segunda-feira, 9 de maio de 2016

APREENSÃO DE VALORES ECONÔMICOS EM RAZÃO DO TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES E DROGAS AFINS: QUAL A SUA DESTINAÇÃO?


Resumo: A presente pesquisa pretende analisar a destinação dos valores apreendidos auferidos ilicitamente através do tráfico de drogas enfatizando as medidas educacionais preventivas e repressivas realizadas através da Polícia Militar como uma aposta para a promoção da liberdade destes seres humanos, desumanizados pela droga, visando à transformação dos conflitos e resgatando a dignidade humana destas pessoas. No intuito de verificar uma resposta para essa temática, formulou-se o seguinte problema de pesquisa: Qual a destinação dos valores apreendidos nos flagrantes delitos auferidos ilicitamente através do delito de tráfico de drogas? Visando responder ao problema proposto, o trabalho tem por objetivo geral discutir a possibilidade de as medidas educacionais policiais militares promoverem a transformação da sociedade, a partir da efetivação de um resgate de valores, libertando-a das algemas colocadas pelo tráfico e uso de drogas. E, por objetivos específicos: a) estudar a forma como o comércio de drogas é efetuado pelas organizações criminosas; b) analisar os meios utilizados através da Polícia Militar para prevenir e reprimir a entrada das crianças e dos adolescentes, principalmente, no universo das drogas; c) extrair do legislador o seu entendimento quanto a temática e as propostas por ele efetuadas nas leis relacionadas à matéria, buscando o destino e a aplicação dos valores apreendidos decorrentes do ilícito. O aprofundamento teórico realizou-se através de pesquisas bibliográficas, consubstanciada na leitura de diversas obras, apoiando-se em um método dedutivo.

Palavras-chave: Destinação dos valores auferidos ilicitamente; Tráfico de Drogas; Ação preventiva e repressiva; Dignidade da pessoa humana; Políticas inclusivas.

ALINE OLIVEIRA MENDES DE MEDEIROS[1]

Abstract: This study aims to analyze the allocation of assets seized illegally earned through drug trafficking emphasizing preventive and repressive educational measurements carried out by the Military Police as a bet for the promotion of freedom of these human beings, dehumanized by the drug, aimed at transformation conflicts and rescuing the human dignity of these people. In order to find an answer to this issue, it formulated the following research problem: What is the destination of assets seized in flagrant offenses illicitly earned through drug trafficking offense? In order to answer to the problem posed, the work has the objective to discuss the possibility of the military police educational measures to promote the transformation of society, from the execution of a surrender values, freeing it from the shackles put by the trafficking and use of drugs. And on the following objectives: a) to study how the drug trade is carried out by criminal organizations; b) examine the means used by the military police to prevent and suppress the entry of children and adolescents, especially, in the drug world; c) extract from the legislator its understanding on the issue and the proposals that he made to the laws relating to the matter, seeking the destination and the application of the values ​​arising from seized illicit. The theoretical study was carried out through literature searches, based on the reading of several works, relying on a deductive method.

Keywords: Use of illicitly earned values; Drug trafficking; preventive and repressive action; Dignity of human person; inclusive policies.

    1.     INTRODUÇÃO

Este estudo remete o leitor na destinação que é dada aos valores econômicos apreendidos em decorrência do tráfico ilícito de drogas, em função da curiosidade quanto a sua aplicação e em decorrência da necessidade que o cidadão possui de conhecer para poder fiscalizar o cumprimento desta prerrogativa, a qual encontra amparo constitucional e infraconstitucional, devido à importância da matéria.

Em um primeiro momento a autora adentrará na zona criminógena do comércio de drogas ilícitas, demonstrando suas peculiaridades e o empoderamento que o crime organizado está obtendo através deste meio de sobrevivência, o qual sustenta diversas facções, as quais estão aprisionando comunidades inteiras em seu poderio, por meio de armamentos avançados e através do oferecimento de lucros financeiros fáceis por intermédio do comércio de drogas, que oferece inclusive hierarquia e subordinação no desempenho deste labor, tal como em uma empresa, inserindo crianças em seus ofícios, e ceifando vidas em busca de poderio.

 No segundo instante, será demonstrado as ações que a Polícia Militar está efetuando para prevenir e reprimir o uso e o tráfico de drogas, apresentando os programas educacionais que a corporação apresenta em sala de aula, objetivando a transferência de conhecimento aos alunos e meios alternativos de vida, através das experiências profissionais dos militares, efetuando um resgate de valores no solo social, com vistas a edificar uma sociedade legalista e humanitária, iniciando seus trabalhos com os alunos e encerrando com os pais e a sociedade, de maneira a aproximar os cidadãos da corporação, com vistas a unificar as ações em prol da comunidade.

Por fim, será exposto o respaldo legal que a lei tem oferecido à temática, demonstrando a preocupação do constituinte e do legislador no que se refere à problemática, esmiuçando os artigos que expressam a questão com vistas a extrair seus entendimentos e aplicabilidades.

    2.     NA ZONA CRIMINÓGENA: O EMPODERAMENTO DO DELITO DO TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES E DROGAS AFINS

Acerca da agressividade humana, destaca-se o fato de que o termo agressão embasa tantas conotações que encerrou por perder seu significado primitivo, porém, cabe salientar que as expressões agressão e violência, embora serem utilizadas como sinônimas, possuem significados diferentes, visto que a primeira refere-se a todo comportamento intenso irracional, enquanto a violência abarca o comportamento destrutivo.

O autor Penteado Filho (2012, p. 153) define três tipos de violência: a decorrente da raiva, utilizada na prática de crimes passionais; a da particularidade comportamental usada nos delitos de vandalismo de gangues de adolescentes; e a violência com objetivo de destruir o objeto de ataque, usada nas guerras. Conforme o autor (2012, p. 153), a tendência a agressão e a violência, em regra, decorrem de traços de personalidade, como respostas do ambiente em que o agente vive, e “como reflexos estereotipados de determinados tipos de pessoas ou até mesmo como manifestações psicopatológicas”. A criminologia estuda a violência e a agressão como fatores de processos “biopsicológicos subjacentes ao indivíduo”.

Em um caso prático de agressão, é necessário observar que tanto a agressão quanto a violência decorrem de fatores externos ao agente, por isto em um caso concreto é preciso avaliar do ponto de visto do agressor, o dolo da ação, isto é, o animus vulnerandi[2], da ótica da vítima, deve ser avaliado o seu sentimento de prejuízo, enquanto da perspectiva do terceiro observador (testemunha) deve-se sopesar seus sentimentos críticos com relação ao ocorrido.

