segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

A INCIDÊNCIA DA PERICULOSIDADE SOBRE A ATIVIDADE DE SEGURANÇA PÚBLICA COMO AFIRMATIVA DA PEC 193/15

A INCIDÊNCIA DA PERICULOSIDADE SOBRE A ATIVIDADE DE SEGURANÇA PÚBLICA COMO AFIRMATIVA DA PEC 193/15


INTRODUÇÃO

Este estudo procura demonstrar a incidência da periculosidade sobre a atividade de segurança pública, com vistas a afirmar a PEC 193/15 no solo pátrio, a qual viabiliza uma bonificação percentual sobre o salário dos policiais como forma de ressarcir os riscos inerentes da função policial.

Em primeiro momento a autora procurou demonstrar as características da atividade de segurança pública como meio de evidenciar a periculosidade existente na função, bem como, a essencialidade deste serviço para a edificação da sociedade, que, em decorrência, exige de todos (civis, agentes públicos e privados) valorização, tanto de ordem psicológica através do reconhecimento do valor deste labor, quanto de ordem material, por meio de disponibilização de uma remuneração que equivalha aos riscos e desgastes da função.

Em segundo instante, a autora frisou na questão da periculosidade da atividade policial encerrando o estudo através do respaldo jurídico que a lei trás para que este labor seja considerado periculoso e penoso, em função dos desgastes físicos e psicológicos que acarreta ao profissional da área, desencadeando na viabilidade de afirmar o adicional de periculosidade para os agentes da lei.


1.      ATIVIDADE DE SEGURANÇA PÚBLICA

A Constituição Cidadã, esculpe em letras douradas a defesa do Estado e das instituições democráticas através do Título V, cujo qual foi dividido em três capítulos, instante em que o primeiro expressa acerca do estado de defesa e o estado de sítio, o segundo versa sobre as Forças Armadas e o terceiro retrata a Segurança Pública, momento em que são “discriminadas as atividades desenvolvidas pelo Estado para efetivar a garantia da ordem pública”, como afirma Rodrigues (2010, p. 52).

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: I - polícia federal; II - polícia rodoviária federal; III - polícia ferroviária federal; IV - polícias civis; V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.

O constituinte originário não deixou dúvidas ao expressar quais são os órgãos responsáveis pela promoção da segurança pública, atribuindo também aos Municípios a faculdade de criarem as Guardas Municipais responsáveis pela proteção dos bens, instalações e serviços municipais, mediante lei. Neste enfoque de acordo com Alvin (apud Rodrigues, 2010, p. 53):

O direito à segurança, na verdade, é o direito guardião dos direitos fundamentais, pois sem segurança todos os demais direitos valerão muito pouco ou quase nada, e o chamado Estado de direito se transforma no estado da desordem, da insegurança e do desrespeito à ordem juridicamente constituída.

Além de que:

A falta da segurança no Estado de direito afeta não apenas os direitos fundamentais da pessoa humana, mas, principalmente, as instituições públicas, porque, também, os agentes do Poder Público se sentem acuados na prática de atos próprios do seu ofício, como sucede com as forças policiais que, criadas para dar segurança à sociedade, não cumprem esse objetivo.

É necessária a unificação na luta pela promoção da segurança pública, não somente entre seus órgãos promotores, mas, também, entre os civis. É imperativo que a população passe a apoiar a ação das instituições germinadoras da segurança pública e mais que o apoio civil, estes órgãos carecem de reconhecimento e valorização de seu trabalho, não apenas psicológica, mas, material também.

É mister extrair o véu que cobre os olhos da população e ofusca seus sentidos, para elucidar-lhes sobre a importância da efetivação da segurança pública no solo pátrio, e sobre o fato de que este direito essencial a materialização de uma vida digna é efetuado por pessoas, que tal como o restante do povo, são seres humanos, homens e mulheres arriscando suas vidas pela segurança e dignidade de vida de outras pessoas.

Cabe aos estudiosos da área afastar as sombras que vedam os olhos da comunidade civil através de seus estudos, clareando a sociedade quanto à essencialidade deste serviço prestado por seres humanos e quanto à necessidade de valorização destes funcionários públicos, que mais que agentes da lei, são seres humanos que diuturnamente abandonam o conforto de seus lares e o carinho de seus familiares para vestirem uma farda (ou uniforme da corporação que defendem) desgastada pelo uso, utilizarem-se de viaturas ruins, muitas vezes carentes de qualificação técnica e de treinamento constante suficientes para fazer frente à crescente especialização das quadrilhas organizadas, como o caso do crime organizado produzido pelo PCC e PGC.

