1.
INTRODUÇÃO
Este
estudo circunda as diretrizes constitucionais acerca das cláusulas pétreas, em
esboço do que são e para que se prestam no solo nacional e até internacional.
Diante
disso, chega-se a questão de: sob a vigência de um Estado Democrático de
Direito em que a negação à prisão
perpétua é direito fundamental e irrenunciável e de outro lado tem-se o racismo como delito imprescritível, e da mesma forma, direito fundamental e
irrenunciável, em que isto influência e qual a necessidade de estudo sobre a
temática?
A
questão em comento refere-se ao fato de que todo o crime possui um tempo para
ser levado a conhecimento das autoridades competentes com vistas a
solucioná-lo, no entanto, o racismo se encontraria fora desta questão e por
isso, poderia ser levantado a qualquer tempo, o que ocasionaria um possível
desgaste jurídico e insegurança social.
Para
entendimento do tema, discorre-se acerca da evolução do estudo, no transcorrer
do tempo, sobre a criminalidade, instante em que autor versus vítima ganham enfoque importante.
Esmiuçando
a casuídica de cláusula pétrea e em que a própria influência na questão de
negação à prisão perpétua – vez que encontra-se expressa em seu núcleo-, após
faz referência ao estudo sobre o delito de racismo, sob o enfoque de o mesmo
constituir um delito de pele, ou seja, um delito que não escolhe cor, mas sim,
sentimentalismo e até mesmo, danosidade psicológica para consumar-se na pessoa
que é seu alvo.
Após
essas considerações, discorre-se, então sobre a questão de possível colisão de
direitos e garantias fundamentais e perigo de entrar-se em lacuna nas diretrizes
acerca da questão de negação à prisão
perpétua enquanto precursora de uma imprescritibilidade
do delito de racismo?
2.
CLÁUSULA
PÉTREA – NEGAÇÃO À PRISÃO PERPÉTUA
Por
cláusulas pétreas se subentende obstáculos instransponíveis mesmo em uma
reforma ou mutação da constituição que gere determinado estado de direito, as
mesmas só podem ser abdicadas através do abandono da Magna Charta vigente e
elaboração de outra, ocasionando a substituição do ordenamento jurídico.
Sua
função é estabilizar e engessar o ordenamento jurídico de maneira a garantir
segurança jurídica aos seus adeptos. Neste sentido Thomas Jefferson (apud SANT’ANA PEDRA, 2005, pág. 331)
indaga sobre a questão de uma geração de homens, através das cláusulas pétreas,
poder vincular outras gerações com base em suas necessidades sociais, já que
estas são imutáveis. Diante disto, ele fala “nenhuma constituição pode conter a
vida ou parar o vento com as mãos. Nenhuma lei constitucional evita o ruir dos
muros dos processos históricos”.
Em
sua concepção nenhum indivíduo pode sobrepor sua vontade a outro, por tanto,
uma geração também estaria impedida de impor-se sobre as próximas. Teme-se que
este posicionamento absoluto possa prestar-se como obstáculo para a
concretização de novos direitos no entendimento de Bobbio (apud SANT’ANA PEDRA, 2005, pág. 333) para o autor “O fundamento
absoluto não é apenas uma ilusão; em alguns casos é também um pretexto para
defender posições conservadoras”. Tem-se o entendimento de que estes preceitos
arraigados no solo pátrio possam desferir um golpe silencioso sobre as novas
gerações, ocasionando um engessamento em ideais ultrapassados e convicções
desnecessárias.
Neste
desenvolvimento os limites expressos na Constituição Federal (art. 60, §4º)
compreendem o cerne material da constituição, com identidade própria que
identifica valores indisponíveis da sociedade, sua função embasa a preservação
destes elementos e desta maneira preserva a permanência e estabilidade da
própria.
Conforme
Sarlet e Brandão (2014, pág. 1129) uma tese defende que esta concepção
dogmática compreende “o governo dos mortos sobre os vivos’ o que é incompatível
com o poder de autodeterminação da geração atual”. Neste entendimento a busca
por modificação do núcleo constitucional poderia ocasionar revolta e retorno ao
caminho da revolução, com vistas ao poder originário de elaborar novos limites
e compreensões, ocasionando, então, prejuízos a segurança jurídica e
estabilidade das instituições políticas.
Porém,
depreende-se de sua existência o fato de que, o povo que assumiu compromisso
constitucional, decidindo sobrepor valores que considera oportunos e
indispensáveis a vida social e estrutura básica do Estado, “com vistas a
afastá-los do dia-a-dia da política, pois, consciente de suas fraquezas, teme por
suprimi-los no futuro em benefícios de interesses menores ou de vontades
fugazes” elabora a sua identidade social por meio das cláusulas pétreas.
Adiante,
embasa o rol de cláusulas pétreas o art. 5 da CF/88, nisto encontra-se no
XLVII, alínea b a negação à prisão da
caráter perpétuo. Conforme Carvalho (2014, pág. 409) a pena de morte foi
executada no Brasil pela última vez em 1855 e está vigente para os casos de
guerra declarada, reforçando a ideia entra a Convenção Americana sobre os
Direitos Humanos através do Decreto nº 678 que define uma proibição ao
retrocesso, dizendo que, aquele que não é adepto a pena de morte não pode
retornar ao status quo ante; aboliu
não retorna a viger (art. 4, 3).
No
Brasil o princípio da humanidade, (art. 1º, inc. III da CF/88) reforça a ideia
por meio do apoio à dignidade da pessoa humana como fundamento da República.
Neste caminho, adentra-se a seara em que a aprovação do Decreto 4.388/02, que
institui o Estatuto de Roma traz a baila discussões como ‘(Art. 29)
imprescritibilidade dos delitos’ e ‘(art. 77) negação à prisão perpétua, porém,
tal discussão é silenciada através da Comissão de Relações Exteriores e Defesa
Nacional, por meio do Parecer n. 442/02, com base no fundamento de que “o
Brasil propugnará pela formação de um Tribunal internacional dos Direitos
Humanos”.
