Resumo: A presente pesquisa pretende analisar a
destinação dos valores apreendidos auferidos ilicitamente através do tráfico de
drogas enfatizando as medidas educacionais preventivas e repressivas realizadas
através da Polícia Militar como uma aposta para a promoção da liberdade destes
seres humanos, desumanizados pela droga, visando à transformação dos conflitos
e resgatando a dignidade humana destas pessoas. No intuito de verificar uma
resposta para essa temática, formulou-se o seguinte problema de pesquisa: Qual
a destinação dos valores apreendidos nos flagrantes delitos auferidos ilicitamente
através do delito de tráfico de drogas? Visando responder ao problema proposto,
o trabalho tem por objetivo geral discutir a possibilidade de as medidas
educacionais policiais militares promoverem a transformação da sociedade, a
partir da efetivação de um resgate de valores, libertando-a das algemas
colocadas pelo tráfico e uso de drogas. E, por objetivos específicos: a)
estudar a forma como o comércio de drogas é efetuado pelas organizações
criminosas; b) analisar os meios utilizados através da Polícia Militar para
prevenir e reprimir a entrada das crianças e dos adolescentes, principalmente,
no universo das drogas; c) extrair do legislador o seu entendimento quanto a
temática e as propostas por ele efetuadas nas leis relacionadas à matéria, buscando
o destino e a aplicação dos valores apreendidos decorrentes do ilícito. O
aprofundamento teórico realizou-se através de pesquisas bibliográficas,
consubstanciada na leitura de diversas obras, apoiando-se em um método
dedutivo.
Palavras-chave: Destinação dos valores auferidos
ilicitamente; Tráfico de Drogas; Ação preventiva e repressiva; Dignidade da
pessoa humana; Políticas inclusivas.
ALINE OLIVEIRA MENDES DE MEDEIROS[1]
Abstract: This study aims to analyze the allocation of assets
seized illegally earned through drug trafficking emphasizing preventive and
repressive educational measurements carried out by the Military Police as a bet
for the promotion of freedom of these human beings, dehumanized by the drug,
aimed at transformation conflicts and rescuing the human dignity of these people.
In order to find an answer to this issue, it formulated the following research
problem: What is the destination of assets seized in flagrant offenses
illicitly earned through drug trafficking offense? In order to answer to the
problem posed, the work has the objective to discuss the possibility of the
military police educational measures to promote the transformation of society,
from the execution of a surrender values, freeing it from the shackles put by
the trafficking and use of drugs. And on the following objectives: a) to study
how the drug trade is carried out by criminal organizations; b) examine the
means used by the military police to prevent and suppress the entry of children
and adolescents, especially, in the drug world; c) extract from the legislator
its understanding on the issue and the proposals that he made to the laws
relating to the matter, seeking the destination and the application of the
values arising from seized illicit. The theoretical study was carried out
through literature searches, based on the reading of several works, relying on
a deductive method.
Keywords: Use of illicitly earned values; Drug trafficking;
preventive and repressive action; Dignity of human person; inclusive policies.
1.
INTRODUÇÃO
Este
estudo remete o leitor na destinação que é dada aos valores econômicos
apreendidos em decorrência do tráfico ilícito de drogas, em função da
curiosidade quanto a sua aplicação e em decorrência da necessidade que o
cidadão possui de conhecer para poder fiscalizar o cumprimento desta
prerrogativa, a qual encontra amparo constitucional e infraconstitucional,
devido à importância da matéria.
Em
um primeiro momento a autora adentrará na zona criminógena do comércio de
drogas ilícitas, demonstrando suas peculiaridades e o empoderamento que o crime
organizado está obtendo através deste meio de sobrevivência, o qual sustenta
diversas facções, as quais estão aprisionando comunidades inteiras em seu
poderio, por meio de armamentos avançados e através do oferecimento de lucros
financeiros fáceis por intermédio do comércio de drogas, que oferece inclusive
hierarquia e subordinação no desempenho deste labor, tal como em uma empresa,
inserindo crianças em seus ofícios, e ceifando vidas em busca de poderio.
No segundo instante, será demonstrado as ações
que a Polícia Militar está efetuando para prevenir e reprimir o uso e o tráfico
de drogas, apresentando os programas educacionais que a corporação apresenta em
sala de aula, objetivando a transferência de conhecimento aos alunos e meios
alternativos de vida, através das experiências profissionais dos militares,
efetuando um resgate de valores no solo social, com vistas a edificar uma
sociedade legalista e humanitária, iniciando seus trabalhos com os alunos e
encerrando com os pais e a sociedade, de maneira a aproximar os cidadãos da
corporação, com vistas a unificar as ações em prol da comunidade.
Por
fim, será exposto o respaldo legal que a lei tem oferecido à temática, demonstrando
a preocupação do constituinte e do legislador no que se refere à problemática,
esmiuçando os artigos que expressam a questão com vistas a extrair seus
entendimentos e aplicabilidades.
2.
NA
ZONA CRIMINÓGENA: O EMPODERAMENTO DO DELITO DO TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES
E DROGAS AFINS
Acerca
da agressividade humana, destaca-se o fato de que o termo agressão embasa
tantas conotações que encerrou por perder seu significado primitivo, porém,
cabe salientar que as expressões agressão e violência, embora serem utilizadas
como sinônimas, possuem significados diferentes, visto que a primeira refere-se
a todo comportamento intenso irracional, enquanto a violência abarca o
comportamento destrutivo.
O
autor Penteado Filho (2012, p. 153) define três tipos de violência: a decorrente da raiva, utilizada na
prática de crimes passionais; a da
particularidade comportamental usada nos delitos de vandalismo de gangues
de adolescentes; e a violência com
objetivo de destruir o objeto de ataque,
usada nas guerras. Conforme o autor (2012, p. 153), a tendência a agressão
e a violência, em regra, decorrem de traços de personalidade, como respostas do
ambiente em que o agente vive, e “como reflexos estereotipados de determinados
tipos de pessoas ou até mesmo como manifestações psicopatológicas”. A
criminologia estuda a violência e a agressão como fatores de processos
“biopsicológicos subjacentes ao indivíduo”.
Em
um caso prático de agressão, é necessário observar que tanto a agressão quanto
a violência decorrem de fatores externos ao agente, por isto em um caso concreto
é preciso avaliar do ponto de visto do agressor, o dolo da ação, isto é, o animus vulnerandi[2],
da ótica da vítima, deve ser avaliado o seu sentimento de prejuízo, enquanto da
perspectiva do terceiro observador (testemunha) deve-se sopesar seus
sentimentos críticos com relação ao ocorrido.
