sábado, 6 de agosto de 2022

O ELEMENTO SUBJETIVO DA MULTIDÃO ANÔNIMA NA DOGMÁTICA PENAL

 


1.      INTRODUÇÃO

Este estudo se baseou na análise do elemento subjetivo da multidão anônima na dogmática penal.

O intuito é fazer menção as pessoas que não possuem passagens policiais ou são reincidentes na seara criminal, com o intuito de demonstrar que são cidadãos que pertencem a sociedade mesmo não estando presentes nos dados estatísticos criminais.

Esta multidão anônima é capaz de mover a sociedade, e este é seu imperativo para ser ouvida e respeitada.

Para este estudo foi analisada a questão do dolo, da culpa e da culpabilidade na temática penal.

Sendo, para a concepção do ato delitivo o dolo seu principal elemento, evidencia-se que ele provém do Eu interno (sentimento/ subjetivismo) e da parte psíquica é transferido para a prática, a partir da prática ele é considerado para a criminalística, porém, em tese não é aqui que ele tem existência.

Neste ponto é que se encontra o enquadramento e importância da multidão anônima para a dogmática penal, a sua influência dentro do Eu  de cada cidadão.

A partir desta perspectiva é que se verifica a importância deste estudo, conforme se passa a demonstrar.

 

2.      A CULPABILIDADE PENAL NORMATIVA

Conforme Bruno (2010, pág. 37) a ciência criminal enquadra-se em duas realidades, de um lado vem o homem perigoso que ameaça e fere (armado, desarmado e etc.) na contramão vem a sociedade que se defende (fragilizada, desfragmentada, despreparada e etc).

A escola clássica de direito penal na determinação do crime centrou-se no intuito do agente e por isso, enquadrou a tônica do conceito delitivo sobre a responsabilidade moral colorindo os delitos em mil cambiantes e determinando penas das formas mais variadas. Têm-se a impressão de que enfatiza-se mais a ideia de justiça absoluta e reafirmação do direito negado pelo delito, de que a defesa social de per si.

Desencadeou no delito a ideia de mero episódio de desajustamento social do homem. Diante disso, o livre arbítrio e a responsabilidade moral perderam o enfoque no estudo do crime. De acordo com o autor (2010, pág. 38):

 

O conhecimento da vida revelou, no drama do delito, de um lado, um homem de personalidade desarmônica, por causas orgânicas ou funcionais, herdadas ou adquiridas, e, de outro, a sociedade com os interesses comuns protegidos por uma norma, a que o criminoso não se pode acomodar.

 

Aí se encontram os dois termos do problema: o perigo social e a defesa social. Neste sentido, todo o criminoso encontra-se no olhar de desajustado, de ameaça a boa ordem e aos interesses que a norma consagra, é imperativo que defenda-se a sociedade dele, é para isto que existe a estrutura social, a organização da sociedade.

A norma é vista como algo espontâneo que nasce do primeiro contato entre os homens e por isso, vê-se imposta uma espécie de subordinação no que refere-se a ela, já que é “no próprio criminoso” que está o perigo que se ergue dentro do regular suceder dos fatos sociais. O perigo que ameaça obriga a sociedade a defender-se, provém daí a teoria da periculosidade, a defesa social vem antes da ideia de evitar-se a ocorrência de barbaridades. Com isso, surgiu a necessidade de conceituar o estado tido por perigoso e os direitos fundamentais do cidadão, emergindo:

1.      Possibilidade de existência em certos delinquentes, considerados anormais, um estado perigoso para a segurança pública;

2.      Em que condições se reconhecerá este tipo de delinquente, afim de garantir a liberdade individual e respeitar os princípios de direito;

3.      Quais são as infrações e limites destas que faz distinguir este delinquente do tipo perigoso nos delinquentes primários, salvo em autores de delitos graves e específicos.

Para Liszt (apud BRUNO, 2010, pág. 41) faz-se necessário um amplo conceito de estado perigoso e estabelecer, diante disso, as medidas de defesa social necessárias seja adaptação ou eliminação. Umas das considerações deste enquadramento delitivo circunscrevia os: a) reincidentes; b) alcoólicos e deficientes; c) mendigos e vagabundos.

Mais tarde, esta teoria foi expandida, com isso Grispigni (apud, BRUNO, 2010, pág. 47) define a periculosidade como “capacidade de uma pessoa tornar-se, com probabilidade, autora de delito”. Ou seja, consubstancia uma tendência a adentrar no caminho criminoso, ele deve, então, ser submetido a uma intervenção penal em razão de que seus atos revelam temibilidade ou estado de indivíduo considerado perigoso. O delito compreende mais no perigo que a pessoa desenvolva que na concretização de seus atos.

Veja-se que esta teoria centraliza-se na causalidade, a qual, por sua vez, subdivide-se em duas classes: “a primeira, a título de dolo ou de culpa, refere-se ao fato específico próprio do homem normal”, enquanto a segunda refere-se a imanência criminal quando “o modo de ser e de manifestar-se a conduta, ao comportamento anormal do sujeito conforme sua personalidade psíquica como estado subjetivo criminal”, expressa Bruno (2010, pág. 49).

Advém desta teoria que a periculosidade precede e acompanha o delito, por isso é ela e não o delito que deve ser tomado em partida para o direito criminal, com isso, “há de admitir-se a periculosidade anterior ao delito, a periculosidade sem delito e sobre ela fazer incidir a ação preventiva da sociedade” – profilaxia do delito.

Voltada para o homem como o germe do delito, procura surpreender a emersão do delito antes que se corporifique, por isso, o direito precisa interferir, como instrumento de defesa e de garantia. Neste enfoque, conforme Ferri (BRUNO, 2010, pág. 50):

 

Periculosidade social e periculosidade sem delito; periculosidade criminal e pós-delitual. Sob o ponto de vista do direito criminal atual procede a distinção, porque só da periculosidade pós-delitual cogitam os códigos e só a ela se aplicam as medidas de defesa social por via judiciária. A periculosidade sem delito é assunto da polícia que os códigos penais ignoram e a magistratura desconhece. Não procede, porém, a distinção sob o ponto de vista doutrinário. A periculosidade criminal é ‘a capacidade de uma pessoa de se tornar com probabilidade autora de delito’. O delito é mero sintoma da periculosidade, será, como diz Wach, o sintoma legal do caráter anti-social mas a periculosidade o precede e o delito surge como efeito da periculosidade anterior.

 

A escola clássica via na pena um meio de espionar o agente delituador com o interesse de retribuir o mal a ele. O delito bastaria para justificar a pena, esta, por sua vez, não passaria de desfecho da vontade humana.

Contudo, excluída a ideia de expiação e castigo e considerada a pena como sanção criminal com vistas a meio de emenda e inocuização do delinquente, ela perde seu patamar de prioridade ao magistrado e a periculosidade do homem volta à tona. Diante disto, “o ato delituoso não basta para provocar a sanção”.

Após este instante de reflexão criminológica adveio a fase da teoria no ambiente do direito criminal instante em que fez-se a reflexão de que o homem compreenderia mais que um ser político, e por isso ele precisa ser entendido em sua complexidade infinita, desta maneira o direito criminal não poder-se-ia ficar estático e permanecer imutável aos acontecimentos sociais e desenvolvimentos da personalidade do homem.

São duas as forças que movimentam este entendimento, de um lado, têm-se o impulso vigoroso por inovação que reflete novas conquistas, opiniões e tendências, de outro lado, evidencia-se toda a tradição jurídica que compreende a opinião pública, as ideias religiosas, morais, filosóficas que se infiltram e tornam-se costumes e legislação.

Este entendimento traz à baila a dubiedade de posições que reflete a aceitação de princípios convergentes numa mesma legislação: estado perigoso e responsabilidade moral; medida de segurança e pena; crime, fenômeno natural e crime, entidade jurídica.

Porém, esta ideia é refutada por alguns autores que consideram que periculosidade e responsabilidade nem sempre andam juntas, todavia, o tecnicismo jurídico apresenta aceitação a teoria, para estes o delito deve ser delimitado por um nexo de causalidade, aliado ao nexo psicológico real e efetivo. Diante disto, o dano e/ou perigo devem ter sido queridos, previstos ou ao menos previsíveis por parte do agente.

Imaginar um homem dissociado do tempo e espaço que o circundam é subjuga-lo, ter-se-á que considera-lo como elemento componente do seu círculo social, “com o qual conjuga, reunidos os dois, espaço e meio, como corrente contínua de ações e de reações” destaca Bruno (2010, pág. 57). Conforme enfatiza Grispigni (apud BRUNO, pág. 2010, pág. 58):

A periculosidade envolve: a) delito cometido; b) conduta posterior ao cometimento delitivo; c) vida pregressa; d) perícia antropológica ou psicológica; Diante disso, para efetuar o conceito de homem/sujeito perigoso dever-se-á/ia, considerar: a) personalidade do homem em tríplice aspecto (antropológico, psíquico e moral); b) vida anterior ao cometimento/tentativa do ato delitivo; c) conduta do agente após o cometimento do ato criminal; d) qualidade dos motivos; e) delito cometido ou ato criminal manifesto.

É por isto que questões como notoriedade pública são tidas por aceitas na delimitação da personalidade do agente infrator/delitivo. Neste sentido, o delito é o auge da personalidade infratora/delitiva que o agente pode alcançar, o que subsiste no instante da consideração da sanção penal é o ato cometido em si, isto é, a violação penal.

Nisto imperam-se teorias como: concepção realística: um agente que cometeu um crime, responde pelo que cometeu e pode nunca mais tornar a delinquir; concepção causal do delito: o agente pode possuir personalidade tendente a delinquir – delinquente por tendência; concepção sintomática: compreende o sujeito que possui como sintoma o ato de delinquir, este sujeito não possuiria, em tese, recuperação.

Assim, “nega-se desta arte, a própria essência da teoria da periculosidade, dilui-se a personalidade do criminoso e será o delito e não o homem que voltará a preocupar o espírito do jurista”, nas palavras de Bruno (2010, pág.61).

O direito considera com relevância o estado de perigo, isto é, a personalidade e contumácia do agente e desfoca-se, por vezes, da periculosidade do delito cometido, conforme Bruno (2010, pág. 61) há razão em considerar-se mais a periculosidade do agente que a da espécie delitiva. O perigo deste entendimento é cair-se na lacuna do classicismo e encerar por enquadrar o homem, por ora delinquente/criminoso, em razão de um estereótipo, de um determinismo alheio ao delito que tenha cometido (raça, classe social, religião, identidade de gênero).

