence Tribe, supracitado pelo mencionado autor, o qual remete à importância da imunidade das ações privadas, no que refere-se a Constituição, sendo que, caso os indivíduos ficassem obrigados a agirem em conformidade com a mesma, eles perderiam sua capacidade de se auto determinar, tendo assim, seu direito de liberdade restrito, de forma grotesca.
Por tanto, como dito, prestam apoio a tal ideologia, o sistema federalista vivenciado nos Estados Unidos, onde a legislação acerca de direito privado é de competência dos Estados, excepcionando-se, apenas, nos casos, em que tratar-se, de comércio interestadual ou internacional. Nessa concepção, tal teoria, estaria atuando, como forma, de preservar o espaço de autonomia dos Estados, de modo, a impossibilitar que as cortes federais, intervenham no condicionamento das relações privadas, sob a alegação de aplicação da Constituição.
Convém destacar, como assevera Bello Filho (2007), que atualmente, na Alemanha, onde as “teses de absoluta ineficácia dos direitos fundamentais sobre as relações privadas nasceram e se desenvolveram a Corte Constitucional já admite a eficácia horizontal”.
 Bem como na jurisprudência constitucional da Suíça, que tal como a Alemanha, se apresentava de maneira reservada, por hora, passou a admitir a incidência da eficácia horizontal dos direitos fundamentais, pois que, a própria Constituição, abordou o instituto através do artigo 35, sob o título “Execução dos Direitos Fundamentais”.
        No entanto, como destacado pelo mencionado autor, em decisão da Suprema Corte Americana, foi resolvido que os Tribunais “não podem ser utilizados para dar cumprimento à cláusulas discriminatórias provenientes de contratos ou acordos particulares”. Nessa acepção, as cláusulas ofensivas aos direitos fundamentais possuem total validade, desde que, cumpridas de forma voluntária pelas partes.


]        TEORIA DE EFEITO MEDIATO E INDIRETO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

No parecer de George Marmelstein (2013), essa teoria abarca a ideia de que, as normas constitucionais não têm aplicabilidade direta nas relações entre particulares, servindo apenas para clarear a interpretação do direito infraconstitucional. Segundo Daniel Sarmento (2006), tal teoria foi desenvolvida por Gunter Durig através da doutrina alemã, publicada em 1956.
Assim, Durig expressa, a necessidade de submeter os valores do direito privado, aos valores constitucionais, através das quais, os juízes devem interpretar a ordem vigente, em conformidade com os valores advindos dos direitos fundamentais. Por tanto, a Constituição seria uma ordem de valores, com base nos direitos fundamentais, sui generis na dignidade da pessoa humana.
Os adeptos dessa conjectura acolhem-se ao fato de que, tal hipótese, extinguiria a autonomia de vontade, princípio basilar do direito privado, convertendo o mesmo, a mero material do Direito Constitucional, importando um poder ilimitado por parte do judiciário, no entender de Ingo Von Munch (1997), citado por Daniel Sarmento (obra citada), ajustado por Konrad Hesse (1995), que remete, ao sentido de que a Constituição apenas “contém normas objetivas, cujo efeito de irradiação levam a impregnação das leis civis por valores constitucionais”.
Segundo entendimento faz-se citação a Gilmar Mendes, in verbis:
Compete, em primeira linha, ao legislador a tarefa de realizar ou concretizar os direitos fundamentais no âmbito das relações privadas. Cabe a este, garantir as diversas posições fundamentais relevantes, mediante a fixação de limites diversos.
Um meio de irradiação dos direitos fundamentais para as relações privadas seriam as cláusulas gerais (Generalklauseln), que serviriam de porta de entrada (Einbruchstelle), dos direitos fundamentais, no âmbito do direito privado.
Para Daniel Sarmento (obra citada), os defensores dessa teoria, subentendem que os direitos fundamentais são garantidos na esfera privada, através, dos próprios mecanismos do Direito Privado, ou seja, a coercitividade dos preceitos fundamentais se amplificaria aos particulares, de forma mediata, por meio da atuação do legislador.
Sendo assim, em um possível conflito entre os direitos fundamentais e a autonomia privada, atribuiria à lei, solucionar tal conflito, em virtude de que, tal preferência pelo grau de atuação do legislador, frente ao juiz, na área privada, garante maior segurança jurídica e concilia-se aos princípios da democracia e da separação dos poderes.
Ainda estabelecido pelo referido autor, ao Judiciário, incumbiria a tarefa de preencher as lacunas originadas pelo legislador, bem como, o ofício de controlar a constitucionalidade das normas privadas incompatíveis com a Carma Maior. Então, apenas de forma excepcional, os adeptos de tal ideologia “admitem a aplicação direta pelo Judiciário em litígios privados”, ou seja, apenas quando o litígio privado desconsiderar de forma crucial a efetividade dos direitos fundamentais sobre o Direito Privado, é que o recurso constitucional se faria admissível.
Tal teoria tem sido criticada por diversos doutrinadores alegando a degradação do princípio da legalidade, assim como, a falha na teoria, em prestar efetividade completa aos direitos fundamentais na esfera privada, que ficam à mercê das legislações adotadas pelo legislador ordinário. Ademais, na percepção de Daniel Sarmento (obra citada), na doutrina nacional a teoria majoritária se vincula, na anuência da relação direta e imediata dos indivíduos aos direitos fundamentais (excepcionalmente no que se refere aos autores Luís AfonsoHeck, Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins), a qual nos reportaremos no próximo item.