Outro
aspecto importante é verificar se a agressão está atrelada à violência, visto
que ambas são independentes entre si, podendo agir uma sem a outra, ou em
harmonia, como no exemplo citado pelo autor (2012, p. 155) da “esposa que se
sente agredida pelo silêncio do marido”. Já a violência indica a ideia de ação,
“de atitude dirigida especificamente para fins colossais”.
Os
meios de comunicação são grandes influentes da banalização da violência, visto
que seus programas de entretenimento em geral, como filmes e novelas, possuem
como tempero principal a fúria e o ataque, isto somado ao efeito dos
noticiários, apaixonados pelas páginas vermelhas escritas pelo sangue das
vítimas, onde são divulgadas todas as espécies de crimes, com enfoque nos mais
desumanos e degradantes como meio de ganhar audiência, que encerra por
despertar, subliminarmente, o espírito da violência e da agressão nas atitudes
das pessoas, criando uma sociedade com tendências criminógenas enraizada em
suas almas, isto incluído ao ambiente hostil em que muitas pessoas sobrevivem,
desencadeiam em indivíduos desumanos, capazes do cometimento dos mais impiedosos
delitos.
Nestes
ambientes sub-humanos, é comum não apenas o uso como a sobrevivência através
das drogas ilícitas. Além de que, desde os antecedentes históricos mais
longínquos dos seres humanos, é sabido sobre o uso das drogas psicoativas em
seu dia-a-dia, para os mais variados propósitos. Cabe registro para o fato de
que o vocábulo droga é de origem
persa e significava demônio,
atualmente designa medicamento ou tóxico, abandonando seu antigo
significado que em decorrência das influências religiosas, inclina-o para a
delimitação de bem ou mal, um exemplo próximo aos brasileiros sobre o uso de
drogas, remete o leitor para as tradições indígenas, onde a mesma é utilizada
como medicamentos ou para suas cerimônias espirituais, extraídas de formas
naturais, tal como seus ancestrais mais remotos.
Com
o transcorrer do tempo, a evolução tecnológica e humana da sociedade,
desencadearam na sintetização de drogas em laboratórios, com a função de
estabelecer a cura e medicamentos para as doenças, que como efeito colateral
aos benefícios medicinais desenvolveu malefícios sociais, principalmente nas
décadas de 1940 e 1950.
Desta
feita, a influência midiática tomou grandes proporções da racionalidade humana,
transmitindo em seus programas mensagens de violência, opressão e promiscuidade
em tempo real, ocasionando o corrompimento físico e moral dos seres humanos em
escala mundial, instante em que o uso de drogas instalou-se em todos os
segmentos sociais, refletindo no crescimento da insegurança pública em níveis
desproporcionais, conforme adverte Penteado Filho (2012, p. 103).
Os
principais efeitos do uso das drogas compreendem “a dependência, a tolerância,
a depauperação da saúde, a destruição de famílias e os reflexos na
criminalidade”, no lecionar do autor (2012, p. 105). O uso lícito de drogas mais
comum, ainda, compreende o cigarro (causador de cânceres) e o álcool, utilizado
desde as cerimônias greco-romanas até as culturas egípcias, consumo este, que
atualmente “degenera o homem e a família”.
Momento
em que, mais uma vez a mídia é fator fundamental na instigação do consumo
através de propagandas comerciais, normalmente efetuadas por modelos com corpos
bonitos, carros de luxo e transbordantes de felicidade, transmitindo a ideia de
que a droga traria tais benefícios aos seus usuários, e encerram por
desencadear no alcoolismo, que no
aspecto criminológico, fazem o alcoólatra descambar para as mais variadas
práticas delitivas, vitimizando familiares, amigos e a sociedade, de modo geral.
Penteado Filho (2012, p. 104) distingue em quatro grupos, os efeitos cerebrais ocasionados
pelas drogas:
I – Psicoanaléticos (estimulantes): são
as drogas que aceleram o sistema nervoso central, fazendo-o funcionar mais
depressa, causando euforia, prolongando a vigília e dando sensação de
aceleração da atividade do intelecto; são exemplos as anfetaminas e os
anorexígenos.
II – Psicolépticos (depressores): são as
drogas que deprimem o sistema nervoso central, reduzindo sua motricidade,
sedando e diminuindo o raciocínio e as emoções; incluem-se aí os barbitúricos
ou hipnóticos, tranquilizantes e analgésicos.
III – Psicodislépticos (alucinógenos):
são as drogas que distorcem o sistema nervoso central, causando delírios e
alucinações (maconha, LSD, mescalina, chá do Santo Daime).
IV – Pampsicoptrícos: são as drogas
atuais, usadas como anticonvulsivantes (depressão e angústia), que podem
induzir à dependência física ou psíquica.
Em
um estudo efetuado através do Coronel da 4ª Região de Polícia Militar de Santa
Catarina Edivar Antonio Bedin, responsável pelo desempenho do 2° Batalhão de Polícia
Militar de Chapecó e do 20° Batalhão de Polícia Militar de Concórdia acerca dos
malefícios das drogas, constatado através de sua experiência profissional de
mais de 30 anos de oficialato na Polícia Militar, verificou que os efeitos das
mesmas dissolvem a carne, a ponto de deixar os ossos aparentes, adiantou,
também, que este caminho de destruição inicia com o uso da “maconha, cocaína,
crack, oxi e termina com o Koaksil”, resultando em zumbis, não sendo incomum
pelas calçadas das ruas verificarem-se “pessoas se decompondo, vivas” em função
das drogas.
O
efeito desumano e profundo destas drogas corrói a sociedade, extinguindo-a aos
poucos através dos crimes decorrentes de seu uso e venda, chegando ao ponto de
existirem espaços públicos denominados cracolândia,
como forma de edificar a droga, cultuando-a na comunidade, acerca do qual o
autor se pronuncia:
Tornam-se
problema sem solução. Os usuários-traficantes estão matando, roubando,
destruindo famílias inteiras e morrendo aos montes por causa da droga. As
polícias, recolhendo o que resta dessas pessoas, não encontram quem os receba.
Aqueles que cometem crimes sob o efeito, ou movidos pela necessidade da droga,
não ficam presos, são julgados “doentes” e encaminhados para tratamento. Não
existem clínicas, nem hospitais disponíveis e ao alcance de todos.
