quinta-feira, 23 de fevereiro de 2023

O PERIGO DO DELITO ESTAFA NO QUE REFERE-SE A FUNCIONARIZAÇÃO DA PESSOA

 

 

Como regra implícita ao sistema jurídico do princípio da intervenção mínima pelo qual o Direito penal só deve intervir em relação às condutas humanas que constituam ataques graves e consistentes a bens jurídicos de relevância. Constata-se que a intervenção do Direito Penal na vida social deve, destarte, ficar reduzido ao mínimo possível nas palavras de Silva Franco (2010, pág. 31-32).

Neste enfoque, as “margens penais” amplas convertem o juiz em legislador, já que envolvem uma renúncia do legislador à determinação da medida da pena, relegando essa missão ao juiz. (2010, pág. 33).

Neste diapasão, tem-se o delito de roubo como exemplo, aqui o expressamos por meio da legislação imperial, isto é, o Código Criminal do Império, art. 269 como modalidade furtiva – furto, praticado mediante emprego de violência à pessoa ou coisa.

No Direito Romano, vestia a mesma roupagem: furto.

No entanto, no direito penal alemão, fora efetuado uma distinção entre furto e roubo, conforme destaca Fragoso (apud SIQUEIRA, 2010, pág. 41) em que o primeiro refere-se a subtração clandestina e já o segundo trata de arrebatamento público e violento. Nisto, a palavra roubo vem do alemão Raub.

Para Damásio de Jesus (apud SIQUEIRA, 2010, pág. 43) refere-se a um crime material que refere-se a uma conduta e um evento, exige-se a produção da conduta para que o evento ocorra – consumação.

Enquanto crimes como a prevaricação (art. 319, CP) e exercício arbitrário das próprias razões (art. 345, CP) são formais.

Há ainda no direito a situação do engano quando a pessoa tenta ludibriar pessoas e distorcer fatos levando o operador da lei ao engano/erro.  Este procura passar a aparência da verdade a algo, distorcendo a veracidade criando uma situação ao sujeito que não corresponde com a realidade levando-o a produzir resultados inconsistentes com a necessidade da questão. Nisto Araya Paredes, 2010, pág. 53, verifica a necessidade de tipificar este delito no caderno jurídico, embora exista o delito de falso testemunho (art. 342 CP), no entanto esta situação de engano referir-se-ia a algo mais elaborado que um testemunho.

Este engano leva o operador jurídico a estafa, isto é, desempenhar um trabalho cansativo em busca de comprovação e desenrolar de resultados jurídicos a uma situação enganosa. A situação enganosa cria uma condição que não existe e este fato leva a desgastes de patrimônio e outros.

Há o artifício da simulação e dissimulação da realidade tendente a induzir o outro em erro em razão da percepção criada. Esta situação atua sobre a psique do operador da lei e dos cidadãos expostos a casuídica, levando a um erro de aparência, persuadindo e conduzindo a sentenças e decisões equivocadas da realidade, há uma maquinação enganosa, um atuar profundo e tendente ao erro, uma transformação da realidade exterior (2010, pág. 58).

Neste enfoque, o cheque pré-datado é retirado desta modalidade delitiva quando uma pessoa entrega um certo número de cheques para ser apresentado em conta com data certa, sabendo que no instante em que o cheque é posto em circulação a conta em questão não possui extrato o bastante para cobrir o valor, vez que é uma cártula mercantil e por este motivo deve levar em conta o acordo elaborado entre as partes no instante da negociação conforme exemplifica Pastor (2010, pág. 102).

De acordo com Felipeto (2010, pág. 109) a existência do tipo verbal na modalidade delitiva impede que o juiz se torne um déspota e decida por si próprio casuísticas criminais que não estejam definidas em lei, como é o caso da estafa – induzimento de resultados relevantes sociais através de erro, mentira, ludibriamento.

O verbo do tipo existe para delimitar uma ação, um resultado relevante juridicamente e um apenamento suficiente. Os verbos podem ser múltiplos e enquadrarem-se em uma única modalidade delitiva, porém, precisa estar expresso para evitar lacunas e decisionismos, vez tratar-se de crimes múltiplos.

Assim é a norma que empresta ao verbo um enquadramento jurídico. O agir contrário a norma provem de a conduta ser contrária ao que a lei determina. Constata-se o dano e verifica-se um meio de sanar. Por vezes, o por em risco é mais importante que o porá, pune-se o ato apenas no instante em que passa a ser praticado. Não pune-se o crime mentalizado, apenas imaginado dentro de si mesmo como destaca Marino Junior (2010, pág. 132-133).

No quesito valoração, há de ser evidenciar o dano moral ocasionado pelo erro na sociedade e na pessoa lesada. Alguns autores justificam a ideia em fatores como a) aparência; b) irreparabilidade e c) permanência, já que algumas mentiras tornam-se arraigada a tal ponto de não poderem mais ser removidas do solo em que foram plantadas.

Há nisto uma espécie de animus deformandi , intenção de deformar a imagem da pessoa, a vida, sua conduta, sua moral.

Paira sobre este delito mais que um incitamento, um induzimento a determinada conduta. Existe nele toda uma modalidade de artifícios e enganos. Um emaranhado de determinantes que conduzem a resultados negativos produzindo uma deformação da moral, da ação determinante sobre a pessoa.

Vê-se que o Direito implica em bem-estar-social, visa uma aceitação de suas leis por todas as pessoas, no sentido de buscar uma cura, um remédio jurídico para todas as mazelas, doenças sociais, aqui incluem-se todos os delitos que produzam resultados relevantes sobre a sociedade. Ora, a impunibilidade é vista como uma aceitação, um consentimento tácito/presumido ou expresso no que diz respeito a conduta negativa/ilícita. Em pleno século 21 não pode-se aceitar o rótulo de que Criminosa é a Lei.

Existe o direito social, há também o direito individual, uma pessoa é mais que uma delimitação conceitual, ela possui carne e ossos e vontades e resultados psíquicos. Por isso, define-se pessoa através do conceito de dignidade. Conforme Pedroso (2010, pág. 390) “a emoção dá e passa. A paixão permanece, alimentando-se de si própria”. Conforme Kant, a emoção é uma torrente que conduz a resultados, guia a um fim. Já a paixão cava o próprio leito, infiltra-se no solo, isto é precisa ser contida. É uma espécie em que a emoção é tumultuosa enquanto a paixão é, por vezes, solitária.

