INTRODUÇÃO:
O presente artigo, tem por finalidade fazer uma ampla
análise da eficácia horizontal dos direitos fundamentais nas relações privadas,
desse modo, denota-se que a Constituição Federal/88 é uma constituição prolixa,
que regulamenta todas as relações entre a sociedade e o Estado e para consigo
mesma, formulando diretrizes para a harmonia da vida social no país, nesse
sentido, os valores consagrados em seu texto devem ser considerados como
prerrogativas em todas as relações jurídicas existentes, nisso imposto, às
relações privadas.
Essa incidência ocorre de forma direta, posto que, não limita
a autonomia privada, porém, realiza uma posição da mesma, em concordância com
os princípios constitucionais, comportada pela atividade da ponderação.
O objetivo do respectivo trabalho é demonstrar a
necessidade e a possibilidade de incidência das prerrogativas fundamentais nas
esfera privada, de forma a dirimir conflitos e impossibilitar ameaça de
direitos, tanto por parte do Estado, quanto por parte de terceiros. Para
realizar este estudo foi efetuado pesquisas bibliográficas acerca de assuntos,
bem como, o uso de decisões proferidas pelo STF, sendo que, o método utilizado
na presente pesquisa é o indutivo.
Inicialmente esta pesquisa apresenta os direitos
fundamentais como um sistema de normatividade, passando em um segundo momento,
para as dimensões subjetivas e objetivas de tais prerrogativas, resultando na
filtragem constitucional elaborada sob a ótica objetiva dessas normativas
jurídicas.
Posteriormente, voltando-se, para a necessidade de
interpretar as legislações sob a luz dos direitos fundamentais, de forma a tornar
as leis efetivas e claras em concretude com a harmonia dos princípios
constitucionais, de maneira a atender as necessidades da dignidade da pessoa
humana.
Finalizando através da temática do respectivo trabalho ou
seja, a eficácia horizontal dos direitos fundamentais nas relações privadas,
dissecando de forma ampla, a presente teoria, abarcando inclusive, a doutrina
do state acion, ou seja, a negação da
aplicação dos direitos fundamentais à esfera privada, e suas ponderações, partindo
em seguida para a teoria da eficácia mediata e indireta desses direitos, bem
como, suas prerrogativas, encerrando nas eficácia imediata e direta dos
direitos fundamentais nas relações privadas, teoria esta, seguida pelo Brasil,
a qual dar-se-á um maior enfoque jurídico ao tema, que se inicia no próximo
item.
DIREITOS FUNDAMENTAIS: UM SISTEMA
DE NORMATIVIDADE
De forma ampla, no que se reporta a democracia, Alexandre
de Moraes (2013) afirma, a existência de um governo escolhido por meio do povo,
o qual será incumbido de representá-los, ocorre que, este poder delegado,
através, da sociedade não é absoluto, obtendo limitações por intermédio dos
direitos fundamentais.
Nesta acepção, assevera Canotilho, supracitado pelo
referido autor, no sentido de que, a função dos direitos de defesa do cidadão, abarca
uma dúplice perspectiva, em certa influência da categorização do direito, por status
(negativo e positivo), desdobrado por Jellinek. Sendo elas, na esfera jurídica
objetiva, os direitos civis e políticos (direitos de liberdade), os quais,
teriam competência negativa aos poderes públicos, pois que, proíbem a
intervenção dos mesmos no âmbito jurídico individual, e implicam na esfera
jurídica subjetiva.
Isto é, os direitos sociais e econômicos, (direitos de igualdade),
possuem o poder de exercer a liberdade positiva, ou seja, a influência positiva
do Estado no que concerne aos direitos fundamentais, bem como, a liberdade
negativa, isto é, a possibilidade de exigir omissões dos poderes públicos, com
vistas a evitar lesões por parte dos próprios.
Neste aspecto, Miguel Ángel Ekmekdjian (1993) sintetiza,
que para viver em sociedade o homem deve ceder parte de sua liberdade em
benefício do próximo, essas frações de liberdade cedidas por seus integrantes,
se unificam convertendo-se em poder, o qual será exercido através do
representante da sociedade. Sendo assim, o poder e a liberdade, tendem a
confrontar-se, necessitando, para tanto, de positivação jurídica, de maneira, a
impedir a anarquia e a arbitrariedade.
Pois que, surge então, a Constituição Federal, que no
parecer de Alexandre de Moraes (2013), organiza a forma de Estado, e
consequentemente, as atribuições que exercerão os órgãos estatais, além de
prestigiar os direitos e garantias fundamentais positivados aos indivíduos.
Ainda neste sentido, Baez (2010), preleciona que a Carta
Maior não se trata de um “amontoado inorgânico de artigos ou dispositivos
legais”, pelo contrário, se reporta a um conjunto em harmonia de “diretrizes e
definições políticas fundamentais, que compõe um corpo sistemático de escolhas,
por um caminho possível na história de seu povo, com o fim de transformar a
realidade posta.”
Na concepção de George Marmelstein (2013), os direitos
fundamentais são possuidores de força jurídica efetiva, ou seja, eles são
direitos positivados, gerando consequentemente vantagens aos seus possuidores
(sujeito ativo), e de forma automática, obrigações para seus designados
(sujeito passivo).
Destarte, ainda no posicionamento do mencionado autor, ao
considerar-se a localização de tais normatividades, que se encontram no nível
mais alto do ordenamento jurídico (na Constituição Federal), perceptível se faz,
a potencialidade de suas prerrogativas.
