sábado, 21 de agosto de 2021

A INCIDÊNCIA DO MANTO PROTETOR DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA SOBRE O POLICIAL MILITAR EM TERRAE BRASILIS

 


A INCIDÊNCIA DO MANTO PROTETOR DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA SOBRE O POLICIAL MILITAR EM TERRAE BRASILIS

THE IMPACT OF MANTLE SHIELD PERSON HUMAN DIGNITY ON THE MILITARY POLICE IN TERRAE BRASILIS

 

Resumo: A presente pesquisa pretende analisar o direito e garantia fundamental que é a dignidade da pessoa humana como uma proposta para promover o reconhecimento da atividade policial militar dentro do Estado Democrático de Direito, visando construir um diálogo entre os cidadãos e os agentes da lei, materializando o respeito em suas relações, de forma a facilitar o desempenho de o trabalho militar, que consiste na promoção das diretrizes constitucionais. No intuito de verificar uma resposta para esta matéria, formulou-se o seguinte problema de pesquisa: É possível que o véu da dignidade da pessoa humana passe a agir protetivamente sobre o policial militar, ocasionando o reconhecimento de seu trabalho? Visando responder ao problema proposto, o trabalho tem por objetivo discutir a atuação da polícia militar no que refere-se a materialização dos direitos e garantias constitucionais no solo nacional promovendo a transformação dos conflitos a partir de um resgate de valores e da promoção de uma vida digna aos habitantes brasileiros. O aprofundamento teórico do estudo baseou-se em pesquisas bibliográficas, consubstanciada na leitura de diversas obras e pesquisas legislativas, bem como a realização de um estudo de campo na área militar, apoiando-se em um método indutivo.

Palavras-chave: Dignidade da pessoa humana; O cidadão policial militar; A atividade policial militar; Necessidade de reconhecimento para a esfera militar.

 

Summary: This research analyzes the law and fundamental guarantee which is the dignity of the human person as a proposal to promote recognition of the military police activity within the rule of democratic rule, aimed at building a dialogue between citizens and law enforcement officials, materializing respect in their relations in order to enable it to perform military work, which is the promotion of constitutional guidelines. In order to find an answer to this matter, it was formulated the following research problem: It is possible that the veil of human dignity pass to act protectively over the military police, resulting in the recognition of their work? In order to answer to the proposed problem, the work aims to discuss the role of the military police in what refers to the realization of rights and constitutional guarantees on home soil promoting conflict transformation from a surrender values ​​and the promotion of a lifetime worthy to Brazilian residents. The theoretical deepening of the study was based on literature searches, based on the reading of several works and legislative research, as well as conducting a field study in the military, relying on an inductive method.

Keywords: Human dignity; The military police citizen; Military police activity; Need for recognition to the military sphere.

 

1.      DEFINIÇÕES INTRODUTÓRIAS

O que se pretende transmitir através deste estudo são as peculiaridades de uma das atividades mais honrosas e essenciais para a humanidade: a atividade policial militar e com isto destacar a necessidade por reconhecimento que estes seres humanos encontram no desempenho de seu trabalho, tanto por parte dos cidadãos quanto por parte do Estado, e o meio que se utilizou para demonstrar esta necessidade por certificação da essencialidade e da nobreza da função foi à dignidade da pessoa humana.

Deste modo, este estudo iniciou trazendo ao leitor as peculiaridades acerca do véu protetivo da dignidade da pessoa humana, evidenciando o mesmo, desde os seus aspectos históricos, enfocando em seu ponto ápice que foi a Declaração universal dos Direitos Humanos, passando para a análise do art. 29 do Estatuto da Polícia Militar do Estado de Santa Catarina o qual foi promulgado em 1983, fundamentando a ação militar nos preceitos da dignidade humana, abrindo precedente para que a Constituição Republicana de 1988 entrasse em vigor e fundamentasse-se, também, na dignidade humana.

Em seguida, passou-se a análise das características sui generis da atividade policial militar em terrae brasilis, asseverando sobre seus aspectos protetivos e promovedores dos direitos humanos fundamentais, sobressaltando sobre sua similaridade formal em comparação com os preceitos da Carta Magna, consciente do fato de que da formalidade da lei escrita para a materialidade de seus preceitos existe um caminho que precisa ser percorrido, para que, então, a lei tenha vida em solo pátrio, e a instituição militar é propulsora a percorrer este caminho e materializar dentro do que lhe couber estes preceitos como demonstram em suas formalidades e ações.

Por corolário, este estudo se encerra através da analise das materializações que o legislador efetuou no solo nacional no que tange a atividade policial militar, concluindo pela necessidade de reconhecimento por parte deste ente público, conforme se verá a seguir.

 

2.      PECULIARIDADES SOBRE O MANTO PROTETIVO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Comparato (2010, p. 13) revela que todas as pessoas são iguais, “apesar das inúmeras diferenças biológicas e culturais que as distinguem”, sendo merecedoras de respeito igualitário, visto serem os únicos seres com capacidade para “amar, descobrir a verdade e criar a beleza”. Devido a esta igualdade a ninguém é dado o direito de considerar-se superior aos demais. Na antiguidade, os povos que viviam a margem da civilização, antes da criação da expressão ser humano, denominavam os integrantes de seu grupo social como “homens” enquanto os estranhos ao grupo eram referenciados de outra forma, como meio de estabelecer uma distinção entre ambos.

No entanto, o nascimento da idéia de igualdade entre os seres humanos é antigo, pois, emergiu em solo no período axial da História, todavia foram necessários vinte e cinco séculos de desenvolvimento desta idéia para que ela passasse a agir sobre a humanidade, sendo proclamada sobre os destroços da Segunda Guerra Mundial, como um meio de edificar o humanismo no coração da civilização, agonizante devido às cinzas dos campos de concentração nazista e angustiada em virtude do sangue derramado através dos massacres tão comuns naqueles períodos históricos, vislumbrando secar os olhos lacrimejantes de um povo desfalecido, suplicante por esperança, esculpindo todo este sentimento na referida Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, como um meio de espantar as nuvens negras que cobriam os céus dos Continentes em função dos materiais bélicos utilizados, abrindo os corações das pessoas para a vida, alicerçados nos princípios da liberdade, igualdade e fraternidade.

Não obstante, cabe destaque para o fato de que a origem do direito penal ocorreu através de penas capitais, instante em que os acusados eram julgados sem as garantias processuais hoje existentes, e, condenados a morte conforme fosse a vontade do julgador. Esta forma de agir mudou, apenas, em virtude do fato de que as sociedades estavam sucumbindo, por causa das incessantes sentenças de morte proferidas nesta época histórica, como destaca Bitencourt (2015, p. 60). Percebe-se que o direito, de forma geral, solidifica-se sobre o sofrimento e o sangue do ser humano, expressando-se como um meio de proteção dos cidadãos contra as arbitrariedades e desconsolos já vivenciados como uma forma de reprimir e impedir que estes excessos ressurjam dos sarcófagos.

Destaca Comparato (2010, p. 25) que as leis escritas compreendem verdadeiros escudos contra os abusos, visto que “uma vez escritas as leis, o fraco e o rico gozam de um direito igual; o fraco pode responder ao insulto do forte, e o pequeno, caso esteja com a razão, vencer o grande”. Porém, desde o século de Péricles o sofista Antifonte (480-411 a.C.) apregoava a igualdade entre os indivíduos como forma de promover o respeito entre as nações, destacando que “no que concernem as necessidades, nenhum de nós é diferente, seja ele bárbaro ou negro: respiramos o mesmo ar com a boca e o nariz, todos nós comemos com o auxílio de nossas mãos” (apud COMPARATO, 2010, p. 27).

Neste momento histórico Sócrates de Platão (apud COMPARATO, 2010, p. 27-29), destaca que a diferença entre as pessoas está na alma, não em seu corpo, visto que este compreende um simples instrumento em favor das necessidades de cada ser, deste entendimento emergiu o conceito de personalidade, sobre o qual o autor elucida:

 

Haverá um tempo em que os atores trágicos acreditarão que suas máscaras (prosópa), seus calçados, suas roupas, são eles mesmos. Homem, tu nada mais és aqui do que matéria para atua ação e teu papel (prosópon) a desempenhar. Fala um pouco para se ver se é um ator trágico ou cômico; e se lhe tirarmos os calçados e a máscara (prosópon), se ele se apresenta em cena com a sua própria individualidade, o ator trágico desaparece ou sobrevive ainda? Se ele tem a voz respondente (a esse papel) sobrevive.

 

Outrossim, constata-se que na essência todos os seres humanos são iguais em direitos e deveres, e este é o entendimento da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que proclamou-se feito um poema aos ouvidos humanos, abrindo suas disposições esculpindo em seu preâmbulo que a humanidade unia-se através deste documento para instituir uma família (a família humana), como meio de reconhecer a dignidade inerente a todas as pessoas, fundamentando-se sobre os princípios da liberdade, justiça e paz mundial, evidenciando o fato de que “o desconhecimento e o desprezo dos direitos do Homem conduziram a atos de barbárie que revoltam a consciência da Humanidade e que o advento de um mundo em que os seres humanos sejam livres de falar e de crer, libertos do terror e da miséria, foi proclamado como a mais alta inspiração do Homem”,  enfatizando sobre a necessidade de gravar em leis a proteção dos direitos do homem, como meio de encorajar as relações amistosas entre os membros da família humana.

Utilizando-se desta carta como uma maneira de reafirmar a fé nos direitos fundamentais, “na dignidade e no valor da pessoa humana, na igualdade de direitos dos homens e mulheres”, declarando-se propensos “a favorecer o progresso social e a instaurar melhores condições de vida”, unindo-se entre os Estados membros pretensiosos a promover o respeito universal aos direitos humanos fundamentais, respeitando os direitos e liberdades de seus povos, visando guardar suas expressões em seus espíritos para que suas diretrizes fossem consagradas em âmbito universal, promovendo a mais ampla garantia destes direitos.

Este documento se expressa através de 30 artigos, e inicia suas formalidades ao definir no Artigo 1° que “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade”. Neste aporte, Alexy (2015, p. 24) leciona que formalizar um conceito para a dignidade é uma tarefa árdua, devido a sua complexidade, visto que a mesma conjuga em seu núcleo “aspectos descritivos ou empíricos com elementos normativos ou avaliativos”, ela é formada através da autonomia da pessoa humana. Por sua vez, pessoa compreende um conceito de estrutura “duplo-triádica”, visto que:

 

Para ser considerada pessoa, deve-se atender a três condições, por dois turnos seguidos. A tríade tem por condições: a um, a inteligência; a dois, o sentimento; e, a três, a consciência. Ressalve-se que possuir inteligência, tão somente, não garante a condição de pessoa; basta registrar que também os computadores a têm, mutatis mutandi, e não são pessoas, até o ponto atual de seu desenvolvimento. A vinculação estabelecida entre a inteligência e o sentimento, de igual forma, é incompleta para caracterizar a condição de pessoa, tanto que também os animais podem ser, ao menos até determinado grau, inteligentes e sensíveis, e nem por isso são considerados pessoas. Destarte, a terceira condição da primeira tríade é a consciência – para ser mais preciso, a autoconsciência – que constitui condição vital inafastável, e é definida pela reflexibilidade. (ALEXY, 2015, p. 25). (grifos do original).