Nada
obstante entre os anos de 2001 e 2002, o movimento Viva Rio e o Instituto de
Estudos de Religião – ISER efetuaram um estudo sobre as atividades das crianças
e adolescentes em comunidades lideradas por facções de tráfico de drogas,
especialmente no que se refere à cidade do Rio de Janeiro, de onde se extraiu
que a partir de 1980 o trabalho de pessoas nestas faixas etárias, referente ao
mercado de drogas a varejo, aumentou consideravelmente, em razão da
rentabilidade, principalmente da cocaína, o resultado é que 140% das mortes
ocorridas nestas regiões devem-se ao confronto entre facções rivais.
O
comércio e varejo de drogas ilícitas por grupos armados (facções) submetem as
comunidades das favelas aos seus interesses políticos e econômicos erguendo um
império territorial e paramilitar em localidades estratégicas, esta forma de
organização instalou-se no solo pátrio ainda em 1960 e a partir de então,
apenas reforçou-se. Este modelo de comércio ilegal aprofundou suas raízes com a
criação do Comando Vermelho, ao final
da década de 1970, fazendo das favelas pontos estratégicos para a venda de
drogas.
Em
decorrência, nos anos de 1983 e 1986 criaram-se as bocas de fumo (pontos de venda de droga), utilizadas como base de
distribuição para a venda e o varejo de droga, instante em que os membros do Comando Vermelho progrediram em sua
organização, formando uma estrutura flexível de apoio mútuo do comércio.
Conforme elucida Dowdney (2002, p. 90):
A
fim de monopolizar o mercado, armas e dinheiro para comprar uma primeira
remessa de cocaína seriam emprestados aos membros da facção, de forma que
pudessem se apoderar das bocas de fumo
estabelecidas ou criassem novas, sob a bandeira coletiva do Comando Vermelho, em troca de um
percentual de lucros futuros. Quadrilhas hierarquicamente estruturadas foram
estabelecidas nas favelas para a defender os pontos de venda e a comunidade
contra invasões policiais ou ataques de “neutros”. Entre 1984 e 1986 começaram
a aparecer os primeiros soldados do
tráfico.
Esta
organização foi reproduzida de maneira idêntica em diversos territórios das
favelas, “a organização local se baseou nas necessidades militares de defesa e
invasão mais as simples divisões de trabalho para o ensacamento e venda de
drogas”, esta estrutura não sofreu alterações até hodiernamente, ela é composta
pelo dono, que possui como primeiro subordinado o gerente geral, que por sua
vez possui como primeiros subordinados os gerentes da cocaína (que possui o
gerente da boca, que por sua vez possui os vapores), o gerente da maconha (que
possui o gerente da boca[3] e
os vapores[4]),
o gerente de soldados (que possui os soldados[5]) e
o fiel[6],
há também os olheiros/fogueteiros[7],
são os da mais baixa hierarquia e, por isto, auferem os menores salários.
Os
conflitos fatais passaram a existir depois da morte de alguns dos líderes do
grupo, na década de 1980, fazendo com que o grupo se fragmentasse, porém, este
grupo de comércio ainda vige no solo pátrio, no entanto, em meados de 1990,
outras facções emergiram como, a Terceiro
Mundo, Comando Vermelho Jovem e Amigos dos Amigos, o que ocasionou uma
espécie de guerras entre as mesmas visando imperar sobre o comércio, o que
resultou em maior militarização das facções, incluindo o uso de armas de
guerra, ocasionando um alto índice de mortes e com isto, uma demanda crescente
por trabalhadores, o que abriu espaço para o emprego de crianças cada vez mais
jovens.
Conforme
relata Dowdney (2002, p. 91) isto resultou em “uma subcultura militarizada, com
grupos fortemente armados em choques permanentes, embora intermitentes”, os
confrontos entre os grupos rivais ou com a polícia são comuns e os grupos
armados já detém arsenais de guerras em seus poderios, manuseados por crianças
de até 04 anos de idade. As favelas compreendem as bases logísticas da venda de
drogas e conforme o autor (2002, p. 92):
É
na favela que as batalhas pelo controle territorial são travadas, que as
crianças são armadas, que as comunidades ficam sob o fogo cruzado e que morre a
maioria das vítimas da violência relacionada com drogas. Além dessa trágica
realidade diária, a maior parte dos ganhos auferidos com as drogas não fica
dentro das comunidades, é passada adiante para uma cadeia de indivíduos
poderosos que pertencem não apenas às facções, mas à elite social e política do
Brasil.
Segundo
demonstrado, o comércio de drogas criou uma hierarquia neste ramo de trabalho,
instante em que crianças desde a mais tenra idade são empregadas sob a
percepção de salários. Os graus hierárquicos são auferidos conforme a avaliação
efetuada por seu superior, qualquer criança que for considerada preparada
iniciará no ramo comercial da droga, não interessando a sua idade, as
qualidades estabelecidas são semelhantes às decretadas “por companhias e
organizações militares”, como por exemplo, “confiabilidade, capacidade de seguir
e cumprir ordens, capacidade de manejar armas, capacidade de matar, coragem,
não revelar nada para a polícia se for capturado, manter a calma quando debaixo
do fogo e em situações de conflito armado”.
Este
aumento no número de crianças e adolescentes no que se refere ao tráfico de
drogas reflete diretamente nos índices criminais, fazendo com que crianças cada
vez mais jovens sejam apreendidas, ou mesmo mortas. Nas favelas a
complementação da renda familiar através dos trabalhos infantis relacionados
com drogas é considerada normal. Destaca Dowdney (2002, p. 100) que:
A
partir de meados da década de 1980 foi criada nas comunidades das favelas uma
subcultura de jovens, que passaram a promover e glorificar os traficantes de
drogas como ídolos capazes de desafiar a muito temida polícia e recusar os
sofrimentos da pobreza que afeta seus demais moradores. Essa subcultura e o
aumento do domínio dos traficantes de drogas sobre a comunidade como portadores
de poder e status só fizeram crescer o interesse e a participação dos jovens no
tráfico de drogas.