Nesse entendimento, enaltece Mello Francisco (1958),
acerca da impossibilidade da separação entre os direitos individuais e a
democracia, como também, a vinculação da democracia nas origens cristãs e nos
princípios do Cristianismo, posto que, os mesmos, resultaram na cultura
política humana, de que o valor transcende a criatura e a capacidade do Direito
de limitar o poder, e nesse aspecto, a limitação do Direito por meio da
justiça, pois que, nas palavras do mencionado autor: “sem respeito a pessoa
humana não há justiça e sem justiça não há Direito”.
Em concordância, dispõe George Marmelstein (2013), no
sentido que, ao Estado encarrega-se o dever de respeitar, proteger e promover
os direitos fundamentais. Em virtude, como atitude de respeito, o Estado
obriga-se, a agir em conformidade com o direito fundamental, estando para tanto,
impedido de violá-lo, ou mesmo, adotar medidas que possam de qualquer forma
ameaçar o bem jurídico garantido pela norma constitucional.
Portanto, através da garantia de dever de proteção aos
direitos fundamentais, na concepção de Daniel Sarmento (2006), o legislador se
obriga a editar normas que tutelem tais direitos, assim como, o administrador
se obriga a agir de forma material, em prevenção e reparação das lesões
praticadas contra os peculiares direitos, e no que concerne ao judiciário, o próprio,
fica obrigado, na prestação da jurisdição, a voltar-se em defesa dos direitos
fundamentais em suas prerrogativas.
Por fim como dever de promoção, mencionado também por
George Marmelstein (2013), culmina na obrigação ao Estado, de adotar medidas
concretas, com vistas a possibilitar o gozo dos direitos fundamentais, para as
pessoas que se encontrem em desvantagem econômica.
Isto posto, carecer-se-á de um breve destaque, na
diferenciação e aplicabilidade da dimensão subjetiva e dimensão objetiva dos
direitos fundamentais, que far-se-á no próximo título.
A TEORIA DE JELLINEK
Assim, “no final do século XIX, Jellinek desenvolveu a doutrina
dos quatro status em que o indivíduo pode encontrar-se em face do
Estado. Dessas situações, extraem-se deveres ou direitos diferenciados por
particularidades de natureza”, de acordo com Mendes e Branco (2011), neste
sentido, Pinho (2012) define tais status como sendo:
a)
passivo (status subjectionis) – o
indivíduo mantém um vínculo de subordinação com o Estado, por meio de mandamentos
e obrigações; b) negativo – o indivíduo, por ser dotado de
personalidade, desfruta de uma esfera de liberdade individual, que exclui o
poder de império do Estado; c) positivo (status civitatis) – o
indivíduo pode exigir do Poder Público que atue em seu favor; o Estado concede
ao indivíduo prestações jurídicas positivas; e d) ativo – a denominada
cidadania ativa; o indivíduo fica autorizado a exercer direitos políticos.
De
forma detalhada, Schlink e Bodo (2012), expressam através do conceito de George
Jellinek, como status negativo (status negativus), a liberdade que o indivíduo
tem em face do Estado, que possui harmonização e garantia através dos direitos
fundamentais, na forma em que, como direitos de defesa, garantem a liberdade
dos cidadãos e seus bens jurídicos, contra a arbitrariedade estatal.
Esta prerrogativa decorre segundo
Mendes e Branco (obra citada), da característica advinda da personalidade do
indivíduo, ou seja, a mesma exige que o ser humano tenha condições de exercer
sua liberdade, isto é, tenham âmbito de ação, frente aos Poderes Públicos,
assim sendo, em citação ao próprio Jellinek, o mesmo destaca que a autoridade
estatal somente pode ser “exercida
sobre homens livres”.
Ocorre
também, que o indivíduo pode encontrar-se em situação de subordinação aos
Poderes Públicos, localizando-se por tanto, como sujeito detentor de deveres
relacionados ao Estado, é o que ocorre, no status passivo ou status subjectiones, na acepção do citado
autor, com vistas de que, o poder estatal possui competência, neste instante,
de vincular o cidadão por meio de mandamentos ou proibições, em concordância,
Schlink e Bodo (obra citada), acrescentam que a liberdade do ser humano depende
de ação estatal, para se concretizar.
Esta forma estatal encontra fundamento
basilar nos direitos fundamentais, na forma em que, conforme as palavras do
referido autor, “quando e na medida em que sejam direitos de reivindicação,
de proteção, de participação, de prestação e de procedimento”. Neste
sentido, esses direitos se dão por meio dos denominados “direitos derivados,
isto é, derivados dos direitos já existentes”, e ou, através dos direitos originários,
ou seja, “direitos que produzem algo que ainda não existe”.
Sendo que, na direção dos referidos
autores, tal status confere ao indivíduo um direito a prestação, isto é,
garante a concretude do efeito jurídico do direito de defesa, por meio da
reparação e da compensação pelo ônus ou omissão causados.
Existem também, algumas situações, em
que a pessoa é detentora do direito de exigir do Estado uma atuação positiva,
ou seja, que o próprio realize uma prestação. Neste caso, em conformidade com
Mendes e Branco (obra citada), o indivíduo se encontra com capacidade de
pretender “que o Estado aja em seu favor. O seu status é, assim, positivo
(status civitatis)”.
Como quarto status, Jellinek, adiciona o
Status Ativo, cujo qual, “o indivíduo desfruta de competência para influir
sobre a formação da vontade do Estado”, na acepção de Mendes e Branco (obra
citada), exemplificativamente, têm-se o direito ao voto, onde o cidadão exerce
seus direitos políticos.
Fora a partir desta teoria, que
emergiram direitos fundamentais, como, os direitos de defesa (ou direitos de
liberdade), bem como, os direitos à prestações (ou direitos cívicos).
A essas duas espécies, alguns
doutrinadores acrescentam, os direitos de participação. No conceito de Schlink
e Bodo (obra citada), “é o estado em que o particular exerce a sua liberdade no
e para o Estado, isto é, o ajuda à construir e nele participa. É conformado e
assegurado pelos direitos cívicos”, situação em que, a liberdade do sujeito e a
ordem estadual, coadunam-se em uma relação funcional de reciprocidade.