 

A segunda tríade compreende a definição da autoconsciência, a qual se divide em três modalidades expressando-se através da espécie cognitiva (autoconsciência), volitiva (autodireção) e a forma normativa (autoavaliação), aqui está o conceito de pessoa, um ser dotado de inteligência, sentimento e consciência, com capacidade de se autoconhecer, autodirecionar e autoavaliar-se, conforme define Alexy. O aspecto normativo compreende aquele que faz uma “conexão entre o conceito de pessoa e” o “conceito de dignidade humana”. Este estudo, porém, discorda deste conceito estabelecido por Alexy, coadunando-se a doutrina de Sarlet (2015, p. 28) a qual define a dignidade como “condição humana do ser humano”, como qualidade irrenunciável, intrínseca e indissociável de toda e qualquer pessoa.

Para o autor a proteção da dignidade humana compreende “meta permanente da humanidade”. Conforme se verificou, desde os primórdios a dignidade foi assentada no status social ocupado pela pessoa, “mas também como sendo o valor próprio e intrínseco de determinadas coisas e/ou instituições, sem prejuízo da evolução e consolidação da noção de dignidade humana como valor igualmente atribuído a todo e qualquer ser humano”. Neste andar, Pascal (apud SARLET, 2015, p. 39) reconduz a dignidade a ideia de capacidade racional, enquanto Pufendorf vincula a teoria de liberdade moral, entretanto, nenhum outro doutrinador conseguiu alcançar definição tão completa quanto a efetuada por Kant (apud SARLET, 2015, p. 40) ao expressar que:

 

[...] no reino dos fins tudo tem um preço ou uma dignidade. Quanto uma coisa tem um preço, pode pôr-se em vez dela qualquer outra como equivalente; mas quando uma coisa esta acima de todo preço, e portanto não permite equivalente, então tem ela dignidade... Esta apreciação dá pois a conhecer como dignidade o valor de uma tal disposição de espírito e põe-na infinitamente acima de todo o preço. Nunca ela poderia ser posta em cálculo ou confronto com qualquer coisa que tivesse um preço, sem de qualquer modo ferir sua santidade.

 

Ademais, para Sarlet (2015, p. 42) o pensamento de Kant é dotado de excessivo antropocentrismo, assim como qualquer outro conceito que atribua a concepção de dignidade como mero atributo exclusivo da pessoa em função de sua capacidade de racionalidade. Visto que, no desenvolvimento avançado como se encontram o dos direitos humanos fundamentais, existe até mesmo a possibilidade de sustentar a dignidade como atributo da vida em geral, ainda mais ao se considerar a importância sobre a qual o meio ambiente despontou (art. 225 da CF), enfatizando a dignidade como protetora da vida em sua totalidade (recursos naturais e etc.), considerando o fato de que esta abertura do manto protetor da dignidade encontra justificativa no evento de disponibilizar uma vida com dignidade, conforme os preceitos da Carta Cidadã brasileira que tal como o manuscrito da DUDH abre seu caderno de leis esculpindo em seu primeiro artigo, e definindo como fundamento jurídico da terrae brasilis a dignidade humana (art. 1, III da CF/88), abrindo parecer para o reconhecimento de uma dimensão ecológica de dignidade.

Neste prisma a dignidade deve ser vista sob o olhar de um conceito inclusivo, no entender de que reconhecê-la incumbe ao indivíduo obrigações para com seu semelhante e com outros seres de “deveres mínimos e análogos de proteção”. O sentido compreende o fato “de que cada um deve ser pessoa e respeitar os outros como pessoas” como leciona Sarlet (2015, p. 45), o que afasta o condicionamento da dignidade à racionalidade, posto que seu âmago “parte do pressuposto de que o homem, em virtude tão somente de sua condição humana e independentemente de qualquer outra circunstância, é titular de direitos humanos que devem ser reconhecidos e respeitados por seus semelhantes e pelo Estado” (2015, p. 47).

 

[...] a dignidade, como qualidade intrínseca da pessoa humana, é irrenunciável e inalienável, constituindo elemento que qualifica o ser humano como tal e dele não pode ser destacado, de tal sorte que não se pode cogitar na possibilidade de determinada pessoa ser titular de uma pretensão a que lhe seja concedida a dignidade. (...) A dignidade pode (e deve) ser reconhecida, respeitada, promovida e protegida, não podendo, contudo (no sentido ora empregado) ser criada, concedida ou retirada (embora possa ser violada), já que reconhecida e atribuída a cada ser humano como algo que lhe é inerente. (SARLET, 2015, p. 51).

 

Concordante com este posicionamento sustenta Dworkin (1998, p. 310) que mesmo o indivíduo que já tenha perdido a consciência da própria dignidade, ainda assim a detêm, visto que a intenção da dignidade é vedar a instrumentalização e a coisificação do ser humano, por este entendimento constata-se que mesmo a criança, ou o doente mental não se encontram desabrigados da proteção da dignidade humana.

Harmoniosa com esta colocação tal como o acontecer diário do “ocaso”, instante em que o sol se oculta no horizonte na direção oeste, permitindo o cair da noite e o brilhar da lua e das estrelas, bem como o momento em que ele renasce no horizonte na direção leste, e iniciando o dia trazendo luz à terrae brasilis (movimento que ocorre em razão da rotação da Terra), é que a autora arrisca afirmar que mesmo não tendo caráter condicionante a dignidade pode ser experimentada em maior ou menor grau e muitos fatores impulsionam para esta realidade, um exemplo disto é que não seria nem ao menos lógico afirmar que uma pessoa que sobreviva de ilicitudes seja considerada no mesmo grau de respeito e dignidade que uma pessoa que labute para promover a dignidade, com o risco da própria vida como no caso da atividade policial militar.

Profissão a qual, alicerça-se, pelo art. 29 do Estatuto da Polícia Militar do Estado de Santa Catarina (Lei n° 6.218 de 10 de janeiro de 1983), no sentimento de dever, no pundonor policial-militar e no decoro da classe, com imposição a cada um dos integrantes da Polícia Militar, de “uma conduta moral e profissional irrepreensível, com a observância” de dezenove preceitos de ética policial-militar, e dentre eles o respeito pela dignidade humana, que coadunado ao artigo 74 da mesma Lei define que as prerrogativas dos policiais-militares são edificadas “pelas honras, dignidades e distinções devidas aos graus hierárquicos e” aos cargos.

Verifica-se que o legislador inovou no que se refere à lei militar de SC, visto que fundamentou a existência da instituição militar sobre o pilar da dignidade humana antes mesmo da vigência da Carta Política de 1988, servindo como precedente para o embasamento da Carta Magna, abrindo caminho para um novo olhar protetivo e acolhedor, instante em que o Estado se incumbiria de prestar mais que a garantia de um mínimo vital aos seus patriotas, mas afiançaria uma vida com dignidade, a exemplo do Estatuto da PMSC.

Diante de uma profissão alicerçada em fundamentos tão nobres quanto os definidos em sua própria lei, inaugurando em seu núcleo muitos dos princípios que viriam a ser edificantes do Estado Democrático de Direito (como o foi em 1988), incumbe a este estudo esmiuçar suas nuances e descortinar a sociedade sobre a essencialidade da atividade policial militar e sua concordância formal e material com as diretrizes estabelecidas pela Constituição, como será demonstrado a seguir.

 

3.      A ATIVIDADE POLICIAL MILITAR EM TERRAE BRASILIS

O direito militar engloba todo o conjunto legislativo referente às Forças Armadas Brasileiras e as Forças Auxiliares (polícias militares e corpos de bombeiros militares dos Estados e do Distrito Federal), este sistema da árvore jurídica relaciona-se com todas as leis atinentes à organização e funcionamento das Forças Armadas, bem como ao direito penal militar e ao direito disciplinar militar como leciona Assis (2013, p. 27), neste percurso:

 

A sociedade militar é peculiar;

Possui modus vivendi próprio;

Todavia, submete-se aos princípios gerais do direito, amoldando-se ao ordenamento jurídico nacional; pode e deve ser submetida ao controle judicial do qual a ninguém é dado furtar-se.

Essa peculiaridade exige sacrifícios extremos (a própria vida), que é mais do que simples risco de serviço das atividades tidas como penosas ou insalubres como um todo.

Para condições tão especiais de trabalho, especial também será o regime disciplinar, de modo a conciliar tanto os interesses da instituição como os direitos dos que a ela se submetem. A rigidez do regime disciplinar e a severidade das sanções não podem ser confundidas como supressão de seus direitos. (Assis, 2013, p. 28). (Grifos do original).

 

Conforme sabido a Constituição Republicana compreende o tronco da árvore jurídica, de onde provem todos os ramos jurídicos, por isto, nenhuma lei possui validade se estiver em desacordo com suas expressões. Neste caminho, encontra-se expressão para a existência das Forças Armadas no art. 142 deste caderno de leis, esculpindo no cerne constitucional através da espada do direito que “as Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.”

Bem como, no art. 144 que municia a expressão da segurança pública ao discipliná-la como “dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: V - polícias militares e corpos de bombeiros militares”, precedido pelo art. 42 do mesmo dispositivo de lei que as relaciona como “instituições organizadas com base na hierarquia e disciplina, são militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios”. As Forças Armadas garantem a soberania[1] nacional, ou seja, dão materialidade no solo pátrio para o primeiro princípio da Carta Magna (art. 1, inc. I). Elas caracterizam-se como um “conjunto de estruturas sociais estabelecidas pela tradição” brasileira, relacionadas com a coisa pública, promovendo a defesa da pátria.

 

[...] concebendo-as como instituições nacionais, reconhece-lhes a Constituição a importância e relativa autonomia jurídica decorrente de seu caráter institucional; declarando-as permanentes e regulares, vincula-as à própria vida do Estado, atribuindo-lhes a perduração deste. Essa posição constitucional das Forças Armadas importa afirmar que não poderão ser dissolvidas, salvo por decisão de uma Assembléia Nacional Constituinte. E, sendo regulares, significa que deverão contar com efetivos suficientes ao seu funcionamento normal, por via de recrutamento nos termos da lei. Conceito estabelecido por Silva (apud ASSIS, 2013, p. 31). (grifos do original).

 

Os trabalhadores militares compreendem servidores públicos lato sensu, sendo divididos em duas espécies: servidores militares federais que compreendem os integrantes das Forças Armadas (art. 142) e os servidores militares dos Estados, Território e Distrito Federal, compreendidos os funcionários das Polícias Militares e dos Corpos de Bombeiros Militares (art. 42 da CF). Dessarte, “a natureza jurídica dos membros das Instituições armadas brasileiras é a de categoria especial de servidores da Pátria, dos Estados e do Distrito Federal, com regime jurídico próprio, no qual se exige dedicação exclusiva, restrição a alguns direitos sociais, e sob permanente risco de vida”, como declara Assis (2013, p. 50), adiante deste estudo encontra-se no art. 31, inc. I da Lei do Estatuto dos Militares “a dedicação e a fidelidade à Pátria, cuja honra, integridade e instituições devem ser defendidas mesmo com o sacrifício da própria vida”.