É por este motivo que é criada a individualização da pena, que proveio da escola positivista, que desencadeia no estudo da natureza e grau do estado de perigo, viabilizando um aspecto intimidativo, educativo e eliminador. Conforme destaca Bruno (2010, pág. 64):

 

Outras vezes, porém, se decorre o delito de falhas na educação do indivíduo, que não o presumiu suficientemente contra os estímulos criminógenos do meio ou os impulsos de instintos desregrados, ou quando é nas condições anti-sociais do ambiente familiar ou social que se encontram os motivos conducentes ao delito, a ação educadora da sanção, pelos meios apropriados, é que poderá reconduzir os delinquentes a uma forma de comportamento compatível com a convivência social.

 

O autor classifica os criminosos como corrigíveis através de medidas de seguranças, por possuírem um distúrbio mental ou psíquico e por isso serem suscetíveis de remédio (ação curativa da sanção criminal) e há os incorrigíveis, os que se revelam inadaptáveis a conviver em sociedade (aqui entra a função eliminativa do direito penal). A teoria da periculosidade veio para dar força a teoria lombrosiana do perigoso nato.

Neste enfoque, na periculosidade sem delito se entendem aqueles que o gênero de vida o enquadram nesta modalidade, para eles a pena visando enquadrar o juízo de periculosidade à medida de proteção social vem a lhe trazer força e evitar que entrem em delito.

Segundo Bonchristiano (2010, pág. 25) todo o delito anda de mãos dadas com a culpa, em razão desta constituir não o pressuposto e o fundamento, mas, o limite da pena e a sua medida.

O conceito superado referia-se a mesma no viés de um sentido moral, por constituir vontade do autor e seu ato, veja-se que ele precisava ser reconhecido como culpado, ou seja, ter cometido um delito e que este seja passível de reprovação,

No entanto, em conformidade, este entendimento refere-se a propriedade do sujeito como pessoa, como se o delito depreendesse da consciência do sujeito e não da concepção de ser delito, com isso, a possibilidade de refrear o tipo delitivo encontrava baliza na ausência de culpabilidade.

No entanto, sabe-se que a culpabilidade refere-se a ordem normativa (2010, pág. 26), não depende da psique do autor, é mais que uma questão de vontade, é um infringir a lei que está expressa no caderno penal. A conduta é tida por reprovada por compreender um crime e ser por este motivo recusada socialmente e não devido a uma atitude interna da pessoa.

Isto é, o crime é crime porque está descrito no caderno de leis, por que seu cometimento é considerado como reprovado e por este motivo é passível de penalidades, neste momento, a vontade do autor no instante de praticar a conduta é deixada de consideração.

No entanto, a vontade interna, ou seja, a motivação do delito, passa a ter valia no instante em que a conduta ilícita é apreciada juridicamente e por tanto, o delito cometido não deixa de compreender um delito, apenas recebe mais valor ou desvalor em conformidade com o que o motivou.

Primeiro o fato antijurídico é posto em prática, após isso é analisada as motivações que guiaram o autor neste caminho de crime (iter criminis). A culpa existe a partir do momento em que o delito é posto em prática, enquanto ocorrer apenas em pensamento (isto é, planejamento sem ação) não possui valia para o campo penal.

No conceito formal a culpabilidade encerra “o conjunto de elementos que num sistema de Direito Penal se exigem como pressuposto da imputação subjetiva”, conforme elucida o autor (2010, pág. 26). No entendimento material compreende os pressupostos necessários para afirmar a imputabilidade subjetiva do fato punível.

A culpabilidade já foi dividida doutrinariamente em duas partes: a) a parte exterior que refere-se ao tipo delitivo cometido, o caminho criminal percorrido pelo agente; b) a parte interna que trata do intuito do autor, a intenção do agente (conjunto psíquico).

Ela parte da intenção do sujeito e se materializa a partir da ligação entre o querer e o fazer, o pôr em prática. A culpa parte da ideia da previsibilidade, ou seja, possibilidade de obter êxito em cometer determinado crime mesmo que o resultado ocorra sem atitude volitiva (vontade psíquica), nisto o agente viu a possibilidade de ocorrer o delito e assumiu a possibilidade agindo de maneira que o tornasse possível.

Alguns autores sustentam ainda a ideia de culpa inconsciente que ocorre quando o delito é consubstanciado sem a vontade do agente (por exemplo, ele vai à caça e pensa atirar num animal e por erro acerta uma pessoa).

A culpabilidade acrescenta um juízo de valor a conduta. Seus elementos conglobam a imputabilidade, o dolo ou a culpa em stritu sensu e a exigibilidade de conduta diversa, a ideia de censura provem da possibilidade e exigibilidade de um agir de forma diversa. Conforme o autor (2010, pág. 29):

 

Nesta teoria extremada de dolo, o agente que realiza um fato previsto como crime, embora queira realiza-lo (vontade) e saiba das consequências desejadas de seu ato (previsão), não agirá com dolo se não atuar com o conhecimento (consciência atual) de que realiza algo ilícito. Assim, se faltar ao agente o conhecimento atual da ilicitude, embora tenha querido e previsto o que fez, o fato não terá sido doloso, porquanto aquele não teve oportunidade de eleger entre o lícito e o ilícito, não pôde decidir-se em favor do ilícito.

 

Nota-se que este entendimento compreende a teoria extrema do dolo. Contudo, na teoria limitada do dolo, o conhecimento atual da ilicitude é substituído pelo conhecimento potencial. O dolo que compreende o núcleo normativo que perfaz-se por via da culpabilidade é formado pelo dolo-do-fato/ dolo natural, não apenas quando diz interesse a uma consciência atual da configuração do fato delitivo, mas também quando potencial.

 

Dessa forma, age dolosamente não só aquele que comete o crime querendo (elemento volitivo), prevendo o resultado (elemento intelectual) e sabendo que atua no campo do ilícito, mas, ainda, aquele que, mesmo sem esse conhecimento, tinha possibilidade de saber que o seu ato era ilícito. (2010, pág. 30).

 

De outra feita, na teoria extremada da culpabilidade (ou estrita), verifica-se que o finalismo de Welzel subtraiu o dolo e a culpa da culpabilidade e os colocou no tipo. Retirando, com isso, a consciência da ilicitude do ato doloso e o incluiu na culpabilidade.

Ou seja, a culpabilidade compreende a reunião de todas as circunstâncias que ensejam a reprovabilidade do ato. Tudo que compreenda em reprovação é embutido no injusto, conforme entendimento de Mir Puig (apud, BONCHRISTIANO, 2010, pág. 31).

Nesta doutrina, o conceito final do ato, ou seja, o ilícito encontra-se na ação que dá base e sustentação para a estrutura do delito, vez que o atuar humano compreende um agir único e qualificado capaz de distinguir e consubstanciar qualquer processo causal, ele tem discernimento para exercer uma atividade com uma finalidade/um fim a ser alcançado, com isso, ele possui capacidade para dominar certos limites e diante disto, conduzir sua atividade para o caminho e fim que desejar, baseando-se em um plano de ação.

Nisso, “a conduta final da ação tem lugar através da antecipação mental do objetivo, da eleição dos meios necessários da ação e da realização desta no mundo real”, como enfatiza Bonchristiano (2010, pág. 32). A finalidade da ação ilícita encerra-se por equiparar-se ao dolo. Disso extrai-se que o dolo deve pertencer ao tipo em conformidade com os outros elementos que o caracterizam, pois, sua missão, é justamente definir de que crime refere-se em conformidade com todos os elementos da ação concretizados no iter criminis essenciais para a punibilidade. Nisto, também entra a ação da culpa que distingue-se da culpabilidade.

Os elementos da culpabilidade compreendem: 1. Imputabilidade, que corresponde a essência potencial da ilicitude e a exigibilidade de um agir de modo diverso. Este entendimento corrobora para a existência do definido erro jurídico-penal.

Neste enfoque, A) quando o erro anula o elemento intelectual do dolo, isto é, sua previsão, então o crime é desclassificado e definido por erro de tipo; B) quando o erro anula a consciência potencial da ilicitude, o dolo permanece mas é excluída a culpabilidade, este erro é denominado erro de proibição; a culpabilidade provêm do poder agir de modo diverso, por este motivo o erro invencível determina a ausência da culpabilidade, de outra via, quando o erro é evitável, a pena é atenuada e a condenação se perpetua. Aqui, não afeta-se a possibilidade de aperfeiçoamento da culpabilidade e possível punibilidade por meio de enquadramento em delito culposo.

O erro evitável é passível de censura e não tem por consequência a exclusão da culpabilidade, enquanto no erro inevitável não perfaz-se a condenação, porém, abre margem para a ocorrência do delito culposo.

De outra sorte, adentra-se a teoria limitada da culpabilidade, cuja qual é idêntica à anterior até deparar-se com o tratamento do erro de proibição, visto que a primeira apresenta uma causa de justificação nesta modalidade final delitiva.

Neste entendimento, ambas situam na culpabilidade o dolo, a culpa e a consciência potencial da ilicitude, ambas apresentam a possibilidade de crime culposo, ante a exclusão do dolo, quando este é previsto em lei, enquanto o erro inevitável apresenta causa de exclusão da culpabilidade e o evitável como causa de atenuação da pena.

Porém, no que tange as ideias de erro de proibição que recaem sobre as causas de justificação (discriminantes putativas) não há consenso entre ambas. Nisso, adentra-se a necessidade de distinguir duas subespécies de erro:

a)      Pressupostos fáticos de causas de justificação: quando ocorre o erro do tipo permissivo, e faz com que o dolo seja excluído e passa a ser permitida a delimitação da pena por crime culposo, se previsto em lei (erro invencível – impunibilidade erro vencível – condenação por culpa);

b)      Existência e limites das causas de justificação: neste instante configura o erro de proibição que tem por consequência a exclusão da culpabilidade quando inevitável ou atenua quando evitável.

O primeiro modelo refere-se à situação fática e o segundo baseia-se em sua realização, no seio das causas de justificação é necessário distinguir o erro de tipo que refere-se aos pressupostos da situação justificativa, enquanto o erro de proibição apresenta-se em razão de entendimento quanto a admissão pelo Direito da justificação da situação.