A
média de idade para ingressar neste mercado de trabalho é de treze anos. O
recrutamento destes jovens para as facções é efetuado de forma voluntária, e
sua formação ocorre através do acompanhamento dos trabalhadores das facções. Muitos
gerentes das bocas são menores. As crianças além de compreenderem mão de obra
barata são protegidas pela lei e, por isto, conseguem obter vantagens frente à
ação policial. A entrada destas crianças no trabalho infantil criminal é
justificada pelos mesmos, pela exclusão social vivenciada, cuja maioria não
possui formação educacional mínima. E, por crescerem nestes locais, vêem as
facções, não apenas, como algo normal, mas como algo sonhado.
[...]
o tráfico de drogas como profissão pode ser uma proposta muito atraente para
muitas crianças e adolescentes por uma série de razões. É um empregador que
oferece oportunidades iguais a todos os moradores de favelas. O comércio de
drogas dá aos jovens favelados tudo que lhes foi negado pela impossibilidade de
entrar no mercado de trabalho formal como, por exemplo, status, dinheiro e
acesso aos bens de consumo, e mobilidade social através de um sistema que
recompensa lealdade e competência. (DOWDNEY, 2002, p. 102).
A
atração efetuada através do tráfico de drogas como ocupação “tem sido propagada
através do surgimento de uma nova cultura voltada para os jovens, que promove e
exalta abertamente os traficantes de drogas e suas facções”, muitas das
crianças admitiram sentir prazer em usar uma arma e gostar da adrenalina
proveniente da função desempenhada. Este exposto demonstra o império da droga
no núcleo social, instante em que a sociedade, urge por socorro.
Relacionado
a isto, o Coronel Edivar destaca que a inércia do governo com relação ao problema
é controversa, pois, “enquanto isso, segundo a ONU, o Brasil é o país que mais
trafica drogas para a Europa”. Em razão disto, a própria comunidade esta
tomando iniciativas regionais de proteção, porém, carecem de recursos
pecuniários para efetivarem políticas voltadas para a reabilitação e para a
prevenção relacionada ao crime, visto que para o estudioso Coronel Edivar
“muito antes da reabilitação, há que se trabalhar na prevenção”.
Acerca
dos efeitos das drogas, uma das drogas com fatores mais depreciantes consiste
no Koaksil (Krocodil ou crocodilo), droga injetável que causa esverdeamento e
escamosidade da pele, o que remete à pele do crocodilo, instante em que os
vasos sanguineos estouram e os tecidos morrem, resultando em gangrenas e
amputações, bem como dissoluções do tecido ósseo poroso, devoradas pela acides
da droga.
Leciona
o Coronel Edivar que o “Koaksil compreende um fármaco em comprimidos cuja base
é o componente ativo desomorphine,
comprado em farmácias” que são misturados em ingredientes como a gasolina, o
thinner, o ácido clorídrico, o iodo, e o fósforo vermelho raspado dos palitos
das caixas de fósforos. No ano de 2010 o uso desta droga se tornou epidemia na
Russia e agora ameaça instalar-se em terras brasileiras. Urge por uma reação
social.
3.
ABORDAGEM
POLICIAL MILITAR: DA AÇÃO PREVENTIVA À REPRESSIVA
Do
exposto até então, foi possível verificar que o crime organizado está
evoluindo, e edificando-se no solo brasileiro, através da parte mais frágil da
sociedade, que compreende as crianças, levando-as para o tráfico de drogas e como
reflexo, destruindo famílias e a sociedade. Por crescer em um ambiente hostil,
a maioria destas crianças não possuem sonhos fora daquele ambiente, por encontrarem-se
algemadas a esta forma de viver, carecendo por políticas públicas que abram
seus olhos e as libertem deste ambiente degradante e mortífero, que sob a
justificativa irreal de lhes prestar condições favoráveis de vida, lhes extrai
a dignidade e encaminham-nas para as gélidas grades das prisões, ou para os
cemitérios.
Dentro
deste sangrento contexto, atua a Polícia Militar, composta por seres humanos,
vendo-se, em linha de frente no combate ao crime, e com isto, tendo que
enfrentar os mais atrozes delitos, vendo sob os seus olhos o declínio da
sociedade através da edificação da delinqüência e da droga.
São
corporações constituídas por pessoas humanas (pais e mães de famílias), que
diuturnamente, deixam a comodidade de seus lares para adentrar em ambientes
conquistados pela criminalidade, vestidos em uma farda, ostentando a bandeira
do estado ao qual defendem, visando à ascensão do patriotismo e do amor pela
humanidade, munidos com uma arma concedida pelo estado como ferramenta para o
desempenho de seu trabalho e amparados por um colete balístico e pelos
preceitos da legalidade, instantes em que precisam adentrar em ambientes
ofensivos, sem saber se as armas que possuem e os treinamentos que receberam
são suficientes para defenderem-se, tendo como inimigos bandidos camuflados em
rostos infantis.
Ou
seja, de um lado desta batalha, encontram-se pessoas desfavorecidas,
aprisionadas na vida desumana das favelas, amarradas em troncos de açoite tal
como os escravos, posto que seu trabalho ao invés de lhe dar dignidade, lhes
extrai e vitimiza, e diversamente de lhe proporcionar lucros pessoais lhes
encaminha para o corredor da morte em razão de sua escolha de vida que lhes
coloca contra a sociedade. E no outro lado, vislumbra-se a Polícia Militar,
órgão legalmente habilitado para o policiamento ostensivo e a preservação da
ordem pública (§ 5° do art. 144 da CF), formada por seres humanos, trabalhando
na efetivação da lei e da ordem, reconhecida pelo estado por um número e pela
sociedade como agente promovedor da paz e da harmonia social, ambos tem em
comum nesta batalha o esquecimento e a omissão estatal quanto as suas
necessidades humanas.
Conforme
a Constituição a Polícia Militar é composta pelas Forças Armadas, estabelecidas
no art. 142 deste caderno de leis, “constituídas
pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica”, e compreendem “instituições
nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na
disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se
à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de
qualquer destes, da lei e da ordem” e pelos militares das Forças Auxiliares
(art. 42 da CF), responsáveis pela promoção da segurança pública, bem como pela
“preservação da ordem das pessoas e do patrimônio”, conforme designa o caput do art. 144.
De acordo com Assis (2013, p. 28) a sociedade
militar dispõe de modus vivendi
próprio, e “submete-se aos princípios gerais do direito, amoldando-se ao
ordenamento jurídico nacional”, suas atividades exigem sacrifícios extremos,
como o risco da própria vida ou de seus familiares. A existência da Polícia
Militar vincula-se a própria vida do estado, posto que é a mesma quem da
garantia para a sua perduração através da efetivação do cumprimento da lei no
solo pátrio e da proteção prestada ao mesmo contra as arbitrariedades e
anarquias.