Já Fragoso (2010, pág. 456) destaca que “quem quer curar não quer ferir”. O que salva uma conduta é a superioridade do seu propósito. Há nisto uma questão bastante intima ao definir superioridade de um propósito, posto que, a que ponto um resultado pode ser verificado como propósito superior tendo ele, para ganhar vida, ter que ter suprimido valores e direitos inerentes a um ser humano.

Há aqui um parecer para a aceitação da conduta estafa ou seja, o induzimento de um resultado guiado através da mentira e artifícios falseados? Em que instante a dignidade e humanidade de um ser humano pode ser posta em ruínas verificados um valor maior? Mais uma coisa, em que momento o quesito pessoa pode ser separado do quesito humanidade?

Aqui enquadra-se a definição invalido, conforme Bastos (2010, pág. 489), invalido não é apenas a pessoa debilitada em sua saúde, mas ainda aquela que a situação a deixa nesta circunstância, ou seja, aquela que encontra-se em grave e iminente perigo e não possui forças ou meios de defender-se, cita-se a pessoa obrigada a nadar mas que não sabe, ou a que está presa em um compartimento em chamas e não possui forças determinantes a arrebentar a porta e fugir do ambiente.

Do contrário o conceito inválido apresentaria um certo desinteresse pela vida, como no caso de crianças de modo geral, em especial as abandonadas ou extraviadas.

Vale destacar que no que refere-se ao período jurídico, ouve o tempo em que as provas sofreram evolução científica conforme o íntimo convencimento neste momento bastava convencer o juiz, vez que o magistrado possuía poderes extraordinários, não precisava motivar suas decisões e julgava ‘ex informata’ de sua consciência. Como elabora Almeida (2010, pág. 515).

Daí resultou na reação denominada certeza legal. Atualmente a sociedade clama por uma certeza, um chão seguro para caminhar e construir sua moradia e família. Anula-se a liberdade de convencimento pela vinculação da consciência do magistrado, guiando-o mais precisamente através de provas concretas.

Aqui, abre-se espaço para a existência do delito estafa. Veja-se que um magistrado precisa refletir sobre os fatos, um ato em concreto é mais que provas apresentadas, vez que provas são maleáveis e nelas a verdade se deforma.

O resultado processual é mais que uma determinação sentencial, uma delimitação de apenação. Transferir uma ideia de sentença estabelecida num caderno legal para um sistema de informática e nisso para a vida de um sentenciado é ação simples, um juiz é formado para basear-se em mais que exatidez, agilidade e processualidade.

A título de exemplo, tem-se o delito de desporto (Lei 9.615/98) em que, atletas ferem-se uns aos outros dentro da atividade física e isso não é considerado como ação delituosa, vez que, considera-se resultado da modalidade física. Considera-se que um jogador de futebol ferido em seu rosto é apenas um jogador de futebol e não que o rosto dele possa proporcionar outros meios de ganho de vida, como por exemplo, o uso de sua fama como marqueteiro para algum artigo de esporte.

Ou ainda, que simplesmente ele não queira ficar com uma cicatriz aparente ou algo que não seja identificado penalmente em razão de ser praticante de determinada modalidade esportiva por causa da força legitimadora que a atividade caracteriza.

De outra sorte, tem-se o conflito entre a tutela da pessoa e a liberdade de comunicação que passa a ser significativa no que refere-se a construção da personalidade e saúde da pessoa em questão.

Destaca Bittencourt da Rosa (2010, pág. 909) que honra é:

 

[...] um sentimento, que deriva de uma apreciação de valor da personalidade. Sinto-me honrado quando acredito na correção da minha conduta e sei que a opinião alheia aprova meus atos. Honra é, pois, o edifício que construí, desde o alicerce da minha infância, e que me torna sólido, na atualidade. Esse é, assim, um bem altamente valorizado, já que necessário a tornar minha existência satisfatória.

 

Há uma divisão na questão honra entre subjetiva e objetiva. “O fato de me valorizar como pessoa, obtendo um equilíbrio emocional.” Enquanto honra objetiva é reputação, a estampa que carrego para ostentar uma aparência sobre os outros e com isso adquirir crédito social e pagar o preço de mantê-lo. Conquisto a honra objetiva por meio de minha opinião de mim mesmo, meu julgamento interior e a objetiva através da opinião alheia sobre o meu eu, segundo os padrões que determinam a sociedade.

Não importa apenas a consciência de quem sou. Trata-se de um demonstrar e manter esta consciência na sociedade. Reporta a uma consciência do próprio valor moral e social, da dignidade e decoro isto é seu patrimônio moral.

Uma sociedade constrói valores e ajustes conforme padrões eleitos pelo povo. Nisto o periculum famae aequiparatur periculo vitae.[1] Conforme a fama da pessoa se dirige ela determina sua vida. Há nisto uma troca de impulsos decisionários do pensar para o agir e do resultado disto na sociedade para dentro do psiquismo e vice-versa.

 

1.      Caracterização da Honra da Pessoa Jurídica – afetação pelo delito de estafa

Neste aporte, o autor (2010, pág. 915) cita a honra de pessoa jurídica, in verbis:

 

[...] como se imaginar impor recato sexual ou afetivo à pessoa jurídica? O conteúdo moral de sua atividade deve ser protegido, civilmente. A lesão a esse interesse prejudica-a, simplesmente, no que tange ao fim a que colima. Não se pode falar em perturbação emocional da pessoa jurídica. O prejuízo que uma ofensa poderia lhe acarretar ficaria restrito ao seu crédito e confiança.

 

Neste ponto, a de se fazer uma ressalva, verificar-se-á que, algumas pessoas jurídicas, a exemplos das modistas – de roupa, por exemplo-, possuem além da honra uma moral, vez que elas ditam padrões sociais para os indivíduos por meio dos cortes, linhas, desenhos e nuances das vestes que descrevem como bonitas – moda.

Nisto ela é capaz de ser identificada por uma espécie de honra, já que possui um estabelecimento longínquo e propulsor de impulsos sobre pessoas, sendo passível de sofrer o delito estafa/erro sobre ela. E até mesmo ser identifica em uma espécie de dignidade. A perturbação emocional se mostraria no resultado de seus produtos, no desequilíbrio emocional desencadeado sobre ela em sua modalidade caracterizante.