Neste aporte, “o dolo refere-se à totalidade dos elementos constitutivos do tipo e tem como parte integrante a consciência da ilicitude”, enquanto a culpabilidade pertence ao juízo de culpa e não o seu objeto, compreende um elemento valorador da ação.

Em síntese sobre as divergências entre as teorias extremada e a limitada da culpabilidade verifica-se que a extremada define o erro do âmbito do erro de proibição como falta de consciência da ilicitude enquanto a teoria limitada “diferencia o erro sobre os pressupostos fáticos como erro de tipo e o erro sobre os limites ou a própria existência da causa de justificação como erro de proibição”.

Descortinado acerca do estudo da culpa como pressuposto e suas teorias jurídicas, aberto o enfoque na diferenciação entre culpa e culpabilidade constata-se o imperativo em estudar com afinco a questão do dolo, compreendido como elemento subjetivo do Eu que dá ação volitiva à pratica do crime, disto tratar-se-á o item a seguir.

 

3.      DO DOLO: DELITO MOVIDO PELA DOR?

Conforme Bonchristiano (2010, pág. 28) o dolo contém em si a previsibilidade/possibilidade de ocorrência do delito e também a voluntariedade, que compreende a vontade livre e consciente de agir. Ele prevê o resultado e o busca.

No dolo há a junção entre previsibilidade, voluntariedade e acresce-se a consciência do injusto (conhecimento prévio da ilicitude), denominado dolus malus pelos romanos, compreende-se o autor que agiu com vontade livre e consciente e previu o êxito do resultado e acima de tudo isso, sabe estar perseguindo um fim ilícito.

O dolus bônus compreende a capacidade da pessoa em enganar e tirar proveito.

Em consenso, a Teoria Extremada do Dolo, o coloca na culpabilidade e na consciência de ilicitude, a qual prescinde ser atual. Defende, também, a existência de um dolo normativo compreendido pela vontade, previsão e conhecimento da realização de conduta proibida juridicamente (consciência atual da ilicitude). Neste sentido, destaca Bitencourt (2010, pág. 179) que o erro jurídico-penal (erro de tipo ou de proibição) exclui sempre o dolo e quando é inevitável encerra por anular o elemento normativo (consciência da ilicitude) e também, elemento intelectual (previsão).

Contudo, esta teoria criara uma espécie de cegueira jurídica por recriar uma espécie de dolo presumido, a teoria limitada do dolo foi aperfeiçoada de duas maneiras: quando se criou o que foi definido por culpa jurídica (ausência de informações acerca da legalidade) e a inimizade ao direito (o autor sabe da ilicitude e a busca). Então, a necessidade de conhecimento atual acerca da ilicitude é substituída pelo conhecimento presumido, porém, mesmo assim ainda ficou falha, visto que desencadeou na ideia de culpabilidade por condução de vida de Mezger (apud BITENCOURT, 2010, pág. 180) onde abriu possibilidade para punir o agente não pelo que ele fez de fato, mas por aquilo que ele é, o que originou o desfalecido Direito Penal do Autor.

Com isso, o dolo compreende “o conhecimento e a vontade da realização do tipo penal. Todo dolo tem um aspecto intelectivo e um aspecto volitivo. O aspecto intelectivo abrange o conhecimento atual de todas as circunstâncias objetivas que constituem o tipo penal”.

Desta forma a consciência precisa ser atual, ou ter potencial consciência, isto é, capacidade para compreender o que está sendo feito, a previsão do resultado deve compreender todas as circunstancias essências a configuração do tipo delitivo, sejam estas descritivas ou normativas. Todavia, aqui não se enquadra a consciência da ilicitude cuja qual circunda o interior da culpabilidade.

A consciência do dolo abrange todos os elementos objetivos, descritivos e normativos do tipo. Este conhecimento, por sua vez, deve ser atual, concreto, real e não, simplesmente, presumido sob pena de decair para a culpa, no entanto a consciência da ilicitude pode ser apenas potencial, porém esta será objeto de análise na fase da culpabilidade conforme depreende Bitencourt (2010, pág. 184).

Diz-se em toda sorte que o delito é doloso quando é previsto e querido pelo agente, há, no entanto, o dolo eventual que existe quando o agente prevê a possibilidade do evento, mas, não o quis.

Para tanto, o dolo compreende um estado psíquico passível de definir-se pela palavra dor que conforme a medicina compreende: “sensação penosa, desagradável, produzida pela excitação de terminações nervosas sensíveis a esses estímulos, e classificada de acordo com o seu lugar, tipo, intensidade, periodicidade, difusão e caráter.” Isto é, ele une termos psicodinâmicos, como “atitude interior de adesão aos próprios impulsos intrapsíquicos anti-sociais”. Existe total consciência do que se pratica ou está-se pondo em prática (assumindo o risco).

Neste enfoque segundo a concepção psicológica, inspirada na psicanálise de Sigmund Freud (apud MORSELU, 2010, pág. 294):

 

O termo vontade representa a função pela qual o EU de um indivíduo envolve um controle finalístico, ou seja, teleológico, aos próprios impulsos interiores anti-sociais ativos na subjacente esfera do inconsciente, também chamada de Es ou Id. Pois bem, sempre de acordo com esta concepção – embora aparente uma aparência oposta – cada delito é um resultado não de um controle finalístico, mas justamente, ao contrário, isto é, o resultado de uma falta de controle. Mais precisamente podemos dizer que nos delitos culposos o Es ou o Id, ou seja, os instintos anti-sociais fogem do controle do Eu, enganando-o (em outras palavras tais delitos ocorrem por leviandade, distração ou erro do sujeito), nos delitos dolosos sucede ao contrário, que o Eu se associa com tais instintos, adere a eles, diz Sim à direção anti-social interior negativa, ou seja, de condescendência.

 

A natureza do dolo, portanto, é emocional, é mais que um racional-volitiva. O dolo é a substância da má fé criminosa (Gesinnung), representa uma espécie de projeção do indivíduo ao quadro criminoso. Este entendimento, todavia, não se confunde com o modo de ser do sujeito, mas sim com sua predisposição a racionalizar e arquitetar o cometimento do delito, projetar sua vontade delitiva sobre a ação que irá realizar.

A importância de se compreender o dolo desta forma centraliza-se em analisar os fatos que desencadeiam o Eu interior do agente e que o leva a delinquir; em consequência, esta ideia, ainda enfatiza na gravidade das modalidades delitivas que são produzidas por esta pessoa, e também, no valor de sua conduta para a pratica delitiva, ou seja, a forma como é realizado o comportamento.

O direito penal abandonou a roupagem de direito de evento e passou a ser considerado como direito de comportamento. Em terceiro lugar, analisar o Gesinnung anti-social, ou o animus nocendi, ou seja, a má fé criminosa desencadeia numa abstração de modalidades delitivas, ou seja, uma maneira mais facilitada de individualizar cada tipo penal conforme o seu grau de valor social.

Aqui entra a ideia de guid pluris, isto é, previsão-volição, que refere-se ao fato de o delito estar ‘fechado’ antes de ser enviado para ‘sentença’, ou seja, o delito dá-se por efetivado no instante em que o agente se decide por ele, no momento em que tem certeza quanto ao elemento subjetivo ou exterior. Bastaria a consciência e vontade para que o delito dê-se por completo. Esta ideia, porém, é errônea e encerra por ser abandonada.

Em diapasão o dolo compreendido por ‘vontade interior’ possui tríplice função: a) liga a dogmática a criminologia; b) compreende o núcleo central e índice de base para análise do desvalor da conduta; c) critério fundamentador da individualização do tipo e a maneira como ele foi concretizado.

Auxilia, também, na individualização de cada ação no iter criminis – distinção entre autor, co-autor e partícipe; facilita encontrar o início da prática da atividade delitiva – onde atividade punível dos atos preparatórios e executórios. A questão do erro na relação penal encerra o dolo em “não é simples vontade, mas vontade malvada, ou seja, prava voluntas, enquanto acompanhada da consciência de fazer mal aos outros”, enquanto a culpa compreende a leviandade. (in maleficiis et voluntas specatantur, non autem exitus).

Estudada as nuances do dolo e a importância do subjetivismo na temática penal, encerra-se na necessidade de verificar em que este intuito volitivo/psicológico influencia no seio social, qual o desenvolvimento deste elemento volitivo enquanto vontade livre e consciente e sua importância no que reporta a multidão anônima social (que não possui reconhecimento nas estatísticas criminais, enquanto autor, co-autor, mandante ou partícipe). Segue-se o item seguinte.

 

4.      DA MULTIDÃO ANÔNIMA PARA AS NUANCES PENAIS

Diz-se que a função da pena como ressocializadora e preventivadora está falida, o que coloca em xeque todo o sistema jurídico. Vê-se que a pena é mais que uma espécie de violência posterior ao cometimento do delito que visa reparar o erro de existência deste. Conforme Zackseski (2010, pág. 217), ela é mais que uma violência instrumental e estrutural e seus resultados ainda apresentam-se inadequados para garantir a defesa e garantia da ordem social.

Desta sorte, emerge no solo pátrio a ideia de prevenção geral negativa que diz respeito ao fator intimidatório por meio da pena em abstrato (Escola Clássica). O delito então visto como uma violação do direito é vencido pela força do Direito que o inibe de ser cometido por meio da penalização. A pena apresentava-se de forma retributiva visando restabelecer a ordem jurídica quebrada – dividida em Teorias Relativas da Prevenção (lado preventivo) e Teorias Absolutas da Restrição (justificada por si mesma, não é meio para realização de fins).

Há, também, a Prevenção Especial Positiva (Escola Positiva Italiana) que vê na pena um meio de correção do delinquente, uma forma de devolvê-lo a vida social, onde o crime é visto como fato natural e social. O infrator/delituoso é visto como um ser inferior aos demais, e a pena possui tonalidades de fatores morais.

Existe, ainda a Prevenção Especial Negativa que pretende neutralizar ou intimidar o criminoso (Escola Positiva) ela apresenta como pena a destruição física ou psíquica do indivíduo, a prisão em segurança máxima, com intervenções cirúrgicas e outras formas de neutralização e controle (meios eletrônicos e etc), buscando desmotivar a pratica de condutas delitivas. Ela limita o direito e impõe sofrimentos ao condenado, por isso não é compatível com o princípio da dignidade humana.