A existência da PM vincula-se ao compromisso em
efetivar seu trabalho nos moldes da dignidade da pessoa humana, conforme
descreve o art. 28, inc. III do Estatuto dos Policiais Militares (de 1980) e do
art. 29, inc. III do Estatuto dos Policiais Militares de Santa Catarina (de
1983), ambos intrinsecamente conectados aos fundamentos do Estado Democrático
de Direito, que possui como pedra edificante a dignidade da pessoa humana
esculpida no art. 1°, inc. III da Constituição (de 1988). Fato este contrário
as ações das facções comerciantes de drogas, visto que as mesmas possuem
somente leis próprias internas que visam sua sobrevivência e domínio sobre a
sociedade, em total desacordo com as leis formais sociais. A Enciclopédia (apud ASSIS, 2002, p. 29) ensina o
conceito de polícia, in verbis:
[...] ordem ou segurança pública; o conjunto de
leis e disposições que lhe servem de garantia; a parte da Força Pública ou
Corporação incumbida de manter essas leis e disposições de boa ordem;
civilização; cultura social; cortesia; nome comum a diversos departamentos especializados
na defesa do regime político do Estado, na fiscalização, inspeção ou profilaxia
de certas doenças, etc.; indivíduo pertencente a corporação policial.
Esta
definição declara a faculdade do Estado de policiar seus setores, cuidando,
advertindo e corrigindo. Deste modo, o poder de polícia engloba o poder
coercitivo que o Estado detém, com capacidade legal para intervir na conduta
das pessoas, fazendo com que elas se moldem aos preceitos estabelecidos pelos
cidadãos, através de lei, para a convivência social, este poder é transmitido
aos órgãos que o desempenham como no caso da PM. Já ordem pública exprime “o
estado de organização que deve seguir a sociedade”, que assegura o cumprimento
da Constituição e a materialidade dos direitos e deveres dos cidadãos
possibilitando sua ascensão pessoal e profissional de forma digna, como
expressa Assis (2002, p. 31).
Viver
dignamente expressa a concretização do direito de ser pessoa, defendido por
Dallari (2004, p. 37), o qual remete a todo o ser humano o “direito de ser
reconhecido e tratado como pessoa”, que, conforme os objetivos da República
Federativa do Brasil, expressos no art. 3°, embasam a construção de uma
sociedade livre, justa e solidária, a garantia do desenvolvimento nacional, a
erradicação da pobreza, da marginalização e a redução das desigualdades
sociais, visando promover o bem de todos indistintamente, respeitando a sua
condição de ser humano, em conformidade com os preceitos das declarações
internacionais de direitos humanos, as quais visam unificar a família humana, e
proclamar a fraternidade entre as nações[8].
Diante
disto, o autor Jesus (2011, p. 133) destaca acerca da impossibilidade de fugir
da realidade brasileira de que muitos cidadãos sobrevivem em condições de
miserabilidade, expostos à fome e a toda espécie de violência, por isso, ao
falar-se em direitos humanos, já não se trata mais “de saber quais e quantos
são esses direitos, (...) mas sim, qual é o método mais seguro para
garanti-los, para impedir que, apesar das solenes declarações, eles sejam,
continuamente, violados”, afinal, “há uma distancia enorme entre a positivação
dos direitos humanos e a sua efetividade propriamente dita” como relata o autor
(2011, p. 134). Esta diferenciação existe em decorrência do desconhecimento dos
cidadãos quanto aos seus direitos, garantias e deveres como seres humanos.
Consciente
disto é que a Polícia Militar de Santa Catarina buscou investir na prevenção,
visando impedir que a ação delituosa ocorra em seu solo, buscando levar
propósitos e sonhos às crianças, objetivando efetuar um resgate de valores no
núcleo social e conquistar estes jovens, convidando-os a traçarem o caminho da
legalidade, impulsionando-os para uma vida digna. No que diz respeito ao consumo
e venda de drogas, Souza (2014, p. 03) considera como “prevenção tudo aquilo
que possa ser feito para evitar, impedir, retardar, reduzir ou minimizar o uso,
o abuso ou a dependência e os prejuízos relacionados ao padrão de consumo de
substâncias psicoativas”.
Com
efeito, foi introduzido no solo catarinense o programa Proerd (Programa
Educacional de Resistência às Drogas e à violência), o mesmo provém do programa
Dare dos Estados Unidos, criado em 1983, visando à criação de habilidade de
reflexões nas crianças, com objetivo de impedir que as mesmas adentrem na
criminalidade e no uso ilícito de drogas, no Brasil a palavra violência, foi
introduzida na nomenclatura, em função de que, a mesma encontra-se vinculada às
drogas. Este programa é cooperativo e é desenvolvido em conjunto entre a PM e a
comunidade escolar, instante em que os instrutores capacitados do programa
adentram no recinto escolar levando conhecimento e habilidades contra o uso das
drogas e da violência.
O
Proerd consiste em um programa protetivo que pretende valorizar a vida humana,
contribuindo para estabelecer uma cultura de valores na comunidade,
estabelecendo a convivência pacífica entre os jovens e a construção de uma vida
alicerçada na legalidade e nos princípios humanitários conforme destaca Souza
(2014, p. 44). Este programa é lecionado através da Polícia Militar em todos os
estados brasileiros, o mesmo atua na criança dos 09 aos 12 anos de idade,
buscando agir sobre a criança desde a mais tenra idade como forma de fortalecer
a educação recebida da família e do ambiente escolar, preparando-a para uma
convivência pacífica e legalista em sociedade. O primeiro estado a aderir o
programa foi o Rio de Janeiro na data de 1992, no estado Catarinense ele foi
implantado apenas em 1998. É perceptível o atraso que a segurança pública tem
com relação ao tráfico ilícito de drogas, no que se refere à prevenção.
A
ação preventiva do policial militar pretende desmistificar a sociedade que
considera o policial como uma simples ferramenta no processo de segurança
repressiva, como uma espécie de “braço forte do estado”, demonstrando à mesma
que este trabalhador compreende um ser humano que disponibiliza a sua própria
vida para proteger a sociedade. Ademais, a função do militar neste projeto é
levar para as salas de aulas as suas experiências provenientes das ruas das
cidades, como agente da lei, uniformizado, transmitindo aos alunos seus
saberes. Cabe destaque para a importância de aproximar as crianças dos
policiais militares, como meio de demonstrar a benevolência de suas atividades,
construindo laços de amizades, dando aproximação e humanidade à função militar.