Outro aspecto importante é verificar se a agressão está atrelada à violência, visto que ambas são independentes entre si, podendo agir uma sem a outra, ou em harmonia, como no exemplo citado pelo autor (2012, p. 155) da “esposa que se sente agredida pelo silêncio do marido”. Já a violência indica a ideia de ação, “de atitude dirigida especificamente para fins colossais”.

Os meios de comunicação são grandes influentes da banalização da violência, visto que seus programas de entretenimento em geral, como filmes e novelas, possuem como tempero principal a fúria e o ataque, isto somado ao efeito dos noticiários, apaixonados pelas páginas vermelhas escritas pelo sangue das vítimas, onde são divulgadas todas as espécies de crimes, com enfoque nos mais desumanos e degradantes como meio de ganhar audiência, que encerra por despertar, subliminarmente, o espírito da violência e da agressão nas atitudes das pessoas, criando uma sociedade com tendências criminógenas enraizada em suas almas, isto incluído ao ambiente hostil em que muitas pessoas sobrevivem, desencadeiam em indivíduos desumanos, capazes do cometimento dos mais impiedosos delitos.

Nestes ambientes sub-humanos, é comum não apenas o uso como a sobrevivência através das drogas ilícitas. Além de que, desde os antecedentes históricos mais longínquos dos seres humanos, é sabido sobre o uso das drogas psicoativas em seu dia-a-dia, para os mais variados propósitos. Cabe registro para o fato de que o vocábulo droga é de origem persa e significava demônio, atualmente designa medicamento ou tóxico, abandonando seu antigo significado que em decorrência das influências religiosas, inclina-o para a delimitação de bem ou mal, um exemplo próximo aos brasileiros sobre o uso de drogas, remete o leitor para as tradições indígenas, onde a mesma é utilizada como medicamentos ou para suas cerimônias espirituais, extraídas de formas naturais, tal como seus ancestrais mais remotos.

Com o transcorrer do tempo, a evolução tecnológica e humana da sociedade, desencadearam na sintetização de drogas em laboratórios, com a função de estabelecer a cura e medicamentos para as doenças, que como efeito colateral aos benefícios medicinais desenvolveu malefícios sociais, principalmente nas décadas de 1940 e 1950.

Desta feita, a influência midiática tomou grandes proporções da racionalidade humana, transmitindo em seus programas mensagens de violência, opressão e promiscuidade em tempo real, ocasionando o corrompimento físico e moral dos seres humanos em escala mundial, instante em que o uso de drogas instalou-se em todos os segmentos sociais, refletindo no crescimento da insegurança pública em níveis desproporcionais, conforme adverte Penteado Filho (2012, p. 103).

Os principais efeitos do uso das drogas compreendem “a dependência, a tolerância, a depauperação da saúde, a destruição de famílias e os reflexos na criminalidade”, no lecionar do autor (2012, p. 105). O uso lícito de drogas mais comum, ainda, compreende o cigarro (causador de cânceres) e o álcool, utilizado desde as cerimônias greco-romanas até as culturas egípcias, consumo este, que atualmente “degenera o homem e a família”.

Momento em que, mais uma vez a mídia é fator fundamental na instigação do consumo através de propagandas comerciais, normalmente efetuadas por modelos com corpos bonitos, carros de luxo e transbordantes de felicidade, transmitindo a ideia de que a droga traria tais benefícios aos seus usuários, e encerram por desencadear no alcoolismo, que no aspecto criminológico, fazem o alcoólatra descambar para as mais variadas práticas delitivas, vitimizando familiares, amigos e a sociedade, de modo geral. Penteado Filho (2012, p. 104) distingue em quatro grupos, os efeitos cerebrais ocasionados pelas drogas:

I – Psicoanaléticos (estimulantes): são as drogas que aceleram o sistema nervoso central, fazendo-o funcionar mais depressa, causando euforia, prolongando a vigília e dando sensação de aceleração da atividade do intelecto; são exemplos as anfetaminas e os anorexígenos.
II – Psicolépticos (depressores): são as drogas que deprimem o sistema nervoso central, reduzindo sua motricidade, sedando e diminuindo o raciocínio e as emoções; incluem-se aí os barbitúricos ou hipnóticos, tranquilizantes e analgésicos.
III – Psicodislépticos (alucinógenos): são as drogas que distorcem o sistema nervoso central, causando delírios e alucinações (maconha, LSD, mescalina, chá do Santo Daime).
IV – Pampsicoptrícos: são as drogas atuais, usadas como anticonvulsivantes (depressão e angústia), que podem induzir à dependência física ou psíquica.

Em um estudo efetuado através do Coronel da 4ª Região de Polícia Militar de Santa Catarina Edivar Antonio Bedin, responsável pelo desempenho do 2° Batalhão de Polícia Militar de Chapecó e do 20° Batalhão de Polícia Militar de Concórdia acerca dos malefícios das drogas, constatado através de sua experiência profissional de mais de 30 anos de oficialato na Polícia Militar, verificou que os efeitos das mesmas dissolvem a carne, a ponto de deixar os ossos aparentes, adiantou, também, que este caminho de destruição inicia com o uso da “maconha, cocaína, crack, oxi e termina com o Koaksil”, resultando em zumbis, não sendo incomum pelas calçadas das ruas verificarem-se “pessoas se decompondo, vivas” em função das drogas.

O efeito desumano e profundo destas drogas corrói a sociedade, extinguindo-a aos poucos através dos crimes decorrentes de seu uso e venda, chegando ao ponto de existirem espaços públicos denominados cracolândia, como forma de edificar a droga, cultuando-a na comunidade, acerca do qual o autor se pronuncia:

Tornam-se problema sem solução. Os usuários-traficantes estão matando, roubando, destruindo famílias inteiras e morrendo aos montes por causa da droga. As polícias, recolhendo o que resta dessas pessoas, não encontram quem os receba. Aqueles que cometem crimes sob o efeito, ou movidos pela necessidade da droga, não ficam presos, são julgados “doentes” e encaminhados para tratamento. Não existem clínicas, nem hospitais disponíveis e ao alcance de todos.