          A TEORIA DA EFICÁCIA DIRETA E IMEDIATA

Na conjuntura brasileira, esta teoria possui fortes adeptos, como Daniel Sarmento, Ingo Wolfgang Sarlet, José João Nunes Abrantes, Janes Reis Gonçalves Pereira, Gustavo Tepedino, Gomes Canotilho, Wilson Steinmetz, Luís Roberto Barroso e Ana Prata, dentre outros.
Tal teoria teve seu marco inicial na Alemanha em 1950, através de Hans Cal Nipperdey, cujo qual, estendia tal ideologia, na direção de que, como os nobres que ameaçavam os direitos fundamentais, não provinham apenas do Estado, mas sim, de terceiros em geral, decorria na necessidade de estender essas prerrogativas, também, no que revestiam as relações particulares, produzindo efeito erga omnes.
Consequentemente, Walter Leisner, adotou e desenvolveu esta doutrina na esfera germânica, cuja mesma, apesar de ser minoritária em tal circunscrição, ainda assim, produziu ampla penetração em Estados europeus, como a Itália, a Espanha e Portugal, por exemplo, conforme disposto por Daniel Sarmento (obra citada).
No parecer do autor Pedro Lenza, (2011), a teoria da aplicação horizontal dos direitos fundamentais tem tido êxito, em especial, no que se refere às relações privadas, revestidas de cunho público, por exemplo, as matrículas escolares, as relações trabalhistas, etc.
Neste sentido, Daniel Sarmento (2006), afirma que tal atuação (horizontal), engloba uma ponderação de interesses, entre a autonomia privada e a relação em concreto. Nesta direção, Claudio Ari Mello (2004) assegura a necessidade da proteção dos direitos fundamentais para a garantia de um bom desempenho da democracia, extinguindo a ideia de incompatibilidade com o poder democrático, alegada pela teoria opositora.
Neste ponto, Armando Cruz Vasconcelos (obra citada), esclarece que, a aplicação horizontal dos direitos fundamentais tem como prerrogativa, ponderar a aplicação de tais direitos em harmonia com os demais princípios. Assim, destaca e indaga Jorge Novais (2007):
O direito fundamental só cede, se o Estado for capaz de encontrar uma justificação de peso, intrínseco, indiscutível; a simples vontade da maioria democrática, não é suficiente para justificar a restrição. Mas quando se pretende opor o mesmo direito a outro particular... encontramos... outro direito fundamental. Ao nosso trunfo, responde a outra parte, com outro ou até, o mesmo trunfo. Porque razão, deve ser o meu a prevalecer?
Ainda nesse enfoque, Jane Reis Gonçalves Pereira (2006), assegura que, a especialidade da questão da eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas, encontra-se, no fato de que, ambas as partes compreendidas, são titulares de direitos constitucionalmente abarcados, enredando um complexo sistema de direitos e deveres, que se limitam e condicionam entre si.
Nesse espírito, abarca Gilmar Mendes (2004), no entendimento de que, “... é lícito indagar em que medida podem as entidades privadas deixar-se influenciar nas suas relações jurídicas, por esses elementos de distinção ou de discriminação.” Faz-se necessário pensar e manusear tais direitos de forma cautelar, sob o risco de, sacrificar de forma irreversível o direito privado. Para Fancchini Neto (2003), este curso de confusão entre o público e o privado, pode ser verificado no Estado de bem-estar social, que tem migrado dos primórdios até a então atualidade.