Consequentemente, o suporte textual
deste status, insere ao ser humano, o direito a suportar e harmonizar um Estado
Democrático de Direito em seu status ativo, da mesma maneira que, em seu status
negativo, com suas opiniões expressas por meio de reuniões e manifestações, ou
também, através da mídia, ou meios de telecomunicações.
Isto posto, conclui-se que o diferencial
entre os quatro status, concerne apenas, no que refere-se, a liberdade do
indivíduo e sua forma de prevenir arbitrariedades e garantias de proteção,
assim como também, a garantia de cooperação na conformação e harmonização do
Estado.
Isso expresso passar-se-á ao próximo
tópico do presente artigo, ou seja, a dimensão subjetiva e a dimensão objetiva
dos direitos fundamentais.
DIMENSÃO SUBJETIVA E DIMENSÃO OBJETIVA DOS DIREITOS
FUNDAMENTAIS
Conforme já exposto no título anterior, a doutrina reconhece
a duplicidade de dimensões dos direitos fundamentais. Estando, na compreensão
de George Marmelstein (2013), de um lado os direitos fundamentais em sua
dimensão subjetiva, servindo como fonte de direitos subjetivos, concebendo para
seus titulares uma pretensão individual de buscar a sua consumação, por meio do
Poder Judiciário.
De outra forma, com base em sua dimensão objetiva, esses
direitos assumem um sistema valorativo com capacidade para legitimar todo o
ordenamento jurídico, vinculando toda a interpretação jurídica, a força
axiológica decorrente de tais direitos.
Ainda no entendimento do referido autor, como dimensão
subjetiva, diz-se, que “os direitos fundamentais são normas jurídicas”, e em
sua dimensão objetiva, considera-se, “que por sua importância axiológica,
fundamentam e legitimam todo o ordenamento jurídico”.
Não se aterá de forma abrangente a estas diferenciações,
pois que, o referido trabalho possui como núcleo basilar, a perspectiva
objetiva dos direitos fundamentais, bem como, a necessidade da normatização e
seguimento dos referidos princípios, com base na disposição da Constituição
Federal, o que denominaremos de “filtragem”, ou seja, a seleção de leis apenas
no que for compatível com os direitos fundamentais, sendo negada, a positivação
de normas em desfavor da mencionada garantia fundamental, assunto o qual,
abarcar-se-á, no tópico a seguir.
A FILTRAGEM CONSTITUCIONAL NA
ÓPTICA OBJETIVA
Em conformidade com Daniel Sarmento (2003), “a dimensão
objetiva dos direitos fundamentais, liga-se, ao reconhecimento de que, tais
direitos, além de, imporem certas prestações aos poderes estatais, consagram,
também, valores mais importantes em uma comunidade política, construindo como
afirmou Konrad Hesse, ‘as bases de ordem jurídica da coletividade’”.
Em consequência, a dimensão objetiva, conforme expressa
George Marmelstein, na direção de que, “qualquer interpretação jurídica deverá
ser feita à luz dos direitos fundamentais, que se transformam no fundamento
axiológico de todo o sistema normativo”. Assim, concorda Ronald Dworkin (2006),
no sentido de que, os juízes devem interpretar a Constituição através de uma
“leitura moral”, como meio de transcrever o espírito ético que nela subsiste.
Assim sendo, conforme preleciona Vieira de Andrade (2004),
a dimensão objetiva (positiva), dos direitos fundamentais, exige mais que o
simples respeito às garantias fundamentais, ou seja, determina por parte do
Estado proteção vertical, isto é, segurança no que concerne aos atos estatais,
e de forma horizontal, proteção de ameaças de lesões, por parte de terceiros.
Consequentemente aponta Sarlet (2008), que os direitos
fundamentais, consonantes com a dignidade da pessoa humana, “fornecem impulsos
e diretrizes para a aplicação e interpretação dos direitos infraconstitucionais”,
isto é, a “necessidade de uma interpretação conforme os direitos fundamentais”,
validando a unicidade do sistema jurídico.
Em conformidade, Daniel Sarmento (2006) desponta que, “todos os
ramos do Direito, com suas normas e conceitos, devem sujeitar-se a uma
verdadeira ‘filtragem’ constitucional, para que se conformem, com a tábua
axiológica dos direitos fundamentais”.
De forma ampla, denota George Marmelstein (2013), que por
meio da “‘filtragem constitucional”, os direitos fundamentais passam a ocupar,
uma função estratégica de fundamentação e de legitimação do sistema normativo
como um todo.
Eles seriam como um filtro necessário à interpretação das
demais normas jurídicas... “Que depurará o conteúdo do texto legal, permitindo
que apenas o que for compatível com os valores constitucionais seja aproveitado
pelo operador de direito”. Sendo assim, “todo o ato de poder está condicionado à
observância dos valores constitucionais”.
Para tanto, a dimensão objetiva dos direitos fundamentais
resulta na necessidade de vincular a interpretação das prerrogativas jurídicas
em conformidade com os direitos fundamentais, como se demonstrará no próximo
item.
INTERPRETAÇÃO VINCULADA AOS
DIREITOS FUNDAMENTAIS
No que reporta a interpretação das normativas jurídicas, explana
Vicente Ráo (1952), que a hermenêutica, cuja finalidade consiste em,
“investigar e coordenar, por modo sistemático, os princípios científicos e leis
decorrentes que disciplinam a apuração do conteúdo, do sentido e dos fins das
normas jurídicas e a restauração do conceito orgânico de direito...” ainda
nesse aspecto, “a aplicação das normas jurídicas consiste na técnica de
adaptação dos preceitos nela contidos, assim interpretados, ás situações de
fato que lhes subordinam”.