Nada obstante entre os anos de 2001 e 2002, o movimento Viva Rio e o Instituto de Estudos de Religião – ISER efetuaram um estudo sobre as atividades das crianças e adolescentes em comunidades lideradas por facções de tráfico de drogas, especialmente no que se refere à cidade do Rio de Janeiro, de onde se extraiu que a partir de 1980 o trabalho de pessoas nestas faixas etárias, referente ao mercado de drogas a varejo, aumentou consideravelmente, em razão da rentabilidade, principalmente da cocaína, o resultado é que 140% das mortes ocorridas nestas regiões devem-se ao confronto entre facções rivais.

O comércio e varejo de drogas ilícitas por grupos armados (facções) submetem as comunidades das favelas aos seus interesses políticos e econômicos erguendo um império territorial e paramilitar em localidades estratégicas, esta forma de organização instalou-se no solo pátrio ainda em 1960 e a partir de então, apenas reforçou-se. Este modelo de comércio ilegal aprofundou suas raízes com a criação do Comando Vermelho, ao final da década de 1970, fazendo das favelas pontos estratégicos para a venda de drogas.

Em decorrência, nos anos de 1983 e 1986 criaram-se as bocas de fumo (pontos de venda de droga), utilizadas como base de distribuição para a venda e o varejo de droga, instante em que os membros do Comando Vermelho progrediram em sua organização, formando uma estrutura flexível de apoio mútuo do comércio. Conforme elucida Dowdney (2002, p. 90):

A fim de monopolizar o mercado, armas e dinheiro para comprar uma primeira remessa de cocaína seriam emprestados aos membros da facção, de forma que pudessem se apoderar das bocas de fumo estabelecidas ou criassem novas, sob a bandeira coletiva do Comando Vermelho, em troca de um percentual de lucros futuros. Quadrilhas hierarquicamente estruturadas foram estabelecidas nas favelas para a defender os pontos de venda e a comunidade contra invasões policiais ou ataques de “neutros”. Entre 1984 e 1986 começaram a aparecer os primeiros soldados do tráfico.

Esta organização foi reproduzida de maneira idêntica em diversos territórios das favelas, “a organização local se baseou nas necessidades militares de defesa e invasão mais as simples divisões de trabalho para o ensacamento e venda de drogas”, esta estrutura não sofreu alterações até hodiernamente, ela é composta pelo dono, que possui como primeiro subordinado o gerente geral, que por sua vez possui como primeiros subordinados os gerentes da cocaína (que possui o gerente da boca, que por sua vez possui os vapores), o gerente da maconha (que possui o gerente da boca[3] e os vapores[4]), o gerente de soldados (que possui os soldados[5]) e o fiel[6], há também os olheiros/fogueteiros[7], são os da mais baixa hierarquia e, por isto, auferem os menores salários.

Os conflitos fatais passaram a existir depois da morte de alguns dos líderes do grupo, na década de 1980, fazendo com que o grupo se fragmentasse, porém, este grupo de comércio ainda vige no solo pátrio, no entanto, em meados de 1990, outras facções emergiram como, a Terceiro Mundo, Comando Vermelho Jovem e Amigos dos Amigos, o que ocasionou uma espécie de guerras entre as mesmas visando imperar sobre o comércio, o que resultou em maior militarização das facções, incluindo o uso de armas de guerra, ocasionando um alto índice de mortes e com isto, uma demanda crescente por trabalhadores, o que abriu espaço para o emprego de crianças cada vez mais jovens.

Conforme relata Dowdney (2002, p. 91) isto resultou em “uma subcultura militarizada, com grupos fortemente armados em choques permanentes, embora intermitentes”, os confrontos entre os grupos rivais ou com a polícia são comuns e os grupos armados já detém arsenais de guerras em seus poderios, manuseados por crianças de até 04 anos de idade. As favelas compreendem as bases logísticas da venda de drogas e conforme o autor (2002, p. 92):

É na favela que as batalhas pelo controle territorial são travadas, que as crianças são armadas, que as comunidades ficam sob o fogo cruzado e que morre a maioria das vítimas da violência relacionada com drogas. Além dessa trágica realidade diária, a maior parte dos ganhos auferidos com as drogas não fica dentro das comunidades, é passada adiante para uma cadeia de indivíduos poderosos que pertencem não apenas às facções, mas à elite social e política do Brasil.

Segundo demonstrado, o comércio de drogas criou uma hierarquia neste ramo de trabalho, instante em que crianças desde a mais tenra idade são empregadas sob a percepção de salários. Os graus hierárquicos são auferidos conforme a avaliação efetuada por seu superior, qualquer criança que for considerada preparada iniciará no ramo comercial da droga, não interessando a sua idade, as qualidades estabelecidas são semelhantes às decretadas “por companhias e organizações militares”, como por exemplo, “confiabilidade, capacidade de seguir e cumprir ordens, capacidade de manejar armas, capacidade de matar, coragem, não revelar nada para a polícia se for capturado, manter a calma quando debaixo do fogo e em situações de conflito armado”.

Este aumento no número de crianças e adolescentes no que se refere ao tráfico de drogas reflete diretamente nos índices criminais, fazendo com que crianças cada vez mais jovens sejam apreendidas, ou mesmo mortas. Nas favelas a complementação da renda familiar através dos trabalhos infantis relacionados com drogas é considerada normal. Destaca Dowdney (2002, p. 100) que:

A partir de meados da década de 1980 foi criada nas comunidades das favelas uma subcultura de jovens, que passaram a promover e glorificar os traficantes de drogas como ídolos capazes de desafiar a muito temida polícia e recusar os sofrimentos da pobreza que afeta seus demais moradores. Essa subcultura e o aumento do domínio dos traficantes de drogas sobre a comunidade como portadores de poder e status só fizeram crescer o interesse e a participação dos jovens no tráfico de drogas.

A média de idade para ingressar neste mercado de trabalho é de treze anos. O recrutamento destes jovens para as facções é efetuado de forma voluntária, e sua formação ocorre através do acompanhamento dos trabalhadores das facções. Muitos gerentes das bocas são menores. As crianças além de compreenderem mão de obra barata são protegidas pela lei e, por isto, conseguem obter vantagens frente à ação policial. A entrada destas crianças no trabalho infantil criminal é justificada pelos mesmos, pela exclusão social vivenciada, cuja maioria não possui formação educacional mínima. E, por crescerem nestes locais, vêem as facções, não apenas, como algo normal, mas como algo sonhado.