No que concerne a esta questão, Robert Alexy (2008), entende que, frente a uma colisão entre direitos fundamentais de particulares, deve-se proceder de forma, que seja feita uma ponderação entre os valores discutidos. Assim, também, consente Pedro Lenza, (obra já citada), in verbis:
Poderá o magistrado deparar-se com inevitável colisão de direitos fundamentais, quais sejam, o princípio da autonomia de vontade privada e da livre iniciativa de um lado... e o da dignidade da pessoa humana e da máxima efetividade dos direitos fundamentais (art. 1º, inc. III), de outro. Diante dessa ‘colisão’, indispensável será a ‘ponderação de interesses’ a luz da razoabilidade e da concordância prática ou harmonização. Não sendo possível a harmonização, o Judiciário terá que avaliar qual dos interesses deverá prevalecer.
Ou seja, nesta questão se faz necessário a incidência direta e imediata de tais prerrogativas, de forma a equilibrar as relações jurídicas materialmente assimétricas, garantindo proteção aos hipossuficientes.
Além de que, outro alicerce a esta teoria, consiste da própria dimensão objetiva dos direitos fundamentais, visto que, a partir da difusão de seus efeitos, surge uma nova prerrogativa subjetiva, que seja, a capacidade de exigir do Estado a proteção dos direitos fundamentais contra toda ameaça, abarcando consequentemente, as intentadas contra particulares.
Ocorre que, os direitos fundamentais estarão em constante incidência frente as relações individuais, nesse sentido, Gilmar Mendes (2004), se posiciona, in verbis:

Não se ode olvidar, por outro lado, que as controvérsias entre particulares, com base no direito privado, hão de ser decididas pelo Judiciário. Estando a jurisdição vinculada aos direitos fundamentais, parece inevitável que o tema constitucional, assuma relevo tanto na decisão dos tribunais originários, como no caso de eventual pronunciamento da Corte Constitucional.

Convém destacar, que não se trata, nesse momento, de uma aplicação irrestrita e absoluta dos direitos fundamentais, no que reporta as relações privadas, posto que, tal aplicação não ocorre, desta de forma descabida, nem ao menos, no que concerne, em relação ao Estado, assim, também, adverte Jane Reis Gonçalves Pereira (obra mencionada), o caráter relativo e limitado dos direitos fundamentais, decorre da própria noção de unidade da constituição e da consequente necessidade de coordenação e harmonização dos valores constitucionalmente protegidos”. Dessarte, também, predispõe Ney de Barros Bello Filho(2007), em citação a Gustavo Tepedino:

[...] novos parâmetros para a definição da ordem pública, relendo o direito civil, à luz da Constituição, de maneira a privilegiar, insista-se, ainda uma vez, os valores não patrimoniais e em particular, a dignidade da pessoa humana, o desenvolvimento de sua personalidade, os direitos sociais e a justiça distributiva, para cujo atendimento, deve se voltar a iniciativa econômica privada e as situações jurídicas patrimoniais.