O
Proerd oferece três cursos às crianças, neste lapso temporal dos 09 aos 12 anos
de idade, e finda em ofertar um curso para os pais com a intenção de promover
uma polícia cidadã e próxima da comunidade, aberta para o diálogo e consciente
das necessidades regionais, com o objetivo de suprimi-las, no que for
competente. Os objetivos gerais do programa compreendem o envolvimento mútuo
entre a polícia, os alunos, as escolas, os pais e a comunidade na problemática
do uso e comércio de drogas e da violência, desenvolvendo ações de prevenção e
repressão a esta questão, despertando o espírito de solidariedade e cidadania
entre os engajados.
Souza
(2014, p. 56) define como objetivos específicos sensibilizar os educadores, as
crianças, os pais e a sociedade quanto a este conjunto de questões, promovendo
o desenvolvimento de valores positivos, fortalecendo a auto-estima destas
pessoas, sensibilizando-as quanto à necessidade de desenvolver uma vida saudável.
No final do curso os alunos efetuam um compromisso com a Polícia Militar,
através de um juramento à bandeira, de manterem-se livres das drogas e da
violência, tendo como testemunhas seus pais e a comunidade em uma reunião
solene, especialmente para o ato. Conforme dados da Polícia Militar de Santa
Catarina em 2013 foram formadas 1.000.000 (um milhão) de crianças e
adolescentes através do Proerd.
No
transcurso do tempo, a Polícia Militar de Chapecó, através da iniciativa do 2°
Batalhão de PMSC, atua com o programa Prevenção à Violência Escolar, o qual
visa orientar, pais, alunos e professores das escolas apresentando alternativas
à prevenção da violência escolar, como intuito de contribuir para a edificação
de uma sociedade humana, justa e solidária. Este programa é de origem local e
atua desde o ano de 2011. Os objetivos do programa circundam a efetivação de um
agir integrado entre o ambiente escolar, social e militar no combate e na
prevenção da violência escolar, resgatando a responsabilidade dos pais no que
se refere à formação e educação do aluno, pretendendo levar orientações no que
tange à prevenção da violência e estratégias de ações voltadas a minimizar a
ocorrência de ilícitos no ambiente escolar.
Este
programa atua desde o ambiente externo, através de rondas escolares, instante
em que cada escola possui, permanentemente, uma viatura responsável pelo
policiamento ostensivo da região escolar, até o ambiente interno, momento em
que um agente fardado adentra o núcleo escolar com o fim de efetuar palestras
esporádicas preventivas, as palestras são realizadas através de data show e
possuem a durabilidade de aproximadamente uma hora e meia, com a abertura para
debates no tempo de dez a vinte minutos.
Normalmente
as crianças e adolescentes pedem tempos privados para conversarem com o
policial militar, instante em que aproveitam para efetuar denúncias de delitos
verificados nos próprios corredores das escolas, o tempo disponibilizado a elas
é igual ao tempo necessário para a conversa, e a instrução do militar no que
tange ao procedimento que a mesma deve efetuar.
Estas
palestras permitem ao agente da lei transmitir seus conhecimentos e
experiências como policial militar, e possibilitam a aproximação entre o
policial e o público receptor da conferência, além de prestarem auxílios aos
professores e pais dos alunos no que se refere a estímulos para o caminho da
legalidade. Até o ano de 2016, foram ministradas 124 palestras, atingindo um
total de 8.509 alunos e professores, em cada palestra o policial palestrante efetua
aproximadamente três conversas privadas com alunos relacionadas a ocorrências
internas.
De
forma intercalada com as palestras, entra em ação o Programa Protetor
Ambiental, de origem Catarinense, desenvolvido através da Polícia Militar
Ambiental de Santa Catarina desde 1999. Os alunos participantes do programa
possuem idade entre 12 e 16 anos, os quais são escolhidos através de prova
classificatória, que visam à formação de turmas de até 30 alunos, os quais
recebem os ensinamentos do programa pelo período de um ano, através de
atividades teóricas e práticas relacionadas ao cotidiano do aluno,
especialmente, relacionada à matéria ambiental, a intenção é desenvolver o
pensamento crítico e proativo do aluno e prepará-lo para o convívio social,
edificando o desenvolvimento sustentável.
O
programa Protetor Ambiental pretende desenvolver a responsabilidade social da
criança. Ao final do curso os alunos efetuam um juramento à bandeira,
prometendo à Polícia Militar Ambiental respeitarem à lei e promoverem a
materialização de uma vida sustentável. Até o ano de 2015 foram formados 6.300
protetores ambientais, este número somente não é maior em decorrência de que a
materialização do programa depende de verbas exteriores à corporação.
O
conjunto de professores ministradores das aulas não compreende apenas policiais
militares ambientais, mas também, demais integrantes voluntários com formação específica
e que possam contribuir de forma positiva para com os alunos. Constata-se que
todos os programas educacionais preventivos visam à aproximação entre a
instituição militar e a sociedade, de maneira a formar uma ação conjunta em
prol da legalidade e do resgate de valores na sociedade.
Cabe
destacar que a ação preventiva educacional da PM é recente, portanto, ainda não
se enraizou no solo catarinense para que fosse possível auferir, totalmente os
seus efeitos, diante disto o Coronel da 4ª RPMSC Edivar A. Bedin enfatizou que
“a criminalidade e a violência crescem engajadas pela impunidade e, as vítimas
desamparadas em seus choros inúteis, recolhem-se, a clamar por justiça”.
Mobilizado por este sentimento, e consciente da realidade criminógena, em 03 de
julho de 2007, ainda como Tenente Coronel, à frente do 8° Batalhão de PM de
Joinville, o autor efetuou um diagnóstico da criminalidade, inicialmente,
pretendendo diminuir o crime de roubo, em razão do alto nível de ocorrência
deste delito, fato este que encerrou na sua criação do programa Pós-crime.
Com
a intenção de inovar e dar uma resposta ao crime o Coronel Edivar, no mês de
janeiro de 2010, ofereceu treinamento específico, na área de operações
especiais de alto risco, para um grupo de militares o qual denominou GAT –
Grupo de Abordagem Tática – este grupo atua em operações de barreira ou
varreduras, visando à extração de circulação de criminosos capturados em
flagrante ou que estão com mandado de prisão em aberto, a definição do local do
estabelecimento das operações considera a incidência de ocorrências policiais,
denominados pontos quentes, compreendidos por locais de circulação dos criminosos,
criou, também o GTAR – Grupo Tático de Abordagem Rápida – caracterizado pelo
policiamento através de motocicletas.