[...] o tráfico de drogas como profissão pode ser uma proposta muito atraente para muitas crianças e adolescentes por uma série de razões. É um empregador que oferece oportunidades iguais a todos os moradores de favelas. O comércio de drogas dá aos jovens favelados tudo que lhes foi negado pela impossibilidade de entrar no mercado de trabalho formal como, por exemplo, status, dinheiro e acesso aos bens de consumo, e mobilidade social através de um sistema que recompensa lealdade e competência. (DOWDNEY, 2002, p. 102).

A atração efetuada através do tráfico de drogas como ocupação “tem sido propagada através do surgimento de uma nova cultura voltada para os jovens, que promove e exalta abertamente os traficantes de drogas e suas facções”, muitas das crianças admitiram sentir prazer em usar uma arma e gostar da adrenalina proveniente da função desempenhada. Este exposto demonstra o império da droga no núcleo social, instante em que a sociedade, urge por socorro.

Relacionado a isto, o Coronel Edivar destaca que a inércia do governo com relação ao problema é controversa, pois, “enquanto isso, segundo a ONU, o Brasil é o país que mais trafica drogas para a Europa”. Em razão disto, a própria comunidade esta tomando iniciativas regionais de proteção, porém, carecem de recursos pecuniários para efetivarem políticas voltadas para a reabilitação e para a prevenção relacionada ao crime, visto que para o estudioso Coronel Edivar “muito antes da reabilitação, há que se trabalhar na prevenção”.

Acerca dos efeitos das drogas, uma das drogas com fatores mais depreciantes consiste no Koaksil (Krocodil ou crocodilo), droga injetável que causa esverdeamento e escamosidade da pele, o que remete à pele do crocodilo, instante em que os vasos sanguineos estouram e os tecidos morrem, resultando em gangrenas e amputações, bem como dissoluções do tecido ósseo poroso, devoradas pela acides da droga.

Leciona o Coronel Edivar que o “Koaksil compreende um fármaco em comprimidos cuja base é o componente ativo desomorphine, comprado em farmácias” que são misturados em ingredientes como a gasolina, o thinner, o ácido clorídrico, o iodo, e o fósforo vermelho raspado dos palitos das caixas de fósforos. No ano de 2010 o uso desta droga se tornou epidemia na Russia e agora ameaça instalar-se em terras brasileiras. Urge por uma reação social.

      3.     ABORDAGEM POLICIAL MILITAR: DA AÇÃO PREVENTIVA À REPRESSIVA

Do exposto até então, foi possível verificar que o crime organizado está evoluindo, e edificando-se no solo brasileiro, através da parte mais frágil da sociedade, que compreende as crianças, levando-as para o tráfico de drogas e como reflexo, destruindo famílias e a sociedade. Por crescer em um ambiente hostil, a maioria destas crianças não possuem sonhos fora daquele ambiente, por encontrarem-se algemadas a esta forma de viver, carecendo por políticas públicas que abram seus olhos e as libertem deste ambiente degradante e mortífero, que sob a justificativa irreal de lhes prestar condições favoráveis de vida, lhes extrai a dignidade e encaminham-nas para as gélidas grades das prisões, ou para os cemitérios.

Dentro deste sangrento contexto, atua a Polícia Militar, composta por seres humanos, vendo-se, em linha de frente no combate ao crime, e com isto, tendo que enfrentar os mais atrozes delitos, vendo sob os seus olhos o declínio da sociedade através da edificação da delinqüência e da droga.

São corporações constituídas por pessoas humanas (pais e mães de famílias), que diuturnamente, deixam a comodidade de seus lares para adentrar em ambientes conquistados pela criminalidade, vestidos em uma farda, ostentando a bandeira do estado ao qual defendem, visando à ascensão do patriotismo e do amor pela humanidade, munidos com uma arma concedida pelo estado como ferramenta para o desempenho de seu trabalho e amparados por um colete balístico e pelos preceitos da legalidade, instantes em que precisam adentrar em ambientes ofensivos, sem saber se as armas que possuem e os treinamentos que receberam são suficientes para defenderem-se, tendo como inimigos bandidos camuflados em rostos infantis.

Ou seja, de um lado desta batalha, encontram-se pessoas desfavorecidas, aprisionadas na vida desumana das favelas, amarradas em troncos de açoite tal como os escravos, posto que seu trabalho ao invés de lhe dar dignidade, lhes extrai e vitimiza, e diversamente de lhe proporcionar lucros pessoais lhes encaminha para o corredor da morte em razão de sua escolha de vida que lhes coloca contra a sociedade. E no outro lado, vislumbra-se a Polícia Militar, órgão legalmente habilitado para o policiamento ostensivo e a preservação da ordem pública (§ 5° do art. 144 da CF), formada por seres humanos, trabalhando na efetivação da lei e da ordem, reconhecida pelo estado por um número e pela sociedade como agente promovedor da paz e da harmonia social, ambos tem em comum nesta batalha o esquecimento e a omissão estatal quanto as suas necessidades humanas.

Conforme a Constituição a Polícia Militar é composta pelas Forças Armadas, estabelecidas no art. 142 deste caderno de leis, “constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica”, e compreendem “instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem” e pelos militares das Forças Auxiliares (art. 42 da CF), responsáveis pela promoção da segurança pública, bem como pela “preservação da ordem das pessoas e do patrimônio”, conforme designa o caput do art. 144.

De acordo com Assis (2013, p. 28) a sociedade militar dispõe de modus vivendi próprio, e “submete-se aos princípios gerais do direito, amoldando-se ao ordenamento jurídico nacional”, suas atividades exigem sacrifícios extremos, como o risco da própria vida ou de seus familiares. A existência da Polícia Militar vincula-se a própria vida do estado, posto que é a mesma quem da garantia para a sua perduração através da efetivação do cumprimento da lei no solo pátrio e da proteção prestada ao mesmo contra as arbitrariedades e anarquias.