Nesta extensão, no que reporta a interpretação vinculada
diretamente aos direitos fundamentais, Luís Roberto Barroso (1998), assevera
que, a hermenêutica exige que, em meio as possibilidades de interpretação
existentes, a que deve prevalecer é a que se mantenha em harmonia com a
Constituição Federal, para que, se encontre um sentido para a norma, o que
automaticamente, resulta na exclusão da linha interpretativa, que se mostre, em
discordância com a norma constitucional, automaticamente, seguindo esta linha
de raciocínio, funciona para além de, uma simples técnica interpretativa, mas
principalmente, como um mecanismo de controle do constitucionalidade.
Nesta direção, esclarece Raul Machado Horta (1995), acerca
de que, este posicionamento, não enfatiza uma “hierarquia entre as normas
constitucionais”, pois que, todas se vestem de garantia fundamental, sendo
assim, “a precedência serve a interpretação da Constituição, para extrair dessa
nova disposição formal a impregnação valorativa dos Princípios Fundamentais,
sempre que eles forem confrontados com atos do legislador, do administrador e
do julgador”.
Neste alcance, Alexandre de Moraes (2013), denota que, a
Constituição Federal, precisa sempre ser interpretada, pois, somente,
considerando a letra do texto da referida norma, em conformidade com as
“características históricas, políticas e ideológicas” da situação, será
constatado, o sentido que mais favorece a norma jurídica, com vistas a sua
plena eficácia.
Bem como, em acordo com Jorge Miranda, supracitado pelo
referido autor, propõe-se duas principais regras, no que concerne, a
interpretação da Constituição, sendo elas, que tal, deve-se partir da ideia de
que “todas as normas constitucionais desempenham uma função útil no
ordenamento, sendo vedada a interpretação que lhes suprima ou diminua a
finalidade”; em seguida, ter-se-á a premissa de que, os preceitos
constitucionais, deverão ser interpretados da forma que melhor evidencie seu
verdadeiro significado.
Basicamente a aplicação da interpretação das normativas,
deverá abarcar a harmonia da Constituição, com suas finalidades intrínsecas, de
maneira, a adequar-se, à realidade atual e buscar uma “maior aplicabilidade dos
direitos, garantias e liberdades públicas”.
Dito isso, adentrar-se-á ao objetivo deste documento, ou
seja, ao plano da eficácia horizontal dos direitos fundamentais, isto é, a
eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas.
EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NO QUE
REPORTA AS RELAÇÕES PRIVADAS
Na concepção de George Marmelstein (obra citada), os
direitos fundamentais, foram “concebidos como instrumentos de proteção dos
indivíduos contra a opressão estatal.” Nesse sentido, o particular obtinha o
patamar de titular de direitos, nunca convertendo esse estágio, como sujeito
passivo. A esta relação, denominar-se-á, eficácia vertical dos direitos
fundamentais, onde o Estado ocupa uma posição de superioridade, em relação ao
indivíduo.
Nesse sentido, Daniel Sarmento (2006), assevera, in
verbis:
No contexto da economia capitalista, o poder crescente de
instâncias não estatais, como as grandes empresas e associações, tornara-se uma
ameaça para os direitos do homem, que não poderia ser negligenciada, exigindo
que a artilharia destes direitos, se voltasse, também, para os atores privados.
Estes, que até então eram apenas titulares de direitos humanos, oponíveis em
face do Estado, assumem agora, em determinados contextos, a condição de sujeito
passivos de tais direitos. Se a opressão e a injustiça não provém apenas dos
poderes públicos, surgindo, também, nas relações privadas travadas no mercado,
nas relações laborais, na sociedade civil, na família, e em tantos outros
espaços, nada mais lógico do que, estender a estes domínios, o raio de
incidência dos direito fundamentais, sob pena de, frustração dos ideais morais
e humanitários em que eles lastreiam.
Assim, também, pondera Stuart Mill (2006), no que reporta
a capacidade de tiranizar, que a sociedade possui, de forma tão determinante e
cruel, quanto o próprio Estado, pois que, segundo o referido autor, ao executar
suas determinações, a sociedade pode praticar uma tirania social, violando os
princípios basilares dos direitos do ser humano, pois que, a mesma deixaria
poucas formas de evasão, “penetrando muito mais profundamente nos pormenores da
vida, e escravizando a própria alma.”
Em consequência, destaca Cristina Queiroz (2002), no
sentido de que, “os direitos fundamentais são direitos constitucionais, que não
devem, em primeira linha, ser compreendidos numa dimensão técnica de limitação
do poder do Estado. Devem antes, ser compreendidos e inteligidos, como
elementos definidores e legitimadores de toda ordem jurídica positiva.”
Destarte, George Marmelstein, específica a afirmativa do
reconhecimento da eficácia horizontal dos direitos fundamentais, de forma pioneira,
no ano de 1958, através do Tribunal Constitucional Federal alemão, no caso
Luth, tornando-se, símbolo do compromisso da interpretação jurídica de tais
direitos. Trata-se de um filme, que passou por um boicote por parte do Sr.
Luth, que, por via de sua influência na condição de presidente do Clube de
Imprensa, pediu para que os “alemães decentes” não assistissem a tal filme
alegando que seu diretor apoiou o anti-semitismo durante o regime nazista.