Porém, a questão da perpetuidade da prisão
restou em aberto. Carvalho (2014, pág. 109) assenta que a base para as sanções
penais brasileiras compreende o respeito a princípios como da humanidade (art.
5º, XLVII).
Neste
instante, insere dizer que em conformidade com os princípios da humanidade e da
dignidade da pessoa humana, e em razão a negação à prisão perpétua estar
elencada como cláusula pétrea requer entendimento de que sua vigência em terra
nacional é inviável e injustificável. No entanto, este Decreto não passou pelo
quórum de aprovação de emenda à Constituição o que o coloca em nível inferior
as suas diretrizes, estando, por tanto, conforme sua expressão (art. 60, IV)
impedidos de decretar prisão perpétua em solo nacional, mesmo que a aderência a
este decreto se dê após a promulgação da Charta Magna (05 de outubro de 1988).
3.
RACISMO
– UM DELITO DE PELE
Tanto
como um sucesso se repete na vida particular constata-se que o que cai ao
ouvido e por si mesmo adentra até a consciência feito uma espécie de sonho,
torna por direcionar a vida desta pessoa, vez que Nietzsche acredita que a
consciência do mundo está em repetir-se – retornar até um momento atrás-,
quer-se que o mundo do direito penal adentre-se a está mesma consciência, feito
um espelho côncavo que devolve o reflexo ao que se vê nele.
Este
seria o finalismo da dogmática do direito penal, visando manter as estruturas
existentes, por meio de uma força de atração e tentação irresistível em
conformidade com o pensamento de Gunther Jakobs (apud SCHUNEMANN, 2010, pág. 57/58). Neste enfoque, a sociedade
baseia a validade das normas de acordo com expectativas de comportamento
social, desta maneira (pensamento teleológico) estar-se-ia efetuando uma prevenção
geral positiva por via do reconhecimento da norma em uma justificação
utilitária, por intermédio de estímulos psicológicos.
Logo
após, Jakobs abandona o pensamento teleológico, adentrando-se no entendimento
de Hegel, quando passa a buscar que a pena tem como intuito perseguir um fim de influenciar o
comportamento social, diante disso “y, em lugar de ello, legitima la pena sólo
através da necessidad de marginalizar la afirmación del autor (objetivada em el
hecho) de que la norma no vale, através de uma contra-afirmación objetivizada
em la pena” (SCHUNEMANN, 2010, pág. 61).
Dá-se
a esta teoria o nome de anti-empirista, diante dela este autor se despede de
buscar uma ação preventiva e se joga na teoria utilitarista teleológica em
apoio ao neoidealismo de Ernest Amadeus Wolff, Kohler e seus discípulos. No
entanto, Schunemann, constata um erro nesta ideia vez que, para o referido
autor não é possível sanar através de pena todos os efeitos do ato delitivo,
pois, este entendimento apenas confere veracidade a confusão existente em torno
de medir a categoria de norma jurídica penal com relação as suas consequências,
e ainda, apresenta-se como uma referência, mesmo que tímida as leis de talião,
o que apenas abre caminho para condenados rumo a porta do cárcere, em espécie
de portar a chave e apenas esperar que o delito se faça presente.
Este
entendimento, encerra por fortalecer esta espécie de círculo vicioso que
acomete a sociedade – delito versus
sanção. Seu equívoco estaria no fato de que “el no parte de propuestas
dogmáticas para llegar a la pena, sino que su sistema de premissas y
resultadoses al revés: él parte de la premissa de que la pena no tiene um fin
(sino que es en sí misma el alcance de um fin) para llegar as consequências
dogmático-penales”. Porém, este intuito não pode ser alcançado sem que ocorra a
reduccion médio-fin desde seu fim,
esta técnica despe-se de analisar as consequências da pena, em razão de que a
justiça não deve ter como base a sua mera existência para desempenhar um
sentido de credo e controle social.
Neste
pensamento a separação que visa dividir a pessoa do indivíduo, com fundamento
em manifestações externas de um lado e o inteligível do outro: separar o
sujeito empírico do transcendental. Desta maneira não está ao alcance do
sujeito impedir um acontecimento, apenas ele é quem detém competência para o
determinado fim, desta maneira questões como culpabilidade, causalidade,
poder-fazer, capacidade e outros perdem seu caráter jurídico e não farão mais
que refletir níveis de competência delituosa de um indivíduo.
Em
conformidade com Roxin (2010, pág. 104/105), o ilícito penal deste século que
desenvolve-se a partir das construções sistemáticas da teoria clássica e mais
tarde, da neoclássica, do ilícito jurídico penal (1930) segue até a teoria finalista
da ação, com base em elementos como a causalidade e a finalidade. Instante em
que a causalidade abria espaço para a desvalorização dos tipos delitivos na
modalidade omissiva, sendo por isso, abandonada no meio do caminho, jogada as
margens da sociedade para descrédito social. Na contramão vinha a
culpabilidade, que no viés da teoria finalista da ação poderia ser compreendida
por meio do critério da finalidade, por constituir certos tipos penalmente
relevantes. Tamanha foi a comoção social que tais discussões perduraram os
vinte e cinco anos do pós-guerra, hoje, porém, tais bocas silenciaram suas
críticas, vez que, ambas possuem poucos adeptos alemães.
Neste
enfoque, a teoria de Roxin (apud
SCHNEMANN, 2010, pág. 64) que diz que conceitos prévios de direito não se
prestam a resolver problemas justamente por serem prévios, se baseia unicamente
na ideia de que a pena por si mesma só alcança seu fim mediante sua imposição,
e isto é ser condizente com a renúncia de todos os efeitos preventivos externos
e resultados de os entendimentos teleológicos. Pois, contrário ao autor, o
direito para ser justo precisa tomar conhecimento de que existe um mundo
externo e viver de maneira compatível com ele – estar em conexão funcional.