A existência da PM vincula-se ao compromisso em efetivar seu trabalho nos moldes da dignidade da pessoa humana, conforme descreve o art. 28, inc. III do Estatuto dos Policiais Militares (de 1980) e do art. 29, inc. III do Estatuto dos Policiais Militares de Santa Catarina (de 1983), ambos intrinsecamente conectados aos fundamentos do Estado Democrático de Direito, que possui como pedra edificante a dignidade da pessoa humana esculpida no art. 1°, inc. III da Constituição (de 1988). Fato este contrário as ações das facções comerciantes de drogas, visto que as mesmas possuem somente leis próprias internas que visam sua sobrevivência e domínio sobre a sociedade, em total desacordo com as leis formais sociais. A Enciclopédia (apud ASSIS, 2002, p. 29) ensina o conceito de polícia, in verbis:

[...] ordem ou segurança pública; o conjunto de leis e disposições que lhe servem de garantia; a parte da Força Pública ou Corporação incumbida de manter essas leis e disposições de boa ordem; civilização; cultura social; cortesia; nome comum a diversos departamentos especializados na defesa do regime político do Estado, na fiscalização, inspeção ou profilaxia de certas doenças, etc.; indivíduo pertencente a corporação policial.

Esta definição declara a faculdade do Estado de policiar seus setores, cuidando, advertindo e corrigindo. Deste modo, o poder de polícia engloba o poder coercitivo que o Estado detém, com capacidade legal para intervir na conduta das pessoas, fazendo com que elas se moldem aos preceitos estabelecidos pelos cidadãos, através de lei, para a convivência social, este poder é transmitido aos órgãos que o desempenham como no caso da PM. Já ordem pública exprime “o estado de organização que deve seguir a sociedade”, que assegura o cumprimento da Constituição e a materialidade dos direitos e deveres dos cidadãos possibilitando sua ascensão pessoal e profissional de forma digna, como expressa Assis (2002, p. 31).

Viver dignamente expressa a concretização do direito de ser pessoa, defendido por Dallari (2004, p. 37), o qual remete a todo o ser humano o “direito de ser reconhecido e tratado como pessoa”, que, conforme os objetivos da República Federativa do Brasil, expressos no art. 3°, embasam a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, a garantia do desenvolvimento nacional, a erradicação da pobreza, da marginalização e a redução das desigualdades sociais, visando promover o bem de todos indistintamente, respeitando a sua condição de ser humano, em conformidade com os preceitos das declarações internacionais de direitos humanos, as quais visam unificar a família humana, e proclamar a fraternidade entre as nações[8].

Diante disto, o autor Jesus (2011, p. 133) destaca acerca da impossibilidade de fugir da realidade brasileira de que muitos cidadãos sobrevivem em condições de miserabilidade, expostos à fome e a toda espécie de violência, por isso, ao falar-se em direitos humanos, já não se trata mais “de saber quais e quantos são esses direitos, (...) mas sim, qual é o método mais seguro para garanti-los, para impedir que, apesar das solenes declarações, eles sejam, continuamente, violados”, afinal, “há uma distancia enorme entre a positivação dos direitos humanos e a sua efetividade propriamente dita” como relata o autor (2011, p. 134). Esta diferenciação existe em decorrência do desconhecimento dos cidadãos quanto aos seus direitos, garantias e deveres como seres humanos.

Consciente disto é que a Polícia Militar de Santa Catarina buscou investir na prevenção, visando impedir que a ação delituosa ocorra em seu solo, buscando levar propósitos e sonhos às crianças, objetivando efetuar um resgate de valores no núcleo social e conquistar estes jovens, convidando-os a traçarem o caminho da legalidade, impulsionando-os para uma vida digna. No que diz respeito ao consumo e venda de drogas, Souza (2014, p. 03) considera como “prevenção tudo aquilo que possa ser feito para evitar, impedir, retardar, reduzir ou minimizar o uso, o abuso ou a dependência e os prejuízos relacionados ao padrão de consumo de substâncias psicoativas”.

Com efeito, foi introduzido no solo catarinense o programa Proerd (Programa Educacional de Resistência às Drogas e à violência), o mesmo provém do programa Dare dos Estados Unidos, criado em 1983, visando à criação de habilidade de reflexões nas crianças, com objetivo de impedir que as mesmas adentrem na criminalidade e no uso ilícito de drogas, no Brasil a palavra violência, foi introduzida na nomenclatura, em função de que, a mesma encontra-se vinculada às drogas. Este programa é cooperativo e é desenvolvido em conjunto entre a PM e a comunidade escolar, instante em que os instrutores capacitados do programa adentram no recinto escolar levando conhecimento e habilidades contra o uso das drogas e da violência.

O Proerd consiste em um programa protetivo que pretende valorizar a vida humana, contribuindo para estabelecer uma cultura de valores na comunidade, estabelecendo a convivência pacífica entre os jovens e a construção de uma vida alicerçada na legalidade e nos princípios humanitários conforme destaca Souza (2014, p. 44). Este programa é lecionado através da Polícia Militar em todos os estados brasileiros, o mesmo atua na criança dos 09 aos 12 anos de idade, buscando agir sobre a criança desde a mais tenra idade como forma de fortalecer a educação recebida da família e do ambiente escolar, preparando-a para uma convivência pacífica e legalista em sociedade. O primeiro estado a aderir o programa foi o Rio de Janeiro na data de 1992, no estado Catarinense ele foi implantado apenas em 1998. É perceptível o atraso que a segurança pública tem com relação ao tráfico ilícito de drogas, no que se refere à prevenção.

A ação preventiva do policial militar pretende desmistificar a sociedade que considera o policial como uma simples ferramenta no processo de segurança repressiva, como uma espécie de “braço forte do estado”, demonstrando à mesma que este trabalhador compreende um ser humano que disponibiliza a sua própria vida para proteger a sociedade. Ademais, a função do militar neste projeto é levar para as salas de aulas as suas experiências provenientes das ruas das cidades, como agente da lei, uniformizado, transmitindo aos alunos seus saberes. Cabe destaque para a importância de aproximar as crianças dos policiais militares, como meio de demonstrar a benevolência de suas atividades, construindo laços de amizades, dando aproximação e humanidade à função militar.

O Proerd oferece três cursos às crianças, neste lapso temporal dos 09 aos 12 anos de idade, e finda em ofertar um curso para os pais com a intenção de promover uma polícia cidadã e próxima da comunidade, aberta para o diálogo e consciente das necessidades regionais, com o objetivo de suprimi-las, no que for competente. Os objetivos gerais do programa compreendem o envolvimento mútuo entre a polícia, os alunos, as escolas, os pais e a comunidade na problemática do uso e comércio de drogas e da violência, desenvolvendo ações de prevenção e repressão a esta questão, despertando o espírito de solidariedade e cidadania entre os engajados.