Em um Estado em que a Democracia impera este é um requerimento alto (sacrifício da própria vida) para se ter seus direitos restritos, baseando-se no descaso por parte do Estado e da sociedade para com a instituição e na baixa remuneração auferida pelos trabalhadores.

Munida pela legislação institucional e da Carta Magna é que a atividade militar se tornou promovedora dos direitos humanos, atuando com o objetivo de proporcionar o exercício da cidadania e dos demais direitos humanos fundamentais de forma digna. Neste diapasão a atividade militar, como ensina Jesus (2011, p. 19) fez da prestação, respeito e proteção dos direitos humanos fundamentais a própria substância de seu agir, estando, estes direitos, imbricados com a mesma, tanto que a ação da corporação militar é planejada - visto que os militares compreendem muito mais que o braço forte do Estado, uma vez que, possuem humanismo e inteligência em suas batalhas -, com vistas ao bem comum da sociedade, obrando com base na legalidade e no respeito aos indivíduos.

Estar em um Estado de Direito implica a autenticação da luta contra o monarca, contra o poder absoluto e os privilégios do clero, da nobreza e das corporações, implica o “reconhecimento do homem como um valor absoluto”. O direito compreende uma ferramenta ao dispor do Estado para enquadrar e limitar os cidadãos uns para com os outros e o Estado para com a sociedade e vice-versa, o mesmo constrói-se com base na supremacia da vontade popular, na preservação da liberdade e na igualdade de direitos. Para que a Constituição ganhe vida no solo pátrio é preciso que suas diretrizes sejam aplicadas no plano prático, exercendo sua função transformadora conforme expressa Jesus (2011, p. 55).

Neste enfoque, hodiernamente o tema “segurança pública” encontra-se em voga, devido a sua fundamentalidade para a vida social, sendo objeto de importantes debates de estudiosos e assunto para as rodas de conversas sociais. No entanto, não é o perigo concreto que atormenta a população, mas o medo do crime, ou seja, a ideia que a sociedade faz da criminalidade, o medo psicológico, surreal, aquele criado pelo psicológico da pessoa. Este temor desmedido se deve as transmissões midiáticas de notícias criminógenas, que centralizam suas reportagens no aspecto da violação da lei e não na atuação da polícia militar, transmitindo uma ideia de desleixo e de incapacidade funcional, descaracterizando a função militar e corrompendo a imagem da corporação.

Este fato é comprovável no folhear de qualquer jornal, visto que as páginas criminais estão sempre em destaque, e só faltam serem escritas em vermelho utilizando-se do sangue das vítimas, como forma de chamar a atenção do público e de manter a clientela, a insegurança pública gera lucro financeiro e por isto ela é atacada. De outra sorte, não é incomum a ocorrência de policiais mortos em combate, ou mesmo machucados em confronto com a marginalidade, todavia, estas notícias nunca têm repercussão na mídia e não se houve falar em ativistas dos direitos humanos partirem em socorro destes seres humanos ou de suas famílias, porém, é corriqueira a ação dos ativistas dos direitos humanos em desfavor da atividade militar, principalmente no que tange as ocorrências que envolvem transgressões efetuadas por adolescentes.

Não há dúvida alguma sobre a inversão de valores que ocorre a olhos nus na sociedade, deturpando a mente dos indivíduos civis comuns, que cansados do trabalho encontram-se com a capacidade de raciocínio lógico diminuído e por isto, só recebem as notícias e assimilam sem refletir sobre o seu conteúdo, fato este que auxilia na alteração da imagem da ação militar. Ademais, cabe ressaltar que os próprios delituosos alteram a verdade dos fatos para se defenderem frente ao sistema criminal, viciando o serviço militar e sujando a farda destes trabalhadores através da mentira, como meio de se protegerem de seus deveres como cidadãos, que compreende o sofrimento da sanção pelo delito cometido, dado que, no instante em que estas pessoas vão responder por seus crimes apegam-se a qualquer artimanha que lhes inocente.

Aliás, ao estudar o trabalho desenvolvido através dos policiais militares é possível verificar que não é porque eles vestem uma farda e laboram armados que os mesmos encontram-se seguros contra toda e qualquer atitude negativa, visto que a desvalorização social e estadual atua sobre os mesmos de uma forma avassaladora, degradando-os em seu psicológico e extraindo sua dignidade. É necessário frisar que as vestes e os armamentos utilizados pelos policiais militares não desumaniza estes cidadãos, ao contrário, visto que estas pessoas não são máquinas, mas sim homens a serviço do Estado e da sociedade. São seres humanos carentes por reconhecimento e por respeito.

Cabe frisar que a atividade policial militar possui um caráter negativo, visto que a mesma baseia-se na repressão e prevenção da criminalidade, e objetiva, conforme as palavras da própria Constituição, a “preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio”, ou seja, é uma atividade de risco que expõe seus agentes a todo o tipo de situações negativas e degradantes (a todos os tipos de crimes), fato este que corroi seu psicológico e o fragiliza, possibilitando que em meio ao desempenho de seu trabalho, esta pessoa venha a, eventualmente, não corresponder totalmente às necessidades sociais, ou até mesmo, incorrer em ilicitude (arbitrariedade), entretanto é possível que o cidadão comum venha a estar denunciando este policial delituoso que irá arcar com as penas da lei.

Considerando-se o caráter negativo da função, verifica-se que a valoração social é fator essencial para o melhor desempenho da atividade policial militar. Como a letra do artigo 144 da CF expressa “a segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos”, compreende uma obrigação mútua e não apenas da polícia, cabendo aos responsáveis atuarem em harmonia, cada um no que correspondem as suas atribuições, agindo com proximidade e respeito recíproco, formando uma aliança de seres humanos, que pautados nos preceitos estabelecidos no manuscrito DUDH e na CF devem considerar-se como uma família (a família humana) e respeitarem-se entre si, promovendo a dignidade da pessoa humana e os demais direitos humanos fundamentais, visto que da formalidade da lei escrita existe um caminho que precisa ser percorrido para que os direitos se efetivem e cabe a sociedade como um todo (civis comuns e policiais) darem este passo para a sua materialização.

 

4.      O OLHAR DO LEGISLADOR SOBRE O POLICIAL MILITAR: NECESSIDADE DE RECONHECIMENTO

Nada obstante a essencialidade da função, a matéria protetiva e inclusiva relacionada à área militar são retrógadas, verificado no fato de que, o §2° do art. 14 da Carta Política veda “o alistamento como eleitor aos conscritos, durante o período do serviço militar”. Cabe ressaltar o fato de que é através do voto que o povo exerce a soberania popular, fundamento edificante do Estado Democrático de Direito, portanto, neste instante o labutador militar encontra-se a margem da lei, desassistido de seu direito de cidadão brasileiro. Sem embargo, ao considerar-se que antes da promulgação da Constituição de 1988, os cabos e soldados eram excluídos do alistamento eleitoral, o que denotava uma capitatis diminutio em sua cidadania, concluir-se-ia que já ocorreu um avanço em termos de direito, como ensina Assis (2013, p. 32), no entanto, há muito que mudar, em um Estado que se fundamenta na dignidade humana estas privações e retrocessos são insustentáveis.

O artigo 14 não perde a rigidez para com o militar, visto expressar que o militar alistável será, também, elegível, porém, caso conte com menos de dez anos de atividade militar deverá afastar-se do trabalho através de demissão ou licenciamento ex officio, ocasionando a perda do emprego; já o militar com tempo superior a dez anos de trabalho, será agregado através da autoridade superior, e caso seja eleito, passará de forma automática, no ato da diplomação para a inatividade. Na verdade, ao alistar-se a candidato o mesmo será agregado, condição a qual o coloca em afastamento de sua vaga hierárquica militar, nela permanecendo sem número[2].

No andar deste estudo, encontra-se os direitos sociais estabelecidos no art. 6° ao 11 da Constituição, instante em que novamente o agente militar vê-se excluído do amparo constitucional ao ter vedado alguns de seus direitos como cidadão através do art. 142 da Carta Magna, cujo §3° define os membros das Forças Armadas como militares, e lhes dirige as atribuições que venham a ser definidas em lei, assim como, a vedação de sindicalizar-se ou fazer greve (IV - ao militar são proibidas a sindicalização e a greve) e de filiar-se a partidos políticos (V - o militar, enquanto em serviço ativo, não pode estar filiado a partidos políticos). Ademais, o inciso VIII é taxativo ao definir quais são os direitos sociais pertencentes ao militares (VIII - aplica-se aos militares o disposto no art. 7º, incisos VIII, XII, XVII, XVIII, XIX e XXV), sendo eles, direito ao 13° salário, salário-família, férias anuais remuneradas com 1/3 a mais que o salário normal, licença-maternidade de 120 dias, licença-paternidade de 5 dias, e assistência gratuita aos filhos e dependentes de até 06 anos em creches e pré-escola.

Estes tipos de proibições são comuns aos militares não apenas nas leis brasileiras. Observa-se que além da atividade militar compreender um trabalho de risco, por caracterizar-se como uma atividade de perigo extremo, posto que o agente da lei trabalha sob a ameaça constante de morte contra si e seus familiares, atuando em linha de frente contra a criminalidade, o mesmo, ainda, vê-se desamparado constitucionalmente em seus direitos como cidadão.

O constituinte age como se, no instante em que o indivíduo decide ser militar, o próprio abandonasse sua condição de cidadão, passando a identificar-se através de um número para com o Estado, em uma clara espécie de coisificação do ser humano, afinal em que instante esta pessoa humana militar abandonou sua condição de ser humano? Em que se justifica tamanha restrição no que se refere a estes trabalhadores? Cabe lembrar que a identificação do ser humano através de um número nos remete aos campos de concentração nazistas, fato este que foi considerado pelos estudiosos como a maior expressão de coisificação que um ser humano já passou.

Adiante, ao analisar o artigo 5° da Carta Magna, inc, IV encontra-se o direito a livre manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato, porém, o doutrinador Assis (2013, p. 48) indaga sobre se realmente os militares possuem esta liberdade para a manifestação de seu pensamento, visto que em relação à manifestações públicas respectivas a assuntos de natureza político-partidária, o Regulamento Disciplinar do Exército considera este fato como transgressão disciplinar sempre que for cometido por militar da ativa. Nota-se uma rigidez ampla em relação à atividade militar, instante em que o manto da dignidade humana vê-se fragilizado, ocasionando em muitos instantes o rompimento do véu da dignidade, fato este contrário as expressões declaradas na Carta de Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Recentemente, mobilizado pelos constantes ataques promovidos contra os policiais militares (tanto os descritos no art. 142, quanto no art. 144 da CF), ou “contra os integrantes do sistema prisional e da Força de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela”, ou contra seus familiares consanguíneos até terceiro grau o legislador sancionou a Lei n° 13.142, de 06 de julho de 2015, que trouxe alteração no Código Penal e na Lei dos Crimes Hediondos, visando tornar crime hediondo o:

 

I – homicídio (art. 121), quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado (art. 121, § 2o, incisos I, II, III, IV, V, VI e VII: VII – contra autoridade ou agente descrito nos arts. 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição);

I-A – lesão corporal dolosa de natureza gravíssima (art. 129, § 2o) e lesão corporal seguida de morte (art. 129, § 3o), quando praticadas contra autoridade ou agente descrito nos arts. 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição.