Busca-se portanto, sair deste círculo vicioso de repetição delitiva visando
resolver os problemas que tal entendimento deixa aberto no sistema jurídico.
Para
o autor, (2010, pág. 107) entra em cena a teoria da imputação objetiva, onde
apenas existe a ação se esta corresponder a auto-responsabilidade, com base no
finalismo da ação, mesmo que uma ação desencadeie em resultado lesão ou morte,
não havendo uma modalidade delitiva que corresponda a ela, estará ausente o
dolo, mas não devido ao entendimento finalista, mas sim, devido a sedes materiae, não havendo matéria que
enquadre a conduta a um tipo legal, também não há cometimento de crime ou seja,
em razão de que ‘o injusto deve ser sistematizado’. Em suas palavras (2010,
pág. 109): “Enquanto a teoria do ilícito responde à pergunta sobre que atos são
objetos de proibições penais, a categoria da responsabilidade visa a solucionar
o problema dos pressupostos com base nos quais o agente poderá ser
responsabilizado penalmente pelo injusto que praticou”.
De
outro modo, concentrar-se unicamente na compensação da culpabilidade, é abrir
parecer para entendimentos baseados em punir um determinado autor com base em
sua culpabilidade, o curioso disso é que apesar das teorias contrárias a este
entendimento, o caminho utilizado neste aporte jurídico penal ainda circunda a
teoria da culpabilidade como norte para determinar a pena ao delito. Visa
retribuir-se o delinquente com uma pena “necessária e suficiente para reprovação e prevenção do crime”. No
entanto, o atual entendimento pretende abandonar o conceito bilateral desta
matéria em que a culpabilidade pretende limitar e fundamentar a pena, não
podendo ultrapassá-la ou ficar aquém. Leva-se em conta uma pretensão com
relação ao autor e com relação a sociedade.
Este
modo de ver as coisas serve também para delimitar o que deve ser punido/
sancionado. O delito segue o ilícito e por isso é determinado por lei. O que
delimita a pena é também seu pressuposto. Neste enfoque, entra Lackner (apud ROXIN, 2010, pág. 118/119)
concordando com o autor ao defender que: “O fato de culpabilidade e prevenção
se encontrarem em ‘planos’ diversos não é” pressuposto para problematizar a
união destes dois conceitos através da responsabilidade, ao contrário, pois
atua como verificador de circunstâncias em que exigências de um agir preventivo
venha a restringir o grau de culpabilidade no circuito penal, ela não refuta os
meios de prevenção, também, não afasta o agir da teoria utilitarista, apenas
busca meios preventivos que sejam eficazes e condizentes com os resultados
pretendidos na seara jurídico-penal.
Adiante,
conforme Schunemann (2010, pág. 65) uma formação de conceitos puramente
normativista, não resolve problemas jurídicos, apenas força um caminho de
lacunas, onde a justiça se perde. Parafrasear o direito não soluciona ou é
capaz de fundamentar decisões. Neste ponto, o autor apresenta a necessidade de
um conceito de competência, isto é “hacerse culpable-competente por um daño a
la validez de la norma” (2010, pág. 65), a base para este método é a
culpabilidade de forma preventiva, o que evita dar voltas em círculos, ou seja,
jogar terra sobre o direito enterrando-o em suas lacunas.
O
direito necessita ir além de buscar rótulos e etiquetas para fundamentar
penalidades delitivas, segundo o autor o entendimento de Jakobs quando afirma
que o direito precisa forçar na necessidade de concentrar esforços com vistas a
evitar danos, compreende uma visão autoritária e ilimitada, o que encerra por
dizer que “es nada más que uma mera afirmación, uma pura decisión adoptada como
remédio para rellenar fórmulas circulares y vacías de contenido” (2010, pág.
66).
Neste
enfoque, a figura de ‘competência institucional” veria mais a calhar, porém,
ainda assim se apresenta questionável, em razão de determinar-se através de um status de autor relacionado ao bem
jurídico, este status teria por base
conceitos dados através de limites estreitos, o que finda em buscar resposta as
questões jurídicas da seara penal por outras vias, fugindo desta forma do
positivismo jurídico em falsa afirmativa de que o direito penal estaria incapaz
de apresentar resposta eficaz. Esta ideia é refutada desde os anos trinta por
meio de Schaffstein y Nain (apud
SCHUNEMANN, 2010, pág. 67). Com isto, afirma-se que o direito abrange um
aspecto maior que “derivar a la pena en general da mera lesión a la norma”. O
instante em que Jakobs refere-se à buscar instituições jurídicas fora do
âmbito-jurídico penal, compreende um retrocesso com relação ao normativismo do
dever jurídico.
Buscar
auxílio em instituições sociais baseado em sentimentos como confiança, se
embasa em uma maneira imprópria ao conceito normativista, pois, conforme
Schumann (2010, pág. 67), estaria atuando de maneira a dividir a classe de
sujeitos de direito entre homem indivíduo e persona, e de outra forma,
desencadearia em consequências de cunho sociológico e por este motivo,
empíricas, o que teria por resultado um retorno ao direito naturalista
(predominante na Alemanha entre 1870 e 1900). Neste caminho, Jakobs (apud SCHUNEMANN,pág. 68), afirma que o
dolo no entendimento penal se classifica conforme o grau de indiferença do
autor delitivo, ou seja, o intuito de vontade interior do agente, ideia
refutada por SCHUNEMANN (2010, pág. 68) com base de que este entendimento se
reduz a um círculo vicioso por meio de eliminação de fins externos fora da
confirmação da validade normativa., em resumo, tal caminho, soterrado entre
suas lacunas, desencadearia em uma estrada sem saída: letra morta de lei.