São corporações compostas por pessoas, que adentram locais já abandonados pelo restante do Estado, arriscando suas vidas em busca de restabelecer a ordem e a segurança pública do local, objetivando resgatar vidas deste meio coisificador que é a criminalidade, visando quebrar as algemas e libertar estes civis do cárcere que é o meio criminógeno, dando uma oportunidade de vida plena a estas pessoas apaixonadas pelas facilidades do mundo do crime que se encerram em uma vida curta e gélida em um cemitério ou nas grades da prisão.

Ser um agente defensor e promotor da lei é mais que exercer uma atividade fundamental para a vida humana, é ser herói, é desempenhar uma atividade que de tão nobre trabalha basilarmente com o restabelecimento da ordem e da paz social, é dar possibilidades para que a vida humana se perpetue no núcleo social. Afinal, como seria possível viver em um local onde a criminalidade estivesse instaurada, correndo risco de ser roubado, estuprado, ou morto a qualquer instante? Como seria viver em um local onde não fosse possível contar com o apoio da Polícia Militar ou das demais corporações efetivadoras da Segurança Pública? Respondo: não seria possível.

Destaca Assis (2002, p 31) que ordem pública compreende “o estado de organização em que deve seguir a sociedade”, onde as pessoas tenham liberdade para progredir e para viver dignamente, cientes de que aqueles que tentarem quebrar este estado de ordem serão coibidos através dos agentes da lei e da própria lei. Por sua vez, a segurança pública compreende:

O afastamento, por meio de organizações próprias, de todo perigo, ou de todo mal, que possa afetar a ordem pública, em prejuízo da vida, da liberdade, ou dos direitos de propriedade do cidadão. A segurança pública, assim, limita as liberdades individuais, estabelecendo que a liberdade de cada cidadão, mesmo em fazer aquilo que a lei não lhe veda, não pode ir além da liberdade assegurada aos demais, ofendendo-a. (LAZZARINI, 1986, p.16).

Ademais, conforme Moreira Neto (apud LAZZARINI, 1986, p.16), “a segurança coletiva não é o somatório da segurança de cada indivíduo; é um conceito referido às instituições nacionais, ao Estado e sua ordem jurídica, enquanto representarem a justa manifestação dos interesses e aspirações nacionais”. Sendo o homem um ser social ele carece de algo acima de sua segurança individual, ou seja, da garantia da segurança social, a qual se manifesta através da ordem pública, dentro da qual se encontram a segurança comunitária e individual, dentro do núcleo da ordem pública, por ser mais extensa, encontra-se a segurança pública.

Desperto da importância da segurança pública é que se constata o desrespeito, tanto por parte do Estado, quanto por parte da população civil no que tange a atividade de promoção deste direito fundamental, principalmente, com relação aos agentes da lei que além de arriscarem suas vidas no desempenho de suas funções, são mal remunerados. Salienta-se o rigor no desempenho desta atividade ao verificar que, o policial é o único profissional que corre risco de vida, simplesmente, por ser identificado em seu trabalho, ou seja, torna-se um alvo humano devido ao teor de seu labor que é confrontar, reprimir e prevenir a criminalidade, por isto, mister se faz lutar pela valorização deste profissional no sentido psicológico ao valorizar sua função de servir ao Estado e proteger a sociedade e no sentido material ao pagar-lhe um salário digno.

Lúcido acerca desta questão é que tramita na Câmara dos Deputados a PEC 193/15, proposta a qual, garante aos integrantes do sistema de segurança pública brasileiro o adicional de periculosidade. Este projeto visa regulamentar o texto constitucional e garantir este benefício aos profissionais da área. Hodiernamente, o adicional encontra-se limitado aos profissionais que trabalham em atividades em contato com agentes explosivos, inflamáveis, com radiação e eletricidade, ou roubos e “outras espécies de violência física nas atividades profissionais de segurança pessoal ou patrimonial”, conforme expressa o art. 193 da CLT, sendo que o adicional é disponibilizado, neste instante, apenas aos vigilantes (profissionais da segurança privada), em total descaso com os agentes da segurança pública.