Poderia ser verificado um prejuízo acima da questão crédito e confiança, vez que ela conquista boa fama e estabelecimento fixo de uma marca e padrão de desenvolvimento/resultados. Aqui ela já não é movida pelo que vende, mas pelo que estabeleceu até então, pelo consuetudinário da sociedade, cultura de determinado pensamento indutor padronizante.

Contudo, o autor ao citar Nelson Hungria defende seu pensamento alegando ofensa ao princípio da taxatividade legal, da reserva legal. Por ele, há na caracterização da honra da pessoa jurídica uma violência à lei, uma apanágio da pessoa humana, visto que para ele, o art. 139 do CP ao definir alguém refere-se expressamente à pessoa física. De outra sorte, ‘societas delinquere non potest’. Porém, a última questão já foi superada no que refere-se crimes ambientais e a primeira é apenas questão de interpretação e engessamento de pensamento e sistemática jurídica.

Por sorte, para o autor (2010, pág. 917) honra objetiva é a relação de confiança entre o eu e o grupo social, instante em que a ofensa quebra o equilíbrio de convivência. Desencadeia uma espécie de diminuição do valor da vítima perante a opinião pública, tornando prejudicial a realização de suas conquistas. Aqui. Não vê-se determinante alguma que separe o teor da honra no quesito pessoa física ou jurídica, ambas possuem uma determinante intima – conquistar determinado padrão/respeito social-, e para isto, ambas necessitam alcançar determinados resultados para se estabelecer como pessoa humana – ser detentor de dignidade, e pessoa jurídica – individualizar-se de outras empresas de determinado ramo trabalhista/social.

Contudo, “argumento explica mas não justifica”. O direito não se constrói por meio de argumentos, ele precisa fixação legal, delimitação jurídica. Ademais, Pedroso (2010, pág. 932) define:

 

Honra subjetiva o sentimento íntimo que cada cidadão possui em relação as suas qualidades morais. É o preço próprio que o ser humano confere as suas virtudes e caráter. Expressa, portanto, a estima do indivíduo pela sua formação moral e princípios, defluindo daí a sensibilidade pessoal da decência, brio e respeitabilidade. Dignidade e decoro por via de consequência, consubstanciam a definição de honra subjetiva. Dignidade é o atributo moral da pessoa, que é atingido quando se endereça a alguém expressões como desonesto, desleal, velhaco, canalha, cafajeste, incestuoso e etc. Decoro compreende os dotes intelectuais e físicos do indivíduo, despontando a infâmia quando a alguém são feitas referencias tais como ignorante, analfabeto, burro, louco e etc. (art. 140 CP).

 

            Neste endereçamento, vê-se, clara a possibilidade de uma pessoa jurídica ser detentora de honra e por isso, ser abrigada no que refere-se a proteção jurídicas atinentes a ela. A honra objetiva declama por qualidades morais – aqui, constata-se o padrão de serviços prestados ao consumidor final; já a honra objetiva é o alcance final deste sentimento e desejo íntimo.

            Em outra via, verifica-se, uma espécie de sistematização da pessoa, tanto física quanto jurídica para determinado endereço. Por compreender que a honra objetiva é o sentimento de idealização da sociedade, depreende-se que deve-se aceitar ser dirigido por ela, fato este que abre espaço suficiente para que a estafa faça morada e o endereço final encerre por bater a sua porta.

            Há aqui, o perigo de perda da individualidade do ser humano (ou da pessoa jurídica, e por quê não?) Sistematiza-se um pensamento e demanda-se que encaminhe-se conforme seus preceitos.

Não há, também, aqui uma negação à legalização, do contrário, vê-se a necessidade pela legalidade de alguns verbos em suas tipificações. Contudo, pede-se espaço para o desengessamento de pensamento, a abertura do pensamento crítico no que refere-se a algumas questões tidas por encerradas ou não discutidas juridicamente.

Denuncia-se a funcionarização da pessoa. O momento em que uma pessoa passa a ser, simplesmente, funcional. Determinada por um sentido programado e definido.


CONCLUSÃO

            A conclusão a que se chega é que o verbo que traduz o tipo delitivo abre espaço para múltiplos outros. Vez que o direito é uma evolução que acompanha as necessidades sociais.          

            Nisso o perigo do delito, especificado no caderno de leis espanhol, estafa ganha cada vez mais repercussão, conhecimento e necessidade de ser tipificado também em terrae brasilis, por atuar de maneira a ludibriar a pessoa e induzir o operador jurídico ao erro no que refere-se a sanar a lesividade do crime.

Isso traduz-se em uma espécie de funcionarização da pessoa, em que esta encaminha-se pelo percurso jurídico de forma engessada, com uma cabeça dogmatizada e sistematizada, incapaz de verificar as novas possibilidades e atuações delitivas.

Abre-se espaço para uma caracterização da honra: objetiva e subjetiva, nisso passa-se a embasar a pessoa jurídica no viés de detentora de honra e por isso, sujeita a delitos que deprimam sua imagem e caráter social.

Neste enfoque, adentra-se o delito estafa como meio de produzir danos a imagem e caráter da pessoa física ou jurídica, indo além de querer obter lucro patrimonial por este meio. 

Ou seja, um delito que tenciona desprestigiar e descaracterizar a personalidade da pessoa física ou jurídica por meio de artifícios enganosos e difíceis de se comprovar e/ou escapar. 

Para tanto, compreende um delito que caminha de mãos dadas aos verbos delitivos induzir, caluniar, injuriar, difamar, instigar, perseguir  e etc.

Com isso, a pessoa jurídica passa a ser sujeito passivo de tipos delitivos e sai da seara cível para a penal para poder defender-se. 

Também, a pessoa física ganha novas formas de proteger-se dos tipos penais acima definidos e meios eficazes de comprovação da nova tipificação legal perseguição (art. 147-A do CP), além de compreender uma nova modalidade delitiva que espalha-se pela sociedade e urge por ser contida.

 

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Jorge Luiz de.  Das lesões corporais no Código Penal. Direito Penal, v.5. Alberto Silva Franco, Guilherme de Souza Nucci. Org. São Paulo – Editora Revista dos Tribunais, 2010.

ARAYA PAREDES, Ignacio e BALMACEDA HOYOS, Gustavo. Engaño em la estafa- uma proposta em escena? Direito Penal, v.5. Alberto Silva Franco, Guilherme de Souza Nucci. Org. São Paulo – Editora Revista dos Tribunais, 2010.