Deste
método de ver a lógica jurídica depreende-se que o direito-penal puramente
normativista em algum momento se rompe. Este conceito, ‘naturalista’ leva a uma
crença de ‘equivalência’ – a raiz do resultado se baseia no valor/desvalor da
ação, com isso, todo o entendimento de causas importantes e menos importantes
(dolo) ficariam à mercê de decisionismo pouco científico, e um empobrecimento
para o desenvolver de teorias subjetivas, haja vista, que para o autor, tais
critérios (dolo/causas importantes e menos importantes) poderiam ser fingidas
pelo autor perante o tribunal para ocultar ou justificar delitos (animus auctoris y del animus socii).
Este entendimento, compreende um ontologismo que se baseia basicamente no dolo
do agente saindo fora do entendimento puramente normativista.
Desta
feita, teme-se um desenvolvimento jurídico indeterminado e dependente da
opinião do jurista da casuídica, por isso, põe-se como alternativa desenvolver
interpretações convencionais baseadas mais em princípios fundamentais, de forma
a desenvolver uma continuação e que esta se concretize em conformidade com a
matéria jurídica, decidida conforme as diferentes realidades da vida. Esta
diferenciação entre norma e princípio vem sendo desenvolvida desde os anos
cinquenta por Autores como Dworkin e Alexy, desencadeando na teoria dos
direitos fundamentais.
A
razão deste desenvolvimento é defendida com base numa relação livre de
antagonismo e que encontra-se a muito enraizada no solo da sociedade e por
isso, viria a ser mais facilmente aceita. Neste caminho, princípios básicos
como o da danosidade e da culpabilidade (direito canônico da Idade Média;
função: legitimar a ação da crueldade da pena sobre o próprio afeto) ganhariam
espaço e vez. No desenvolvimento de Emanuel Kant (apud SCHUNEMANN, 2010, pág.
72) o delinquente não pode ser utilizado como um meio para se alcançar fins, em
razão de ser protegido por sua personalidade inata, quem possui esse critério
de proteção é o indivíduo por ser um sujeito de direitos e deveres e não por
ser ‘persona’, isto é, o homem/mulher em sua individualidade de ser humano: de
carne e osso. Esta ideia de culpabilidade vem sendo desenvolvida a mais de cem
anos e tem como pressupostos a ‘evitabilidade do direito e a exibilidade de sua
evitação’.
Neste
aporte, “deber supone poder-hacer”, na razão de Hans Albert (apud SCHUNEMANN, 2010, pág. 73), com
isso, valoriza-se o direito a ser valorado, sob pena de converter-se em
provérbio a exemplo de outros países, por compreenderem ‘princípios pontes’ que
resultam em prescrições de deveres, o qual pressupõe um poder-fazer. Com isso,
quer-se uma superação da linguagem coloquial que coloca o direito distante da
população, pois o juízo de valoração está prescrito em casos reais, na raiz do
percurso histórico do contexto (iter
criminis). Ocorre, neste ponto uma separação entre a linguagem descritiva e
a prescritiva, buscando maior fundamento e campo de significado (Bedeutungshof).
Por
consequência, compreende-se que o “delito debe tratarse de um comportamento socialmente danoso” (danosidade social/
proteção do bem jurídico) elucida o autor (2010, pág. 75) e possui a proteção
do ‘bien juridico’ apensar de todas
as teorias de marginalização e impugnações que sofreu no decorrer do tempo, uma
verdade jurídica é aquela que está na estrutura da realidade social mais
variáveis mas que são determináveis. Um antijurídico torna-se delito no
instante em que está em contradição com as linhas naturais de uma determinada
sociedade e se descuida das boas razões aplicadas a este contexto de realidade
de maneira relevante -estando em conformidade com a realidade.
No
entanto, os pontos de vistas ontológicos e normativistas não se excluem entre
si, mas complementam-se. E seu ponto de partida é a realidade normativa
relevante. O que deve-se tomar cuidado é a ideia de valorar o dever de cuidado
requerido, por abrir brechas para demasiado determinismo judicial,
autoritarismo de entendimentos focados. A exemplo, como determinar o juízo de
valor que uma e outra pessoa deve fazer mediante determinado caso e desenvolver
da situação, sem que, com isso, ocorra uma valorização de pontos de vista?
Por
este entendimento a via que desenvolve-se leva a um processo de ponderação, que
valoriza fatores como a utilidade da ação que está-se desenvolvendo, seu grau
de risco, a possibilidade de adotar medidas que diminuam este grau de risco e a
exigibilidade de tal conduta. Deste modo, a atividade desenvolvida deve ter
relação direta com seus fundamentos.
Não
tardou para que as vozes alemãs tornassem a percorrer as ruas das cidades em
busca de clamor social urbi et urbi
dando abertura ao que Gunther Jakobs em 1999 denomina teoria do ‘direito penal do inimigo” (apud Muñoz Conde, 2010, pág. 208). Nesta teoria o direito penal do cidadão que
respeita o Estado Democrático de Direito se contrapõe ao direito penal do
inimigo que emana do poder estatal. Tais inimigos perderiam o status de pessoa (Unpersonen) por se situarem de modo claro e aberto fora do Estado
de Direito, devendo, por este motivo serem privadas dos direitos que o
ordenamento confere às pessoas.
Esta
teoria se apega aos entendimentos lombrosianos de delinquente nato, nas
propostas eugênicas de Galton. Tendo por base que as marcas dos regimes
autoritários alemães permanecem enraizadas nas histórias, no entanto, outros
regimes autoritários permanecem escusos e fora dos holofotes, ignorados, como
se nunca tivessem existido. Esta ideia tinha por base os índices de
reincidência delitiva, os quais, beiravam o que denominava-se ‘incorrigíveis”.