Souza (2014, p. 56) define como objetivos específicos sensibilizar os educadores, as crianças, os pais e a sociedade quanto a este conjunto de questões, promovendo o desenvolvimento de valores positivos, fortalecendo a auto-estima destas pessoas, sensibilizando-as quanto à necessidade de desenvolver uma vida saudável. No final do curso os alunos efetuam um compromisso com a Polícia Militar, através de um juramento à bandeira, de manterem-se livres das drogas e da violência, tendo como testemunhas seus pais e a comunidade em uma reunião solene, especialmente para o ato. Conforme dados da Polícia Militar de Santa Catarina em 2013 foram formadas 1.000.000 (um milhão) de crianças e adolescentes através do Proerd.

No transcurso do tempo, a Polícia Militar de Chapecó, através da iniciativa do 2° Batalhão de PMSC, atua com o programa Prevenção à Violência Escolar, o qual visa orientar, pais, alunos e professores das escolas apresentando alternativas à prevenção da violência escolar, como intuito de contribuir para a edificação de uma sociedade humana, justa e solidária. Este programa é de origem local e atua desde o ano de 2011. Os objetivos do programa circundam a efetivação de um agir integrado entre o ambiente escolar, social e militar no combate e na prevenção da violência escolar, resgatando a responsabilidade dos pais no que se refere à formação e educação do aluno, pretendendo levar orientações no que tange à prevenção da violência e estratégias de ações voltadas a minimizar a ocorrência de ilícitos no ambiente escolar.

Este programa atua desde o ambiente externo, através de rondas escolares, instante em que cada escola possui, permanentemente, uma viatura responsável pelo policiamento ostensivo da região escolar, até o ambiente interno, momento em que um agente fardado adentra o núcleo escolar com o fim de efetuar palestras esporádicas preventivas, as palestras são realizadas através de data show e possuem a durabilidade de aproximadamente uma hora e meia, com a abertura para debates no tempo de dez a vinte minutos.

Normalmente as crianças e adolescentes pedem tempos privados para conversarem com o policial militar, instante em que aproveitam para efetuar denúncias de delitos verificados nos próprios corredores das escolas, o tempo disponibilizado a elas é igual ao tempo necessário para a conversa, e a instrução do militar no que tange ao procedimento que a mesma deve efetuar.

Estas palestras permitem ao agente da lei transmitir seus conhecimentos e experiências como policial militar, e possibilitam a aproximação entre o policial e o público receptor da conferência, além de prestarem auxílios aos professores e pais dos alunos no que se refere a estímulos para o caminho da legalidade. Até o ano de 2016, foram ministradas 124 palestras, atingindo um total de 8.509 alunos e professores, em cada palestra o policial palestrante efetua aproximadamente três conversas privadas com alunos relacionadas a ocorrências internas.

De forma intercalada com as palestras, entra em ação o Programa Protetor Ambiental, de origem Catarinense, desenvolvido através da Polícia Militar Ambiental de Santa Catarina desde 1999. Os alunos participantes do programa possuem idade entre 12 e 16 anos, os quais são escolhidos através de prova classificatória, que visam à formação de turmas de até 30 alunos, os quais recebem os ensinamentos do programa pelo período de um ano, através de atividades teóricas e práticas relacionadas ao cotidiano do aluno, especialmente, relacionada à matéria ambiental, a intenção é desenvolver o pensamento crítico e proativo do aluno e prepará-lo para o convívio social, edificando o desenvolvimento sustentável.

O programa Protetor Ambiental pretende desenvolver a responsabilidade social da criança. Ao final do curso os alunos efetuam um juramento à bandeira, prometendo à Polícia Militar Ambiental respeitarem à lei e promoverem a materialização de uma vida sustentável. Até o ano de 2015 foram formados 6.300 protetores ambientais, este número somente não é maior em decorrência de que a materialização do programa depende de verbas exteriores à corporação.

O conjunto de professores ministradores das aulas não compreende apenas policiais militares ambientais, mas também, demais integrantes voluntários com formação específica e que possam contribuir de forma positiva para com os alunos. Constata-se que todos os programas educacionais preventivos visam à aproximação entre a instituição militar e a sociedade, de maneira a formar uma ação conjunta em prol da legalidade e do resgate de valores na sociedade.

Cabe destacar que a ação preventiva educacional da PM é recente, portanto, ainda não se enraizou no solo catarinense para que fosse possível auferir, totalmente os seus efeitos, diante disto o Coronel da 4ª RPMSC Edivar A. Bedin enfatizou que “a criminalidade e a violência crescem engajadas pela impunidade e, as vítimas desamparadas em seus choros inúteis, recolhem-se, a clamar por justiça”. Mobilizado por este sentimento, e consciente da realidade criminógena, em 03 de julho de 2007, ainda como Tenente Coronel, à frente do 8° Batalhão de PM de Joinville, o autor efetuou um diagnóstico da criminalidade, inicialmente, pretendendo diminuir o crime de roubo, em razão do alto nível de ocorrência deste delito, fato este que encerrou na sua criação do programa Pós-crime.

Com a intenção de inovar e dar uma resposta ao crime o Coronel Edivar, no mês de janeiro de 2010, ofereceu treinamento específico, na área de operações especiais de alto risco, para um grupo de militares o qual denominou GAT – Grupo de Abordagem Tática – este grupo atua em operações de barreira ou varreduras, visando à extração de circulação de criminosos capturados em flagrante ou que estão com mandado de prisão em aberto, a definição do local do estabelecimento das operações considera a incidência de ocorrências policiais, denominados pontos quentes, compreendidos por locais de circulação dos criminosos, criou, também o GTAR – Grupo Tático de Abordagem Rápida – caracterizado pelo policiamento através de motocicletas.
De todo o território nacional, o Coronel Edivar foi inovador na ideia da criação da investigação pós-delito (programa Pós-Crime), através da Polícia Militar, seu programa atua através de “levantamento de informes, coleta de dados e compilação de informações, retiradas em cada uma das ocorrências atendidas”. A intercalação de dados presta-se como elemento identificador de autores e das práticas delitivas por eles praticadas, por meio de um estudo de cada criminoso ou do grupo criminógeno, este mapeamento criminal contribui melhorando a efetividade e eficácia do policiamento ostensivo.