Destaca-se, nesta seara a Prevenção Geral Positiva que afirma de maneira simbólica a validade das normas, visando estabelecer o processo de integração em torno delas e restabelecer a confiança social quebradas através do desvio (Escola Funcionalista).

Neste entendimento o delito expresso através da infidelidade do Direito e a pena sob a ótica de resposta a esta infidelidade, representa a teoria prevenção-integração onde verifica-se que a pena nada mais é que uma contribuição para o equilíbrio do sistema como destaca Zackseski (2010, pág. 224).

Conforme verifica-se o sistema jurídico penal atua sobre os efeitos dos atos delituosos já realizados e não sobre as causas dos conflitos sociais, ele age contra as pessoas que desrespeitam esta ordem normativa e não sobre as situações que desencadeiam esta ruptura de ordem; atua de maneira reativa e não preventiva, mais que proteger a vítima, protege a integridade e validade do sistema de normas.

Aqui forma-se uma multidão anônima que não possui identificação criminal (ficha/passagem criminal) que não delinquiu ou foi indiciada por um fato delitivo, há também os não reincidentes; esta multidão encerra por não participar ativamente do circuito deste sistema, vez que, não delinquindo, também não escolhe que tipo penal é mantido, extraído ou ainda inserido no caderno de leis, porém, esta multidão existe e forma o núcleo central de toda esta sistemática.

O crime compreende uma ação típica, antijurídica e culpável. A tipicidade engloba a conduta praticada que corresponde a um tipo normativo (lei descrita como crime). A antijuricidade é a conduta contrária a ordem normativa vigente, contradição com a expressão da lei. A culpabilidade é composta por imputabilidade, consciência real ou possível da ilicitude e a exigibilidade de comportamento diverso – sentimentos de valor e dever aptos a vontade na direção do ilícito.

Neste aporte, “a imputabilidade, que pressupõe um juízo sobre a capacidade abstrata de entender e autodeterminar-se; a consciência da ilicitude, que também é um juízo de possibilidade, decorrente de que ninguém pode ignorar a lei e eximir-se da responsabilidade; e a possibilidade de agir de outro modo”, englobam tal conceito como denota Almeida (2010, pág. 431).

Depreende, então, pela necessidade de maior aproximação entre o sujeito de direitos e deveres e a norma, de modo a entender a sua obrigatoriedade e generalidade, pois o Direito nada mais é que um amontoado de palavras se não tiver efetividade e aceitação pela ordem social.

É preciso atentar-se para a consciência da ilicitude que está arraigada no solo da ordem social em questão, ver qual é o seu potencial atuante sobre as discriminantes elaboradas pela sistemática penal. Analisar a nuance do como e quais resultados são produzidos sobre esta multidão anônima que participa ativamente neste sistema, seja como vítima ou através da omissão quanto ao que ocorre nas esquinas de suas ruas.

Se o cidadão existe para a lei, esta lei deve existir para este cidadão no mesmo plano. A culpabilidade é atribuível individualmente e o processo democrático requer a oitiva e respeito por cada um destes indivíduos, já que a sistemática normativa compreende um processo representativo, onde o cidadão em suas vivencias cotidiana decide o que é importante para a temática penal e o que deixou de ter valor sob este aspecto, isto é, qual delito possui relevância jurídica para compreender a letra da lei e daí despender seu respeito sobre a sociedade como um todo.

Este sistema representativo possui uma linha representativa: os parlamentares, porém, existem outras formas destes cidadãos comuns serem ouvidos e representados sistematicamente (ação popular, por exemplo). A forma institucionalizada de demandar novas leis e necessidades de proteção social é denominada lobby, instante em que segmentos da sociedade se juntam para lutar por seus direitos. Estes segmentos estão mais próximos dos cidadãos individualizados, podendo por isso, responder de maneira mais equilibrada as suas necessidades e expectativas.

De fato o instituto/ meio de ação lobby ainda está em trâmite de instituição no Brasil em projeto de lei recente (2021), cabe a cada cidadão se juntar e buscar por sua efetivação, de outro modo, interessa muito mais a efetividade do sistema normativo que esta multidão anônima seja ouvida e reconhecida.

Em concordância, Beccaria (2013, pág. 22) afirma que “a moral política não pode proporcionar a sociedade vantagem durável alguma, se não for fundada sobre sentimentos indeléveis do coração do homem”, neste sentido a lei que não se apresentar em entendimento com a vontade social majoritária encontrará, também, barreiras para ser efetivada, desta forma, em suas palavras “a menor força, continuamente aplicada, destrói por fim um corpo sólido”, por ter efetuado sobre o mesmo um movimento violento.

Não trata-se de impressionismo do corpo social, mas uma consulta ao espírito da lei, um rompimento com o distanciamento entre a sociedade e o sistema normativo, um conhecimento sobre a torrente de opiniões sobre as quais a lei atuará. A falha neste sistema circunda o que Beccaria define como um sistema que apresenta:

 

(...) a ideia de força e do poder, em lugar de justiça; é porque lançam, indistintamente, na mesma masmorra, o inocente suspeito e o criminoso convicto; é porque a prisão entre nós, é antes um suplício que um meio de deter um acusado; é porque, finalmente, as forças que defendem externamente o trono dos direitos da nação estão separadas das que mantêm as leis no interior, quando deveriam estar estreitamente unidas (2013, pág. 30).

 

Conforme o autor (2013, pág. 54) o rigor das penas deve ser relativo e representar o espírito do povo, seu estado atual, é necessário que a ideia do suplício, isto é, da pena, esteja arraigada no coração da sociedade, de modo a representa-la, para que este homem ‘fraco’ tenha o sentimento que o leva a cometer um delito dominado (2013, pág. 66.

Se a intenção refere-se a prevenir a pratica delitiva, então, uma opção é optar por leis claras e simples, cujas quais, sejam aceitas pela nação e defendidas pela própria; o cidadão que tenha participado, ao menos do entendimento da validade e efetividade destas leis irá compreender que apenas teve sua liberdade de índole má cerceada, pois estará respeitando leis que se ocupam unicamente em protegê-lo, conforme enfatiza Beccaria (2013, pág. 106).

As multidões de cegos que marcham anonimamente, encerram por chocarem-se umas contra as outras e rasurar a letra da lei que passa despercebida e desacreditada, multidão esta que encontra-se escrava da ideia de liberdade e por isto, são incapazes de compreender a dimensão de um sistema normativo.

De acordo com Foucault (2014, pág. 14) a punição abandonou seu caráter de compreender uma cena, um espetáculo de terror a olhos vistos e o essencial deixou de ser a punição para compreender um caráter corretivo e reeducativo, posto que a pena não compreende um castigo. A ideia de que a multidão se cala diante da justiça soberana é ilusória, o calar-se nada mais é que a anuência temporária quanto ao fato, é a falta de capacidade temporária de reação quanto a algo, que talvez, não seja de concordância geral.

O sistema criminal que busca erguer-se por meio do poder, encontra-se falido. É necessário que a multidão anônima seja declarada existente.

 

5.      CONCLUSÃO

O estudo baseou-se inteiramente na análise do elemento subjetivo do crime, ou seja, o elemento que leva o indivíduo a pôr em prática os atos delitivos que arquitetou.

Para este tema foi importante circunscrever sobre a temática da culpabilidade na seara criminal e com isso, o desenvolvimento das teorias acerca da culpa e do dolo.

O que encerrou no entendimento sobre a importância que a multidão anônima possui no que tange as leis (sua elaboração e desenvolvimentos), visto que, apesar de desconhecidas ao Estado como ente detentor do poder das leis, ela existe e possui uma identidade para os demais que encontram-se próximos – o núcleo social.

Por ter existência ela é capaz de influenciar e até mesmo direcionar alguns possíveis desenvolvimentos e um Estado cego a sua existência não é capaz de confeccionar leis capazes de suprir as suas necessidades e expectativas.

 

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Gabriel Bertin de, A crise do conceito tradicional da culpabilidade, segundo o direito penal contemporâneo. In: Direito Penal, v.3/ Alberto Silva Franco, Guilherme de Souza Nucci (orgs.). São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.

BECCARIA, Cesare Bonesana, Marchesi di, 1738-1794,. Dos Delitos e das Penas. Trad. Paulo M. Oliveira, Prefácio de Evaristo de Moraes/ São Paulo, Edipro, 1 ed., 2013.

BITENCOURT, Cesar Roberto. Teoria da Periculosidade Criminal.In: Direito Penal, v.3/ Alberto Silva Franco, Guilherme de Souza Nucci (Orgs.). São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.

BONCHRISTIANO, Ana Cristina Ribeiro. A culpabilidade jurídico-penal. In: Direito Penal, v.3/ Alberto Silva Franco, Guilherme de Souza Nucci (Orgs.). São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.

BRUNO, Anibal. Teoria da Periculosidade Criminal. In: Direito Penal, v.3/ Alberto Silva Franco, Guilherme de Souza Nucci (org). São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. Nascimento da Prisão. Trad. Raquel Ramalhete. 42 ed. Petropolis, RJ – Vozes, 2014.

MORSELU, Elio. O elemento subjetivo do crime à luz da moderna criminologia. In: Direito Penal, v.3/ Alberto Silva Franco, Guilherme de Souza Nucci (orgs.). São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.

ZACKSESKI, Cristina. Da Prevenção penal à “nova prevenção”. In: Direito Penal, v.3/ Alberto Silva Franco, Guilherme de Souza Nucci (Orgs.). São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.


quarta-feira, 29 de junho de 2022

ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO: NEGAÇÃO DA PRISÃO PERPÉTUA VERSUS IMPRESCRITIBILIDADE DO DELITO DE RACISMO


1.      INTRODUÇÃO

Este estudo circunda as diretrizes constitucionais acerca das cláusulas pétreas, em esboço do que são e para que se prestam no solo nacional e até internacional.

Diante disso, chega-se a questão de: sob a vigência de um Estado Democrático de Direito em que a negação à prisão perpétua é direito fundamental e irrenunciável e de outro lado tem-se o racismo como delito imprescritível, e da mesma forma, direito fundamental e irrenunciável, em que isto influência e qual a necessidade de estudo sobre a temática?