 

Em consequência desta lei (Lei n° 13.142/2015), o crime de homicídio (art. 121 do CP) sofreu um acréscimo do inc. VII, passando a tipificar o assassinato contra os agentes acima especificados ou seus familiares consanguíneos até terceiro grau, como qualificado e, automaticamente crime hediondo com base no acréscimo do inc. I ao artigo 1° da Lei n° 8.072/90, da mesma maneira que a lesão corporal foi acrescida pelo §12, que define um aumento de pena de um a dois terços para os delitos cometidos nestas circunstâncias e, por fim, fez da lesão corporal dolosa de natureza gravíssima (art. 129, §2° do CP) e a lesão corporal seguida de morte (art. 129, §3° do CP) contra estes sujeitos passivos, crime hediondo pelo acréscimo do inc. I-A a Lei dos Crimes Hediondos.

A pesquisa confirma que houve um avanço na proteção destes seres humanos, porém, conforme foi possível demonstrar ainda há muito que ser feito para que estes cidadãos sejam abraçados pelos direitos constitucionais, tal como os cidadãos comuns, e não há motivos nesta forma de Estado para que estes sujeitos encontrem-se a margem da lei, ainda mais ao se considerar a atividade virtuosa que desempenham sob o risco iminente de morte. Observa-se que o Estado não tem prestado reconhecimento suficiente a esta atividade, quer seja através da negação da prestação do manto da dignidade humana sobre esta função, ou através do baixo subsídio concedido, o qual é insuficiente para suprir o sofrimento pelas condições desfavoráveis de trabalho as quais são submetidos, como por exemplo, trabalhar em condições climáticas desfavoráveis (dias frios, chuvosos, etc.) e com material de trabalho em estado ruim (armas antiquadas, viaturas ruins, falta de equipamento suficiente e etc.).

Outra novidade que encontra-se em tramitação no Senado Federal é a PEC n° 99/2015, a qual pretende acrescentar um adicional de periculosidade aos agentes da lei e bombeiros devido a exposição dos agentes aos perigos e ameaças físicas e psicológicas já abordadas. A proposta baseia-se na Lei n° 12.740 de 2012 a qual modificou o art. 193 da Consolidação das Leis Trabalhistas ao acrescentar:

 

Art. 193. São consideradas atividades ou operações perigosas, na forma da regulamentação aprovada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, aquelas que, por sua natureza ou métodos de trabalho, impliquem risco acentuado em virtude de exposição permanente do trabalhador a:

I - inflamáveis, explosivos ou energia elétrica;

II - roubos ou outras espécies de violência física nas atividades profissionais de segurança pessoal ou patrimonial. (Grifos da autora).

 

Tornando a atividade do trabalhador prestador de segurança privada como perigosa, concedendo-lhe um acréscimo no valor de 30% em sua remuneração, inclusive o §4o  deste artigo considerou, também, como “perigosas as atividades de trabalhador em motocicleta”, o que caracterizaria a atividade de Rocan na seara da Polícia Militar se esta lei fosse transferida para a esfera pública, aliás, em seu inteiro teor este artigo ajusta-se completamente a atividade de prestação de segurança pública, visto que os servidores da lei encontram-se diuturnamente submetidos a estes agentes perigosos, encontrando-se por isto, desprotegidos do abrigo legal que o legislador encarregou aos trabalhadores do serviço privado, ocorrendo uma retrocessão no que tange a cobertura dos direitos humanos fundamentais com relação aos militares.

Sem embargo, ao analisar a lei dos servidores públicos (Lei n° 8.112/90), encontra-se a previsão no art. 61 que “além do vencimento e das vantagens previstas nesta Lei, serão deferidos aos servidores as seguintes retribuições, gratificações e adicionais: IV - adicional pelo exercício de atividades insalubres, perigosas ou penosas; e VI - adicional noturno,” observa-se neste instante a aberração que o legislador cometeu para com os militares, visto que, desde o ano de 1990 os servidores públicos comuns percebem o adicional de periculosidade e o adicional noturno, já os agentes prestadores da segurança privada recolhem este adicional desde o ano de 2012, porém, os militares não possuem nem ao menos uma ambição do momento em que serão privilegiados com este direito, que conforme foi verificado já foi auferido por toda a classe de cidadãos menos os militares, os quais novamente se vêem excluídos dos planos do legislativo em um ataque severo à sua dignidade humana.

A rigidez e as restrições impostas aos militares procuram justificativa no fato de que estes indivíduos trabalham através do exercício do poder de coação contra o cidadão comum utilizando-se das armas que o Estado lhes confia, labutam materializando a segurança no solo nacional, “mas, a um passo, podem converter-se no arbítrio absoluto” como considera Alves (apud ASSIS, 2013, p. 57), no entanto, este fundamento apresentado pelo autor não é válido quando contraposto às outras formas de polícias brasileiras as quais gozam de todos os direitos e deveres humanos fundamentais esculpidos na Carta Magna e nem por isso atuam em arbitrariedades.

Cabe ao leitor compreender que a criminalidade existe desde a formação da sociedade e continuará existindo, não há como garantir a segurança absoluta, todavia, a mesma não se deve ao mau desempenho da atividade militar, visto que a performance da corporação militar é verificada somente ao se analisar os índices alcançados com o trabalho dos agentes da lei em um sentido de proporcionalidade e não de eliminação.

Nada obstante, não existe justificativa plausível para legitimar em um Estado Democrático de Direito, fundamentado pela dignidade humana, a coisificação do ser humano devido ao seu trabalho, assim como, também, não há explicação para a restrição de direitos a estes cidadãos que atuam em uma atividade que além de honrosa é essencial para a própria edificação do Estado. Afinal, conforme se verifica na afirmativa histórica da sociedade e do Estado, foram os militares que abriram caminho para o surgimento da sociedade e para a construção do Estado, além de que, não há notícia de sobrevivência humana sem que ao seu lado houvesse alguém incumbido pela prestação da segurança.

 

5.      DEFINIÇÕES CONCLUSIVAS

Este estudo iniciou-se fazendo uma ampla abordagem sobre o conceito, conteúdo e alcance do manto protetor da dignidade da pessoa humana, enfocando na atividade policial militar, como pertencente a esta garantia jurídico-constitucional, como instituição assentada ao Estado Democrático de Direito que é, e devido ao fato de corresponder a uma atividade desempenhada por seres humanos.

Em segundo instante foi desenvolvido uma pesquisa em torno das peculiaridades da atividade militar e suas colaborações relacionadas à promoção dos direitos humanos fundamentais, assim como dos demais direitos expressos constitucionalmente, servindo-se como ferramenta de efetivação de tais direitos e garantias à sociedade.

Por fim, a matéria embasou o olhar designado pelo Estado no que tange a esta atividade promovedora de segurança pública, expresso através do legislador, instante em que se chegou à conclusão da carência por reconhecimento para com este trabalho, tanto por parte do Estado (aqui desempenhado pelo legislador), quanto por parte da sociedade.

Depreendeu-se do estudo que o véu da dignidade humana cobre todas as pessoas por sua condição de ser humano, sendo a mesma inalienável, irrenunciável e intrínseca à pessoa humana, sendo, por este motivo incabível a sua restrição sob pena de negação a Constituição.

Ademais, conforme se constatou do presente esboço extraindo as vestes das pessoas, em sua essência, as mesmas são todas iguais, ou seja, o que distingue os militares dos demais cidadãos é sua farda, no entanto, mesmo vestido para à caráter para prestar serviço à sociedade, o próprio não abandona sua condição de ser humano e por isto não pode ser desabrigado de seus direitos humanos fundamentais, como vem ocorrendo no solo pátrio.

 

REFERÊNCIAS

ALEXY, Robert [et al.]. Dignidade humana, direitos sociais e não-positivismo inclusivo. – 1 ed. –Florianópolis: Qualis, 2015.

ASSIS, Jorge Cesar de. Curso de Direito Disciplinar Militar: da simples transgressão ao processo administrativo. 4ª edição./Curitiba: Juruá, 2013.

COMPARATO, Fabio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. – 7 ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2010.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral 1. – 21 ed. ver., ampl. e atual. – São Paulo: saraiva, 2015.

BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm. Acesso em 17 de janeiro de 2016.

______. Estatuto dos policiais-militares do Estado de Santa Catarina. Lei n° 6.218, de 10 de fevereiro de 1983. Disponível em http://www.pm.sc.gov.br/fmanager/pmsc/upload/dsps/ART_927398_2014_07_23_083233_l_6218_198.pdf. Acesso em 17 de janeiro de 2016.

______. Estatuto dos Militares. Lei n° 6.880 de 09 de dezembro de 1980. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L6880.htm. Acesso em 17 de janeiro de 2016.

______. Lei dos Crimes Hediondos. Lei n° 8.072 de 25 de julho de 1990. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8072.htm. Acesso em 18 de janeiro de 2016.

______. Código Penal. Lei n° 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm. Acesso em 18 de janeiro de 2016.

_____. Lei n° 13.142, de 06 de julho de 2016. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13142.htm. Acesso em 18 de janeiro de 2016.

_____. Consolidação das Leis do Trabalho. Lei n° 5.452 de 1 de maio de 1943. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452.htm. Acesso em 18 de janeiro de 2016.

_____. Lei n° 12.740 de 8 de dezembro de 2012. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12740.htm. Acesso em 18 de janeiro de 2016.

_____. Lei n° 8.112 de 11 de dezembro de 1990. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8112cons.htm. Acesso em 18 de janeiro de 2016.

DWORKIN, Ronald. El domínio de La vida. Uma discusión acerca Del aborto, La eutanásia y La liberdad individual. Barcelona: Ariel, 1999.

JESUS, José Laurindo Bueno de. Polícia Militar & Direitos Humanos. 1ª ed. (ano 2004), 4ª reimp./ Curitiba: Juruá, 2011.

SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade (da pessoa) humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 10 ed. rev. atual. e ampl. – Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2015.



[1] Soberania: complexo dos poderes que formam uma nação politicamente organizada; propriedade que tem um Estado de ser uma ordem suprema que não deve a sua validade a nenhuma outra ordem superior, como define Ferreira (apud ASSIS, 2013, p. 30).