Em seu favor, dizia Von Liszt:
A prisão perpétua ou, se for o caso, de
duração indeterminada, em campos de trabalho, em ‘servidão penal’, com estrita
obrigação de trabalho sem excluir como sanção disciplinar a pena de açoites e
com a consequente perda dos direitos civis e políticos, para mostrar o caráter
desonroso da pena. O isolamento individual apenas operaria como sanção
disciplinar em cela escura e em estrito jejum.
O
que ele desejava é que os delinquentes fossem ‘arruinados’, e que sua ruína não
custasse o dinheiro do povo, mas que fosse proveniente de suas forças e
capacidades para o trabalho e custeio de suas necessidades, e que para evitar
que isso fosse visto de maneira distorcida, como espécie de ‘regalia’ que fosse
utilizado meios como, por exemplo, a tortura, para com isto, cobrar uma atitude
digna por parte dos apenados. Conforme o autor “alimentá-los, dar-lhes ar e
movimento conforme princípios racionais é um abuso do dinheiro dos
contribuintes” (apud MUÑOZ CONDE,
2010, pág. 217).
Adiante,
o autor propõe a classificação dos delinquentes em ocasionais, corrigíveis e
incorrigíveis, existindo, deste modo dois ou mais tipos de direito penal
correspondentes a cada classe delitiva: a) uma que respeitasse os direitos
fundamentais individuais e outra b) sem nenhum tipo de limite para os quais
fossem considerados um perigo à ordem social – os incorrigíveis; Ambas
fundamentavam-se na periculosidade dos agentes (espécie criminal – Binding). O intuito maior era alcançar a
‘Justiça Retributiva’.
Já
vendo a pena como retribuição ele (Binding, 2010, pág. 220) classifica as
pessoas incorrigíveis no que vem a chamar ‘seres desprovidos de valor vital’.
Nestas circunstâncias, Radbruch (apud
MUÑOZ CONDE, 2010, pág. 221) passa a denominar delinquentes ‘habituais e
profissionais’ movido pela derrota sofrida através da Primeira Guerra Mundial
(1922), a qual desencadeou sério aumento na criminalidade e insegurança social
movidas pelo desemprego.
O
primeiro passo requerido por tais autores era a exclusão destes ‘inimigos’ do
povo, em seguida misturou-se as ideias iniciais teorias movidas puramente por
ódio racial, visando expressar o que denominou-se ‘poder absoluto’, abarcada
pela ideia maquiavélica, de que o fim, a segurança congnitiva, justificaria os
meios, uso do direito penal do inimigo. Porém, foram opiniões reconhecidas
antes da entrada do Estado de Direito e de aderência aos Direitos Humanos
emitidas sob contextos totalmente diferentes dos atuais, porém, mesmo na
atualidade em se tratando de guerra declarada ninguém põe em dúvida a
existência, mesmo que, marginalizada de um ‘direito penal do inimigo’.
Este
direito é legítimo nos casos de perigo a identidade e segurança de um Estado,
conforme Jakobs (apud MUÑOZ CONDE,
2010, pág. 226). O autor pede que sua tese seja vista sob o teor de valoração,
sem buscar a todo custo contestar sua validade. Este entendimento seria mais
que bélico, ele valeria-se através de princípios, como por exemplo, que a
guerra fosse justa e não de agressão, com respeito a população e aos
prisioneiros, respeitados os Convênios de Genebra de 1949, de onde extrai-se a
essência do Direito humanitário. Conforme Muñoz Conde (2010, pág. 230) este
direito não é próprio de um país, mas compreende um caminho para o qual diversos
povos têm se direcionado, ele é voltado de maneira sui generis e assume diversas roupagens legitimando uso de
arbitrariedades de maneira a vulnerabilizar o direito e o sentimento de
segurança social.
Neste
entendimento, o jurista Engisch (apud
BETTIOL, 2010, pág. 232) fala da liberdade de vontade como uma desconhecida,
mas que é indispensável para a compreensão das finalidades do direito-penal.
Conforme Welzel (apud BETTIOL, 2010,
pág. 233), esta desconsideração leva a distinção do querer em três categorias:
a) antropológica; basear-se-ia no ser
humano em sua condição primitiva, dá relevo a sua natureza animal. B) caracterológico: que refere-se a um agir
movido por impulsos internos e c) categorial:
movido pelo clamor social e aos ideais considerados relevantes – moral e
psicológico. Para ele, a liberdade é um ato, não uma situação ou um fato.
Neste
ato a pessoa liberta-se do que a determinou a tal direção que não seria própria
de sua índole. Neste ponto, “é a causalidade que, expulsa pela porta, entra
pela janela e torna impossível um juízo moral”, aquele juízo onde toma acento a
culpabilidade, ou seja, a capacidade em que um indivíduo possui de fazer uma
livre escolha entre um valor e um desvalor. O autor presa por um entendimento
eticista e valorização da comunidade social, ele parte de um valorativo de
consciência do indivíduo com relação a sua atitude, que se assume como pessoa
em conformidade com suas atitudes “a respeito dos valores da vida e dos ditames
da lei moral” (2010, pág. 235).
O ser ‘homem’ reside precisamente nisto:
sentir na própria consciência um imperativo que pode ser seguido ou transgredido
desde que depois suporte as consequências pelo comportamento havido ou pelo
grau da própria culpabilidade. Culpabilidade é um conceito que se exprime em
termos de censura e que varia de intensidade de homem para homem, de ação para
ação, conforme o comportamento da consciência, dos motivos, dos afins.
A pena baseia-se na ‘decisão consciente do
crime’, embasada em um sentido ético-social, em conformidade com a desaprovação
da conduta, em um campo dominado pela ética e por uma política que gravita em
torno da personalidade-humana. Porém, Muñoz Conde (2010, pág. 237) se coloca
como adepto da teoria democrática ‘personalista. Tais teorias foram escritas as
sombras do fato criminoso’ movidas pelo sentimento de medo da guerra eminente,
originada em anos de totalitarismo, em que o Estado possuía uma visão unitária
do todo, visando manter-se vivo. Sentimento e razão discutiam alto nas páginas
dos cadernos de leis, são as cinzas da memória de um povo que pedem para não
serem esquecidas e consumidas pelo tempo.