BASTOS, João José Caldeira. Crime de omissão de socorro: divergências interpretativas e observações críticas. Direito Penal, v.5. Alberto Silva Franco, Guilherme de Souza Nucci. Org. São Paulo – Editora Revista dos Tribunais, 2010.

Bittencourt da Rosa, Fabio. Aspectos dos Crimes contra a honra. Direito Penal, v.5. Alberto Silva Franco, Guilherme de Souza Nucci. Org. São Paulo – Editora Revista dos Tribunais, 2010.

FRAGOSO, Heleno Claudio. Transexualismo conceito – distinção do homossexualismo. Direito Penal, v.5. Alberto Silva Franco, Guilherme de Souza Nucci. Org. São Paulo – Editora Revista dos Tribunais, 2010.

FELIPETO, Rogério. O verbo na Parte Especial do Código Penal. Direito Penal, v.5. Alberto Silva Franco, Guilherme de Souza Nucci. Org. São Paulo – Editora Revista dos Tribunais, 2010.

MARINO JUNIOR, Alberto. O perigo de vida no delito lesões corporais. Direito Penal, v.5. Alberto Silva Franco, Guilherme de Souza Nucci. Org. São Paulo – Editora Revista dos Tribunais, 2010.

PASTOR, Nuria. Consideraciones sobre la delimitacion del engano típico em el delito de estafa. Direito Penal, v.5. Alberto Silva Franco, Guilherme de Souza Nucci. Org. São Paulo – Editora Revista dos Tribunais, 2010.

PEDROSO, Fernando de Almeida. Homicídio Privilegiado. Direito Penal, v.5. Alberto Silva Franco, Guilherme de Souza Nucci. Org. São Paulo – Editora Revista dos Tribunais, 2010.

PEDROSO, Fernando de Almeida. Crimes contra a honra. Direito Penal, v.5. Alberto Silva Franco, Guilherme de Souza Nucci. Org. São Paulo – Editora Revista dos Tribunais, 2010.

SILVA FRANCO, Alberto. A reforma da Parte Especial do Código Penal – propostas preliminares. Direito Penal, v.5. Alberto Silva Franco, Guilherme de Souza Nucci. Org. São Paulo – Editora Revista dos Tribunais, 2010.

SIQUEIRA, Geraldo Batista de. Roubo, delito formal – art. 167, §1º, do anteprojeto da parte especial do Código Penal. Direito Penal, v.5. Alberto Silva Franco, Guilherme de Souza Nucci. Org. São Paulo – Editora Revista dos Tribunais, 2010.



[1] O perigo da fama acompanha o perigo da vida.


domingo, 9 de outubro de 2022

MODELO DE PEDIDO DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO DE APELAÇÃO

 

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DR.º JUÍZ DE DIREITO DA VARA CRIMINAL DA COMARCA DE 000000 – ESTADO DE 5555555

 

AÇÃO PENAL DE COMPETÊNCIA DO JÚRI Nº 7879435131844131348444444444444444444/AAAA

Denunciado: FULANO DE TAL

 

FULANO DE TAL, já qualificado nos Autos em epígrafe, vem por meio de sua procuradora infra-assinada, Advogada Dativa instruída para atuar no devido processo em sua defesa, Dra. ALINE OLIVEIRA MENDES DE MEDEIROS, inscrita na OAB/SC nº xxxxx, em conformidade com a Sentença proferida, vem, tempestivamente, à Vossa Excelentíssima presença, não se conformando com a Sentença (evento 46) que encaminha ao Tribunal do Júri, vez que, se apresenta com face de condenatória, já que, não decreta absolvição dos Denunciados, abrindo margem para precedentes contrários ao seu querer e direitos como pessoas inocentes, com fulcro no art. 593, II do CPP, interpor:

 

RECURSO DE APELAÇÃO CRIMINAL

Para a Colenda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, requerendo desde já, seja recebido, autuado e remetido o recurso para a Instância Superior, para que seja a Subscritora intimada para a apresentação das Razões da Apelação, perante o competente órgão colegiado, conforme a letra do art. 600, §3 º e §4º, do Código de Processo Penal.

           

 

Nestes termos,

Pede e Aguarda Deferimento

E clama por Justiça.

 

Chapecó/SC. 26 de outubro de 1999.

 

Dra. ALINE OLIVEIRA MENDES DE MEDEIROS

OAB/SC nº xxxx


terça-feira, 4 de outubro de 2022

A (IN)DIGNIDADE NA APENAÇÃO: DO PROGRAMÁTICO AO PRAGMÁTICO?



1.    INTRODUÇÃO

Este texto buscou um estudo sobre a (in)dignidade que circunda a teoria e prática da apenação no direito penal. Ele percorre o caminho do entendimento retribucionista que parece pender para a seara apenadora como solução para os atos delituosos.

Deste entendimento ele parte para o ideal programático e sistemático até alcançar um viés pragmático em que busque um ideal reparador preventivo mais que um ideal apenador.

Nisto são foi efetuado um estudo de diversos autores, sobre entendimentos quais serão referidos no transcorrer do texto.

 

2.      PENSAMENTO RETRIBUCIONISTA OU APENADOR?

Sabe-se que o campo penalístico passou a ser palco de disputa política, até aqui não foge de outras áreas, instante em que surge manifestações críticas com relação ao pensamento determinante. Tais pensamentos alicerçam-se nos Direitos Humanos baseando-se no desconhecimento da população acerca destas diretrizes internacionais e com isso o fazem de bandeiras para todos os direitos que necessitam de roupagem para serem buscados.

Para GOTTSCHALK (APUD, PACHECO, 2010) as pessoas tomadas destes conhecimentos perderam o entendimento romântico de que a população comete delitos em razão de necessidades pessoas (fome, miséria, educação, moradia, lazer, saúde, trabalho, sustento de si mesmo e de familiares. Etc.) e passaram a considerar que os criminosos e infratores da lei fazem parte de grupos terroristas identificados em facções criminais e por isto, desmerecedores de direitos e/ou complacência por parte do Estado.

Aqui há uma espécie de dramatização do direito criminal, vez que qualquer delito ao olhar desconhecedor passa a ter igual caracterização para o banco dos réus, vez que cometeu um crime se passa por um processo e comprovado a autoria delitiva este é identificado como criminoso no sistema penal e este sistema é acessível a todos.