2.      INCIDÊNCIA DA PERICULOSIDADE SOBRE A ATIVIDADE DE SEGURANÇA PÚBLICA

No dia 02 de dezembro de 2013, o Ministério de Trabalho e Emprego (MTE), aprovou a portaria que determina a inclusão do anexo III na Norma Regulamentadora n° 16, que regula as peculiaridades atinentes a função de vigilante. A portaria destaca que os vigilantes no desenvolvimento de seu labor encontram-se sujeitos a sofrerem roubos e outras espécies de violências físicas, devido às peculiaridades da função. Esta portaria delibera que tais características evidenciam exposição a gêneros de periculosidade, por este motivo, regulamenta um adicional de periculosidade ao salário destes trabalhadores, equivalente a 30%, conforme destaca a Lei n° 12.740 de 08 de dezembro de 2012.

2. São considerados profissionais de segurança pessoal ou patrimonial os trabalhadores que atendam a uma das seguintes condições:

a) empregados das empresas prestadoras de serviço nas atividades de segurança privada ou que integrem serviço orgânico de segurança privada, devidamente registradas e autorizadas pelo Ministério da Justiça, conforme lei 7102/1983 e suas alterações posteriores.

b) empregados que exercem a atividade de segurança patrimonial ou pessoal em instalações metroviárias, ferroviárias, portuárias, rodoviárias, aeroportuárias e de bens públicos, contratados diretamente pela administração pública direta ou indireta. (Anexo 3 da NR n° 16).


ATIVIDADES OU OPERAÇÕES
DESCRIÇÃO


VIGILÂNCIA PATRIMONIAL
Segurança patrimonial e/ou pessoal na preservação do patrimônio em estabelecimentos públicos ou privados e da incolumidade física de pessoas

SEGURANÇA DE EVENTOS
 Segurança patrimonial e/ou pessoal em espaços públicos ou privados, de uso comum do povo.

SEGURANÇA NOS TRANSPORTES COLETIVOS
Segurança patrimonial e/ou pessoal nos transportes coletivos e em suas respectivas instalações.

SEGURANÇA AMBIENTAL E FLORESTAL
Segurança patrimonial e/ou pessoal em áreas de conservação de fauna, flora natural e de reflorestamento

TRANSPORTE DE VALORES
Segurança na execução do serviço de transporte de valores

ESCOLTA ARMADA
Escolta armada Segurança no acompanhamento de qualquer tipo de carga ou de valores,

SEGURANÇA PESSOAL
Acompanhamento e proteção da integridade física de pessoa ou de grupos.

SUPERVISÃO/FISCALIZAÇÃO OPERACIONAL
Supervisão e/ou fiscalização direta dos locais de trabalho para acompanhamento e orientação dos vigilantes.

TELEMONITORAMENTO/TELECONTROLE
Execução de controle e/ou monitoramento de locais, através de sistemas eletrônicos de segurança
Fonte: (Anexo 3 da NR n° 16).

Enfim, a atividade de vigilante se identifica muito com a atividade militar, porém, ela é de caráter privado, e em uma análise mais profunda será fácil constatar que o risco no desempenho de seu ofício é menor que na atividade de segurança pública, em virtude de que o agente da lei arrisca sua integridade física simplesmente por ser reconhecido como profissional da segurança pública, ou seja, seu labor já coloca em risco a sua vida e a de seus familiares, visto que, não é raro encontrar notícias de policiais que tiveram integrantes de suas famílias violentados como vingança pessoal de algum criminoso, ou de profissionais que foram mortos em combates.

A violência sofrida nesta atividade é tão real que o próprio legislador admitiu isto em lei, (Lei n° 13.142 de 06 de julho de 2015), tornando crime hediondo o cometimento de homicídio (Art. 121, § 2°, VII do CP) ou lesão corporal dolosa de natureza gravíssima (Art. 129, § 2 do CP) ou lesão corporal seguida de morte (Art. 129, §3° do CP) contra “contra autoridade ou agente descrito nos arts. 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição”.