Ao que a Corte Constitucional alemã, decidiu que “o boicote
seria uma manifestação do direito de liberdade de expressão do pensamento,
razão pala qual, não poderia ser proibido, mesmo que estivesse causando prejuízo
a produtora e a distribuidora de vídeo.” Abaixo um pequeno trecho, retirado da
referida decisão, supracitado pelo mencionado autor, utilizando-se da obra de
Daniel Sarmento:
Este sistema de valores, que centra na dignidade da pessoa
humana, em livre desenvolvimento dentro da comunidade social, deve ser
considerado como uma decisão constitucional fundamental, que afeta a todas as
esferas do direito público ou privado. Ele serve de metro para a aferição e
controle de todas as ações estatais nas áreas da legislação, administração e
jurisdição. Assim é evidente que os direitos fundamentais, também, influenciam
o desenvolvimento do direito privado. Cada preceito do direito privado deve ser
compatível com este sistema de valores e deve, ainda, ser interpretada a luz de
seu espírito... o conteúdo das normas em vigor, também, deve ser harmonizado
com esta ordem de valores. Este sistema infunde, um conteúdo constitucional
específico ao direito privado, orientando sua interpretação.
Nesse sentido, existem três possibilidades doutrinarias de
entendimento, no que reporta a este assunto, as quais aludir-se-á, nos tópicos
a seguir.
A NEGAÇÃO DA EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS
FUNDAMENTAIS: DOUTRINA STATE ACION
Este entendimento doutrinário nega completamente a
incidência dos direitos fundamentais, no que reporta-se, as relações privadas,
enumera-se neste caso, exemplificativamente, a esfera norte-americana,
referente a teoria State Acion, onde a maioria da doutrina e da jurisprudência
negam o direito a particulares atuarem como sujeito passivo, prestando-se,
então, a impor limitações apenas ao Poderes Públicos, com exceção da 13ª emenda
da Constituição que vetou a escravidão, como, dispõe Daniel Sarmento (2006).
Ainda sob a égide de Ney de Barros Bello Filho(2007),
faz-se perceptível que a doutrina do State
Action, aproxima-se com a teoria de eficácia mediata, pois que a 14 emenda
assim denota:
É vedado aos Estados, fazer ou executar leis que,
restrinjam as prerrogativas e garantias dos cidadãos dos Estados Unidos, privar
alguma pessoa da vida, liberdade ou propriedade, sem observância dos limites
legais ou recusar a qualquer pessoa sob sua jurisdição, a igualdade perante a
lei.
Ainda neste ponto, a doutrina justifica sua posição com
base na literalidade do texto constitucional norte americano, o qual faz
referência, apenas aos poderes públicos, bem como, reforça essa ideia com base,
principalmente, na autonomia privada, instrumentalizadas nas normas de Laurence
Tribe, supracitado pelo mencionado autor, o qual remete à importância da
imunidade das ações privadas, no que refere-se a Constituição, sendo que, caso
os indivíduos ficassem obrigados a agirem em conformidade com a mesma, eles
perderiam sua capacidade de se auto determinar, tendo assim, seu direito de
liberdade restrito, de forma grotesca.
Por tanto, como dito, prestam apoio a tal ideologia, o
sistema federalista vivenciado nos Estados Unidos, onde a legislação acerca de
direito privado é de competência dos Estados, excepcionando-se, apenas, nos
casos, em que tratar-se, de comércio interestadual ou internacional. Nessa
concepção, tal teoria, estaria atuando, como forma, de preservar o espaço de
autonomia dos Estados, de modo, a impossibilitar que as cortes federais,
intervenham no condicionamento das relações privadas, sob a alegação de
aplicação da Constituição.
Convém destacar, como assevera Bello Filho (2007), que atualmente,
na Alemanha, onde as “teses de absoluta ineficácia dos direitos fundamentais
sobre as relações privadas nasceram e se desenvolveram a Corte Constitucional
já admite a eficácia horizontal”.
Bem como na
jurisprudência constitucional da Suíça, que tal como a Alemanha, se apresentava
de maneira reservada, por hora, passou a admitir a incidência da eficácia
horizontal dos direitos fundamentais, pois que, a própria Constituição, abordou
o instituto através do artigo 35, sob o título “Execução dos Direitos
Fundamentais”.
No entanto, como destacado pelo mencionado autor, em decisão da
Suprema Corte Americana, foi resolvido que os Tribunais “não podem ser
utilizados para dar cumprimento à cláusulas discriminatórias provenientes de
contratos ou acordos particulares”. Nessa acepção, as cláusulas ofensivas aos
direitos fundamentais possuem total validade, desde que, cumpridas de forma
voluntária pelas partes.
] TEORIA DE EFEITO MEDIATO E INDIRETO DOS DIREITOS
FUNDAMENTAIS
No parecer de George Marmelstein (2013), essa teoria
abarca a ideia de que, as normas constitucionais não têm aplicabilidade direta
nas relações entre particulares, servindo apenas para clarear a interpretação
do direito infraconstitucional. Segundo Daniel Sarmento (2006), tal teoria foi
desenvolvida por Gunter Durig através da doutrina alemã, publicada em 1956.
Assim, Durig expressa, a necessidade de submeter os
valores do direito privado, aos valores constitucionais, através das quais, os
juízes devem interpretar a ordem vigente, em conformidade com os valores
advindos dos direitos fundamentais. Por tanto, a Constituição seria uma ordem
de valores, com base nos direitos fundamentais, sui generis na dignidade da pessoa humana.
Os adeptos dessa conjectura acolhem-se ao fato de que, tal
hipótese, extinguiria a autonomia de vontade, princípio basilar do direito
privado, convertendo o mesmo, a mero material do Direito Constitucional,
importando um poder ilimitado por parte do judiciário, no entender de Ingo Von
Munch (1997), citado por Daniel Sarmento (obra citada), ajustado por Konrad
Hesse (1995), que remete, ao sentido de que a Constituição apenas “contém
normas objetivas, cujo efeito de irradiação levam a impregnação das leis civis
por valores constitucionais”.