A questão em comento refere-se ao fato de que todo o crime possui um tempo para ser levado a conhecimento das autoridades competentes com vistas a solucioná-lo, no entanto, o racismo se encontraria fora desta questão e por isso, poderia ser levantado a qualquer tempo, o que ocasionaria um possível desgaste jurídico e insegurança social.

Para entendimento do tema, discorre-se acerca da evolução do estudo, no transcorrer do tempo, sobre a criminalidade, instante em que autor versus vítima ganham enfoque importante.

Esmiuçando a casuídica de cláusula pétrea e em que a própria influência na questão de negação à prisão perpétua – vez que encontra-se expressa em seu núcleo-, após faz referência ao estudo sobre o delito de racismo, sob o enfoque de o mesmo constituir um delito de pele, ou seja, um delito que não escolhe cor, mas sim, sentimentalismo e até mesmo, danosidade psicológica para consumar-se na pessoa que é seu alvo.

Após essas considerações, discorre-se, então sobre a questão de possível colisão de direitos e garantias fundamentais e perigo de entrar-se em lacuna nas diretrizes acerca da questão de negação à prisão perpétua enquanto precursora de uma imprescritibilidade do delito de racismo?

 

2.      CLÁUSULA PÉTREA – NEGAÇÃO À PRISÃO PERPÉTUA

Por cláusulas pétreas se subentende obstáculos instransponíveis mesmo em uma reforma ou mutação da constituição que gere determinado estado de direito, as mesmas só podem ser abdicadas através do abandono da Magna Charta vigente e elaboração de outra, ocasionando a substituição do ordenamento jurídico.

Sua função é estabilizar e engessar o ordenamento jurídico de maneira a garantir segurança jurídica aos seus adeptos. Neste sentido Thomas Jefferson (apud SANT’ANA PEDRA, 2005, pág. 331) indaga sobre a questão de uma geração de homens, através das cláusulas pétreas, poder vincular outras gerações com base em suas necessidades sociais, já que estas são imutáveis. Diante disto, ele fala “nenhuma constituição pode conter a vida ou parar o vento com as mãos. Nenhuma lei constitucional evita o ruir dos muros dos processos históricos”.

Em sua concepção nenhum indivíduo pode sobrepor sua vontade a outro, por tanto, uma geração também estaria impedida de impor-se sobre as próximas. Teme-se que este posicionamento absoluto possa prestar-se como obstáculo para a concretização de novos direitos no entendimento de Bobbio (apud SANT’ANA PEDRA, 2005, pág. 333) para o autor “O fundamento absoluto não é apenas uma ilusão; em alguns casos é também um pretexto para defender posições conservadoras”. Tem-se o entendimento de que estes preceitos arraigados no solo pátrio possam desferir um golpe silencioso sobre as novas gerações, ocasionando um engessamento em ideais ultrapassados e convicções desnecessárias.

Neste desenvolvimento os limites expressos na Constituição Federal (art. 60, §4º) compreendem o cerne material da constituição, com identidade própria que identifica valores indisponíveis da sociedade, sua função embasa a preservação destes elementos e desta maneira preserva a permanência e estabilidade da própria.

Conforme Sarlet e Brandão (2014, pág. 1129) uma tese defende que esta concepção dogmática compreende “o governo dos mortos sobre os vivos’ o que é incompatível com o poder de autodeterminação da geração atual”. Neste entendimento a busca por modificação do núcleo constitucional poderia ocasionar revolta e retorno ao caminho da revolução, com vistas ao poder originário de elaborar novos limites e compreensões, ocasionando, então, prejuízos a segurança jurídica e estabilidade das instituições políticas.

Porém, depreende-se de sua existência o fato de que, o povo que assumiu compromisso constitucional, decidindo sobrepor valores que considera oportunos e indispensáveis a vida social e estrutura básica do Estado, “com vistas a afastá-los do dia-a-dia da política, pois, consciente de suas fraquezas, teme por suprimi-los no futuro em benefícios de interesses menores ou de vontades fugazes” elabora a sua identidade social por meio das cláusulas pétreas.

Adiante, embasa o rol de cláusulas pétreas o art. 5 da CF/88, nisto encontra-se no XLVII, alínea b a negação à prisão da caráter perpétuo. Conforme Carvalho (2014, pág. 409) a pena de morte foi executada no Brasil pela última vez em 1855 e está vigente para os casos de guerra declarada, reforçando a ideia entra a Convenção Americana sobre os Direitos Humanos através do Decreto nº 678 que define uma proibição ao retrocesso, dizendo que, aquele que não é adepto a pena de morte não pode retornar ao status quo ante; aboliu não retorna a viger (art. 4, 3).

No Brasil o princípio da humanidade, (art. 1º, inc. III da CF/88) reforça a ideia por meio do apoio à dignidade da pessoa humana como fundamento da República. Neste caminho, adentra-se a seara em que a aprovação do Decreto 4.388/02, que institui o Estatuto de Roma traz a baila discussões como ‘(Art. 29) imprescritibilidade dos delitos’ e ‘(art. 77) negação à prisão perpétua, porém, tal discussão é silenciada através da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, por meio do Parecer n. 442/02, com base no fundamento de que “o Brasil propugnará pela formação de um Tribunal internacional dos Direitos Humanos”.

 Porém, a questão da perpetuidade da prisão restou em aberto. Carvalho (2014, pág. 109) assenta que a base para as sanções penais brasileiras compreende o respeito a princípios como da humanidade (art. 5º, XLVII).

Neste instante, insere dizer que em conformidade com os princípios da humanidade e da dignidade da pessoa humana, e em razão a negação à prisão perpétua estar elencada como cláusula pétrea requer entendimento de que sua vigência em terra nacional é inviável e injustificável. No entanto, este Decreto não passou pelo quórum de aprovação de emenda à Constituição o que o coloca em nível inferior as suas diretrizes, estando, por tanto, conforme sua expressão (art. 60, IV) impedidos de decretar prisão perpétua em solo nacional, mesmo que a aderência a este decreto se dê após a promulgação da Charta Magna (05 de outubro de 1988).

 

3.      RACISMO – UM DELITO DE PELE

Tanto como um sucesso se repete na vida particular constata-se que o que cai ao ouvido e por si mesmo adentra até a consciência feito uma espécie de sonho, torna por direcionar a vida desta pessoa, vez que Nietzsche acredita que a consciência do mundo está em repetir-se – retornar até um momento atrás-, quer-se que o mundo do direito penal adentre-se a está mesma consciência, feito um espelho côncavo que devolve o reflexo ao que se vê nele.

Este seria o finalismo da dogmática do direito penal, visando manter as estruturas existentes, por meio de uma força de atração e tentação irresistível em conformidade com o pensamento de Gunther Jakobs (apud SCHUNEMANN, 2010, pág. 57/58). Neste enfoque, a sociedade baseia a validade das normas de acordo com expectativas de comportamento social, desta maneira (pensamento teleológico) estar-se-ia efetuando uma prevenção geral positiva por via do reconhecimento da norma em uma justificação utilitária, por intermédio de estímulos psicológicos.

Logo após, Jakobs abandona o pensamento teleológico, adentrando-se no entendimento de Hegel, quando passa a buscar que a pena tem como intuito perseguir um fim de influenciar o comportamento social, diante disso “y, em lugar de ello, legitima la pena sólo através da necessidad de marginalizar la afirmación del autor (objetivada em el hecho) de que la norma no vale, através de uma contra-afirmación objetivizada em la pena” (SCHUNEMANN, 2010, pág. 61).

Dá-se a esta teoria o nome de anti-empirista, diante dela este autor se despede de buscar uma ação preventiva e se joga na teoria utilitarista teleológica em apoio ao neoidealismo de Ernest Amadeus Wolff, Kohler e seus discípulos. No entanto, Schunemann, constata um erro nesta ideia vez que, para o referido autor não é possível sanar através de pena todos os efeitos do ato delitivo, pois, este entendimento apenas confere veracidade a confusão existente em torno de medir a categoria de norma jurídica penal com relação as suas consequências, e ainda, apresenta-se como uma referência, mesmo que tímida as leis de talião, o que apenas abre caminho para condenados rumo a porta do cárcere, em espécie de portar a chave e apenas esperar que o delito se faça presente.

Este entendimento, encerra por fortalecer esta espécie de círculo vicioso que acomete a sociedade – delito versus sanção. Seu equívoco estaria no fato de que “el no parte de propuestas dogmáticas para llegar a la pena, sino que su sistema de premissas y resultadoses al revés: él parte de la premissa de que la pena no tiene um fin (sino que es en sí misma el alcance de um fin) para llegar as consequências dogmático-penales”. Porém, este intuito não pode ser alcançado sem que ocorra a reduccion médio-fin desde seu fim, esta técnica despe-se de analisar as consequências da pena, em razão de que a justiça não deve ter como base a sua mera existência para desempenhar um sentido de credo e controle social.

Neste pensamento a separação que visa dividir a pessoa do indivíduo, com fundamento em manifestações externas de um lado e o inteligível do outro: separar o sujeito empírico do transcendental. Desta maneira não está ao alcance do sujeito impedir um acontecimento, apenas ele é quem detém competência para o determinado fim, desta maneira questões como culpabilidade, causalidade, poder-fazer, capacidade e outros perdem seu caráter jurídico e não farão mais que refletir níveis de competência delituosa de um indivíduo.

Em conformidade com Roxin (2010, pág. 104/105), o ilícito penal deste século que desenvolve-se a partir das construções sistemáticas da teoria clássica e mais tarde, da neoclássica, do ilícito jurídico penal (1930) segue até a teoria finalista da ação, com base em elementos como a causalidade e a finalidade. Instante em que a causalidade abria espaço para a desvalorização dos tipos delitivos na modalidade omissiva, sendo por isso, abandonada no meio do caminho, jogada as margens da sociedade para descrédito social. Na contramão vinha a culpabilidade, que no viés da teoria finalista da ação poderia ser compreendida por meio do critério da finalidade, por constituir certos tipos penalmente relevantes. Tamanha foi a comoção social que tais discussões perduraram os vinte e cinco anos do pós-guerra, hoje, porém, tais bocas silenciaram suas críticas, vez que, ambas possuem poucos adeptos alemães.