Ocorre, porém, que delitos são cometidos de toda espécie, por exemplo, existe o roubo de uma galinha e o furto de uma galinha. O primeiro pode ser cometido com o entendimento de ferir a integridade psicológica da vítima enquanto o outro para sacear a fome. Ambos, ao final de um trâmite processual são inscritos no mesmo lugar (sistema judiciário) e seus nomes ficam a mercê de todos que o acessem, vez que o intuito processual é dar publicidade desde os atos processuais para garantir celeridade e eficiência e identificar cada ser humano para o cidadão tomar conhecimento. Lá existem estupradores, assassinos, corruptos, fraudulentos e etc.

Ciente disso, o governo atual atualizou a lei penal visando qualificar os delitos cometidos contra animais domésticos. (Isso no art. 155 do CP e na Lei dos Crimes Ambientais Lei nº 9.605/98 referente aos maus tratos (Lei 14.064/2020). Verifica-se que a necessidade de proteção leva o cidadão a comoção e sua comoção se consubstancia em lei. Por este motivo é tão importante a opinião de populares (pessoas fora da seara jurídica).

A ideia de estereótipo de um indivíduo delituoso como deturpado e incorrigível o rotula como uma pessoa perigosa e este rótulo produz influência em toda a sociedade. A ideia de castigo e proteção está impregnada na sociedade é preciso abrir vistas para o fato.

A ideia de retribuição encontra-se arraigada na sociedade como resposta a todas as mazelas das ruas dos bairros e centros, vestindo a ideia de medidas de caráter social – ou seja, a pessoa que cometeu o delito aqui denominada excluída encerra a sua pena e após termina por excluir o que a excluiu da sociedade, ou seja, aquele que fez rótulos a respeito dele enquanto ele cumpria a pena, aqui definido popularmente o sem nome/CPF cancelado/pessoa desconhecedora da lei.

Apenado, apenador e/ou vítima encontram-se nas mesmas ruas, percorrem a mesma cidade, o mesmo bairro, os mesmos lugares de lazer e trabalho, por isto a necessidade de conhecer a lei e com quem se convive, porém, saber de seus deveres como cidadão dentre eles o de não criar rótulos, ao menos evitar o cometimento do erro de achar que um furto de uma galinha é tão menos importante que a corrupção contra a saúde do Estado, do Município, do Bairro, da Comunidade, por ex.

Por este fato a importância na teoria da prevenção geral negativa, isto é, a população em geral munir-se do conhecimento da lei e todos evitar a prática de delitos, e também a teoria da retribuição, a qual visa retribuir o mal pelo mal que se obteve.

Importa, porém, distinguir a função da pena de seu conceito, vejamos: temos por nome pena, palavra que provém de sofrimento, desgosto e/ou ainda, sanção que visa apenar ou reparar um dano, porém, ainda pode ser definida como estrutura epidérmica que reveste a estrutura do corpo, constituída de haste ou barbas que revestem o corpo e juntas formam o vexilo. Deste entendimento compreende-se que a pena reveste o corpo do animal, ou seja, uma espécie de pele ou sobre-pele, aqui expressa hipoteticamente. Ela provém da palavra poiné – cavalo pequeno, pônei.

De sua origem compreende-se que para apenar alguém precisa despenar a pessoa, ou seja, ferir sua pele – daqui se origina as antigas penas de tortura que foram tão usadas- instante em que preferia-se a mutilação de órgãos, o açoite e envenenamento, todas opções que demonstram lesões aparentes, como meio de mostrar ao publico que o criminoso sofreu uma apenação por sua conduta errada. Daqui retira-se a ideia de sofrimento, desgosto.

Contudo, o entendimento também pode conter outro significado, pode ser compreendido como uma sobre-pele, isto é, proteção exterior a pele. Neste instante entra-se a função do direito, constituir a sobre-pele humana que pretende proteger o indivíduo de sua própria conduta antissocial que o associa a delituosos e o encaminha a um caminho errôneo. Amparo contra as mazelas, espada para defender-se contra arbitrariedades, balança para sopesar valores, culturas, crenças, hábitos, atitudes esparsas, conduta humana.

Para Pacheco (2010, pág. 30) a pena compreende um castigo. Um mal necessário ao saneamento da conduta delituosa, o que leva a admitir o entendimento de retribuição. Para ele esta compreensão parece se esgotar na ideia de castigo do desvio cometido. Ela possui fundamento por si própria e não visa mais que retribuir. Embasa um dever matajurídico de punir.

Neste enfoque (2010, pág. 32):

 

(...) A pena era a necessidade de restaurar a ordem jurídica interrompida. Tendo como objetivo político a teoria do contrato social, o Estado reduzia sua atividade em matéria jurídico-penal à obrigação de evitar a luta entre os indivíduos agrupados pela ideia de consenso social. O indivíduo que contrariava este contrato era qualificado como traidor, pois com sua atividade não cumpria com o compromisso de conservar a organização social, produto da liberdade natural e originária. Passava a não ser considerado mais como parte desse conglomerado social e sim como um rebelde cuja culpa podia ser retribuída com pena.

 

Este entendimento compreende os primórdios que identificavam o povo com Deus. Adiante, para Kant (apud PACHECO, 2010, pág. 32) a pena tem por fim uma retribuição moral. Postula que “o bem siga o bem e que o mal siga o mal”, por este motivo encerra-se por dizer que “a justiça deixa de ser justiça no momento em que se dá a um preço qualquer”.

Para o filósofo (apud PACHECO, 2010, pág. 32):

 

(...) infeliz é aquele que se arrasta pelo caminho tortuoso do eudemonismo para encontrar algo que, pela vantagem que se possa tirar, descarrega-se do culpado, em todo ou em parte, das penas que merece segundo o provérbio farisaico: mais vale a morte de um só homem que a perda de todo o povo; porque, quando a justiça é desconhecida, os homens não têm razão de ser sobre a terra.

 

Paratanto, aquele que comete um crime, desrespeita todos os demais, e por isto, deixa de ser merecedor dos mesmos direitos que ele e passa a ser apenado. Neste enfoque, Pacheco (2010, pág. 35) verifica mais que a proteção do núcleo social, mas um meio de conferir justiça. O direito compreende uma linha de união entre o homem e sua dignidade humana, é mais que uma forma de apenar, é um conteúdo que deve ser visto em conjunto.