Segundo entendimento faz-se citação a Gilmar Mendes, in
verbis:
Compete, em primeira linha, ao legislador a tarefa de
realizar ou concretizar os direitos fundamentais no âmbito das relações
privadas. Cabe a este, garantir as diversas posições fundamentais relevantes,
mediante a fixação de limites diversos.
Um meio de irradiação dos direitos fundamentais para as
relações privadas seriam as cláusulas gerais (Generalklauseln), que serviriam de porta de entrada (Einbruchstelle), dos direitos
fundamentais, no âmbito do direito privado.
Para Daniel Sarmento (obra citada), os defensores dessa
teoria, subentendem que os direitos fundamentais são garantidos na esfera
privada, através, dos próprios mecanismos do Direito Privado, ou seja, a
coercitividade dos preceitos fundamentais se amplificaria aos particulares, de
forma mediata, por meio da atuação do legislador.
Sendo assim, em um possível conflito entre os direitos
fundamentais e a autonomia privada, atribuiria à lei, solucionar tal conflito,
em virtude de que, tal preferência pelo grau de atuação do legislador, frente
ao juiz, na área privada, garante maior segurança jurídica e concilia-se aos
princípios da democracia e da separação dos poderes.
Ainda estabelecido pelo referido autor, ao Judiciário,
incumbiria a tarefa de preencher as lacunas originadas pelo legislador, bem
como, o ofício de controlar a constitucionalidade das normas privadas
incompatíveis com a Carma Maior. Então, apenas de forma excepcional, os adeptos
de tal ideologia “admitem a aplicação direta pelo Judiciário em litígios
privados”, ou seja, apenas quando o litígio privado desconsiderar de forma
crucial a efetividade dos direitos fundamentais sobre o Direito Privado, é que
o recurso constitucional se faria admissível.
Tal teoria tem sido criticada por diversos doutrinadores
alegando a degradação do princípio da legalidade, assim como, a falha na teoria,
em prestar efetividade completa aos direitos fundamentais na esfera privada,
que ficam à mercê das legislações adotadas pelo legislador ordinário. Ademais,
na percepção de Daniel Sarmento (obra citada), na doutrina nacional a teoria
majoritária se vincula, na anuência da relação direta e imediata dos indivíduos
aos direitos fundamentais (excepcionalmente no que se refere aos autores Luís
AfonsoHeck, Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins), a qual nos reportaremos no
próximo item.
A TEORIA DA EFICÁCIA DIRETA E IMEDIATA
Na conjuntura brasileira, esta teoria possui fortes
adeptos, como Daniel Sarmento, Ingo Wolfgang Sarlet, José João Nunes Abrantes,
Janes Reis Gonçalves Pereira, Gustavo Tepedino, Gomes Canotilho, Wilson
Steinmetz, Luís Roberto Barroso e Ana Prata, dentre outros.
Tal teoria teve seu marco inicial na Alemanha em 1950,
através de Hans Cal Nipperdey, cujo qual, estendia tal ideologia, na direção de
que, como os nobres que ameaçavam os direitos fundamentais, não provinham apenas
do Estado, mas sim, de terceiros em geral, decorria na necessidade de estender
essas prerrogativas, também, no que revestiam as relações particulares,
produzindo efeito erga omnes.
Consequentemente, Walter Leisner, adotou e desenvolveu
esta doutrina na esfera germânica, cuja mesma, apesar de ser minoritária em tal
circunscrição, ainda assim, produziu ampla penetração em Estados europeus, como
a Itália, a Espanha e Portugal, por exemplo, conforme disposto por Daniel
Sarmento (obra citada).
No parecer do autor Pedro Lenza, (2011), a teoria da
aplicação horizontal dos direitos fundamentais tem tido êxito, em especial, no
que se refere às relações privadas, revestidas de cunho público, por exemplo,
as matrículas escolares, as relações trabalhistas, etc.
Neste sentido, Daniel Sarmento (2006), afirma que tal
atuação (horizontal), engloba uma ponderação de interesses, entre a autonomia
privada e a relação em concreto. Nesta direção, Claudio Ari Mello (2004) assegura
a necessidade da proteção dos direitos fundamentais para a garantia de um bom
desempenho da democracia, extinguindo a ideia de incompatibilidade com o poder
democrático, alegada pela teoria opositora.
Neste ponto, Armando Cruz Vasconcelos (obra citada),
esclarece que, a aplicação horizontal dos direitos fundamentais tem como
prerrogativa, ponderar a aplicação de tais direitos em harmonia com os demais
princípios. Assim, destaca e indaga Jorge Novais (2007):
O direito fundamental só cede, se o Estado for capaz de
encontrar uma justificação de peso, intrínseco, indiscutível; a simples vontade
da maioria democrática, não é suficiente para justificar a restrição. Mas
quando se pretende opor o mesmo direito a outro particular... encontramos...
outro direito fundamental. Ao nosso trunfo, responde a outra parte, com outro
ou até, o mesmo trunfo. Porque razão, deve ser o meu a prevalecer?
Ainda nesse enfoque, Jane Reis Gonçalves Pereira (2006), assegura
que, a especialidade da questão da eficácia dos direitos fundamentais nas
relações privadas, encontra-se, no fato de que, ambas as partes compreendidas,
são titulares de direitos constitucionalmente abarcados, enredando um complexo
sistema de direitos e deveres, que se limitam e condicionam entre si.
Nesse espírito, abarca Gilmar Mendes (2004), no
entendimento de que, “... é lícito indagar em que medida podem as entidades
privadas deixar-se influenciar nas suas relações jurídicas, por esses elementos
de distinção ou de discriminação.” Faz-se necessário pensar e manusear tais
direitos de forma cautelar, sob o risco de, sacrificar de forma irreversível o
direito privado. Para Fancchini Neto (2003), este curso de confusão entre o
público e o privado, pode ser verificado no Estado de bem-estar social, que tem
migrado dos primórdios até a então atualidade.