Ademais no caput do art. 144 o constituinte originário expressou a responsabilidade aos promotores da segurança pública pela “preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio”, não deixando dúvidas quanto à periculosidade da atividade que atuará na prevenção e repressão criminal, através da exposição de suas próprias vidas, ou seja, a atividade dos agentes da lei incide diretamente na esfera criminógena, não pairando duvidas quanto à exposição destes agentes a todas as formas de periculosidade existentes, pois como órgãos repressores da criminalidade seus agentes trabalham em linha de frente contra a marginalidade expostos a todos os tipos de riscos, tendo que trabalhar armados e protegidos por um colete balístico.

A diferença existente entre a segurança privada e a pública é que, na primeira, os agentes encontram-se direcionados para cuidar de um órgão certo e específico, enquanto que os agentes promovedores da segurança pública vão em busca da inibição de crimes de todos os locais, pois são incumbidos pela preservação e restauração da ordem, não importando em qual local esteja acontecendo o delito, ou qual espécie de ilicitude esteja ocorrendo.

Cabe destaque para o fato de que, mesmo em horários de folga, o policial possui o dever de agir frente aos ilícitos, sob pena de incorrer em ilicitude (omissão de socorro), ou seja, mesmo descaracterizado (sem uniforme) seu dever de ofício não lhe abandona, deixando-lhe, em uma espécie de prontidão para servir o Estado e proteger a sociedade, enfrentando a todo custo a criminalidade e em decorrência, expondo-se a todo o tipo de violência.


3.      RESPALDO JURÍDICO DA PEC 193/2015

O respaldo jurídico para a incidência do adicional de periculosidade sobre o salário do profissional de segurança pública advém de todas as esferas, partindo do tronco da ordem jurídica, ou seja, da Carta Cidadã, mais precisamente do art. 144, para as suas demais ramificações.

Destaca o art. 61 da Lei dos Servidores Públicos (Lei n° 8.112/1990) que além do vencimento e das vantagens previstas nesta Lei, serão deferidos aos servidores as seguintes retribuições, gratificações e adicionais: IV - adicional pelo exercício de atividades insalubres, perigosas ou penosas.” Isto é, a própria lei já define a incidência do adicional em casos de desempenho de atividades perigosas.

Art. 193. São consideradas atividades ou operações perigosas, na forma da regulamentação aprovada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, aquelas que, por sua natureza ou métodos de trabalho, impliquem risco acentuado em virtude de exposição permanente do trabalhador a:
I - inflamáveis explosivos ou energia elétrica;
II - roubos ou outras espécies de violência física nas atividades profissionais de segurança pessoal ou patrimonial.
§ 1º - O trabalho em condições de periculosidade assegura ao empregado um adicional de 30% (trinta por cento) sobre o salário sem os acréscimos resultantes de gratificações, prêmios ou participações nos lucros da empresa. 
§ 3º Serão descontados ou compensados do adicional outros da mesma natureza eventualmente já concedidos ao vigilante por meio de acordo coletivo.
§ 4o  São também consideradas perigosas as atividades de trabalhador em motocicleta. (CLT).

O artigo 193 da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) é categórico ao informar que as atividades, que devido a sua natureza propiciem riscos em razão de exposição permanente do labutador a roubos e outras espécies de violências físicas são consideradas perigosas, devendo por isto, receberem o adicional de 30% sobre seu salário “sem os acréscimos resultantes de gratificações, prêmios ou participações nos lucros da empresa”. Cabe destaque para o fato de que o legislador esta procurando compensar, através de um adicional de remuneração, este risco de vida que o profissional corre ao desempenhar sua função, porém, é oportuno frisar que nenhum valor compensa a perda de uma vida, visto que esta se encontra acima de todo preço conforme a expressão da Constituição.

Adiante deste artigo, encontra-se o parágrafo 4° definindo que “são também consideradas perigosas as atividades de trabalhador em motocicleta”, trazendo para a realidade dos profissionais de segurança pública, verifica-se que a atividade da ROCAM (policiamento militar através de motocicleta), preenche exatamente as peculiaridades descritas neste parágrafo.

Confrontando as atividades de segurança privada (vigilantes) com a de segurança pública (policiais), não resta dúvida quanto ao fato de que se há periculosidade na função do vigilante, a qual foi comprovada mediante lei, incide ainda mais esta característica na atividade policial, fato este que também foi aceito e expresso através da lei n° 13.142 de 06 de julho de 2015 supracitada.