De um ano para o outro o delito de roubo diminuiu em mais que a metade, passando do índice de 800 por ano para 280. Para o autor, “não há solução sem planejamento. Não há planejamento sem diagnóstico. O diagnóstico deve ser completo e feito a cada crime cometido, todos os dias”. A conclusão do autor é que “a segurança pública ‘vive’ em crise... (e) vive da crise”. Para o Coronel Edivar, que atua à frente da PM a mais de trinta anos é possível diminuir as taxas criminais, porém é necessário além de força de vontade, incentivo de outras áreas em uma comunhão de esforços. Não havendo possibilidade de fechar os olhos para o definhamento da sociedade através da reincidência criminal, enquanto a criminalidade constrói um império à custa da dignidade humana.

          4.     NO DOMÍNIO JURÍDICO: APLICABILIDADE DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 243 DA CARTA CIDADÃ

Depois de ter retratado a metodologia de ação da Polícia Militar no que se refere à prevenção e repressão da criminalidade, é o instante de apresentar o arcabouço jurídico que atua sobre a temática, a iniciar pelo art. 5° da Carta Cidadã, o qual compreende cláusula pétrea e direito fundamental dos cidadãos, e que trás em seu caput a bandeira da igualdade e da fraternidade ao determinar a igualdade em direitos e deveres entre os seres humanos, garantindo aos mesmos o direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”, adiante, ao folhear este artigo encontrar-se-á a expressão do inciso XLIII definindo como crime inafiançável e insuscetível de graça ou anistia o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins.

Desta expressão se extrai a previsão do confisco de bens dos traficantes e a autorização para expropriação de terras utilizadas no plantio ilícito de drogas e a obrigação do Estado de manter em atividade programas educacionais preventivos para o público em idade escolar, a fim de esclarecê-los e protegê-los. Em agosto de 2006, a Lei n° 11.343, instituiu o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas – Sisnad, prescrevendo medidas de prevenção quanto ao uso de drogas ilícitas e repressivas quanto ao plantio e o tráfico ilícito, estabelecendo, também, normas pretendentes a efetivar a reinserção social dos usuários e dependentes, definindo crimes e sanções no que tange à matéria.

O Capítulo IV desta lei define as peculiaridades relacionadas à apreensão, arrecadação e destinação de bens do acusado, destacando no art. 60 que o juiz, poderá decretar de ofício, por meio de requerimento do Ministério Público ou através de representação da polícia judiciária, “no curso do inquérito ou da ação penal, a apreensão e outras medidas assecuratórias relacionadas aos bens móveis e imóveis ou valores consistentes em produtos dos crimes previstos nesta Lei, ou que constituam proveito auferido com sua prática”, conforme o §2° deste artigo, caso o réu consiga provar a origem lícita do produto, bem ou valor, o mesmo será liberado pelo juiz.

Conforme o art. 62, se não causar “prejuízo para a produção de prova dos fatos e comprovado o interesse público ou social”, através da autorização do juízo competente, observado o Ministério Público e informado a Senad, “os bens apreendidos poderão ser utilizados pelos órgãos ou pelas entidades que atuam na prevenção do uso indevido, na atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas e na repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas, exclusivamente no interesse dessas atividades”, ou seja, as vantagens provenientes do ato ilícito retornam a sociedade na forma de políticas públicas preventivas, repressivas e reinseridoras destas pessoas ao convívio social.

De acordo com o §4° do artigo 62, “os veículos, embarcações, aeronaves e quaisquer outros meios de transporte, os maquinários, utensílios, instrumentos e objetos de qualquer natureza, utilizados para a prática dos crimes definidos nesta Lei, após a sua regular apreensão”, serão alienados através de ação cautelar, exceto aqueles que a União, através do Senad, indique “para serem colocados sob uso e custódia da autoridade de polícia judiciária, de órgãos de inteligência ou militares”, relacionados com as operações de prevenção e repressão ao tráfico ilícito de drogas, em concordância com o §9°, realizado o leilão, o valor arrecado ficará depositado em conta judicial, até o final da ação penal, instante em que será transferido ao Fundad – Fundação de Apoio ao Deficiente – juntamente com os valores de cheques apreendidos (§3°).

Os bens relacionados no §4° terão um certificado provisório de registro e licenciamento em favor da autoridade a qual tenha sido deferido o uso, ficando livre do pagamento de multas e tributos e encargos anteriores, “até o transito em julgado da ação que decretar o seu perdimento em favor da União”. O artigo 63 define sobre a legitimidade de o juiz decidir sobre o perdimento do produto, bem ou valor apreendido, cujo aqueles que não foram objeto da ação cautelar prevista no §4° do art. 62, se reverterão ao Funad, após a decretação de seu perdimento em favor da União.

O art. 64 esculpe ser de competência da União, através do Sinad, a elaboração de convênios entre estados e organismos responsáveis pela prevenção ao uso de drogas, “a atenção e a reinserção social de usuários ou dependentes e a atuação na repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas”, como condição para a liberação dos equipamentos e recursos arrecadados por ela, objetivando a implantação e execução de programas relacionados à prevenção e repressão das questões problemáticas relacionadas com as drogas.

Este direcionamento que a lei do Sinad dá aos produtos, bens e valores originados do tráfico de drogas possui respaldo constitucional através do parágrafo único do art. 243 da Constituição que expressa a legitimidade para que “todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e da exploração do trabalho escravo” seja confiscado e revertido “a fundo especial com destinação específica”.

Sobre o qual, a Lei n° 8.212 de 1991, estabelece através do art. 27, inc. IV que 50% (cinquenta por cento) destes valores compreenderam receitas da Seguridade Social, entendimento este reforçado através do Decreto n° 3.048 de 1999, o qual esculpe no art. 213, inc. VI que cinquenta por cento desta receita obtida, será repassado por meio do Instituto Nacional de Seguro Social “aos órgãos responsáveis pelas ações de proteção à saúde a ser aplicada no tratamento e recuperação de viciados de entorpecentes e drogas afins”.

Ressalta-se a preocupação do legislador com a saúde e a recuperação dos viciados, bem como, com a manutenção de programas de prevenção e repressão ao tráfico ilícito de drogas, como os efetuados através da Polícia Militar, o que demonstra sua conscientização para com a gravidade deste delito, que inicia com a destruição da pessoa, passa para a sua família e encerra por arruinar a sociedade, como no exemplo do Comando Vermelho, existente no estado do Rio de Janeiro, realidade a qual não se encontra distante de nenhum estado e por isto precisa ser desestimulada preventivamente.