No que concerne a esta questão, Robert Alexy (2008),
entende que, frente a uma colisão entre direitos fundamentais de particulares, deve-se
proceder de forma, que seja feita uma ponderação entre os valores discutidos.
Assim, também, consente Pedro Lenza, (obra já citada), in verbis:
Poderá o magistrado deparar-se com inevitável colisão de
direitos fundamentais, quais sejam, o princípio da autonomia de vontade privada
e da livre iniciativa de um lado... e o da dignidade da pessoa humana e da
máxima efetividade dos direitos fundamentais (art. 1º, inc. III), de outro.
Diante dessa ‘colisão’, indispensável será a ‘ponderação de interesses’ a luz
da razoabilidade e da concordância prática ou harmonização. Não sendo possível
a harmonização, o Judiciário terá que avaliar qual dos interesses deverá
prevalecer.
Ou seja, nesta questão se faz
necessário a incidência direta e imediata de tais prerrogativas, de forma a
equilibrar as relações jurídicas materialmente assimétricas, garantindo
proteção aos hipossuficientes.
Além de que, outro alicerce a esta
teoria, consiste da própria dimensão objetiva dos direitos fundamentais, visto
que, a partir da difusão de seus efeitos, surge uma nova prerrogativa
subjetiva, que seja, a capacidade de exigir do Estado a proteção dos direitos
fundamentais contra toda ameaça, abarcando consequentemente, as intentadas
contra particulares.
Ocorre que, os direitos
fundamentais estarão em constante incidência frente as relações individuais,
nesse sentido, Gilmar Mendes (2004), se posiciona, in verbis:
Não se ode olvidar, por outro
lado, que as controvérsias entre particulares, com base no direito privado, hão
de ser decididas pelo Judiciário. Estando a jurisdição vinculada aos direitos fundamentais,
parece inevitável que o tema constitucional, assuma relevo tanto na decisão dos
tribunais originários, como no caso de eventual pronunciamento da Corte
Constitucional.
Convém destacar, que não se trata,
nesse momento, de uma aplicação irrestrita e absoluta dos direitos fundamentais,
no que reporta as relações privadas, posto que, tal aplicação não ocorre, desta
de forma descabida, nem ao menos, no que concerne, em relação ao Estado, assim,
também, adverte Jane Reis Gonçalves Pereira (obra mencionada), “o caráter relativo e limitado dos direitos
fundamentais, decorre da própria noção de unidade da constituição e da
consequente necessidade de coordenação e harmonização dos valores
constitucionalmente protegidos”. Dessarte, também, predispõe Ney de Barros Bello Filho(2007), em citação a
Gustavo Tepedino:
[...] novos parâmetros para a
definição da ordem pública, relendo o direito civil, à luz da Constituição, de
maneira a privilegiar, insista-se, ainda uma vez, os valores não patrimoniais e
em particular, a dignidade da pessoa humana, o desenvolvimento de sua
personalidade, os direitos sociais e a justiça distributiva, para cujo
atendimento, deve se voltar a iniciativa econômica privada e as situações
jurídicas patrimoniais.
Nesse contexto, Ingo Sarlet (2007), subdivide os direitos
fundamentais, em direitos prestacionais e direitos de defesa, cujos direitos
prestacionais, fraciona-se em direitos à proteção em sentido estrito, convém,
porém, salientar que, a aplicabilidade de tais normas, depende de um
procedimento específico, limitado por meio da “reserva do possível”.
Já os direitos de defesa (direitos negativos), encontrados
no campo dos direitos individuais, consistem, na proteção da liberdade
individual, inicialmente, no que reporta as prerrogativas estaduais,
finalizando, nas práticas particulares, para que os bens jurídicos fundamentais
sejam protegidos de ameaças e lesões, por parte destes sujeitos.
Com tal característica, preleciona Gilmar Mendes (obra já
citada), in verbis:
A concepção que identifica os direitos fundamentais como
princípios objetivos, legítima a ideia de que, o Estado se obriga, não apenas,
a observar os direitos de qualquer indivíduo, em face das investidas do Poder
Público (direito fundamental, enquanto direito de proteção ou de defesa-abwehrrecht), mas, também, à garantir os
direitos fundamentais, contra agressão propiciada por terceiros (Schutzpflicht Staats).
Como meio de efetivar os fundamentos constitucionais, ou
seja, promover uma sociedade justa e igualitária, objetivando a redução das
desigualdades sociais, é que se faz necessário, ao menos, mínimas condições
materiais de liberdade, para que, o indivíduo possa, então, manifestar sua
autonomia de vontade.
Por conseguinte, pondera Barroso (2001), que faz menção, a
observação, de fatores como, a igualdade ou desigualdade material entre os
sujeitos, a manifestação de injustiça ou falta de razoabilidade de critérios e
riscos para a efetivação da dignidade humana, assim como, a preferência pelos
valores existenciais, em desvantagem aos meramente patrimoniais.
Em consequência, quanto maior for o grau de desigualdade
social entre os indivíduos, maior será a incidência da proteção jurídica
fundamental, e inferior será a proteção da autonomia privada.
Um parâmetro a ser considerado, para a aplicação dos
direitos fundamentais na esfera individual, o qual deverá ser apreciado em
conjunto aos demais já mencionados, consiste na maior ou menor proximidade da
esfera pública, na relação jurídica entre os indivíduos, visto que, quanto menor
esta proximidade, maior será a tendência de um domínio de um direito
fundamental frente a autonomia privada.