De todo o território nacional, o Coronel
Edivar foi inovador na ideia da criação da investigação pós-delito (programa Pós-Crime), através da Polícia Militar,
seu programa atua através de “levantamento de informes, coleta de dados e
compilação de informações, retiradas em cada uma das ocorrências atendidas”. A
intercalação de dados presta-se como elemento identificador de autores e das
práticas delitivas por eles praticadas, por meio de um estudo de cada criminoso
ou do grupo criminógeno, este mapeamento criminal contribui melhorando a
efetividade e eficácia do policiamento ostensivo.
De
um ano para o outro o delito de roubo diminuiu em mais que a metade, passando
do índice de 800 por ano para 280. Para o autor, “não há solução sem
planejamento. Não há planejamento sem diagnóstico. O diagnóstico deve ser
completo e feito a cada crime cometido, todos os dias”. A conclusão do autor é
que “a segurança pública ‘vive’ em crise... (e) vive da crise”. Para o Coronel Edivar, que atua à frente da PM a mais de
trinta anos é possível diminuir as taxas criminais, porém é necessário além de
força de vontade, incentivo de outras áreas em uma comunhão de esforços. Não
havendo possibilidade de fechar os olhos para o definhamento da sociedade
através da reincidência criminal, enquanto a criminalidade constrói um império à
custa da dignidade humana.
4.
NO
DOMÍNIO JURÍDICO: APLICABILIDADE DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 243 DA CARTA CIDADÃ
Depois
de ter retratado a metodologia de ação da Polícia Militar no que se refere à
prevenção e repressão da criminalidade, é o instante de apresentar o arcabouço
jurídico que atua sobre a temática, a iniciar pelo art. 5° da Carta Cidadã, o
qual compreende cláusula pétrea e direito fundamental dos cidadãos, e que trás
em seu caput a bandeira da igualdade
e da fraternidade ao determinar a igualdade em direitos e deveres entre os
seres humanos, garantindo aos mesmos o direito “à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade”, adiante, ao folhear este artigo encontrar-se-á a
expressão do inciso XLIII definindo como crime inafiançável e insuscetível de
graça ou anistia o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins.
Desta expressão se extrai a previsão do confisco
de bens dos traficantes e a autorização para expropriação de terras utilizadas
no plantio ilícito de drogas e a obrigação do Estado de manter em atividade
programas educacionais preventivos para o público em idade escolar, a fim de
esclarecê-los e protegê-los. Em agosto de 2006, a Lei n° 11.343, instituiu o
Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas – Sisnad, prescrevendo
medidas de prevenção quanto ao uso de drogas ilícitas e repressivas quanto ao
plantio e o tráfico ilícito, estabelecendo, também, normas pretendentes a
efetivar a reinserção social dos usuários e dependentes, definindo crimes e
sanções no que tange à matéria.
O Capítulo IV desta lei define as peculiaridades
relacionadas à apreensão, arrecadação e destinação de bens do acusado,
destacando no art. 60 que o juiz, poderá decretar de ofício, por meio de
requerimento do Ministério Público ou através de representação da polícia
judiciária, “no curso do inquérito ou da ação penal, a apreensão e outras medidas assecuratórias relacionadas aos bens
móveis e imóveis ou valores consistentes em produtos dos crimes previstos nesta
Lei, ou que constituam proveito auferido com sua prática”, conforme o §2° deste
artigo, caso o réu consiga provar a origem lícita do produto, bem ou valor, o
mesmo será liberado pelo juiz.
Conforme o art. 62, se não causar “prejuízo para a produção de
prova dos fatos e comprovado o interesse público ou social”, através da
autorização do juízo competente, observado o Ministério Público e informado a
Senad, “os bens apreendidos poderão ser utilizados pelos órgãos ou pelas
entidades que atuam na prevenção do uso indevido, na atenção e reinserção
social de usuários e dependentes de drogas e na repressão à produção não
autorizada e ao tráfico ilícito de drogas, exclusivamente no interesse dessas
atividades”, ou seja, as vantagens provenientes do ato ilícito retornam a
sociedade na forma de políticas públicas preventivas, repressivas e
reinseridoras destas pessoas ao convívio social.
De acordo com o §4° do artigo 62, “os veículos, embarcações,
aeronaves e quaisquer outros meios de transporte, os maquinários, utensílios,
instrumentos e objetos de qualquer natureza, utilizados para a prática dos
crimes definidos nesta Lei, após a sua regular apreensão”, serão alienados
através de ação cautelar, exceto aqueles que a União, através do Senad, indique
“para serem colocados sob uso e custódia da autoridade de polícia judiciária,
de órgãos de inteligência ou militares”, relacionados com as operações de
prevenção e repressão ao tráfico ilícito de drogas, em concordância com o §9°,
realizado o leilão, o valor arrecado ficará depositado em conta judicial, até o
final da ação penal, instante em que será transferido ao Fundad – Fundação de
Apoio ao Deficiente – juntamente com os valores de cheques apreendidos (§3°).
Os bens relacionados no §4° terão um certificado provisório de
registro e licenciamento em favor da autoridade a qual tenha sido deferido o
uso, ficando livre do pagamento de multas e tributos e encargos anteriores,
“até o transito em julgado da ação que decretar o seu perdimento em favor da
União”. O artigo 63 define sobre a legitimidade de o juiz decidir sobre o
perdimento do produto, bem ou valor apreendido, cujo aqueles que não foram
objeto da ação cautelar prevista no §4° do art. 62, se reverterão ao Funad,
após a decretação de seu perdimento em favor da União.
O art. 64 esculpe ser de competência da União, através do Sinad, a
elaboração de convênios entre estados e organismos responsáveis pela prevenção
ao uso de drogas, “a atenção e a reinserção social de usuários ou dependentes e
a atuação na repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de
drogas”, como condição para a liberação dos equipamentos e recursos arrecadados
por ela, objetivando a implantação e execução de programas relacionados à
prevenção e repressão das questões problemáticas relacionadas com as drogas.