Por corolário, ficou afirmada a incidência da periculosidade na atividade policial, e a necessidade de valorização desta atividade basilar para a vida social, tanto no sentido psicológico através do reconhecimento social, quanto no viés material através do respaldo pecuniário que a função requer, consciente de que nenhum valor pecuniário vale a vida de um ser humano que trabalha diuturnamente para proteger a sociedade, porém, nem por isto, merece deixar de ser ressarcida na medida do possível. Visto que a atividade policial anda de mãos dadas com o Estado, não existindo um sem o outro, sendo imperativo que seja reconhecida.


4.      CONCLUSÃO
Este estudo baseou-se na afirmação da periculosidade existente na atividade de segurança pública, e na necessidade de reconhecimento por parte da sociedade para com estes profissionais, de modo que as pessoas passem a respeitar os integrantes destas funções.

Da mesma forma, busca-se este reconhecimento, também, por parte do Estado, de maneira que este materialize, através de lei, a incidência da característica da periculosidade sobre a atividade policial, garantindo a estes cidadãos uma bonificação em seus salários em razão dos riscos e desgastes que a atividade lhe ocasiona.

Estas idéias foram afirmadas pela autora através de um estudo minucioso na legislação vigente e por meio de pesquisas bibliográficas, consciente do fato de que da formalidade para a materialidade existe uma distancia que precisa ser percorrida para que as leis ganhem forma no solo brasileiro e para que a Constituição Federal tenha razão em existir, ganhando vida ao ver suas expressões concretizadas.


REFERÊNCIAS

ASSIS, Jorge Cesar. Lições de direito para a atividade policial militar. 5 ed. Curitiba: Jurua, 2002.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm. Acesso em 11/01/2016.

______. Consolidação das Leis do Trabalho. Lei n° Decreto-Lei n° 5.452. de 01 de maio de 1943. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452.htm. Acesso em 11/01/2016.

______. Código Penal. Lei n° 2.848/1940. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm. Acesso em 11/01/2016.

_____. Lei dos Servidores Públicos. Lei n° 8.112, de 11 de dezembro de 1990. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8112cons.htm. Acesso em 11/01/2016.



RODRIGUES, Michele Alves Correa. A Adequação da Atividade de Segurança Pública no Estado Democrático de Direito: Os desafios no combate à criminalidade e a busca pela eficiência do sistema policia. In: Cadernos de Segurança pública. Ano 2, n° 1, agosto de 2010.


LAZZARINI, Álvaro et al. Direito administrativo da ordem pública. Apresentação Miguel Seabra Fagundes. – Rio de Janeiro: Forense, 1986.

domingo, 10 de janeiro de 2016

SOBERANIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS FRENTE A POSSIBILIDADE DE RESTRIÇÕES OU LIMITAÇÕES EM UM ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO


NOTAS INTRODUTÓRIAS

O presente trabalho trata acerca da possibilidade de restrições aos direitos fundamentais em um Estado Democrático de Direito, primeiramente, se efetuara uma diferenciação entre direitos e garantias, assim como, uma ampla abordagem sobre a transmutação que os direitos fundamentais sofreram, passando de simples recomendações éticas, para concretas normas constitucionais.

Por consequência, destacara-se também, a soberania dos direitos fundamentais na Carta Maior, devido ao seu grau de abrangência e proteção aos cidadãos, inclusive, passando pela diferenciação de tais normas, em relação as demais garantias abordadas pelo constituinte. À vista disso, o texto trata ainda, a respeito da jurisdição constitucional no sistema brasileiro, que garante a jurisdição normativa da Constituição, a qual conclui, em assegurar o exercício regular das funções estatais, através de, um órgão imparcial e independente.

Em concordância com a soberania dos direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988, a própria positiva a inconstitucionalidade e não recepção de normas contrárias aos direitos fundamentais, como salienta Marmelstein (2013), “a supremacia formal e material dos direitos fundamentais acarreta a não recepção da legislação promulgada em data anterior à Constituição que seja incompatível com os direitos fundamentais.”

 Para tanto, a mesma traz em seu núcleo formas de controle e de providências, tais como a ADPF, a ADI, dentre outras formas, exercidas por meio do controle de constitucionalidade, os quais se expressam de forma concentrada ou difusa, assim, no Brasil, conforme previsibilidade da Carta Magna, as duas possibilidades de controle, é compatíveis e existentes.