Nesse contexto, Ingo Sarlet (2007), subdivide os direitos fundamentais, em direitos prestacionais e direitos de defesa, cujos direitos prestacionais, fraciona-se em direitos à proteção em sentido estrito, convém, porém, salientar que, a aplicabilidade de tais normas, depende de um procedimento específico, limitado por meio da “reserva do possível”.
Já os direitos de defesa (direitos negativos), encontrados no campo dos direitos individuais, consistem, na proteção da liberdade individual, inicialmente, no que reporta as prerrogativas estaduais, finalizando, nas práticas particulares, para que os bens jurídicos fundamentais sejam protegidos de ameaças e lesões, por parte destes sujeitos.
Com tal característica, preleciona Gilmar Mendes (obra já citada), in verbis:
A concepção que identifica os direitos fundamentais como princípios objetivos, legítima a ideia de que, o Estado se obriga, não apenas, a observar os direitos de qualquer indivíduo, em face das investidas do Poder Público (direito fundamental, enquanto direito de proteção ou de defesa-abwehrrecht), mas, também, à garantir os direitos fundamentais, contra agressão propiciada por terceiros (Schutzpflicht Staats).
Como meio de efetivar os fundamentos constitucionais, ou seja, promover uma sociedade justa e igualitária, objetivando a redução das desigualdades sociais, é que se faz necessário, ao menos, mínimas condições materiais de liberdade, para que, o indivíduo possa, então, manifestar sua autonomia de vontade.
Por conseguinte, pondera Barroso (2001), que faz menção, a observação, de fatores como, a igualdade ou desigualdade material entre os sujeitos, a manifestação de injustiça ou falta de razoabilidade de critérios e riscos para a efetivação da dignidade humana, assim como, a preferência pelos valores existenciais, em desvantagem aos meramente patrimoniais.
Em consequência, quanto maior for o grau de desigualdade social entre os indivíduos, maior será a incidência da proteção jurídica fundamental, e inferior será a proteção da autonomia privada.
Um parâmetro a ser considerado, para a aplicação dos direitos fundamentais na esfera individual, o qual deverá ser apreciado em conjunto aos demais já mencionados, consiste na maior ou menor proximidade da esfera pública, na relação jurídica entre os indivíduos, visto que, quanto menor esta proximidade, maior será a tendência de um domínio de um direito fundamental frente a autonomia privada.


 JURISPRUDÊNCIAS: DIREITO À VIDA

Como meio de justificar o parecer expresso até então, isto é, a possibilidade de incidência dos direitos fundamentais nas relações privadas de forma direta e imediata, far-se-á o uso de jurisprudências, cujas quais, fez-se preferência pelas decisões elucidadas ao direito à vida, as quais se abordarão, por meio do próximo parágrafo.
O direito à vida é assegurado constitucionalmente, como “o mais fundamental de todos os direitos”, já que, sua garantia é pré-requisito, para a existência e exercício dos das demais normativas jurídicas. Ocorre que, em concordância com Alexandre de Moraes (2013):
O direito humano fundamental à vida, deve ser entendido, como direito, a um nível de vida adequado a condição humana(...). O Estado deverá garantir esse direito (...) respeitando, os princípios fundamentais da cidadania, dignidade da pessoa humana e valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; e ainda, os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, (consistentes) na construção de uma sociedade livre, justa e solidária, garantindo o desenvolvimento nacional e erradicando-se a pobreza e a marginalização, reduzindo, portanto, as desigualdades sociais e regionais.
          Nesse sentido, finaliza o mencionado autor, assegurando a inviolabilidade do direito à vida, o que consequentemente, faz com que, este direito entre em conflito com a pena de morte, bem como, as práticas abortivas, e a eutanásia, como far-se-á, análise em seguida:
1.     Relatividade do Direito a Vida, conforme decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, expressar-se-á o uso moderado do direito à vida, que inclusive traz sua excepcionalidade, expressa por meio da, Constituição Federal:
Reputou inquestionável o caráter não absoluto do direito à vida ante o texto constitucional, cujo art. 5º XLVII, admitiria a pena de morte no caso de guerra declarada na forma do seu art. 84, XIX. No mesmo sentido, citou previsão de aborto ético ou humanitário como clausula excludente de ilicitude ou antijuricidade do Código Penal, situação em que o legislador teria priorizado os direitos da mulher em detrimento dos do feto. Recordou que a proteção ao direito a vida comportaria diferentes gradações, consoante o que estabelecido na ADI 3510/DF (STF-Pleno-ADPF 54/DF, rel. Min. Marco Aurélio, decisão 11 e 12-4-2012, Informativo STF nº 661).