 Ninguém é punido pelo fato de existir uma pena, mas porque infringiu a lei. Quer-se agir de forma ilícita então, deseja-se ser punido. Na visão de Feuerbach (apud PACHECO, 3010, pág. 35) “na medida em que este sustentava que há sempre um aceite tácito do criminoso de sua condenação, pois, quem pratica um delito no pleno conhecimento de que lhe corresponde na lei uma certa penalidade” aceita, por consequência a sua condenação. Neste enfoque, exigir uma pena é o mesmo que exigir o cumprimento de um contrato.

Há o desejo de aproximação entre o direito e a moralidade, com base no livre arbítrio, vez que, não se pretende obrigar um homem a contragosto a agir em conformidade com a lei, quer-se mais que isso, deseja-se que ele aceite a lei por moral e índole dele, de maneira que haja em conformidade por ato interno seu, vontade própria. Quer-se uma linha que ligue o direito a justiça pela liberdade da pessoa humana. Deseja-se o entendimento do fim preventivo como consequência secundária e não por finalidade da pena.

Já na teoria absoluta, o delito é visto como a rebelião da lei, por este motivo ele:

 

(...) exige uma reparação que reafirme à autoridade desta através da punição. Por meio da pena, o Estado afirma o próprio ordenamento, dando através dela uma satisfação à coletividade, turbada pelo delito, à vítima e à comunidade, extinguindo o alarme social derivado. A sequencia do restabelecimento do direito é absoluta. O que dá legitimidade não é a utilidade, mas sim a ideia de direito convertida em direito.

 

Conforme Pacheco (2010, pág. 39) o delito é a manifestação de uma vontade irracional e impensada. Porém, a surpresa no que tange a organização criminosa que se instalou na sociedade demonstra o contrário, há uma hierarquia no que se refere ao cometimento de crimes e uma organização interna entre os delituosos. Neste ponto não há como manter-se a ideia anterior.

Este errôneo provem do entendimento de Hans Welzel (apudi PACHECO, 2010, pág. 38) que diz que o direito abstrato visa coagir através, inclusive do uso da força como meio de salvaguardar a liberdade e outros direitos da sociedade. Porém, esta ideia está muito delimitada e curta. O direito é mais que punir e usar a força, o direito possui penas restritivas de direito, por exemplo. Apenas, para as pessoas que não possuem o discernimento interno propício a respeitar a lei é que ele encerra por usar a força, ou seja, através de internações e prisão domiciliar e etc. Compreende-se que sabendo que está descumprindo a lei, você sabe que o fim disso é ser apenado.

Este ideia visa compensar e reafirmar a importância do núcleo social para os demais, cumpridores da lei e juridicamente abastados por seus deveres sociais, dentre eles o de respeitar e compreender o que é uma apenação e qual seu fim. Há no direito a compensação de ações, por meio do ideal retribucionista.

O medo do autor Pacheco (2010, pág. 63) é que o indivíduo encerre por ser instrumentalizado dentro deste sistema pois ele verá a satisfação de suas necessidades através da apenação por punição, aqui ele perde o ponto de referência no que refere-se a a socialização.

Ademais, conforme estudos esta ideia encaminha-se para o ideal errôneo. Pega-se para exemplo o delito de homicídio (art. 121 do CP). Para a pessoa que perdeu um ente familiar nunca haverá retribuição satisfatória no que tange a perda, indaga-se, e aos demais? Em que instante a vida de um ser humano é sanada por meio de uma pena? Quando uma pessoa deixa de deter seu valor por ser humano e passa a compreender um simples número de anos em que este criminoso passará detido?

Pede-se que o leitor não veja esta compreensão sob o viés de sofrimento, o apenado, por estar preso, não significa que esteja sob tortura ou tratamento desumano ou degradante, vez que a CF/88 impede que isto ocorra.

Constata-se um aspecto de inversão de valores em que o criminoso passa a imagem de possuir mais valor que a pessoa cidadã, já que, em tese, para ele é um número de tempo em determinado espaço, sob certas diretrizes comportamentais enquanto para a sociedade é o medo de sua atitude criminosa e o pânico que se perfaz a partir dela.

Veja-se que a pena para um furto, subtrair um objeto de alguém, é consubstanciada da mesma forma que a de um homicídio, ceifar a vida de uma pessoa, leva-la a morte. Percebe-se que o entendimento doutrinário encontra-se centralizado em determinado entendimento e condutas díspares passam a se assimilar como se tivessem igual intensidade ao cidadão exposto a tudo isso e ao delituoso que planejou o delito, ao menos por saber que compreende um crime. Indaga-se que cidadão não está exposto a este choque ao olhar?

Basta acessar um sistema judiciário para obter os números, aqui enquadram-se estupros, homicídios, fraudes (que furtam valores exorbitantes em dinheiro às custas de saúde, educação, moradia, e vestimenta de um país). Importa mudar o entendimento, por mais que todo o autor mais antigo, ainda possua a mesma percepção de outrora.

O Estado se encaminha, as pessoas mudam seus discernimentos e a lei se obriga a acompanha-los.

 

3.      FUNÇÃO DA PENA NA SEARA CRIMINAL

No tempo da execução da pena é verificado o preenchimento dos requisitos da Suspensão Condicional do processo ou sursis, preenchido os requisitos é demandado os benefícios cabíveis.

Neste entendimento a pena é a busca de exatidão de “medir la pena, proporcionarla a la falta, equilibrar com cresciente aproximacion la equivalência entre las dos escalas de la culpa y la pena, todo ello es, sin duda, la obra del entendimento” conforme depreende Messuti (2010, pág. 88).

Esta busca pela adequação e correspondência, isto é proporcionalidade provem desde a Lei de Talião de maneira a causar um mal justo diferente da denominada socialmente vingança. Se busca a proporção entre o delito e a pena, uma medida de igualdade.

Conforme entende a autora (2010, pág. 98) o direito criminal ao invés de ter por intuito incriminar cada vez mais condutas, ou seja, coloca-se cada vez mais condutas nos tipos penais, nos enquadramentos delitivos, ele pretende agravar as penas. O legislador confia que apenas agravar as penas é o bastante para reprimir comportamentos delitivos, ou seja, é uma resposta adequada aos medos sociais, visando a acalmar o clamor público.