Posteriormente a isso, serão abordadas, objetivamente, as possibilidades de restrições ou limitações dos direitos fundamentais, as quais se explanam por meio da teoria interna e a teoria externa, que serão amplamente definidas. Bem como, as alternativas de restrições, as garantias que podem ser restritas, como também, as limitações e legalidades para tal feito. Isto posto, serão apresentadas jurisprudências do STF, acerca da respectiva prática.

Por sua vez, o método utilizado será o indutivo, como obtenção do resultado geral, que culmina em, abordar a soberania dos direitos fundamentais na ordem jurídica, utilizara-se também, o auxilio de pesquisas bibliográficas, bem como de jurisprudências do STF, como meio de obtenção do objetivo específico, que finda em averiguar as possibilidades de restrições de direitos, na Constituição nacional. Consequentemente, apresentado o intróito, passar-se-á para o texto em específico, o qual se segue através, do próximo item.


1. A JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL NO BRASIL

Primeiramente será estabelecida a diferenciação entre direitos e garantias, cujas quais de acordo com Pinho (2011), “no ordenamento jurídico, pode ser feita uma distinção entre as normas declaratórias, que estabelecem direitos, e as normas assecuratórias, isto é, as garantias, que asseguram o exercício desses direitos”.

Neste sentido, na direção de Marmelstein (2013), “de simples recomendações éticas, eles (os direitos fundamentais), se tornaram verdadeiras normas constitucionais irrevogáveis e vinculantes, de observância obrigatória, com aplicação direta e eficácia imediata, capazes de se irradiar, por todos os ramos do direito.”

Nesta direção, Vasconcelos (1993) enfatiza que, um sistema hierárquico de normas, seria composto por normas de variados graus valorativos, formando então, um conjunto em harmonia, em concordância, com Kelsen (2007), no que concerne, a teoria da pirâmide normativa de normas, na direção de que, para um norma ter validade, a mesma necessita “buscar fundamento de validade em uma norma superior, e assim por diante, de tal forma que, todas as normas cuja validade, pode ser reconduzida a uma mesma norma fundamental, formam um sistema de normas, uma ordem normativa.”

Consequentemente destaca Marmelstein (obra citada), que a Constituição ocupa o patamar mais alto desta pirâmide, desta forma, a própria, encontra-se no topo do ordenamento jurídico, de maneira que, para uma norma ter validade, a mesma precisa estar em concordância com a Constituição, devido ao fato de que tal, ocupa a Ordem Maior. Em continuação a disposição do mencionado autor, o mesmo destaca:

O mesmo se pode dizer dos direitos fundamentais, já que também possuem a natureza de norma constitucional. Eles correspondem aos valores mais básicos e mais importantes, escolhidos pelo povo (poder constituinte), que seriam dignos de uma proteção normativa privilegiada. Eles são fundamentais, porque são tão necessários para a garantia da dignidade dos deres humanos, que são inegociáveis no jogo político. Daí porque, esta concepção, pressupõe um constitucionalismo rígido, no qual, a Constituição goza de uma supremacia formal, sobre as demais normas jurídicas e, por isso, os mecanismos de mudança do texto constitucional, impõe um processo legislativo mais complicado em relação às demais leis.

Assim sendo, pode-se afirmar, que este seria o diferencial dos direitos fundamentais em relação às demais normas jurídicas, por consequência de seus privilégios, advindos da supremacia formal e material em proteção das prerrogativas do legislador ordinário, ou seja, os mesmos encontram-se em patamar superior ao das leis, pois que, constituem a base nuclear ética de todo o sistema normativo.

Este reconhecimento de sua proeminência, Malmelstein (obra citada), destaca três consequências relevantes, sendo elas, a inconstitucionalidade de normas incompatíveis com as garantias destacadas, consequentemente, a não receptividade de normas anteriores a promulgação da Constituição de 1988, que estejam em discordância com os direitos fundamentais, bem como, impõe a necessidade de reinterpretar as leis, aos parâmetros axiológicos estabelecidos pela Constituição.       