Neste enfoque, a teoria de Roxin (apud SCHNEMANN, 2010, pág. 64) que diz que conceitos prévios de direito não se prestam a resolver problemas justamente por serem prévios, se baseia unicamente na ideia de que a pena por si mesma só alcança seu fim mediante sua imposição, e isto é ser condizente com a renúncia de todos os efeitos preventivos externos e resultados de os entendimentos teleológicos. Pois, contrário ao autor, o direito para ser justo precisa tomar conhecimento de que existe um mundo externo e viver de maneira compatível com ele – estar em conexão funcional. Busca-se portanto, sair deste círculo vicioso de repetição delitiva visando resolver os problemas que tal entendimento deixa aberto no sistema jurídico.

Para o autor, (2010, pág. 107) entra em cena a teoria da imputação objetiva, onde apenas existe a ação se esta corresponder a auto-responsabilidade, com base no finalismo da ação, mesmo que uma ação desencadeie em resultado lesão ou morte, não havendo uma modalidade delitiva que corresponda a ela, estará ausente o dolo, mas não devido ao entendimento finalista, mas sim, devido a sedes materiae, não havendo matéria que enquadre a conduta a um tipo legal, também não há cometimento de crime ou seja, em razão de que ‘o injusto deve ser sistematizado’. Em suas palavras (2010, pág. 109): “Enquanto a teoria do ilícito responde à pergunta sobre que atos são objetos de proibições penais, a categoria da responsabilidade visa a solucionar o problema dos pressupostos com base nos quais o agente poderá ser responsabilizado penalmente pelo injusto que praticou”.

De outro modo, concentrar-se unicamente na compensação da culpabilidade, é abrir parecer para entendimentos baseados em punir um determinado autor com base em sua culpabilidade, o curioso disso é que apesar das teorias contrárias a este entendimento, o caminho utilizado neste aporte jurídico penal ainda circunda a teoria da culpabilidade como norte para determinar a pena ao delito. Visa retribuir-se o delinquente com uma pena “necessária e suficiente para reprovação e prevenção do crime”. No entanto, o atual entendimento pretende abandonar o conceito bilateral desta matéria em que a culpabilidade pretende limitar e fundamentar a pena, não podendo ultrapassá-la ou ficar aquém. Leva-se em conta uma pretensão com relação ao autor e com relação a sociedade.

Este modo de ver as coisas serve também para delimitar o que deve ser punido/ sancionado. O delito segue o ilícito e por isso é determinado por lei. O que delimita a pena é também seu pressuposto. Neste enfoque, entra Lackner (apud ROXIN, 2010, pág. 118/119) concordando com o autor ao defender que: “O fato de culpabilidade e prevenção se encontrarem em ‘planos’ diversos não é” pressuposto para problematizar a união destes dois conceitos através da responsabilidade, ao contrário, pois atua como verificador de circunstâncias em que exigências de um agir preventivo venha a restringir o grau de culpabilidade no circuito penal, ela não refuta os meios de prevenção, também, não afasta o agir da teoria utilitarista, apenas busca meios preventivos que sejam eficazes e condizentes com os resultados pretendidos na seara jurídico-penal.

Adiante, conforme Schunemann (2010, pág. 65) uma formação de conceitos puramente normativista, não resolve problemas jurídicos, apenas força um caminho de lacunas, onde a justiça se perde. Parafrasear o direito não soluciona ou é capaz de fundamentar decisões. Neste ponto, o autor apresenta a necessidade de um conceito de competência, isto é “hacerse culpable-competente por um daño a la validez de la norma” (2010, pág. 65), a base para este método é a culpabilidade de forma preventiva, o que evita dar voltas em círculos, ou seja, jogar terra sobre o direito enterrando-o em suas lacunas.

O direito necessita ir além de buscar rótulos e etiquetas para fundamentar penalidades delitivas, segundo o autor o entendimento de Jakobs quando afirma que o direito precisa forçar na necessidade de concentrar esforços com vistas a evitar danos, compreende uma visão autoritária e ilimitada, o que encerra por dizer que “es nada más que uma mera afirmación, uma pura decisión adoptada como remédio para rellenar fórmulas circulares y vacías de contenido” (2010, pág. 66).

Neste enfoque, a figura de ‘competência institucional” veria mais a calhar, porém, ainda assim se apresenta questionável, em razão de determinar-se através de um status de autor relacionado ao bem jurídico, este status teria por base conceitos dados através de limites estreitos, o que finda em buscar resposta as questões jurídicas da seara penal por outras vias, fugindo desta forma do positivismo jurídico em falsa afirmativa de que o direito penal estaria incapaz de apresentar resposta eficaz. Esta ideia é refutada desde os anos trinta por meio de Schaffstein y Nain (apud SCHUNEMANN, 2010, pág. 67). Com isto, afirma-se que o direito abrange um aspecto maior que “derivar a la pena en general da mera lesión a la norma”. O instante em que Jakobs refere-se à buscar instituições jurídicas fora do âmbito-jurídico penal, compreende um retrocesso com relação ao normativismo do dever jurídico.

Buscar auxílio em instituições sociais baseado em sentimentos como confiança, se embasa em uma maneira imprópria ao conceito normativista, pois, conforme Schumann (2010, pág. 67), estaria atuando de maneira a dividir a classe de sujeitos de direito entre homem indivíduo e persona, e de outra forma, desencadearia em consequências de cunho sociológico e por este motivo, empíricas, o que teria por resultado um retorno ao direito naturalista (predominante na Alemanha entre 1870 e 1900). Neste caminho, Jakobs (apud SCHUNEMANN,pág. 68), afirma que o dolo no entendimento penal se classifica conforme o grau de indiferença do autor delitivo, ou seja, o intuito de vontade interior do agente, ideia refutada por SCHUNEMANN (2010, pág. 68) com base de que este entendimento se reduz a um círculo vicioso por meio de eliminação de fins externos fora da confirmação da validade normativa., em resumo, tal caminho, soterrado entre suas lacunas, desencadearia em uma estrada sem saída: letra morta de lei.

Deste método de ver a lógica jurídica depreende-se que o direito-penal puramente normativista em algum momento se rompe. Este conceito, ‘naturalista’ leva a uma crença de ‘equivalência’ – a raiz do resultado se baseia no valor/desvalor da ação, com isso, todo o entendimento de causas importantes e menos importantes (dolo) ficariam à mercê de decisionismo pouco científico, e um empobrecimento para o desenvolver de teorias subjetivas, haja vista, que para o autor, tais critérios (dolo/causas importantes e menos importantes) poderiam ser fingidas pelo autor perante o tribunal para ocultar ou justificar delitos (animus auctoris y del animus socii). Este entendimento, compreende um ontologismo que se baseia basicamente no dolo do agente saindo fora do entendimento puramente normativista.

Desta feita, teme-se um desenvolvimento jurídico indeterminado e dependente da opinião do jurista da casuídica, por isso, põe-se como alternativa desenvolver interpretações convencionais baseadas mais em princípios fundamentais, de forma a desenvolver uma continuação e que esta se concretize em conformidade com a matéria jurídica, decidida conforme as diferentes realidades da vida. Esta diferenciação entre norma e princípio vem sendo desenvolvida desde os anos cinquenta por Autores como Dworkin e Alexy, desencadeando na teoria dos direitos fundamentais.

A razão deste desenvolvimento é defendida com base numa relação livre de antagonismo e que encontra-se a muito enraizada no solo da sociedade e por isso, viria a ser mais facilmente aceita. Neste caminho, princípios básicos como o da danosidade e da culpabilidade (direito canônico da Idade Média; função: legitimar a ação da crueldade da pena sobre o próprio afeto) ganhariam espaço e vez. No desenvolvimento de Emanuel Kant (apud  SCHUNEMANN, 2010, pág. 72) o delinquente não pode ser utilizado como um meio para se alcançar fins, em razão de ser protegido por sua personalidade inata, quem possui esse critério de proteção é o indivíduo por ser um sujeito de direitos e deveres e não por ser ‘persona’, isto é, o homem/mulher em sua individualidade de ser humano: de carne e osso. Esta ideia de culpabilidade vem sendo desenvolvida a mais de cem anos e tem como pressupostos a ‘evitabilidade do direito e a exibilidade de sua evitação’.

Neste aporte, “deber supone poder-hacer”, na razão de Hans Albert (apud SCHUNEMANN, 2010, pág. 73), com isso, valoriza-se o direito a ser valorado, sob pena de converter-se em provérbio a exemplo de outros países, por compreenderem ‘princípios pontes’ que resultam em prescrições de deveres, o qual pressupõe um poder-fazer. Com isso, quer-se uma superação da linguagem coloquial que coloca o direito distante da população, pois o juízo de valoração está prescrito em casos reais, na raiz do percurso histórico do contexto (iter criminis). Ocorre, neste ponto uma separação entre a linguagem descritiva e a prescritiva, buscando maior fundamento e campo de significado (Bedeutungshof).

Por consequência, compreende-se que o “delito debe tratarse de um comportamento socialmente danoso” (danosidade social/ proteção do bem jurídico) elucida o autor (2010, pág. 75) e possui a proteção do ‘bien juridico’ apensar de todas as teorias de marginalização e impugnações que sofreu no decorrer do tempo, uma verdade jurídica é aquela que está na estrutura da realidade social mais variáveis mas que são determináveis. Um antijurídico torna-se delito no instante em que está em contradição com as linhas naturais de uma determinada sociedade e se descuida das boas razões aplicadas a este contexto de realidade de maneira relevante -estando em conformidade com a realidade.

No entanto, os pontos de vistas ontológicos e normativistas não se excluem entre si, mas complementam-se. E seu ponto de partida é a realidade normativa relevante. O que deve-se tomar cuidado é a ideia de valorar o dever de cuidado requerido, por abrir brechas para demasiado determinismo judicial, autoritarismo de entendimentos focados. A exemplo, como determinar o juízo de valor que uma e outra pessoa deve fazer mediante determinado caso e desenvolver da situação, sem que, com isso, ocorra uma valorização de pontos de vista?

Por este entendimento a via que desenvolve-se leva a um processo de ponderação, que valoriza fatores como a utilidade da ação que está-se desenvolvendo, seu grau de risco, a possibilidade de adotar medidas que diminuam este grau de risco e a exigibilidade de tal conduta. Deste modo, a atividade desenvolvida deve ter relação direta com seus fundamentos.