[2] Art. 80 do Estatuto Militar: Art. 80. Agregação é a situação na qual o militar da ativa deixa de ocupar vaga na escala hierárquica de seu Corpo, Quadro, Arma ou Serviço, nela permanecendo sem número.

quinta-feira, 18 de março de 2021

A Constitucionalidade Ecológica da Dignidade da Pessoa Humana: Um Olhar Sob a Responsabilidade Municipal Acerca da Promoção do Respeito Ambiental

 

THE CONSTITUTIONALITY ECOLOGICAL HUMAN DIGNITY: A LOOK UNDER THE MUNICIPAL LIABILITY ABOUT ENVIRONMENTAL COMPLIANCE PROMOTION

 

ALINE OLIVEIRA MENDES DE MEDEIROS[1]

 

Resumo: A presente pesquisa pretende analisar o instituto da educação como uma aposta para a promoção do respeito em matéria ambiental, visando à transformação dos conflitos e efetivando um resgate de valores por meio do Programa Protetor Ambiental desenvolvido pelo 5° Batalhão de Polícia Militar Ambiental de Chapecó/SC. No intuito de verificar a efetividade deste programa no que tange a promoção da educação ambiental, formulou-se o seguinte problema da pesquisa: é possível o instituto da educação, materializado através do programa Protetor Ambiental promover o resgate de valores na área ambiental? Visando responder ao problema proposto, o trabalho tem por objetivo discutir a possibilidade que o programa Protetor Ambiental possui em promover a conscientização acerca da necessidade por proteção e restauração que o meio ambiente clama. E, por objetivos específicos: a) estudar o instituto educacional em matéria ambiental como solução para o desrespeito relacionado á matéria; b) analisar a contribuição da Polícia Militar Ambiental, através do programa Protetor Ambiental no que tange á temática; c) pesquisar a forma de efetivação do programa e os resultados obtidos. Existem diversos programas educacionais, porém, o programa Protetor Ambiental se destaca por ser efetivado pela Polícia Militar Ambiental, por meio de agentes fardados, desencadeando uma aproximação entre a sociedade e a instituição de maneira a implanta um agir integrado, reconhecendo as diferenças e necessidades regionais e promovendo a alteridade.

Palavras- chave: direito ambiental; dignidade humana ambiental; polícia militar ambiental.

Abstract: This research aims to analyze the educational institute as a commitment to promoting respect for the environment, aiming at the transformation of conflicts and effecting a rescue values ​​through the Environmental Shield Program developed by the 5th Battalion of Environmental Police Chapecó / SC. In order to verify the effectiveness of this program regarding the promotion of environmental education, formulated the following research problem: the education institute is possible, materialized through the Environmental Shield program promoting the surrender values ​​in the environmental area? Aiming to respond to the proposed problem, the work aims to discuss the possibility that the Environmental Shield program has to promote awareness of the need for protecting and restoring the environment calls. And for specific objectives: a) to study the educational institute on the environment as a solution to abuse related will matter; b) examine the Environmental Police contribution through the program Environmental Shield in relation to the theme; c) investigate the form of realization of the program and the results obtained. There are several educational programs, however, the Environmental Shield program stands out for being effected by the Environmental Police, through uniformed agents, triggering a rapprochement between the society and the institution in order to deploy an integrated action, recognizing regional differences and needs and promoting otherness.

 

Key words: environmental law; environmental human dignity; environmental military police.

Sumário: Introdução; O esverdear do direito constitucional; A polícia militar ambiental como promotora da dignidade humana ecológica; A educação como pedra basilar para a materialização da conscientização ambiental; Programa protetor ambiental: a busca pela efetivação da educação ambiental; conclusões articuladas.

 

INTRODUÇÃO

O presente estudo tem por enfoque analisar a materialização da Constituição Federal de 1988 no que tange ao meio ambiente. Neste intuito será efetuada uma análise ao caput do art. 225 da Carta Magna, pretendendo extrair a amplitude de sua aplicabilidade no solo nacional.

Efetuada tal apreciação, cujo enfoque primordial paira na busca pela promoção ao respeito do meio ambiente, será explorada a educação como política pública concretizadora deste respeito, visto que a mesma atua na cultura da sociedade, ou seja, age desde a raiz, moldando o núcleo social, abrindo espaço para uma nova ordem, onde o respeito e a promoção do direito humano fundamental ao meio ambiente imperem.

Neste sentido, será averiguado sobre a atividade da Polícia Militar Ambiental, cuja função consiste em proteger e promover as leis ambientais, pois emprega suas capacidades e ferramentas na materialização deste encargo constitucional, preocupada com o bem-estar do meio ambiente, cuja proteção incumbe a todos os entes públicos e privados, porquanto, sua existência é crucial para o desenvolvimento e para a própria possibilidade de vida humana no globo terrestre.

Neste intuito, a Polícia Militar Ambiental do estado de Santa Catarina criou o programa Protetor Ambiental, de enfoque educativo, que objetiva possibilitar uma aproximação entre a PM e a coletividade, tencionando transmitir seus conhecimentos aos jovens como meio de enraizar uma cultura protetiva e restaurativa em matéria ambiental.

 

1.      O ESVERDEAR DO DIREITO CONSTITUCIONAL

Salienta-se que a Constituição Federal de 1988 é pioneira em mencionar a proteção ao meio ambiente, inovando em suas folhas ao expressar a matéria em diversos de seus artigos, a exemplo do título VIII, que retrata a ordem social, através do Capítulo VI, onde trás expressa a proteção ao meio ambiente materializada no art. 225, composto por seis parágrafos.

O caput deste dispositivo inicia suas expressões ao definir que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

Ao examinar estas expressões é possível extrair do pronome indefinito todos, que o direito ao meio ambiente é de cada um, constituindo um direito nato, ou seja, intrínseco da pessoa humana, pelo simples fato desta compreender um ser humano, o que caracteriza um alargamento na abrangência desta norma jurídica, visto que a anuência de uma especificação sobre quem possua direito ao meio ambiente, “evita que se exclua quem quer que seja”, conforme destaca Machado (2014, p. 148), por corolário:

 

O direito ao meio ambiente é um bem coletivo de desfrute individual e geral ao mesmo tempo. ’O direito ao meio ambiente é de cada pessoa, mas não só dela sendo ao mesmo tempo ‘transindividual’. Por isso, o direito ao meio ambiente entra na categoria de interesse difuso, não se esgotando numa só pessoa, mas se espraiando para uma coletividade indeterminada. Enquadra-se o direito ao meio ambiente na ‘problemática dos novos direitos, sobretudo a sua característica de direito de maior dimensão, que contem seja uma dimensão subjetiva como coletiva, que tem relação com um conjunto de utilidades’ como assevera o Prof. Domenico Amirante. (apud MACHADO, 2014, p. 148).

 

No viés da locução todos tem direito constitui-se um direito subjetivo, ou seja, oponível erga omnes, que se complementa, por exemplo, por meio do exercício da ação popular ambiental, expressa no art. 5° da Carta Magna, inciso LXXIII.

Ocorre que, ao se pensar em meio ambiente não há como se referir a um único bem, pelo fato de compreender um complexo de bens, deste modo, apenas sob o ângulo de sua totalidade é que será possível constatá-lo em seu contexto.

Desta forma, este direito compreende um misto de direito individual e coletivo, materializado em uma mesma face, caracterizando-se como um direito fundamental da pessoa humana, pois, sua expressão encontra-se esculpida desde o preâmbulo do Caderno Constitucional, abrindo suas páginas e encerrando-as, marcando cada uma de suas laudas em função de sua essencialidade para a vida humana.

Sob o ângulo de um Estado Democrático de Direito, entende-se que a grandiosidade de sua valoração e expressão legal, deve-se ao fato de que o mesmo destina-se a materializar os direitos coletivos e individuais das pessoas, como por exemplo, a dignidade da pessoa humana, fundamento desta forma estatal (art. 1°, III da CF), o que demonstra que este bem não deve ser visto apenas pelo olhar de sua fruição, mas, principalmente, pelo viés de sua conservação.

Ademais, “o caput do art. 225 é antropocêntrico. É um direito fundamental da pessoa humana, como forma de preservar a ‘vida e a dignidade das pessoas’ - núcleo essencial dos direitos fundamentais,” conforme denota Machado (2014, p. 150).

Sendo, por isto, incontestável o fato de que sua destruição compromete a dignidade humana de todo o globo terrestre, pondo em risco todas as espécies de vida humanas, como elucida a Declaração da Conferência do Rio de Janeiro de 1992, estabelecendo como pedra basilar o princípio (I) de que “os seres humanos constituem o centro das preocupações relacionadas com o desenvolvimento sustentável.” (apud MACHADO, 2014, p. 150).

Como conceito de direito ao meio ambiente, tem-se a consideração executada através do STF, por meio do Min. Celso de Mello:

 

[...] direito de terceira geração que assiste de modo subjetivamente indeterminado, a todo o gênero humano, circunstancia essa que justifica a especial obrigação – que incumbe ao Estado e à própria coletividade – de defendê-lo e de preservá-lo em benefícios das presentes e futuras gerações. (apud MACHADO, 2014, p. 150/151).

 

Em decurso, por meio ambiente ecologicamente equilibrado, verifica-se a busca por um equilíbrio entre os fatores que formam um habitat ou ecossistema, não se quer, com isto, o alcance da inalterabilidade das condições naturais, mas uma harmonia entre os elementos que o compõe.

Da locução bem de uso comum do povo, constata-se uma nova roupagem, que sem eliminar o conceito anterior, amplia-o, inserindo, conforme esclarece Machado (2014, p. 152), “a função social e a função ambiental da propriedade (arts. 5°, XXIII, e 170, III e IV) como bases da gestão do meio ambiente, ultrapassando o conceito de propriedade privada e publica”.

Machado destaca que (2014, p. 152), “o poder público passa a figurar não como proprietário de bens ambientais - das águas e da fauna-, mas como um gestor ou gerente, que administra bens que não são dele e, por isso, deve explicar convincentemente sua gestão.”

A anuência deste entendimento jurídico reproduz, para o Ministério Público, o dever de informar e incentivar a participação da sociedade na gestão do meio ambiente, estimulando os cidadãos a cobrarem a prestação de contas sobre a utilização e cuidados dispensados, pelo Poder Público, ao meio ambiente.

Com relação à expressão sadia qualidade de vida, é sabido que esta situação apenas se materializará através de um meio ambiente ecologicamente equilibrado, pois compreende uma relação de causa e efeito, onde o estado de um reflete diretamente no estado do outro, afinal, o constituinte originário não se satisfez em garantir simplesmente o direito à vida, foi além, pois declarou que a mesma precisa ser digna.

Porém, este direito está longe de ser materializado, carecendo de políticas públicas efetivadoras.

No entanto, seus alicerces encontram-se enterrados no solo da Constituição, norma de maior expressão para o Estado, germinando em sua superfície leis passíveis de desabrocharem uma sociedade jurídica e ecologicamente democrática, florescendo uma constituição verde sobre o âmago da população, reproduzindo sementes sustentáveis no solo nacional.