Dessa maneira, para Kelsen (obra citada), a jurisdição constitucional, expressa “a garantia jurisdicional da Constituição”, que finda, em assegurar o exercício regular das funções estatais, através de, um órgão imparcial e independente, como complementa Marmelstein (obra citada), salientando, tais doutrinadores, que tal medida de garantia, não deve ser incumbida ao legislador, tampouco, ao governante, pois que, nos casos de transgressão da Constituição, ambos podem estar presentes como partes litigantes, além disso, conforme a explanação de Marmelstein (obra citada):

A constatação de que os parlamentares e os governantes, por estarem mais vulneráveis a pressões políticas dos mais variados tipos, inclusive financeiras, já que precisam de verbas para financiar suas dispendiosas campanhas eleitorais, não estariam em uma posição de imparcialidade para proteger os interesses dos grupos com pouca representação eleitoral, ainda que, os interesses desses grupos fossem garantidos pela Constituição. Logo, nem os membros do Executivo, nem os do Legislativo, possuiriam legitimidade para realizar o controle da constitucionalidade dos atos públicos, pois eles, sempre tenderão a escolher a opção política que gere mais votos, o que nem sempre resultará em escolhas justas e compatíveis com a dignidade humana.

No Brasil, a jurisdição constitucional surgiu com a criação da Justiça Federal, em consequência da crise da monarquia, onde, o país sofreu um golpe estado, proclamando-se republica, sob a égide de Marechal Deodoro da Fonseca. Dessarte, devido a troca de regime político, uma nova Constituição deveria ser escrita, tarefa à qual, recaiu para Rui Barbosa, que se baseou no modelo norte-americano, para a criação da Constituição de 1891.

Acerca do qual, Gilmar Mendes (2010), destaca, “o regime republicano inaugura uma nova concepção. A influência do direito norte-americano sobre personalidades marcantes, como a de Rui Barbosa parece ter sido decisiva para a consolidação do modelo difuso, consagrado já, na chamada Constituição provisória de 1890 (art. 58, §1°, a e b).”

Deste modo, Rui Barbosa (1997), estabeleceu o controle de constitucionalidade, com características concretas e exercidas por meio dos juízes federais de forma difusa, o qual, na explanação de Marmelstein (obra citada), possui a tarefa de efetuar a conferencia da “compatibilidade dos atos infraconstitucionais com a Constituição, invalidando os que forem incompatíveis,” destarte nas palavras de Barbosa (obra citada), acerca da implementação de poder á justiça, o diferencial, “não foi a atribuição de verificar a constitucionalidade nos atos do Poder Executivo: foi a de pronunciar a inconstitucionalidade nos atos do Congresso Nacional”.

Neste marco histórico, passou a ser oficialmente instituída a premissa de que, não existem poderes (mesmo que executivo ou legislativo), a não ser os que estejam expressos dentro das normas constitucionais, visto que, a mesma possui caráter predominante, estando, para tanto, acima de todo o restante do ordenamento jurídico.

Efetuada, esta ampla assertiva histórica, sobre a jurisdição constitucional brasileira, poder-se-á, passar a abordar a questão da inconstitucionalidade e da não recepção das normas contrárias aos direitos fundamentais, com maior especificidade, em virtude de sua importância para a harmonia do sistema jurídico, as quais serão tratadas com particularidade, nos próximo item.



2. A INCONSTITUCIONALIDADE E A NÃO RECEPÇÃO DAS NORMAS CONTRÁRIAS AOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NA CONSTITUIÇÃO DE 1988

Conforme foi abordado, os direitos fundamentais são positivados na Constituição, dessa forma, qualquer norma que se mostre incompatível com tais garantias serão declaradas inconstitucionais, esta fiscalização das normas será efetuada por meio da jurisdição constitucional, através da ADI, posto que, são estes direitos, que, conforme a explanação de Marmelstein (obra citada), “fornecem o substrato ético e a legitimidade material do controle de constitucionalidade”.

Porém, para as normas que entraram em vigor antes da Constituição Federal, em virtude do controle concentrado de constitucionalidade, o órgão incumbido pela fiscalização é o Supremo Tribunal Federal, por meio da ADPF, com referência no art. 1º, parágrafo único, inc. I, da Lei nº 9.882/98. No entanto, no que concerne ao modelo difuso de constitucionalidade, o juiz, em confronto com uma lei não recepcionada, fica encarregado de não aplicá-la, em consequência, assegura Marmelstein (obra citada anteriormente).