Este direcionamento que a lei do Sinad dá aos produtos, bens e
valores originados do tráfico de drogas possui respaldo constitucional através
do parágrafo único do art. 243 da Constituição que expressa a legitimidade para
que “todo e qualquer bem de valor econômico
apreendido em decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e
da exploração do trabalho escravo” seja confiscado e revertido “a fundo
especial com destinação específica”.
Sobre o qual, a Lei n° 8.212 de 1991, estabelece
através do art. 27, inc. IV que 50% (cinquenta por cento) destes valores
compreenderam receitas da Seguridade Social, entendimento este reforçado
através do Decreto n° 3.048 de 1999, o qual esculpe no art. 213, inc. VI que cinquenta
por cento desta receita obtida, será repassado por meio do
Instituto Nacional de Seguro Social “aos órgãos responsáveis pelas ações de
proteção à saúde a ser aplicada no tratamento e recuperação de viciados de
entorpecentes e drogas afins”.
Ressalta-se
a preocupação do legislador com a saúde e a recuperação dos viciados, bem como,
com a manutenção de programas de prevenção e repressão ao tráfico ilícito de
drogas, como os efetuados através da Polícia Militar, o que demonstra sua
conscientização para com a gravidade deste delito, que inicia com a destruição
da pessoa, passa para a sua família e encerra por arruinar a sociedade, como no
exemplo do Comando Vermelho,
existente no estado do Rio de Janeiro, realidade a qual não se encontra
distante de nenhum estado e por isto precisa ser desestimulada preventivamente.
Conforme
demonstrado, os programas educacionais elaborados através da PM são todos
posteriores ao estabelecimento do crime organizado, e no caso do estado de
Santa Catarina, foi extremamente tardio, visto que o primeiro foi implantado
somente em 1998, o que denota a necessidade por aperfeiçoamento e estratégias
de inteligência por parte da polícia, visto que os criminosos estão se
especializando na arte da criminologia, em razão do lucro fácil, sendo
necessário cortar as raízes do problema antes que a árvore cresça, faça frutos
e semeie suas sementes sobre o solo brasileiro, tornando, ainda mais difícil a
ação de prevenir, controlar e reprimir as ilicitudes.
5.
DEFINIÇÕES
CONCLUSIVAS
Este
estudo buscou uma resposta para a destinação dos valores ilícitos auferidos
através do delito de tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, efetuando
uma pesquisa bibliográfica e legalista no que tange a matéria, com vista a
transmitir conhecimento aos cidadãos acerca da orientação tomada frente a estes
casos, como meio de instigá-los a fiscalizar a aplicação das medidas definidas
em lei para a questão.
Este
estudo buscou desde a forma como o comércio de drogas ilícitas é efetuado na
periferia, até as respostas que a Polícia Militar tem dado à questão,
demonstrando os programas educacionais preventivos e repressivos ofertados, sua
efetividade e a modificação que a corporação militar tem efetuado pretendente a
ocasionar uma aproximação entre a instituição e a sociedade, visando unificar
as ações na prevenção e repressão criminal.
Por
fim, foram analisadas as leis que circundam a temática como meio de auferir a
visão que o legislador possui sobre a questão e as diretrizes por ele
oferecidas, iniciando este caminho jurídico através da Constituição, passando
para a lei de drogas e pela lei orgânica da seguridade social, sendo que, em
comum, as mesmas esculpiram que os lucros auferidos ilicitamente através do
tráfico de drogas, são redirecionados, pelo juiz, à sociedade através de
políticas públicas ressocializadoras, e também, em projetos de cunho preventivo
e repressivo quanto ao uso e tráfico de drogas, conforme foi possível ver no
desenvolver deste manuscrito.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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SOUZA, Reginaldo Rocha de. Caderno de Estudos de
introdução a prevenção às drogas. Polícia Militar de Santa Catarina, 2014.
[1]
Advogada não militante; Graduada em Direito; Autora do Blog Direito em Estudo;
Autora do livro A promoção dos Direitos Humanos Fundamentais através da Polícia
Militar. Artigo publicado na Revista Doutrinas Jurídicas ISSN 1981-1489 - editora Lex Magister.
[2]
Tradução: intenção de ferir.
[3]
Gerente da boca: Hierarquia superior ao vapor. Responsável pela supervisão de
vendas de drogas da boca, ele
seleciona olheiros e vapores, distribui a carga (quantidade de droga a ser
vendida) a seus vapores, recebe dinheiro das vendas no final de cada dia e paga
um subgerente e paga um subgerente ou gerente geral pelas vendas de drogas.
(DOWDNEY, 2002, p. 95).
[4]
Vapor: vendedor de drogas. Os vapores trabalham em regime de turno e podem
trabalhar sozinhos ou em equipes. Primeira hierarquia depois dos olheiros. Os
vapores são comissionados pelos gerentes da boca. (DOWDNEY, 2002, p. 95).
[5]
Soldado: Trabalhadores armados empregados pelo gerente da segurança, que por
sua vez, se reporta diretamente ao gerente geral. Os soldados estão sempre
armados e são responsáveis pela manutenção da ordem na comunidade, protegendo
os empregados das facções e as bocas de fumo da invasão de facções rivais ou de
batidas de policiais, e também invadindo outras comunidades para assumir o
controle do ponto de vendas de drogas de uma ou outra facção rival. O salário
auferido pelo soldado é mensal. O grupo de soldados que patrulha a comunidade é
denominado de bonde. (DOWDNEY, 2002, p. 95/96).
[6]
Fiel: Segurança armada e pessoal do gerente geral. Recebe semanalmente.
(DOWDNEY, 2002, p. 96).
[7]
Primeira função dada a uma criança. Os olheiros são a primeira linha de
segurança para a facção, e atuam como um sistema de aviso prévio diante da
chegada da polícia ou de ataques de facções inimigas. As crianças são colocadas
nos pontos de entrada das favelas a fim de observar a todos que visitam a
comunidade. Os olheiros podem usar rádios, fogos de artifício carregados na
mão, ou ambos, e o esperado é que eles soltem os fogos imediatamente se virem a
polícia ou outra facção inimiga entrando na favela, razão pela qual são também
conhecidos como fogueteiros. Após avisarem seus superiores da invasão iminente,
espera-se que corram imediatamente de volta à boca para ajudar a defender o
território ou se escondam para não serem presos pela polícia. (DOWDNEY, 2002,
p. 94).
[8]Declaração
Universal dos Direitos Humanos de 1948 e a Declaração de direitos do homem e do
cidadão de 1789.