Conforme demonstrado, os programas educacionais elaborados através da PM são todos posteriores ao estabelecimento do crime organizado, e no caso do estado de Santa Catarina, foi extremamente tardio, visto que o primeiro foi implantado somente em 1998, o que denota a necessidade por aperfeiçoamento e estratégias de inteligência por parte da polícia, visto que os criminosos estão se especializando na arte da criminologia, em razão do lucro fácil, sendo necessário cortar as raízes do problema antes que a árvore cresça, faça frutos e semeie suas sementes sobre o solo brasileiro, tornando, ainda mais difícil a ação de prevenir, controlar e reprimir as ilicitudes.

                  5.     DEFINIÇÕES CONCLUSIVAS

Este estudo buscou uma resposta para a destinação dos valores ilícitos auferidos através do delito de tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, efetuando uma pesquisa bibliográfica e legalista no que tange a matéria, com vista a transmitir conhecimento aos cidadãos acerca da orientação tomada frente a estes casos, como meio de instigá-los a fiscalizar a aplicação das medidas definidas em lei para a questão.

Este estudo buscou desde a forma como o comércio de drogas ilícitas é efetuado na periferia, até as respostas que a Polícia Militar tem dado à questão, demonstrando os programas educacionais preventivos e repressivos ofertados, sua efetividade e a modificação que a corporação militar tem efetuado pretendente a ocasionar uma aproximação entre a instituição e a sociedade, visando unificar as ações na prevenção e repressão criminal.

Por fim, foram analisadas as leis que circundam a temática como meio de auferir a visão que o legislador possui sobre a questão e as diretrizes por ele oferecidas, iniciando este caminho jurídico através da Constituição, passando para a lei de drogas e pela lei orgânica da seguridade social, sendo que, em comum, as mesmas esculpiram que os lucros auferidos ilicitamente através do tráfico de drogas, são redirecionados, pelo juiz, à sociedade através de políticas públicas ressocializadoras, e também, em projetos de cunho preventivo e repressivo quanto ao uso e tráfico de drogas, conforme foi possível ver no desenvolver deste manuscrito.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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DALLARI, Dalmo de Abreu. Direitos Humanos e Cidadania. 2ª ed. reform. – São Paulo: Moderna, 2004.

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SOUZA, Reginaldo Rocha de. Caderno de Estudos de introdução a prevenção às drogas. Polícia Militar de Santa Catarina, 2014.




[1] Advogada não militante; Graduada em Direito; Autora do Blog Direito em Estudo; Autora do livro A promoção dos Direitos Humanos Fundamentais através da Polícia Militar. Artigo publicado na Revista Doutrinas Jurídicas ISSN 1981-1489 - editora Lex Magister.
[2] Tradução: intenção de ferir.
[3] Gerente da boca: Hierarquia superior ao vapor. Responsável pela supervisão de vendas de drogas da boca, ele seleciona olheiros e vapores, distribui a carga (quantidade de droga a ser vendida) a seus vapores, recebe dinheiro das vendas no final de cada dia e paga um subgerente e paga um subgerente ou gerente geral pelas vendas de drogas. (DOWDNEY, 2002, p. 95).
[4] Vapor: vendedor de drogas. Os vapores trabalham em regime de turno e podem trabalhar sozinhos ou em equipes. Primeira hierarquia depois dos olheiros. Os vapores são comissionados pelos gerentes da boca. (DOWDNEY, 2002, p. 95).
[5] Soldado: Trabalhadores armados empregados pelo gerente da segurança, que por sua vez, se reporta diretamente ao gerente geral. Os soldados estão sempre armados e são responsáveis pela manutenção da ordem na comunidade, protegendo os empregados das facções e as bocas de fumo da invasão de facções rivais ou de batidas de policiais, e também invadindo outras comunidades para assumir o controle do ponto de vendas de drogas de uma ou outra facção rival. O salário auferido pelo soldado é mensal. O grupo de soldados que patrulha a comunidade é denominado de bonde. (DOWDNEY, 2002, p. 95/96).
[6] Fiel: Segurança armada e pessoal do gerente geral. Recebe semanalmente. (DOWDNEY, 2002, p. 96).
[7] Primeira função dada a uma criança. Os olheiros são a primeira linha de segurança para a facção, e atuam como um sistema de aviso prévio diante da chegada da polícia ou de ataques de facções inimigas. As crianças são colocadas nos pontos de entrada das favelas a fim de observar a todos que visitam a comunidade. Os olheiros podem usar rádios, fogos de artifício carregados na mão, ou ambos, e o esperado é que eles soltem os fogos imediatamente se virem a polícia ou outra facção inimiga entrando na favela, razão pela qual são também conhecidos como fogueteiros. Após avisarem seus superiores da invasão iminente, espera-se que corram imediatamente de volta à boca para ajudar a defender o território ou se escondam para não serem presos pela polícia. (DOWDNEY, 2002, p. 94).
[8]Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 e a Declaração de direitos do homem e do cidadão de 1789.

sábado, 30 de abril de 2016

O MEIO AMBIENTE À LUZ DO DIREITO CONSTITUCIONAL E DA EDUCAÇÃO

Artigo publicado na Revista Síntese Direito Ambiental (Ano V, n° 29, jan/fev 2016 - ISSN: 2236-9406): 


O MEIO AMBIENTE À LUZ DO DIREITO CONSTITUCIONAL E DA EDUCAÇÃO

Resumo: O referido artigo trabalhou sobre a importância do meio ambiente para a vida humana, analisando-o como extensão ao direito à vida, sendo considerado como núcleo da dignidade da pessoa humana, esta que por sua vez, compreende pedra basilar para a edificação do Estado Democrático de Direito. Consciente desta importância única é que se propõe atuar com base na educação como meio de transmitir estes valores e construir um Estado sustentável. Conhecedor desta premissa, é que a Polícia Militar Ambiental de Santa Catarina criou o programa Protetor Ambiental, que visa levar educação para os jovens extraindo-o das margens da sociedade e acolhendo-os junto à polícia, transmitindo valores aos mesmos com enfoque na área ambiental. O método utilizado foi o qualitativo realizado através de pesquisa bibliográfica e análise de casos. A conclusão a que se chegou é que a educação compreende um meio que, a longo prazo, poderá trazer bons resultados, não sendo suficiente para a demanda que o meio ambiente exige no que tange a sua proteção, porém, consistindo em um meio, uma base sólida na busca deste objetivo.