2.     Direito a vida e ausência de declaração de inconstitucionalidade do tipo penal do aborto, in abstrato, baseada em decisão do STF:
Se mostraria despropositado veicular que o Supremo examinaria a descriminalização do aborto, especialmente porque existiria distinção entre aborto e antecipação terapêutica de parto. Nesse contexto, afastou as expressões ‘aborto eugênico’, ‘eugenésico’, ou ‘antecipação eugênica da gestação’, em razão do indiscutível viés ideológico e político impregnado na palavra eugenia. (STF-Pleno-ADPF 54/DF, rel. Min. Marco Aurélio, decisão 11 e 12-4-2012, Informativo STF nº 661).

3.     Nascituro e investigação de paternidade: TJ/SP- “A personalidade civil do homem começa do nascimento com vida, mas a lei põe a salvo os direitos do nascituro, uma vez que neste há vida...” (AC 193.648-1/SP- 1ª C. Civil-rel. Des. Renan Lotufo-JTJ/SP-LEX 150/91 e Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política nº4, pág. 299/302).
4.     Gratificação por Risco de Vida: STJ-
Administrativo-Gratificação de risco de vida- Incorporação. A Lei Complementar nº 41, de 21-12-1987, pelo art. 89, determinou o pagamento da gratificação de risco de vida, a partir de 1º de janeiro de 1988, aos policiais civis de São Paulo, em efetivo exercício de seus cargos. Os recorrentes passam a ter de receber a gratificação, além dos vencimentos que já vinham percebendo.  (Ementário STJ nº 05/40- REsp nº 14.7530-0-PR.reg.nº 9100191191.rel.Min.Garcia Vieira.1ªT. Unânime. DJ 9-3-92).


           CONCLUSÃO:

Os direitos fundamentais possuem como escopo, a proteção dos sujeitos hipossuficientes dos hipersuficientes, que na atualidade, não faz menção apenas ao Estado, mas também, à particulares, que possuem um poder econômico cada vez maior, em contrapartida, resultando em uma autonomia privada concentrada, de forma a reduzir os grupos sociais mais frágeis, caracterizando desigualdades e injustiças.
Ocorre porém, que a proteção dos direitos fundamentais não pode impor-se de forma imoderada, considerando ainda, que o núcleo de direitos fundamentais servem de barreira a liberdade privada, cuja qual, nunca deve intentar sobre os mesmos, sob pena de, estar cometendo injustiças, posto que, é necessário atentar-se a uma compatibilidade entre tais princípios e a autonomia privada, de forma a dar validade e efetividade a dignidade da pessoa humana.
Assim, ocorrendo uma colisão entre esses direitos e a autonomia privada, concebendo tais valores como norteadores das relações particulares, e subentendo esses direitos como expressão de igualdade, torna-se verificável, que os mesmos (direitos fundamentais), estarão se sobrepondo a autonomia de vontade, posto que, a igualdade possui maior conteúdo valorativo, que a liberdade.
Finaliza-se, para tanto, por meio da afirmação de que, os direitos fundamentais incidem nas relações de desigualdade, sendo claro que, se tal relação se materializar na esfera privada, essas prerrogativas terão completa liberdade para agirem em proteção aos hipossuficientes, salvaguardando, em primazia, a dignidade da pessoa humana, um dos princípios norteadores do direito fundamental.


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