JURISPRUDÊNCIAS: DIREITO À VIDA
Como meio de justificar o parecer expresso até então, isto
é, a possibilidade de incidência dos direitos fundamentais nas relações
privadas de forma direta e imediata, far-se-á o uso de jurisprudências, cujas
quais, fez-se preferência pelas decisões elucidadas ao direito à vida, as quais
se abordarão, por meio do próximo parágrafo.
O direito à vida é assegurado constitucionalmente, como “o
mais fundamental de todos os direitos”, já que, sua garantia é pré-requisito,
para a existência e exercício dos das demais normativas jurídicas. Ocorre que,
em concordância com Alexandre de Moraes (2013):
O direito humano fundamental à vida, deve ser entendido,
como direito, a um nível de vida adequado a condição humana(...). O Estado
deverá garantir esse direito (...) respeitando, os princípios fundamentais da
cidadania, dignidade da pessoa humana e valores sociais do trabalho e da livre
iniciativa; e ainda, os objetivos fundamentais da República Federativa do
Brasil, (consistentes) na construção de uma sociedade livre, justa e solidária,
garantindo o desenvolvimento nacional e erradicando-se a pobreza e a
marginalização, reduzindo, portanto, as desigualdades sociais e regionais.
Nesse sentido, finaliza o mencionado autor, assegurando a
inviolabilidade do direito à vida, o que consequentemente, faz com que, este
direito entre em conflito com a pena de morte, bem como, as práticas abortivas,
e a eutanásia, como far-se-á, análise em seguida:
1. Relatividade do Direito a Vida, conforme decisão proferida
pelo Supremo Tribunal Federal, expressar-se-á o uso moderado do direito à vida,
que inclusive traz sua excepcionalidade, expressa por meio da, Constituição
Federal:
Reputou inquestionável o caráter não absoluto do direito à vida
ante o texto constitucional, cujo art. 5º XLVII, admitiria a pena de morte no
caso de guerra declarada na forma do seu art. 84, XIX. No mesmo sentido, citou
previsão de aborto ético ou humanitário como clausula excludente de ilicitude
ou antijuricidade do Código Penal, situação em que o legislador teria
priorizado os direitos da mulher em detrimento dos do feto. Recordou que a
proteção ao direito a vida comportaria diferentes gradações, consoante o que
estabelecido na ADI 3510/DF (STF-Pleno-ADPF 54/DF, rel. Min. Marco Aurélio,
decisão 11 e 12-4-2012, Informativo STF nº 661).
2. Direito a vida e ausência de declaração de inconstitucionalidade do tipo
penal do aborto, in abstrato, baseada em decisão do STF:
Se mostraria despropositado veicular que
o Supremo examinaria a descriminalização do aborto, especialmente porque
existiria distinção entre aborto e antecipação terapêutica de parto. Nesse
contexto, afastou as expressões ‘aborto eugênico’, ‘eugenésico’, ou
‘antecipação eugênica da gestação’, em razão do indiscutível viés ideológico e
político impregnado na palavra eugenia. (STF-Pleno-ADPF 54/DF, rel. Min. Marco
Aurélio, decisão 11 e 12-4-2012, Informativo STF nº 661).
3. Nascituro e investigação de paternidade: TJ/SP- “A personalidade civil do homem
começa do nascimento com vida, mas a lei põe a salvo os direitos do nascituro,
uma vez que neste há vida...” (AC 193.648-1/SP- 1ª C. Civil-rel. Des. Renan
Lotufo-JTJ/SP-LEX 150/91 e Cadernos de Direito Constitucional e Ciência
Política nº4, pág. 299/302).
4. Gratificação por Risco de Vida: STJ-
Administrativo-Gratificação
de risco de vida- Incorporação. A Lei Complementar nº 41, de 21-12-1987, pelo
art. 89, determinou o pagamento da gratificação de risco de vida, a partir de
1º de janeiro de 1988, aos policiais civis de São Paulo, em efetivo exercício
de seus cargos. Os recorrentes passam a ter de receber a gratificação, além dos
vencimentos que já vinham percebendo. (Ementário STJ nº 05/40- REsp nº
14.7530-0-PR.reg.nº 9100191191.rel.Min.Garcia Vieira.1ªT. Unânime. DJ 9-3-92).
CONCLUSÃO:
Os direitos fundamentais possuem como escopo, a proteção dos
sujeitos hipossuficientes dos hipersuficientes, que na atualidade, não faz
menção apenas ao Estado, mas também, à particulares, que possuem um poder
econômico cada vez maior, em contrapartida, resultando em uma autonomia privada
concentrada, de forma a reduzir os grupos sociais mais frágeis, caracterizando
desigualdades e injustiças.
Ocorre porém, que a proteção dos direitos fundamentais não
pode impor-se de forma imoderada, considerando ainda, que o núcleo de direitos
fundamentais servem de barreira a liberdade privada, cuja qual, nunca deve
intentar sobre os mesmos, sob pena de, estar cometendo injustiças, posto que, é
necessário atentar-se a uma compatibilidade entre tais princípios e a autonomia
privada, de forma a dar validade e efetividade a dignidade da pessoa humana.
Assim, ocorrendo uma colisão entre esses direitos e a autonomia
privada, concebendo tais valores como norteadores das relações particulares, e
subentendo esses direitos como expressão de igualdade, torna-se verificável,
que os mesmos (direitos fundamentais), estarão se sobrepondo a autonomia de
vontade, posto que, a igualdade possui maior conteúdo valorativo, que a
liberdade.
Finaliza-se, para tanto, por meio da afirmação de que, os
direitos fundamentais incidem nas relações de desigualdade, sendo claro que, se
tal relação se materializar na esfera privada, essas prerrogativas terão
completa liberdade para agirem em proteção aos hipossuficientes, salvaguardando,
em primazia, a dignidade da pessoa humana, um dos princípios norteadores do
direito fundamental.
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