Em defluência, por Poder Público (poderes da União, art. 2° da CF/88) e coletividade advêm o dever constitucional de defender e preservar o meio ambiente. Neste ínterim, Machado (2014, p. 154) acresce que o termo coletividade abrange o conjunto populacional, esculpindo uma responsabilidade conjunta entre Estado e sociedade pela esfera ambiental (2014, p. 154/155), embasando “uma das marcas inconfundíveis do novo Direito Ambiental.”

Desta forma, sempre que o meio ambiente é ferido em alguma de suas ramificações, o Estado Democrático de Direito perde parte de sua efetividade, pois, não apenas o corpo social é responsável por sua proteção, mas o Estado, também.

A expressão presentes e futuras gerações designa uma solidariedade intergeracional, devido ao fato de que a presença humana no meio ambiente reproduz uma “uma cadeia de elos sucessivos”, onde os atos de uma geração refletem seus efeitos nas gerações futuras, o que dificulta, aos estudiosos, a compreensão da extensão dos danos sofridos por este bem e o aferimento das necessidades que estes danos emanam.

Porquanto, o meio ambiente produz recursos suficientes para o consumo de uma geração, não havendo motivos para que esta venha a usufruir de recursos de uma geração futura, sendo mister um agir sustentável.

Ademais, conforme Sarlet (2014, p. 45):

 

[...] a dignidade da pessoa humana como principio fundamental edificante do Estado de Direito brasileiro, e, portanto, como ponto de partida e fonte de legitimação de toda a ordem estatal, com destaque aqui para o sistema jurídico pátrio. A dignidade da pessoa humana, como, aliás, já tem sido largamente difundido, assume a condição de matriz axiológica do ordenamento jurídico, visto que é a partir deste valor e princípio que os demais princípios (assim como as regras) se projetam e recebem impulsos que dialogam com os seus respectivos conteúdos normativo-axiológicos, o que não implica aceitação da tese de que a dignidade é um valor a cumprir tal função nem a adesão ao pensamento de que todos os direitos fundamentais (especificamente se assim considerados os que foram como tais consagrados pela Constituição) encontram seu fundamento direto e exclusivo na dignidade da pessoa humana.

 

Em consequência, afirma o referido autor (2014, p. 45) que:

 

A dignidade humana, para além de ser também um valor constitucional, configura-se como – juntamente com o respeito e a proteção da vida – o princípio de maior hierarquia da CF/88 e de todas as demais ordens jurídicas que a reconheceram. A dignidade da pessoa humana apresenta-se, além disso, como a pedra basilar da edificação constitucional do Estado (Social, Democrático e Ambiental) de Direito brasileiro, na medida em que, aderindo a uma trajetória consolidada especialmente a partir do II Pós-Guerra e inspirada fortemente na visão humanista de Kant e tantos outros, o constituinte reconheceu que é o Estado que existe em função da pessoa humana, e não o contrário, já que o ser humano constitui a finalidade precípua, e não meio de atividade estatal, o que, diga-se de passagem, demarca a equiparação de forças na relação Estado-cidadão, em vista da proteção e afirmação existencial deste último, especialmente no que tange à tutela e promoção dos seus direitos fundamentais.

 

Por corolário em seu aspecto socioambiental, a dignidade humana não pode ser limitada a uma dimensão biológica ou física, sendo imperativo avistá-la em sua totalidade, inclusive no que se refere ao meio ambiente em que se desenvolve.

Sob este assunto Sarlet (2014, p. 48) determina uma dimensão ecológica para a dignidade, visando ampliar o alcance desta norma, objetivando proporcionar qualidade, equilíbrio e segurança ambiental, buscando mais que garantir a sobrevivência humana, partindo do ponto em que a dignidade abrigue em seu manto todos os seres, ultrapassando a visão antropológica de Kant, para um olhar socioambiental.

Acerca deste aspecto K. Stern (apud SARLET, 2006, p. 42) salienta:

 

Esta, portanto, compreendida como qualidade integrante e irrenunciável da própria condição humana, pode (e deve) ser reconhecida, respeitada, promovida e protegida, não podendo, contudo (no sentido ora empregado) ser criada, concedida ou retirada (embora possa ser violada), já que existe em cada ser humano como algo que lhe é inerente. Ainda nesta linha de entendimento, houve até mesmo quem afirmasse que a dignidade representa ‘valor absoluto de cada ser humano, que, não sendo indispensável, é insubstituível’.

 

Porém, no dia-a-dia, o homem pratica uma inversão de valores, agindo com desrespeito ao meio ambiente, pois, da posição de hospedeiro da Terra, o mesmo passa a agir como dono (um parasita), extraindo da natureza o máximo que pode, sem procurar devolver nada, sugando ilimitadamente os recursos finitos, promovendo a extinção de inúmeras espécies de animas e plantas. Sobre isto, Serres (1990, p. 93) destaca que:

 

Na sua própria vida e através das suas práticas, o parasita confunde correntemente o uso e o abuso; exerce os direitos que a si mesmo se atribui, lesando o seu hospedeiro, algumas vezes sem interesse para si e poderia destruí-lo sem disso se aperceber. Nem o uso nem a troca têm valor para ele, porque desde logo se apropria das coisas, podendo até dizer-se que as rouba, assedia-as e devora-as. Sempre abusivo, o parasita.

 

Ainda no entendimento de Serres (1990, p. 65), verifica-se a necessidade de estar racionalizando um meio para criar um equilíbrio entre o que se extrai e o que se devolve à natureza, utilizando “o verbo pensar, próximo de compensar. Eis o direito mais geral para os sistemas mais globais”.

Sendo que, a qualidade, o equilíbrio e a segurança ambiental passam a compor mais uma pedra edificante do Estado Democrático que, envolvida pelo véu da dignidade da pessoa humana, propõe a materialidade de um mínimo existencial ecológico, que seja suficiente para conferir uma vida digna a todos os seres vivos, inclusive as plantas e os animais.

Sarlet (2014, p. 48/49) elucida que o ambiente encontra-se presente “nas questões mais vitais e elementares da condição humana, além de ser essencial à sobrevivência do ser humano como espécie animal natural”, diante desta afirmação, torna-se inegável a abertura da dignidade humana para todas as espécies vivas.

Desperta para a valoração que este bem possui é que a Constituição através do art. 144, V, §6°, designou a Polícia Militar como responsável pela polícia ostensiva e pela preservação da ordem pública, a qual se ramificou através da Polícia Militar Ambiental, responsabilizando-se pela efetivação da proteção da esfera ambiental, conforme será visto no item a seguir.

 

2.      A POLÍCIA MILITAR AMBIENTAL COMO PROMOTORA DA DIGNIDADE HUMANA ECOLÓGICA

Por poder de polícia ambiental, tem-se na concepção de Machado (2014, p. 384):

 

[...] a atividade da Administração Pública que limita ou disciplina o direito, interesse ou liberdade, regula a prática do ato ou a abstenção de fato em razão do interesse público concernente a saúde da população, à conservação dos ecossistemas, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas ou outras atividades dependentes de concessão, autorização/permissão ou licença do Poder Público de cujas atividades possam decorrer poluição ou agressão à natureza.

 

Define Meirelles (apud MACHADO, 2014, p. 385) que o poder de polícia atua por meio de ordens e proibições, ou seja, via “normas limitadoras e sancionadoras”, ou, por meio da “ordem de polícia, pelo consentimento de polícia, pela fiscalização de polícia e pela sanção de polícia”.

Ocorre que, em sua origem o poder de polícia restringia-se à segurança, moralidade e salubridade, no entanto, sua ação se expandiu, passando a abranger “a defesa da economia e organização social e jurídica” em todas as suas esferas, como recorda Machado (2014, p. 385).

Por conseguinte, conforme Debbasch (apud MACHADO, 2014, p. 386), “as autoridades de polícia são aquelas que, em virtude da Constituição ou de disposições legislativas, tenham recebido o poder de editar medidas de polícia administrativa.”

O poder de polícia, em matéria ambiental, atua sobre o agente infrator da lei, inclusive sobre os agentes públicos, agindo como limitador dos direitos individuais em prol da coletividade, assim para que esta proteção seja posta em prática é necessário instituir mecanismos efetivadores destas leis, como por exemplo, a Polícia Militar Ambiental.

O CTN, através do art. 78, conceitua o poder de polícia como sendo a:

 

[...] atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.

 

Por defluência, a polícia divide-se em polícia judiciária e polícia administrativa, sendo que esta última compreende uma diversidade de intervenções do poder público no intuito de disciplinar a ação dos particulares, tencionando, nas palavras de Antunes (2004, p. 134), “prevenir atentados à ordem pública”, de ação auto-executória.

Outrossim, para Antunes (2004, p.136), com relação ao direito ambiental o termo ordem pública, retrata a manutenção e obediência ao respeito pelo estágio mínimo referente à salubridade ambiental estabelecido na ordem vigente, podendo esta agir preventivamente ou repressivamente em prol deste interesse.

Conforme Dezordi (2006, p. 27) o termo ordem pública expressa a tríade composta pela segurança pública, a tranquilidade pública e a salubridade pública, assim a preservação ambiental concretiza-se como interesse e fundamento desta tríade, “uma vez que é constituída por um mínimo de condições essenciais a uma vida social conveniente”.

Dentre as ações da Polícia Militar Ambiental destacam-se, o licenciamento, as licenças, autorizações e penalidades, sendo a primeira a de maior valoração por constituir para a Administração Pública um meio de direcionar o exercício de determinadas atividades em proteção do meio ambiente.

As principais sanções aplicadas por este órgão compreendem a pena de multa, de fechamento do estabelecimento, de interdição de atividade, embargo da obra, de demolição, de inutilização de gêneros, de destruição de objetos, dentre outras.

As responsabilidades pelos danos ambientais reportam-se tanto as pessoas físicas, quanto as jurídicas, podendo ser de natureza civil, penal ou administrativa, ou cumulativamente.

 

[...] a força policial protege o meio ambiente, tendo em mira garantir a segurança, a tranquilidade e a salubridade públicas, em defesa do bem-estar da população. E o faz coibindo a prática de crimes que reflitam sobre o patrimônio ambiental, antes e depois de sua ocorrência, fiscalizando e investigando. (Milaré, 2011, p. 1337/1338).

 

De outra forma conforme preceitua Anderle (apud MILARÉ, 2011, p. 1338):

[...] há de se distinguir polícia administrativa e polícia de segurança pública (...). Aquela incide sobre bens, direitos e atividades, esta sobre as pessoas. A primeira é inerente e se difunde por toda a Administração Pública; a segunda é privativa de determinados órgãos (policias civis) ou corporações (polícias militares). Portanto, a Polícia Administrativa se vale de regras administrativas e as sanções que aplica são do direito administrativo. Já a Polícia de Segurança Pública se vale dos tipos penais para agir sobre as pessoas.