Não tardou para que as vozes alemãs tornassem a percorrer as ruas das cidades em busca de clamor social urbi et urbi dando abertura ao que Gunther Jakobs em 1999 denomina teoria do ‘direito penal do inimigo” (apud Muñoz Conde, 2010, pág. 208).  Nesta teoria o direito penal do cidadão que respeita o Estado Democrático de Direito se contrapõe ao direito penal do inimigo que emana do poder estatal. Tais inimigos perderiam o status de pessoa (Unpersonen) por se situarem de modo claro e aberto fora do Estado de Direito, devendo, por este motivo serem privadas dos direitos que o ordenamento confere às pessoas.

Esta teoria se apega aos entendimentos lombrosianos de delinquente nato, nas propostas eugênicas de Galton. Tendo por base que as marcas dos regimes autoritários alemães permanecem enraizadas nas histórias, no entanto, outros regimes autoritários permanecem escusos e fora dos holofotes, ignorados, como se nunca tivessem existido. Esta ideia tinha por base os índices de reincidência delitiva, os quais, beiravam o que denominava-se ‘incorrigíveis”. Em seu favor, dizia Von Liszt:

 

A prisão perpétua ou, se for o caso, de duração indeterminada, em campos de trabalho, em ‘servidão penal’, com estrita obrigação de trabalho sem excluir como sanção disciplinar a pena de açoites e com a consequente perda dos direitos civis e políticos, para mostrar o caráter desonroso da pena. O isolamento individual apenas operaria como sanção disciplinar em cela escura e em estrito jejum.

 

O que ele desejava é que os delinquentes fossem ‘arruinados’, e que sua ruína não custasse o dinheiro do povo, mas que fosse proveniente de suas forças e capacidades para o trabalho e custeio de suas necessidades, e que para evitar que isso fosse visto de maneira distorcida, como espécie de ‘regalia’ que fosse utilizado meios como, por exemplo, a tortura, para com isto, cobrar uma atitude digna por parte dos apenados. Conforme o autor “alimentá-los, dar-lhes ar e movimento conforme princípios racionais é um abuso do dinheiro dos contribuintes” (apud MUÑOZ CONDE, 2010, pág. 217).

Adiante, o autor propõe a classificação dos delinquentes em ocasionais, corrigíveis e incorrigíveis, existindo, deste modo dois ou mais tipos de direito penal correspondentes a cada classe delitiva: a) uma que respeitasse os direitos fundamentais individuais e outra b) sem nenhum tipo de limite para os quais fossem considerados um perigo à ordem social – os incorrigíveis; Ambas fundamentavam-se na periculosidade dos agentes (espécie criminal – Binding). O intuito maior era alcançar a ‘Justiça Retributiva’.

Já vendo a pena como retribuição ele (Binding, 2010, pág. 220) classifica as pessoas incorrigíveis no que vem a chamar ‘seres desprovidos de valor vital’. Nestas circunstâncias, Radbruch (apud MUÑOZ CONDE, 2010, pág. 221) passa a denominar delinquentes ‘habituais e profissionais’ movido pela derrota sofrida através da Primeira Guerra Mundial (1922), a qual desencadeou sério aumento na criminalidade e insegurança social movidas pelo desemprego.

O primeiro passo requerido por tais autores era a exclusão destes ‘inimigos’ do povo, em seguida misturou-se as ideias iniciais teorias movidas puramente por ódio racial, visando expressar o que denominou-se ‘poder absoluto’, abarcada pela ideia maquiavélica, de que o fim, a segurança congnitiva, justificaria os meios, uso do direito penal do inimigo. Porém, foram opiniões reconhecidas antes da entrada do Estado de Direito e de aderência aos Direitos Humanos emitidas sob contextos totalmente diferentes dos atuais, porém, mesmo na atualidade em se tratando de guerra declarada ninguém põe em dúvida a existência, mesmo que, marginalizada de um ‘direito penal do inimigo’.

Este direito é legítimo nos casos de perigo a identidade e segurança de um Estado, conforme Jakobs (apud MUÑOZ CONDE, 2010, pág. 226). O autor pede que sua tese seja vista sob o teor de valoração, sem buscar a todo custo contestar sua validade. Este entendimento seria mais que bélico, ele valeria-se através de princípios, como por exemplo, que a guerra fosse justa e não de agressão, com respeito a população e aos prisioneiros, respeitados os Convênios de Genebra de 1949, de onde extrai-se a essência do Direito humanitário. Conforme Muñoz Conde (2010, pág. 230) este direito não é próprio de um país, mas compreende um caminho para o qual diversos povos têm se direcionado, ele é voltado de maneira sui generis e assume diversas roupagens legitimando uso de arbitrariedades de maneira a vulnerabilizar o direito e o sentimento de segurança social.

Neste entendimento, o jurista Engisch (apud BETTIOL, 2010, pág. 232) fala da liberdade de vontade como uma desconhecida, mas que é indispensável para a compreensão das finalidades do direito-penal. Conforme Welzel (apud BETTIOL, 2010, pág. 233), esta desconsideração leva a distinção do querer em três categorias: a) antropológica; basear-se-ia no ser humano em sua condição primitiva, dá relevo a sua natureza animal. B) caracterológico: que refere-se a um agir movido por impulsos internos e c) categorial: movido pelo clamor social e aos ideais considerados relevantes – moral e psicológico. Para ele, a liberdade é um ato, não uma situação ou um fato.

Neste ato a pessoa liberta-se do que a determinou a tal direção que não seria própria de sua índole. Neste ponto, “é a causalidade que, expulsa pela porta, entra pela janela e torna impossível um juízo moral”, aquele juízo onde toma acento a culpabilidade, ou seja, a capacidade em que um indivíduo possui de fazer uma livre escolha entre um valor e um desvalor. O autor presa por um entendimento eticista e valorização da comunidade social, ele parte de um valorativo de consciência do indivíduo com relação a sua atitude, que se assume como pessoa em conformidade com suas atitudes “a respeito dos valores da vida e dos ditames da lei moral” (2010, pág. 235).

 

O ser ‘homem’ reside precisamente nisto: sentir na própria consciência um imperativo que pode ser seguido ou transgredido desde que depois suporte as consequências pelo comportamento havido ou pelo grau da própria culpabilidade. Culpabilidade é um conceito que se exprime em termos de censura e que varia de intensidade de homem para homem, de ação para ação, conforme o comportamento da consciência, dos motivos, dos afins.

 

 A pena baseia-se na ‘decisão consciente do crime’, embasada em um sentido ético-social, em conformidade com a desaprovação da conduta, em um campo dominado pela ética e por uma política que gravita em torno da personalidade-humana. Porém, Muñoz Conde (2010, pág. 237) se coloca como adepto da teoria democrática ‘personalista. Tais teorias foram escritas as sombras do fato criminoso’ movidas pelo sentimento de medo da guerra eminente, originada em anos de totalitarismo, em que o Estado possuía uma visão unitária do todo, visando manter-se vivo. Sentimento e razão discutiam alto nas páginas dos cadernos de leis, são as cinzas da memória de um povo que pedem para não serem esquecidas e consumidas pelo tempo.

Neste aporte, Lange (apud MUÑOZ CONDE, 2010, pág. 239) fala que o homem é mais história que qualquer outra coisa; e história é apenas uma concepção do que um dia houve, isto é, compreende apenas visões direcionadas de acontecimentos. Vez que, cada autor encaminha para o ponto que se enquadra no momento e pensamento que, por sua vez, toma vida através de sua expressão em um livro e este livro por sua vez passa a compreender o registro do que houve, ou diz-se existir.

Sendo o homem um ser incompleto e que é aperfeiçoado pela história, se abre parecer para que este, dispa-se de suas vestes autoritárias e manchadas pelos expostos aos exageros autoritaristas e siga através de um novo caminho em que não se sinta preso a este estigmatismo de definir-se e ser definido o ‘autoritário’.

Sendo portador da chave com que privou a liberdade de cidadãos, também lhe é condizente que abra as suas próprias algemas que o mantém etiquetado: o ‘autoritário’. O direito abre margem para um caminho digno e humanitário para todas as pessoas por seu caráter de ser humano, e não por uma etiqueta ou rótulo em que, um dia, a história através de uma ‘classificação’ (numérica, simbólica e outras formas) o aprisionou.

Neste aporte, entra Hans Welzel (apud HIRSCHI, 2010, pág. 247) com a teoria do injusto segundo a qual para que um delito constitua fato típico é necessário mais que ter dado causa ao resultado, é preciso também que tenha agido com vontade: ‘ação voluntária’. A ocorrência do resultado é consequência desta ação de vontade livre e consciente. Diante disto, Sanchez (2010, pág. 312) afirma que a finalidade de posicionamentos esparsos e outros mais enraizados visa apenas a manutenção do poder estatal, e para isto se serve de meios de coação e repressão social como via de combater a criminalidade e os delinquentes.

Ainda no entendimento do respectivo (2010, pág. 320), essa busca por sistematizar o direito visa a obtenção do que denomina-se direitos humanos, em que estes sirvam a todos os povos e classes efetuando uma junção de ideias e ações conjuntas – indivíduo-sociedade -, busca determinar um horizonte normativo comum.

De outra sorte, Melia (2010, pág. 404) apresenta a necessidade de uma política-criminal, instante em que rejeita a ideia do posicionamento vítima, acreditando inclusive na necessidade de uma sanção para as enquadradas neste conceito. Este entendimento busca reduzir a punibilidade dos autores supondo que a vítima deve tomar medidas de autoproteção como meio de evitar a comiseração de delitos. Busca-se a todo custo evitar a consumação delitiva. Este entendimento é também, mais coerente do ponto de vista econômico. Se pretende proteger interesses diferentes dos que circundam a vítima ao obriga-la a autoproteção, protege-se, ainda potenciais vítimas, consubstanciando uma espécie de ‘vítima descuidada’. Em conformidade:

 

...es injusto dejar de tener en cuenta la conducta de la víctima em los procedimentos penales, pues teniendo em cuenta la mayor probabilidade de que las víctimas descuidadas (em relación com las precavidas) se convíertan realmente en víctimas de hechos delictivos, los costes de la protección de víctimas cuidadosas. Por lo tanto, em el sistema actual, las víctimas precavidas son explotadas para proteger las descuidadas.

 

Esta compreensão parte do sentido de que ‘autor’ e ‘vítima’ andam em conjunto, o que reproduz enorme ‘com-fusión’. Não se quer com esta ideia diminuir a potencialidade de lesão do autor, apenas se quer analisar o âmbito do punível, em razão disso, em suas palavras (2010, pág. 406) “si la intervención del titular del bien jurídico afectado no es tenida em cuenta, se producirá um castigo em excesso al autor”.