Neste
aporte, Lange (apud MUÑOZ CONDE,
2010, pág. 239) fala que o homem é mais história que qualquer outra coisa; e
história é apenas uma concepção do que um dia houve, isto é, compreende apenas
visões direcionadas de acontecimentos. Vez que, cada autor encaminha para o
ponto que se enquadra no momento e pensamento que, por sua vez, toma vida
através de sua expressão em um livro e este livro por sua vez passa a
compreender o registro do que houve, ou diz-se existir.
Sendo
o homem um ser incompleto e que é aperfeiçoado pela história, se abre parecer
para que este, dispa-se de suas vestes autoritárias e manchadas pelos expostos
aos exageros autoritaristas e siga através de um novo caminho em que não se
sinta preso a este estigmatismo de definir-se e ser definido o ‘autoritário’.
Sendo
portador da chave com que privou a liberdade de cidadãos, também lhe é
condizente que abra as suas próprias algemas que o mantém etiquetado: o
‘autoritário’. O direito abre margem para um caminho digno e humanitário para
todas as pessoas por seu caráter de ser humano, e não por uma etiqueta ou
rótulo em que, um dia, a história através de uma ‘classificação’ (numérica,
simbólica e outras formas) o aprisionou.
Neste
aporte, entra Hans Welzel (apud
HIRSCHI, 2010, pág. 247) com a teoria do
injusto segundo a qual para que um delito constitua fato típico é necessário
mais que ter dado causa ao resultado, é preciso também que tenha agido com
vontade: ‘ação voluntária’. A ocorrência do resultado é consequência desta ação
de vontade livre e consciente. Diante disto, Sanchez (2010, pág. 312) afirma
que a finalidade de posicionamentos esparsos e outros mais enraizados visa
apenas a manutenção do poder estatal, e para isto se serve de meios de coação e
repressão social como via de combater a criminalidade e os delinquentes.
Ainda
no entendimento do respectivo (2010, pág. 320), essa busca por sistematizar o
direito visa a obtenção do que denomina-se direitos humanos, em que estes
sirvam a todos os povos e classes efetuando uma junção de ideias e ações
conjuntas – indivíduo-sociedade -, busca determinar um horizonte normativo
comum.
De
outra sorte, Melia (2010, pág. 404) apresenta a necessidade de uma
política-criminal, instante em que rejeita a ideia do posicionamento vítima, acreditando inclusive na
necessidade de uma sanção para as enquadradas neste conceito. Este entendimento
busca reduzir a punibilidade dos autores supondo que a vítima deve tomar
medidas de autoproteção como meio de evitar a comiseração de delitos. Busca-se
a todo custo evitar a consumação delitiva. Este entendimento é também, mais
coerente do ponto de vista econômico. Se pretende proteger interesses
diferentes dos que circundam a vítima ao obriga-la a autoproteção, protege-se,
ainda potenciais vítimas, consubstanciando uma espécie de ‘vítima descuidada’.
Em conformidade:
...es injusto dejar de tener en cuenta la
conducta de la víctima em los procedimentos penales, pues teniendo em cuenta la
mayor probabilidade de que las víctimas descuidadas (em relación com las
precavidas) se convíertan realmente en víctimas de hechos delictivos, los
costes de la protección de víctimas cuidadosas. Por lo tanto, em el sistema
actual, las víctimas precavidas son explotadas para proteger las descuidadas.
Esta
compreensão parte do sentido de que ‘autor’ e ‘vítima’ andam em conjunto, o que
reproduz enorme ‘com-fusión’. Não se quer com esta ideia diminuir a
potencialidade de lesão do autor, apenas se quer analisar o âmbito do punível,
em razão disso, em suas palavras (2010, pág. 406) “si la intervención del
titular del bien jurídico afectado no es tenida em cuenta, se producirá um
castigo em excesso al autor”.
O
perigo desta visão está em converter o posicionamento entre autor e vítima,
confundindo-os na concepção jurídica final, findando numa projeção do ilícito
na vítima; o uso de vítima como
etiqueta. Teme-se uma sistematização do posicionamento vítima denominada vitimodogmática onde a punição em ultima ratio encerra por converter os polos ativos e passivos do
tipo jurídico penal. Porém, afirmar proteção a determinado bem jurídico sem
compreender a vítima como passível de proteção jurídica compreende um paradigma
difícil de ser superado. Para Melia (2010, pág. 409):
... debe existir uma correspondência entre
la necessidade de pena del comportamento del autor y la necesidad de proteción
de la víctima. A esta argumentación se le añade que el princípio de
subsidiariedade impone la incriminación penal tan sólo si no existen médios
sociales de solución del conflito: em este sentido, se llega a la conclusión
antes reproduzida de que no cabría incriminar aquellas conductas frente a las
cuales la víctima puede protegerse por si misma.
Para isto, propõe-se duas dogmáticas uma em
que se constata os denominados delitos de
relação, nestes os delitos são consubstanciados em uma relação humana, é
necessária uma confrontação direta e atual entre autor e vítima. De outro lado,
tem-se os delitos de intervenção,
aqui é necessário que a vítima participe do comportamento da ação delitiva,
prescinde que o autor intervenha ou aceite os bens jurídicos protegidos pelo
titular, ou seja, a vítima deixa de tomar as medidas necessárias para a
proteção do seu bem-jurídico. Ambas baseiam-se no fato de que todo tipo
delitivo precisa de algo mais que um mero resultado natural. Porém, esta ideia
embora bem elaborada, ainda é considerada como um retrocesso em matéria penal,
conforme o autor.