Relaciona-se com um fenômeno de causa e efeito, em que a causa é sanada via apenação e os efeitos são apagados no núcleo social através do agravamento penal. O tipo penal se baseia na legitimidade, isto é, a conduta é tida como reprovável na sociedade, e se torna um delito por estar expresso em determinado caderno de lei. Porém, o ato de legitimar uma conduta como punível é visto mais como o exercício de uma função, o cumprimento de um dever. Enquanto os juízes a impõe, e as autoridades se encarregam e executá-la. Tudo isso, no desempenho de seus ofícios.

Indaga-se: está ocorrendo uma sistematização da seara criminal? Uma programação sistemática de delitos onde um enquadra o outro e condutas são cada vez mais reprimidas em razão deste posicionamento funcionalístico?

Conforme GADAMER (apud MESSUTI, 2010, pág. 110):

 

Es fundamental partir de la base de que ‘la racionalidade misma, teórica o práctica, es um concepto com uma historia: em efecto, puesto que hay uma diversidade de tradiciones de indagación, com sus respectivas historias, hay (...) racionalidades y no racionalidade, (...) justicias y no justicia.

 

Entende-se que a racionalidade jurídica é acrescida e reforçada através da tradição histórica, portanto, os critérios que justificam determinado posicionamento surgem daí e se intensificam, por fim encerram por ser aceitos sem questionamentos, o pensamento basilar compreende superar as adversidades e dar embasamento as decisões, transmitir uma segurança jurídica a sociedade e a si próprio. É o que a autora define por hermenêutica jurídica, a qual encerra por transmitir círculos viciosos.

Esquece-se de enfrentar a questão da ligação que determina o delito até a chegada da pena. “El derecho se enfrenta al problema del sufrimiento. Y fracassa.” Destaca Messuti (2010, pág. 111). Conforme ela o direito penal possui a singularidade de desejar ser doloso, ou seja, deseja ser intencional. O que preocupa é o desconhecimento desta vontade e o mascaramento de outras finalidades.

Na sua origem o Latim define dolosus, onde o sufixo oso ou osu(m) latim, significa provido de, que produz ou provoca (intencional), por sua vez o dol pode ser definido por dó, ou ainda dolus, do Latim que refere-se a dor, luto ou compaixão. É como se o legislador através da pena desejasse buscar causar compaixão no público, uma espécie de perdão social. Usando a intenção usus de causar compaixão dolus. Isto equivale dizer buscar equivaler a conduta por meio da pena.

Neste enfoque a autora Messuti (2010, pág. 114) indaga se o mito da pena compreende o mito de uma coincidência ruim.

O fato é que o direito criminal não parte desta ideia, isto verificar-se-ia mais na questão crime culposo, porém, parte-se do viés do dolo, do querer agir, querer o resultado e com isto ambicionar ser apenado, por isto a ideia de ausência de equivalência entre a conduta e a pena desencadeada. Indaga-se é suficiente aumentar a pena para limitar a ocorrência delitiva?

Há uma forte comoção social contra os suplícios, como uma espada que fere a dignidade do ser humano, isto está expresso desde documentos internacionais até nacionais. Não quer-se com isso o perdão dos assassinos, mas sim o respeito por sua humanidade declara Messuti (2010, pág. 116).

Busca-se uma equivalência entre o mal causado pelo criminoso, e o mau sofrido através da pena com vistas a equiparar-se ao dano cometido na sociedade por meio dos seus atos delitivos.

A autora prefere o caminho em que o legislador busque outros meios que não foquem na justificação objetiva da pena, isto é, aquela que vem pronta, mas sim que ele esforce-se e busque suas próprias justificações. Entra então, a hermenêutica como forma de cessar esta adaptação e busca, vez que há uma lacuna na lei entre o que a norma produz e a realidade social, espaço em que o Estado corre o risco de delinquenciar através do programático, ou seja, ser programado para agir em conformidade com vontades pré-estabelecidas, desta maneira o delinquente passa a ser vítima de um círculo vicioso.

Neste entendimento Callegari 92010, pág. 136) define que a dogmática penal vê na infração de uma norma algo diferente de um conflito relevante no que refere a consequências externas, vez que, este conflito pode nem chegar ao conhecimento das autoridades e por isso, não possuir aos atuantes jurídicos o reconhecimento de seus efeitos.

Por este motivo ele diz que:

 

A pena não determina uma reparação de dano e, em muitos casos, ao violar a norma sequer se produzirá um dano exterior (tentativa). Uma infração normativa e, portanto, uma desautorização da norma. Esta desautorização dá lugar a um conflito social na medida em que se põe em tela juízo a norma como modelo de orientação.

 

Com isso, o pragmatismo jurídico o qual compreende uma corrente de ideias que se apega a conceitos prontos de uma determinada doutrina com base a êxitos práticos. Porém, abre um espaço grande ao programático, programatismo, isto é, determinar-se por conceitos prontos sem racionalizar quanto a sua eficiência e dar continuidade a uma corrente de ideias que já estão desatualizadas, simplesmente para dar seguimento a uma sistematização pronta. Um modo de agir que determina resultados previsíveis.

 

4.      REPARAÇÃO DO DELITO COMO PREVENTIVA

No direito a preventiva visa garantir o bom êxito processual, é um ato que é definido ao agente que apresente riscos contra o andamento processual, por exemplo, de fuga, de cometimento de outros delitos de igual ou maior gravidade e etc.

No ademais, é expressa uma multa e esta é quitada então o sujeito responde em liberdade e aguarda o andamento da ação.

Porém, Palermo (2010, pág. 807) afirma que a ideia de reparação do dano pode ser vista como um meio de atenuar a pena ou até mesmo nos delitos de menos gravidade servir para dispensa de pena. Nisso, importa destacar que a multa paga pelo réu já consiste em uma espécie de reparação de dano e ela produz bons resultados a maquina judicial, já que auxilia em diversas questões entre ela a obtenção de recursos financeiros para a manutenção processual e até mesmo um indício de boa conduta por parte do réu e/ou criminoso.

O esforço por parte do indivíduo de querer reparar o dano deve ser visto mais que uma atenuante de pena. Deve possuir relevo ao trâmite processual e que isto seja demonstrado desde o momento inquisitivo, efetuado pela fase da delegacia de polícia (ou policiais em geral).