O perigo desta visão está em converter o posicionamento entre autor e vítima, confundindo-os na concepção jurídica final, findando numa projeção do ilícito na vítima; o uso de vítima como etiqueta. Teme-se uma sistematização do posicionamento vítima denominada vitimodogmática  onde a punição em ultima ratio encerra por converter os polos ativos e passivos do tipo jurídico penal. Porém, afirmar proteção a determinado bem jurídico sem compreender a vítima como passível de proteção jurídica compreende um paradigma difícil de ser superado. Para Melia (2010, pág. 409):

 

... debe existir uma correspondência entre la necessidade de pena del comportamento del autor y la necesidad de proteción de la víctima. A esta argumentación se le añade que el princípio de subsidiariedade impone la incriminación penal tan sólo si no existen médios sociales de solución del conflito: em este sentido, se llega a la conclusión antes reproduzida de que no cabría incriminar aquellas conductas frente a las cuales la víctima puede protegerse por si misma.

 

 Para isto, propõe-se duas dogmáticas uma em que se constata os denominados delitos de relação, nestes os delitos são consubstanciados em uma relação humana, é necessária uma confrontação direta e atual entre autor e vítima. De outro lado, tem-se os delitos de intervenção, aqui é necessário que a vítima participe do comportamento da ação delitiva, prescinde que o autor intervenha ou aceite os bens jurídicos protegidos pelo titular, ou seja, a vítima deixa de tomar as medidas necessárias para a proteção do seu bem-jurídico. Ambas baseiam-se no fato de que todo tipo delitivo precisa de algo mais que um mero resultado natural. Porém, esta ideia embora bem elaborada, ainda é considerada como um retrocesso em matéria penal, conforme o autor.

No entanto, elas são capazes de lançar uma luz nas sombras dos becos em que os delitos são cometidos e muitas vezes silenciados por pessoas que poderiam ajudar a elucida-los ou até evita-los. Diante disto, penaliza-se a vítima (comparative fault) que tenha se comportado de modo reprovável, no entanto, este modo de agir abre margem para o decisionismo judicial, instante em que, fica dependente do critério de interpretação do juiz quanto a contribuição da vítima e a determinação da penalização ou não da própria e até que ponto. Destarte, que o autor Melia puxa à baila esta discussão apenas com o intuito de fomentar um raciocínio crítico acerca da ligação indissolúvel entre autor e vítima (2010, pág. 430).

De tudo isso, extrai-se atualmente a banalização do uso dos direitos humanos, momento em que o autor tem vestido as vestes da vítima e etiquetado o rosto com a nomenclatura (vítima/vitimizado), e com isso calando-a e fazendo com que o delito nunca emerja.

Neste momento, Rivacoba (2010, pág. 431) indaga sobre a existência de um romantismo jurídico com relação a defesa social? Neste ínterim, Soler (apud RIVACOBA, 2010, pág. 439) define: “muéstrame tus leyes penales, porque te quiero conocer a fondo”.

Conforme se extrai de entendimentos a sociedade mobilizada pelo clamor de noticiários ocasionam as falácias, ou seja, posicionamentos destituídos de compreensões especializadas mas nem por isso, destituídas de comoção e apego a ideias o que pode ocasionar em um posicionamento jurídico destituído de normatividade, movido apenas por clamor – gritos do povo.

Neste momento ideias mobilizadas por sentimentalismo e ideias de heroísmo adentram em terras destituídas do teor jurídico necessário para uma compreensão eficaz. Por este motivo, projetos de lei são mandados para sancionar nas câmaras promulgadoras, sem conhecimento ou necessidade alguma, ocasionando uma sobrecarga de medidas ineficazes e o povo que já estava clamando por mudança percebe esta insegurança jurídica e finda por descrer no sistema em que se encontra.

Ideias sem raciocínio e entendimento especializado tomam as ruas e das ruas entram para o Congresso retornando em forma de lei. Necessita-se abrir um parecer aqui para indagar: qual a eficácia desta promulgação desmedida de leis? Apresentar ao povo uma lei com sanção aparente, no chamado ‘tapa buraco’ conscientiza e mantém calado o povo até que ponto?

No instante em que pequenos entendimentos forem resolvidos, será viável uma solução eficaz.

 

4.      CONTRAPOSIÇÃO ENTRE A NEGAÇÃO À PRISÃO PERPÉTUA VERSUS A IMPRESCRITIBILIDADE DO DELITO DE RACISMO

Prescinde vir à conhecimento sobre a imprescritibilidade do delito de racismo. O posicionamento de direitos e garantias no rol do art. 5º da CF, confere a estes direitos e garantias proteção de cláusula pétrea, estando eles proibidos de serem abolidos ou diminuídos.

Diante disso (art. 5, XLII da CF/88) é imprescritível e inafiançável a crime de praticar racismo. A partir deste momento, Feldens (2014, pág. 394) vê a Constituição “como fonte, a um só tempo, de legitimação e limitação do poder constituído; é dizer, de abertura e de contenção do poder estatal”. O fim a que se destina é proteger os direitos e garantias fundamentais. Ou seja, ela compreende a) limite material, b) fonte valorativa e c) fundamento normativo. Estes direitos posicionam-se como valores e exigem do Estado um dever de prestação. O mandado constitucional torna soberano valores considerados fundamentais em determinada sociedade, os quais não podem ser suprimidos ou extraídos sob pena de condenar este sistema ao suicídio.

Com isso, o mandado de criminalização cria uma relação de abrigo contra a espécie delitiva, estabelecendo seus termos e limites., o qual não pode estar além ou aquém do constitucionalmente admitido (princípios: proibição do excesso e proibição deficiente). Conforme Feldens (2014, pág. 395) encontrar-se-á “de um lado, um limite garantista intransponível (intervenção necessariamente mínima); de outro, um conteúdo mínimo irrenunciável de coerção (intervenção minimamente necessária).

Com isso, o constituinte não se mostrou indiferente ao fato de 45% da população brasileira ser constituída por pessoas negras ou pardas. Então estabeleceu uma sociedade livre de preconceitos com relação a raça e outros (art. 3º, IV) e criminalizou a prática de racismo (art. 5, XLII). Porém, esta questão ultrapassa a definição de ‘cor’.

Neste aporte o autor (2014, pág. 395) utiliza a articulação linguística ‘da raça ao racismo’. Aborda-se o fato de que o racismo é mais que um fator biológico (cor ou raça) mas sim um fenômeno social que se baseia em discriminar e não necessariamente na raça. Diz-se, que é mais um delito de pele, pois trata-se de um sentir-se discriminado, refere-se a um fator psicológico mobilizado por fatores externos e não propriamente localizado na questão da raça do indivíduo.

Este delito, então transcende outros fatores constitucionalmente elencados, inclusive, em cláusula pétrea quando acredita em sua imprescritibilidade, vez que, o autor do delito, encontrar-se-á algemado em uma via de prisão perpétua por ter cometido um delito que será considerado imprescritível. Ou seja, sua capacidade para penalizar nunca perderá a eficácia e normatividade, pondo em xeque princípios em espécie como da dignidade da pessoa humana e igualdade jurídica.

Vê-se que, via de exceção, conforme o autor (2014, pág. 396) “a potestade sancionadora do Estado não é eterna” (art. 109 e ss. Do CP), este entendimento se baseia com a intenção de evitar a inércia estatal no que tange aos delitos, de maneira a impedir o prolongamento investigativo da matéria, da ação ou execução penal e também, o direito de manter consigo a denúncia com vistas a decisionismo quanto a apresenta-la a autoridades competentes. Destarte que no viés internacional conforme o art. 29 do Estatuto de Roma os direitos lá elencados também não prescrevem, porém, tais direitos têm efeitos infraconstitucional, isto é, não se sobrepõe ao que está expresso no texto da Charta Maior.

Confronta o posicionamento da imprescritibilidade do delito de racismo o fato de que outros direitos como à vida e nisto adentra-se delitos como homicídio, estupro e hediondos, os quais nenhum é imprescritível. Este entendimento direciona a compreensão de que cometer um ato de racismo estaria a ferir o seio da sociedade mais que um delito contra a vida ou liberdade sexual e afins. Surge, então a dúvida de: por quê, estes direitos não seriam imprescritíveis como o outro?

É sabido que o delito de (art. XLIV) a ação de grupos armados civis e militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático, também, são imprescritíveis, mas aqui, estar-se-ia referindo a delitos que põe em perigo a ordem social e a vigência e soberania do Estado.

A ver de entendimento, a própria Constituição apresenta um conflito de diretriz no que refere-se ao assunto, pondo uma modalidade delitiva acima de outras de não menor importância.

 

5.      CONCLUSÃO

Do exposto, extrai-se que há certa divergência em cláusulas pétreas protetivas de direitos e deveres fundamentais quando afirmam de um lado a negação à prisão perpétua e de outro a imprescritibilidade do delito de racismo. Vez que, ambos os direitos e garantias possuem o mesmo valor jurídico, porém, expostos desta maneira estariam a colidir um com o outro.

Desta colisão, brota no seio nacional uma possível insegurança jurídica e social. Afinal, como um direito pode deter mais valia que outro e estar em colisão com ele mesmo? Nesta afirmativa depreende-se que o delito de racismo é mais que um delito de cor, compreende mais que um crime de-cor-ado -  expresso no caderno de leis e decorada as suas formas e consumações.

Ele compreende mais que um delito com possibilidade de inversão de polos entre autor e vítima. Não se define por um guardar na memória, ou gravar com vistas a não esquecer.

Embasa um delito de pele em que sentimentalismo e razão andam de mãos dadas. É mais que um envolver da pessoa humana, que se consubstancia por fatores externos, e que, por sua vez, possui função (social, psicológica e etc.).

Por este caminho é que evidencia-se a necessidade de estudar a casuídica de possível colisão de direitos existente entre a negação a prisão perpétua e a imprescritibilidade do delito de racismo, a par de outros direitos não menos importantes como a vida, por exemplo. Vez que um encerra por anular o outro e causa insegurança social, por abrir margens a pareceres decisionistas de um lado e na contramão o estar rompendo sua validade e por sua vez, eficácia social.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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