Na mesma direção, Di Pietro (MILARÉ, 2011, p. 1338 apud Lazzarini, 2010, p. 100) destaca que:

 

[...] ‘quando atua na área do ilícito puramente administrativo (preventiva ou repressivamente), a polícia é administrativa. Quando o ilícito penal é praticado, é a polícia judiciária que age.’ (...) ‘a polícia judiciária é privativa de corporações especializadas (polícia civil e militar), enquanto a polícia administrativa se reparte entre diversos órgãos da Administração, incluindo, além da própria polícia militar, os vários órgãos de fiscalização aos quais a lei atribua este mister, como os que atuam nos ares da saúde, educação, trabalho, previdência e assistência social’.

 

Por sua vez, a Polícia Judiciária possui dois instrumentos de ação que compreendem os termos circunstanciados e os inquéritos policiais (sem ação do contraditório e da ampla defesa), este último refere-se ao “procedimento preparatório da ação penal, através do qual são colhidas as provas em que se assentará a denúncia”, como retrata Milaré (2011, p. 1339), já quanto ao primeiro instrumento, o mesmo destina-se à apuração de infrações de menor potencial ofensivo.

Já, a polícia administrativa, atua por meio da “lavratura dos autos de infração ambiental, os quais ensejam a instauração de um processo administrativo, em que se garante ao autuado o direito ao contraditório e a ampla defesa,” (2011, p. 1339), e ainda, através do Termo Circunstanciado.

Assim, à Polícia Federal incumbe atuar sobre os ilícitos ambientais interestaduais ou internacionais, já no que tange as polícias civis estaduais sua ação é residual, competindo-lhes as funções judiciais que não pertençam a Polícia Federal, sendo que, em alguns Estados já foram criadas delegacias especializadas em tais ilícitos, denominadas Delegacias Verdes.

No que reporta a Polícia Militar, o art. 144, inc. V da Carta Maior, lhe garante a ação de polícia ostensiva e de preservação da ordem pública, cabendo-lhe as atividades preventivas por meio da ação ostensiva, que conforme Lazzarini (apud MILARÉ, 2011, P. 1341):

 

[...] o policial, inclusive o policial florestal, deve decidir normas jurídicas amplas e vagas, na dinâmica do cumprimento da missão policial, em condições quase sempre adversas, não podendo fugir do estrito cumprimento do dever legal de, em defesa da cidadania, em defesa do meio ambiente, etc., fazer aquelas escolhas críticas em questão de fração de segundo, (...), crítica escolha que será sempre tomada com aquela incomoda certeza de que outros aqueles que tinham tempo de pensar estariam prontos pra julgar e condenar aquilo que fizera ou aquilo que não tinha feito, ou seja, condenando-o, ou seja, condenando-o como abusivo (de autoridade) ou prevaricador.

 

A Polícia Militar Ambiental atua de forma ostensiva, supervisionando as atividades com potencial poluidor e a conduta relacionada ao meio ambiente, sendo investidas pelo poder de desenvolver atividades preventivas e repressivas conjuntas ao Ministério Público e ao Poder Judiciário.

Em função da essencialidade da matéria, alguns Municípios têm incumbido as Guardas Municipais Ambientais para reforçar este trabalho protetivo como destaca Milaré (2011 p. 1344/1345). Sobrevém que a competência em matéria ambiental é ampla apresentando-se desde a esfera federal até municipal.

No viés preventivo a PMA desenvolve programas educacionais, acerca do qual será transcrito o item a seguir.

 

3.       A EDUCAÇÃO COMO PEDRA BASILAR PARA A MATERIALIZAÇÃO DA CONSCIENTIZAÇÃO AMBIENTAL

Ciente da abrangência e importância do meio ambiente, que constitui extensão da vida humana, visto que é deste que a mesma emerge, é que o constituinte originário consolidou no artigo 225, §1º, VI da CF/88, que incumbe ao Poder Público, como forma de assegurar este direito fundamental, a responsabilidade pela promoção da “educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente”.

Sendo esta diretriz reforçada por outras ramificações da árvore jurídica, que constantemente recordam acerca do dever público e privado, coletivo e individual de promover a conscientização ambiental, através da educação, devido a sua capacidade de atuar na formação do cidadão desde a mais tenra idade, plantando valores e regando seu senso crítico para direcionar suas ações relacionadas à matéria ambiental.

O agir por meio da educação se enraizou no solo nacional através da Lei n° 9.795/99 (Política Educacional da Educação Ambiental), germinando a responsabilidade coletiva pela construção dos valores ambientais, como meio de buscar conhecimentos e ações voltadas para a conservação, preservação e restauração do meio ambiente.

Despertando a lógica ambientalista da sociedade direcionando-os a atuar em um processo de ponderação entre suas ações e as necessidades ambientais, conscientes da essencialidade e finitude deste bem, procedendo regrados pela sustentabilidade.

Esta Lei esculpe em seus 21 artigos, as diretrizes do ensino formal (das escolas) e informal (dos demais meios), de forma a complementarem-se desencadeando em uma educação eficiente para o cidadão.

Neste enfoque Milaré (2011, p. 632) destaca que a mesma:

 

[...] deve ser considerada como uma atividade-fim, visto que ela se destina a despertar e formar a consciência ecológica para o exercício da cidadania. Não é panacéia para resolver todos os males. Sem dúvida, porém, é um instrumental valioso na geração de atitudes, hábitos e comportamentos que concorrem para garantis o respeito ao equilíbrio ecológico e a qualidade do ambiente como patrimônio da coletividade. A matéria comporta exame sob três aspectos: o educacional, o formal e o não formal.

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No que tange ao aspecto educacional, o respectivo autor (2011, p. 632), enfatiza que esta responsabilidade circunda a todos os agentes, sejam públicos ou privados, embasando uma ação conjunta entre o Poder Público e a população, tencionando a difusão de valores e princípios atinentes a área, utilizando-se de todos os meios possíveis e legais para este fim, direcionando-se através do conhecimento para materializar o respeito e a conscientização ambiental.

Sob o aspecto formal, tem-se o ensino ambiental lecionado nas escolas, em todos os níveis de instrução, através de um currículo interdisciplinar, disciplinado em uma matéria isolada, conforme o art. 10, § 1° da lei em comento, sendo esta ação regrada através da Lei 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases), que por sua vez, disciplina, conforme Goldschmidt (2003, p. 48), os princípios, fins, organizações, níveis e modalidades acerca da educação nacional, regulamentando de forma minuciosa os princípios educacionais.

Já no sentido informal, engloba-se a educação no âmbito social, isto é, fora do ambiente escolar, denominada educação permanente, porquanto atua continuamente sobre o cidadão, contribuindo para o aperfeiçoamento e a conscientização da sociedade, atuando na busca de soluções para as problemáticas, promovendo reflexões e debates atinentes a área, materializando uma renovação constante, atualizando e expandindo o campo de ação dos agentes ambientais formais e informais, conforme denota Milaré (2011, p. 634).

No entanto, para Antunes (2004, p. 252/256) a redação da lei educacional ambiental peca, por conter conceitos abstratos e insuficientes, visto que em seu texto falta a fixação de objetivos, planejamento e instrumentos para a definição precisa de políticas públicas atinentes a área.

Um exemplo disto é o art. 14, onde a Lei em epígrafe incumbe ao órgão gestor a sua regulamentação, expressão esta, desconhecida pelo direito administrativo, deixando em dúvida sobre a quem compete seu implemento, como elucida o autor (2004, p. 258/259).

Mesmo assim, a lei atribuiu funções a este órgão, através do art. 15, como por exemplo, definir suas diretrizes para a implementação nacional, refletir, coordenar e supervisionar os planos de ações acerca desta temática, fato este que torna a Lei confusa e pouco compreensível, prevaricando frente às expectativas sociais.

No entanto, expressa que a competência para a aplicação das leis ambientais é comum, possibilitando a formação de uma aliança entre os entes públicos, por isto, qualquer dos entes públicos possui legitimidade para dar vida a estas leis, como elucida Machado (2013, p. 444/445).

Conforme Platão (apud SANTOS, 1949, p. 17) a basilar função estatal é a educadora, e na concepção de Vitor Hugo (apud SANTOS, 1949, p. 17) “abrir escolas é fechar cadeias”.

Portanto, é por meio da educação que se constrói a consciência do indivíduo, ajustando-o as necessidades sociais, despertando seu senso crítico e sua capacidade de autodeterminação, pois nos ditames deste autor “a palavra é o orvalho que fertiliza a alma” (1949, p. 24) e ganha vida por meio de ações.

Ademais, as crianças não nascem prontas, elas se moldam através do conhecimento, daí emerge a fundamentalidade que a educação possui para a construção de um Estado Democrático de Direito, neste sentido destaca Goldschmidt (2003, p. 47) que:

 

Inegavelmente, a educação possui estreita relação com o fenômeno jurídico, uma vez que constitui uma condição de ascensão do homem na sua projeção pessoal e social. E o direito, como mecanismo de realização humana e social, não fica alheio a esta realidade, fazendo integrar em seu sistema uma série de normas e princípios que garantem ao homem o acesso à educação.

 

Enfatiza Boaventura (apud GOLDSCHMIDT, 2003, p. 47) que a educação compreende três âmbitos, sendo “faculdade atribuída ao educando”, em virtude de que o art. 205 da Carta Magna a designa como direito de todos e dever estatal e social, que coadunado aos arts. 54 e 55 do ECA, expressam a obrigatoriedade do ensino.

E ainda embasa a “norma que rege o comportamento de ensino” que conforme Goldschmidt (2003, p. 47), trata acerca de um sistema de regras que delimitam a relação de ensino e aprendizagem em sua estrutura e desenvolvimento.

Neste instante é importante distinguir a diferença entre a legislação de ensino e o direito educacional, que na concepção de Motta (apud GOLDSCHMIDT, 2003 p. 48) se refere:

 

No primeiro sentido, temos uma pletora de normas que vão desde leis federais, estaduais e municipais até pareceres do Conselho Nacional de Educação, decretos do Poder Executivo, portarias ministeriais, estatutos e regimentos de escolas, que constituem a conhecida tradicional disciplina Legislação de Ensino, a qual é parte integrante, mas restrita, do Direito Educacional, pois não inclui nem a unidade doutrinária, nem a sistematização de princípios, nem tampouco a metodologia que estrutura um corpo jurídico pleno.

 

Neste ínterim, como ramo jurídico a educação possui um conjunto principiológico, com normas e institutos próprios, assim é do direito educacional que se extraem as bases jurídicas de todo o complexo educacional, sendo disciplinado em diversos regramentos. Assim, é efetuada uma aliança entre o direito educacional e o ambiental em prol da sociedade.

O entendimento que emana do art. 5° da CF, de que a vida compreende um direito irrenunciável e inviolável, e de que como cláusula pétrea, seus efeitos são inegáveis, demonstra que não há possibilidade de vida digna sem que os recursos naturais encontram-se disponíveis aos seres humanos, fortificando este pacto entre estas ramificações jurídicas, estendendo no solo pátrio sua materialização através do programa Protetor Ambiental, evidenciado no próximo item.