No
entanto, elas são capazes de lançar uma luz nas sombras dos becos em que os
delitos são cometidos e muitas vezes silenciados por pessoas que poderiam
ajudar a elucida-los ou até evita-los. Diante disto, penaliza-se a vítima (comparative fault) que tenha se
comportado de modo reprovável, no entanto, este modo de agir abre margem para o
decisionismo judicial, instante em que, fica dependente do critério de
interpretação do juiz quanto a contribuição da vítima e a determinação da
penalização ou não da própria e até que ponto. Destarte, que o autor Melia puxa
à baila esta discussão apenas com o intuito de fomentar um raciocínio crítico
acerca da ligação indissolúvel entre autor e vítima (2010, pág. 430).
De
tudo isso, extrai-se atualmente a banalização do uso dos direitos humanos,
momento em que o autor tem vestido as vestes da vítima e etiquetado o rosto com
a nomenclatura (vítima/vitimizado), e com isso calando-a e fazendo com que o
delito nunca emerja.
Neste
momento, Rivacoba (2010, pág. 431) indaga sobre a existência de um romantismo
jurídico com relação a defesa social? Neste ínterim, Soler (apud RIVACOBA, 2010, pág. 439) define:
“muéstrame tus leyes penales, porque te quiero conocer a fondo”.
Conforme
se extrai de entendimentos a sociedade mobilizada pelo clamor de noticiários
ocasionam as falácias, ou seja, posicionamentos destituídos de compreensões
especializadas mas nem por isso, destituídas de comoção e apego a ideias o que
pode ocasionar em um posicionamento jurídico destituído de normatividade,
movido apenas por clamor – gritos do povo.
Neste
momento ideias mobilizadas por sentimentalismo e ideias de heroísmo adentram em
terras destituídas do teor jurídico necessário para uma compreensão eficaz. Por
este motivo, projetos de lei são mandados para sancionar nas câmaras
promulgadoras, sem conhecimento ou necessidade alguma, ocasionando uma
sobrecarga de medidas ineficazes e o povo que já estava clamando por mudança
percebe esta insegurança jurídica e finda por descrer no sistema em que se
encontra.
Ideias
sem raciocínio e entendimento especializado tomam as ruas e das ruas entram
para o Congresso retornando em forma de lei. Necessita-se abrir um parecer aqui
para indagar: qual a eficácia desta promulgação desmedida de leis? Apresentar
ao povo uma lei com sanção aparente, no chamado ‘tapa buraco’ conscientiza e
mantém calado o povo até que ponto?
No
instante em que pequenos entendimentos forem resolvidos, será viável uma
solução eficaz.
4.
CONTRAPOSIÇÃO
ENTRE A NEGAÇÃO À PRISÃO PERPÉTUA VERSUS
A IMPRESCRITIBILIDADE DO DELITO DE RACISMO
Prescinde
vir à conhecimento sobre a imprescritibilidade do delito de racismo. O
posicionamento de direitos e garantias no rol do art. 5º da CF, confere a estes
direitos e garantias proteção de cláusula pétrea, estando eles proibidos de
serem abolidos ou diminuídos.
Diante
disso (art. 5, XLII da CF/88) é imprescritível e inafiançável a crime de
praticar racismo. A partir deste momento, Feldens (2014, pág. 394) vê a
Constituição “como fonte, a um só tempo, de legitimação e limitação do poder
constituído; é dizer, de abertura e de contenção do poder estatal”. O fim a que
se destina é proteger os direitos e garantias fundamentais. Ou seja, ela
compreende a) limite material, b) fonte valorativa e c) fundamento normativo. Estes direitos
posicionam-se como valores e exigem do Estado um dever de prestação. O mandado
constitucional torna soberano valores considerados fundamentais em determinada
sociedade, os quais não podem ser suprimidos ou extraídos sob pena de condenar
este sistema ao suicídio.
Com
isso, o mandado de criminalização cria uma relação de abrigo contra a espécie
delitiva, estabelecendo seus termos e limites., o qual não pode estar além ou
aquém do constitucionalmente admitido (princípios: proibição do excesso e proibição
deficiente). Conforme Feldens (2014, pág. 395) encontrar-se-á “de um lado,
um limite garantista intransponível (intervenção necessariamente mínima); de
outro, um conteúdo mínimo irrenunciável de coerção (intervenção minimamente
necessária).
Com
isso, o constituinte não se mostrou indiferente ao fato de 45% da população
brasileira ser constituída por pessoas negras ou pardas. Então estabeleceu uma
sociedade livre de preconceitos com relação a raça e outros (art. 3º, IV) e
criminalizou a prática de racismo (art. 5, XLII). Porém, esta questão
ultrapassa a definição de ‘cor’.
Neste
aporte o autor (2014, pág. 395) utiliza a articulação linguística ‘da raça ao
racismo’. Aborda-se o fato de que o racismo é mais que um fator biológico (cor
ou raça) mas sim um fenômeno social que se baseia em discriminar e não
necessariamente na raça. Diz-se, que é mais um delito de pele, pois trata-se de um sentir-se discriminado,
refere-se a um fator psicológico mobilizado por fatores externos e não
propriamente localizado na questão da raça do indivíduo.
Este
delito, então transcende outros fatores constitucionalmente elencados,
inclusive, em cláusula pétrea quando acredita em sua imprescritibilidade, vez
que, o autor do delito, encontrar-se-á algemado em uma via de prisão perpétua
por ter cometido um delito que será considerado imprescritível. Ou seja, sua
capacidade para penalizar nunca perderá a eficácia e normatividade, pondo em
xeque princípios em espécie como da dignidade da pessoa humana e igualdade
jurídica.