A reparação não compreende um pena por si própria mas sim um fim que a pena busca. Sendo a reparação considerada o suficiente para a vítima, por exemplo, desta forma o intuito de equilíbrio entre o delito cometido e a pena aplicada seria o bastante, então não seria necessária a aplicação de outra sanção.

Neste enfoque de reparação, usa-se por exemplo a questão da multa ou outra espécie de pena pecuniária, como por exemplo, define o art. 43 do CP: a) prestação pecuniária; b)perda de bens e valores; c)limitação de fim de semana; d)prestação de serviços à comunidade; e)interdição de direitos.

Apega-se ao fato de que a necessidade da pena – de encarcerar, não precisa ser a via principal, isto é, um delito não é delito por encerrar por prender um indivíduo. O fato determinante de um tipo delitivo tem outros imperativos que não apenas estes.

Não é porque houve o cometimento de um delito que a consequência será a necessidade de aplicar uma pena. E não há nisto desvalor penal. A punibilidade busca a transmitir credibilidade quanto ao sistema processual.

Visa-se com isso buscar a retribuir as finalidades de: a) a vítima específica do delito; b) o autor do delito; c) a sociedade e d)a Administração da Justiça. Conforme enfatiza Palermo (2010, pág. 815). O que deseja-se é o ressarcimento do dano sofrido. E nada impede que esta reparação se dê por outros meios diferentes do encarceramento, visando demonstrar o esforço sincero do criminoso e a satisfação dos demais interessados.

Sabe-se que há a esfera civil interessada em cobrar os ressarcimentos de cunho pecuniário, mas abre-se vistas a uma forma diferente e de certa maneira preventiva ou até finalística quanto a casuídica. E isto, respeitando os princípios da culpabilidade, legalidade, proporcionalidade, ultima ratio, subsidiariedade, necessidade da pena e indubio pro reo.

De acordo com Palermo (2010, pág. 817) a revalorização da vítima compreende uma necessidade por privatização da questão pública, pelo menos até que o processo transite em julgado, em uma espécie de caução judicial em que, não tenha por finalidade ter que encaminhar o processo até o final, vez que, por meio de algumas das alternativas previstas este dê-se por encerrado no momento da satisfação de autor e vítima e sistema judicial, com vistas a ‘paz jurídica e a economia e celeridade processual’.

Para isto, basta levar em consideração os interesses do prejudicado.

O Estado, conforme o autor (2010, pág. 819) deve cumprir a função de exercer o monopólio da persecução dos delitos, solucionar os conflitos que o delito causa, de forma mais efetiva e econômica. Desta forma ele pode preferir reparar ao invés de perseguir os fins no sentido tradicional., uma vez que se é permitido os princípios da culpabilidade, proporcionalidade e necessidade.

Imagine que um delito de difamação, em que a pessoa faz uso de meios públicos para mal falar de outrem, e seja apenada com uma pena que não a cobre que o nome desta pessoa seja desmentido na sociedade, por mais alta que esta pena venha a ser, não alcançaria o fim que a vítima buscaria, que é simplesmente possuir sua índole e honra limpas no meio social.

De outra sorte, têm-se os delitos de ameaças na Lei Maria da Penha, há uma diversidade de processos em que terminam por ser arquivados mediante não encontrar mais o autor da ameaça, enquanto isso, a vítima permanece em casa, sozinha e sem recursos para sustento da própria família.

Estes delitos, embora envolvam convivência familiar teriam uma via de saída fácil para a sua resolução através de ressarcimento prévio do dano, medida restritiva como via de prevenção de reparação.

Outro exemplo compreende os delitos de furtos, em que não há ameaça ou lesão contra a vítima, aqui também a prevenção como reparação seria facilmente adaptável, vez que resolver-se-ia de forma prévia todo um desenrolar burocrático processual e atuaria como meio de encerrar o pensamento programático de tudo resolver-se com um fim de cárcere.

 

5.      CONCLUSÃO

Este artigo trabalhou de forma simples o pensamento sobre a (in)dignidade na apenação no viés do programático ao pragmático.

O estudo verificou desde o entendimento de que a pena deve ser sempre aumentada até que se alcance o fim de ressocializar o apenado e transmitir uma ideia de equiparação entre dano e resultado.

Nisso desencadeou o entendimento sobre o pensamento retribucionista  e suas nuances no sentido de que ele busca mais reparar o dano ou apenar o condenado.

Desta ideia, desenvolve-se a teoria de uma sistematização padronizada de entendimento em que de um lado: a) vê se a pena como uma mal infligido, uma dor que deve ser sofrida e que produz mal e de outra sorte b) como um bem que deve ser praticado e reforçado até que se alcance a eficácia do sistema jurídico.

É como se ao estender a mão para amparar a vítima o sistema judicial se utilizasse deste ato para acariciar o rosto do autor, ou então para feri-lo. Desencadeando uma desigualdade entre o mal praticado e a justiça social.

O estudo buscou desenvolver um pensamento crítico no que tange ao assunto, de maneira a desencadear um ideal pragmático que municie-se de conhecimento e habilidade e abandone todo e qualquer conceito pronto e engessado em teorias.

Há um programa a dispor do juiz quando define a pena, não precisa haver uma programa a ser seguido no que refere-se ao aferimento da culpabilidade delitiva desta pessoa que possui dignidade igual à vítima e que, ambas possuem deveres sociais uma para com a outra.

 

REFERÊNCIAS

PALERMO, Pablo Galain. La reparacion del daño como Tercera Via punitiva? Especial consideracion a la posición de Claus Roxin. IIn: Direito Penal. Alberto Silva Franco, Guilherme de Souza Nucci. Org. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 2010.

PACHECO, Alcides Marques Porto. Suspensão Condicional da pena evolução no direito brasileiro- algumas questões intercorrentes. In: Direito Penal. Alberto Silva Franco, Guilherme de Souza Nucci. Org. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 2010.

MESSUTI, Ana. Algunas reflexiones sobre la pena y el pensamento penal. In: Direito Penal. Alberto Silva Franco, Guilherme de Souza Nucci. Org. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 2010.

MESSUTI,Ana. Derecho Penal y Derecho Humanos lor círculos hermenêuticos de la pena. In: Direito Penal. Alberto Silva Franco, Guilherme de Souza Nucci. Org. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 2010.

CALEGARRI, Andre Luís. A função da pena numa dogmática jurídico-penal normativista. In: Direito Penal. Alberto Silva Franco, Guilherme de Souza Nucci. Org. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 2010.