 

4.      PROGRAMA PROTETOR AMBIENTAL: A BUSCA PELA EFETIVAÇÃO DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL

Ciente da relevância do tema foi que a Polícia Militar Ambiental de Santa Catarina implantou no ano de 1999, o programa Protetor Ambiental (Proa), desenvolvido em todo o Estado com o enfoque de aproximar a PM da sociedade, levando um atuar preventivo, na esfera ambiental, por meio da educação, tendo como público alvo os adolescentes, cujos quais são disciplinados para agirem em prol da sociedade consolidando ações ambientalistas.

O Proa segue os princípios consagrados no Programa Nacional de Educação Ambiental (Pronea), visando inserir seu público alvo nas questões ambientais, por meio de atividades teóricas e práticas, despertando-os para o saber ambiental. Em todo o Estado a PMA formou 6.300 Protetores Ambientais.

Na circunscrição do Município de Chapecó/SC, a população conta com o auxílio do 2° Batalhão de Polícia Militar Ambiental, onde, desde o ano de 2006, o programa esta sendo arraigado e até o ano de 2016 formou 300 jovens em 12 turmas.

Este ensino ambiental possui a durabilidade de um ano, no decorrer do qual os alunos desenvolvem atividades teóricas e práticas de preservação e defesa do meio ambiente, relacionadas a temáticas cotidianas e pertinentes a realidade local e regional. O objetivo basilar do programa é formar alunos descortinados acerca da essencialidade do meio ambiente e capacitados para colocar seus aprendizados em prática no núcleo social.

Assim, os alunos Protetores Ambientais passam a atuar em defesa do meio ambiente, com o intuito de enraizar na sociedade um pensamento crítico e proativo materializado em ações de proteção ambiental cultivando o desenvolvimento sustentável. As aulas permitem o aprimoramento intelectual, social e a cognição ambiental aos alunos.

Durante o desenvolvimento do curso, os alunos Protetores recebem instrução acerca dos temas relacionados à Ecologia, Gestão de Resíduos, Gestão de Fauna, Gestão de Flora, Gestão de Recursos Hídricos e Unidades de Conservação, além de disciplinas extracurriculares, tais como Combate às Drogas, conscientização acerca das DST´s, além de realizarem viagens de estudo, entre outras atividades, afetas ao cotidiano ambiental.

A inclusão no curso ocorre de forma voluntária, por meio de um exame de seleção, ou seja, por prova objetiva, com questões voltadas a realidade local e regional, atinentes a matéria ambiental, realizada em escolas participantes do programa, sendo que o corpo discente é formado por 20 a 30 alunos protetores por turma, e os instrutores são escolhidos na comunidade e instituições parceiras, voluntários, sendo profissionais das mais variadas áreas que contribuem com a formação destes adolescentes durante o desenvolvimento do curso.

Os policiais militares ambientais lecionam fardados, visando transmitir os valores da instituição para estes alunos, em uma ação de aproximação e cooperação.

De 2006 a 2016 foram formados aproximadamente 300 Protetores Ambientais, divididos em 12 turmas, com alunos de todas as origens e classes sociais, permitindo a troca de informações entre os estudantes das regiões urbanas e rurais, possibilitando a inclusão social e a igualdade entre os discípulos.

Os alunos formados têm a possibilidade de continuar junto à instituição, atuando voluntaria e gratuitamente na formação de novas turmas, o que viabiliza a aproximação entre a sociedade e a instituição policial militar ambiental, auxiliando no desenvolvimento das atividades educativas como, por exemplo, a elaboração de palestras em universidades, comunidades rurais, cooperativas, sindicatos, educandários, prefeituras, etc., em conjunto dos demais alunos.

Exemplo de ação educativa efetuada com a participação dos protetores ambientais coordenados pelo 2° Batalhão de Polícia Militar Ambiental é a participação em expo feiras, seminários, viagens de estudo, visando à transmissão de informações e orientações sobre o uso e proteção do meio ambiente para outras pessoas, em prol do desenvolvimento sustentável da comunidade, ressaltando a referência da preservação, segurança e interdisciplinaridade das ações da PMA com foco no desenvolvimento social, econômico e ambiental.

O programa Protetor Ambiental constitui-se por um universo de atividades pedagogicamente definidas e delineadas com o propósito de contribuir na prevenção primária às agressões humanas ao meio ambiente, permitindo, através dos alunos, a materialização de comportamentos adequados à preservação da vida em todas as suas nuances.

O mesmo visa resgatar valores e edificar uma sociedade sustentável e consciente da essencialidade do meio ambiente. Pretende despertar a racionalidade dos educandos, ensinando-os a agir frente às adversidades com habilidade suficiente para evitar o cometimento de ilicitudes.

Para tanto, o Programa, sob a premissa de que ninguém preserva o que não conhece, visa disseminar conhecimentos sobre fatores biótico e abióticos, direcionando-os aos adolescentes na faixa etária entre 12 e 16 anos, das redes pública e privada de ensino, do Estado de Santa Catarina, através de atividades teóricas e práticas desenvolvidas e/ou coordenadas por Policiais Militares Ambientais.

Procedendo de tal forma, almeja-se desenvolver uma consciência ecológica, que possibilite aos alunos ponderar suas atitudes e influenciar as ações dos demais cidadãos rumo à sustentabilidade e ao respeito pelo meio ambiente.

O programa visa transformar a realidade da sociedade, agindo conforme as necessidades de cada região, procurando transmitir conhecimentos necessários conforme as carências verificadas, formando uma cultura de seres pensantes e atuantes em proteção, preservação e restauração do meio ambiente, de modo que a sociedade passe a ver a Polícia Militar Ambiental como um órgão auxiliador nas problemáticas encontradas, desenvolvendo laços de respeito e interação entre ambos, visando efetivar a lei ambiental. Os Policiais Militares atuantes no programa possuem qualificação específica.

A Polícia Militar Ambiental, como as demais instituições, age pautada no respeito e consideração pelos direitos humanos e conforme afirma Jesus (2011, p. 133) “não se trata de saber quais e quantos são estes direitos, (...) mas sim, qual é o modo mais seguro para garanti-los, para impedir, que, apesar das solenes declarações, eles sejam continuamente, violados” e é neste ponto que a PMA atua, direcionando os alunos sobre seus direitos e deveres como cidadão e munindo-os com instrumentos para efetivá-los. Afinal, destaca Jesus que (2011, p. 134):

 

Há uma distancia enorme entre a positivação dos direitos humanos e a sua efetividade propriamente dita. Essa distância existe porque ocorre uma crise na cidadania, na qual o indivíduo desconhece os seus direitos, sendo, portanto, difícil de chegar à efetivação dos direitos humanos.

 

Por corolário, a educação consiste em uma ferramenta eficaz para a consolidação do direito humano fundamental ao meio ambiente, e é centrado neste prisma que o 2° Batalhão de Polícia Militar Ambiental de Chapecó/SC age, considerando e efetivando os preceitos da ordem maior, na busca pela consumação de um Estado Democrático de Direito.

 

CONCLUSÕES ARTICULADAS

Este estudo retratou a fundamentalidade que possui o meio ambiente para a vida humana, e se desenvolveu através de uma análise ao caput do art. 225 da CF/88, extraindo seus preceitos e irradiações.

Efetuando um exame em cada uma de suas locuções, retirando os entendimentos que o constituinte originário possuía ao elaborar suas linhas, visando sua perfeita materialização na ordem vigente, como forma de elevar sua potencialidade de atuação na coletividade.

Diante da responsabilidade de promover a expressão da Epístola Maior e de conscientizar a sociedade sobre a essencialidade do meio ambiente, é que se verificou que atuar através da educação seria a melhor forma de auferir este resultado.

Visto que a educação atua desde a mais tenra idade da pessoa, sendo possível a construção de sua personalidade e preparo para a vida social, sendo este, o instante primordial para a construção de valores na pessoa humana.

Ao plantar valores em uma pessoa, através da educação, abrem-se margens para que outras pessoas se conscientizem destes valores e passem a respeitá-los e promovê-los.

Porquanto, este estudo pretende disseminar uma educação atuante desde a semente da árvore, cuidando-a para que germine forte e resistente aos impulsos negativos provenientes da sociedade, impulsionando-as a viver digna e legalmente, estimulando para que as demais pessoas conscientizem-se sobre seus atos, abrindo espaço para que uma nova ordem social, pautada em valores, tais como o da sustentabilidade, possa se edificar no solo pátrio.

É com este pensamento que a Polícia Militar Ambiental desenvolveu o programa Protetor Ambiental, preocupada com os anseios sociais e com o desvalor que este bem esta tendo, buscando efetividade além de suas atribuições fiscalizadoras, passando a aproximar-se do núcleo social e a levar valores para este âmbito, por meio da educação.

A mesma busca atuar educando para preservar e promover, tornando a atividade policial militar ambiental ainda mais valiosa, centrada nos valores do humanismo, da liberdade, da igualdade e da fraternidade, fortalecendo suas raízes no solo nacional por meio de uma ação próxima, humanitária e eficiente, dando vida aos preceitos do ordenamento jurídico vigente.

                       

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 7ª ed. rev. ampl. e atual. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2004.

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_____. Lei n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm. Acesso em 18.12.2014.

_____. Lei n° 9.795, de 27 de abril de 1999. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9795.htm. Acesso em 18.12.2014.

_____. Lei n° 8.069, de 13 de julho de 1990. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm. Acesso em 18.12.2014.

DEZORDI, Sadiomar Antonio. Competência da Polícia Militar de Santa Catarina como autoridade policial para efetuar a lavratura do Termo Circunstanciado na esfera ambiental. Monografia de conclusão do curso de bacharel em segurança pública na Universidade do Vale do Itajaí, 2006.

GOLDSCHMIDT, Rodrigo. O Princípio da Proporcionalidade no Direito Educacional. Passo Fundo: UPF, 2003.

JESUS, José Lauri Bueno de. Polícia Militar & Direitos Humanos. Curitiba: Juruá Editora, 2011.

MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 22 ed. rev. amp. e atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2014.

MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente: A gestão ambiental em foco. Doutrina. Jurisprudência. Glossário. 7 ed. rev. atual. e reform. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.

SANTOS, Miguel. Educação como Prevenção da Criminalidade. Rio de Janeiro, 1949.

SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Princípios do Direito Ambiental. São Paulo: Saraiva, 2014.

SARLET, Ingo Wolfgang.  Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 4ª Ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006.

SERRES, Michel. O contrato natural. Trad. Serafim Ferreira. Portugal: Editions François Bourin, 1990.



[1] Advogada; Graduada em Direito pela UNOESC; Autora do Blog Direito em Estudo; Autora do livro A promoção dos Direitos Humanos Fundamentais através da Polícia Militar.


Disponibilizo mais um dos meus artigos que estão dispostos no site da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, bem como em minha biblioteca digital para que confiram. Forte abraço.


Acessem através do link em azul: A Constitucionalidade Ecológica da Dignidade da Pessoa Humana: Um Olhar Sob a Responsabilidade Municipal Acerca da Promoção do Respeito Ambiental