Vê-se
que, via de exceção, conforme o autor (2014, pág. 396) “a potestade
sancionadora do Estado não é eterna” (art. 109 e ss. Do CP), este entendimento
se baseia com a intenção de evitar a inércia estatal no que tange aos delitos,
de maneira a impedir o prolongamento investigativo da matéria, da ação ou
execução penal e também, o direito de manter consigo a denúncia com vistas a
decisionismo quanto a apresenta-la a autoridades competentes. Destarte que no
viés internacional conforme o art. 29 do Estatuto de Roma os direitos lá
elencados também não prescrevem, porém, tais direitos têm efeitos
infraconstitucional, isto é, não se sobrepõe ao que está expresso no texto da
Charta Maior.
Confronta
o posicionamento da imprescritibilidade do delito de racismo o fato de que
outros direitos como à vida e nisto adentra-se delitos como homicídio, estupro
e hediondos, os quais nenhum é imprescritível. Este entendimento direciona a
compreensão de que cometer um ato de racismo estaria a ferir o seio da
sociedade mais que um delito contra a vida ou liberdade sexual e afins. Surge,
então a dúvida de: por quê, estes direitos não seriam imprescritíveis como o
outro?
É
sabido que o delito de (art. XLIV) a ação de grupos armados civis e militares,
contra a ordem constitucional e o Estado Democrático, também, são
imprescritíveis, mas aqui, estar-se-ia referindo a delitos que põe em perigo a
ordem social e a vigência e soberania do Estado.
A
ver de entendimento, a própria Constituição apresenta um conflito de diretriz
no que refere-se ao assunto, pondo uma modalidade delitiva acima de outras de
não menor importância.
5.
CONCLUSÃO
Do
exposto, extrai-se que há certa divergência em cláusulas pétreas protetivas de
direitos e deveres fundamentais quando afirmam de um lado a negação à prisão perpétua e de outro a imprescritibilidade do delito de racismo.
Vez que, ambos os direitos e garantias possuem o mesmo valor jurídico, porém,
expostos desta maneira estariam a colidir um com o outro.
Desta
colisão, brota no seio nacional uma possível insegurança jurídica e social.
Afinal, como um direito pode deter mais valia que outro e estar em colisão com
ele mesmo? Nesta afirmativa depreende-se que o delito de racismo é mais que um
delito de cor, compreende mais que um
crime de-cor-ado - expresso no
caderno de leis e decorada as suas formas e consumações.
Ele
compreende mais que um delito com possibilidade de inversão de polos entre
autor e vítima. Não se define por um guardar
na memória, ou gravar com vistas
a não esquecer.
Embasa
um delito de pele em que
sentimentalismo e razão andam de mãos dadas. É mais que um envolver da pessoa
humana, que se consubstancia por fatores externos, e que, por sua vez, possui
função (social, psicológica e etc.).
Por
este caminho é que evidencia-se a necessidade de estudar a casuídica de
possível colisão de direitos existente entre a negação a prisão perpétua e a
imprescritibilidade do delito de racismo, a par de outros direitos não menos
importantes como a vida, por exemplo. Vez que um encerra por anular o outro e
causa insegurança social, por abrir margens a pareceres decisionistas de um
lado e na contramão o estar rompendo sua validade e por sua vez, eficácia
social.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CARVALHO,
Salo de. Art. 5º, XLVII. In:
Comentários à Constituição do Brasil. Org: CANOTILHO, J.J Gomes et. All. São
Paulo: Saraiva/Almeida, 2014.
FELDENS,
Luciano. Art. 5º, XLII. In:
Comentários à Constituição do Brasil. Org: CANOTILHO, J.J Gomes et. All. São
Paulo: Saraiva/Almeida, 2014.
SANT’ANA
PEDRA, Adriano. A Constituição Viva: Poder Constituinte Permanente e Cláusula
Pétreas. Belo horizonte, Mandamentos. 2005.
SARLET,
Ingo Wolfgang e BRANDÃO, Rodrigo. Art. 60. In:
Comentários à Constituição do Brasil. Org: CANOTILHO, J.J Gomes et. All. São
Paulo: Saraiva/Almeida, 2014.
SCHUNEMANN,
Bernd. La Relación entre ontologismo y normativismo em la dogmática
jurídico-penal. In: Doutrinas
Essenciais de Direito Penal. Parte Geral I. Volume II. Org: FRANCO, Alberto
Silva, et. All. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.
ROXIN,
Claus. Reflexões Sobre a Construção Sistemática do Direito Penal. In: Doutrinas Essenciais de Direito
Penal. Parte Geral I. Volume II. Org: FRANCO, Alberto Silva, et. All. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.
ROXIN,
Claus. Reflexões Sobre a Construção Sistemática do Direito Penal. In: Doutrinas Essenciais de Direito
Penal. Parte Geral I. Volume II. Org: FRANCO, Alberto Silva, et. All. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.
MUÑOZ
CONDE, Francisco. As Origens Ideológicas do Direito Penal do Inimigo. In: Doutrinas Essenciais de Direito
Penal. Parte Geral I. Volume II. Org: FRANCO, Alberto Silva, et. All. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.
HIRSCH,
Hans Joachim. Sobre o Estado Atual da Dogmática Jurídico-Penal na Alemanha. In: Doutrinas Essenciais de Direito
Penal. Parte Geral I. Volume II. Org: FRANCO, Alberto Silva, et. All. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.
MELIÁ,
Manuel Cancio. Reflexiones Sobre la ‘Victimodogmatica’ em La Teoria Del Delito.
In: Doutrinas Essenciais de Direito
Penal. Parte Geral I. Volume II. Org: FRANCO, Alberto Silva, et. All. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.
RIVACOBA,
Manuel de Rivacoba y. Hacia Un Nuevo Conceptualismo Jurídico? In: Doutrinas Essenciais de Direito
Penal. Parte Geral I. Volume II. Org: FRANCO, Alberto Silva, et. All. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.