A supremacia formal e material dos direitos fundamentais acarreta a não recepção da legislação promulgada em data anterior à Constituição que seja incompatível com os direitos fundamentais. Se um juiz deparar com uma norma anterior a Constituição que seja incompatível com esses direitos, deverá entende-la como revogada. Diz-se numa linguagem mais técnica, que essa norma não foi recepcionada, ou seja, não foi recebida pelo novo ordenamento constitucional. Essa não recepção tem o mesmo efeito prático da revogação, de modo que, o juiz não pode aplicar a norma não recepcionada.

O Brasil adota o sistema misto de constitucionalidades, ou seja o difuso e o concentrado, o qual reportar-se-á de forma especifica no item a seguir. O modelo concentrado de constitucionalidade refere-se, ao controle de constitucionalidade de norma pré-constitucional, por meio da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, expresso no art. 102, par. 1º da CF, regulamentada através da lei nº 9.882/99, no art. 1º, parágrafo único, inc. I, in verbis:

Art. 1º A arguição prevista no § 1º do art. 102 da Constituição Federal será proposta perante o Supremo Tribunal Federal, e terá por objeto evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público.

Parágrafo único. Caberá também arguição de descumprimento de preceito fundamental: I - quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição;

No mesmo sentido, apresentar-se-á, jurisprudência pacífica do STF, em decisão acerca do tema:

(...) A Ação Direta de Inconstitucionalidade não se revela instrumento juridicamente idôneo ao exame da legitimidade constitucional de atos normativos do poder público que tenham sido editados em momento anterior ao da vigência da Constituição sob cuja égide foi instaurado o controle normativo abstrato.

Assim, toda vez que configurar controvérsia relevante sobre a legitimidade do direito federal, estadual ou municipal, anteriores à Constituição, em face de preceito fundamental da Constituição, poderá qualquer dos legitimados, para a propositura de ação direta de inconstitucionalidade, propor arguição de descumprimento. Também essa solução vem colmatar lacuna importante no sistema constitucional brasileiro, permitindo que controvérsias relevantes afetas ao direito pré-constitucional sejam solvidas pelo STF com eficácia geral e efeito vinculante. (STF, ADI 7/DF, rel. Min. Celso de Mello, J. 4/9/1992).

Como exemplo da primazia dos direitos fundamentais para a ordem jurídica, cita-se a ADI: 4425 DF, Relator: Min. AYRES BRITTO, que envolvia um conflito entre “o regime especial de pagamento de precatórios para Estados e Municípios criado pela EC nº 62/09”, e direitos fundamentais como a Separação de Poderes e o postulado de isonomia, nesse sentido:

“3. A expressão “na data de expedição do precatório”, contida no art. 100, § 2º, da CF, com redação dada pela EC nº 62/09, enquanto baliza temporal para a aplicação da preferência no pagamento de idosos, ultraja a isonomia (CF, art. 5º, caput) entre os cidadãos credores da Fazenda Pública, na medida em que discrimina, sem qualquer fundamento, aqueles que venham a alcançar a idade de sessenta anos não na data da expedição do precatório, mas sim posteriormente, enquanto pendente este e ainda não ocorrido o pagamento.
4. O regime de compensação dos débitos da Fazenda Pública inscritos em precatórios, previsto nos §§ 9º e 10 do art. 100 da Constituição Federal, incluídos pela EC nº 62/09, embaraça a efetividade da jurisdição (CF, art. 5º, XXXV), desrespeita a coisa julgada material (CF, art. 5º, XXXVI), vulnera a Separação dos Poderes (CF, art. 2º) e ofende a isonomia entre o Poder Público e o particular (CF, art. 5º, caput), cânone essencial do Estado Democrático de Direito (CF, art. 1º, caput).
5. A atualização monetária dos débitos fazendários inscritos em precatórios segundo o índice oficial de remuneração da caderneta de poupança viola o direito fundamental de propriedade (CF, art. 5º, XXII) (...).
6. A quantificação dos juros moratórios relativos a débitos fazendários inscritos em precatórios segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança vulnera o princípio constitucional da isonomia (CF, art. 5º, caput) ao incidir sobre débitos estatais de natureza tributária, pela discriminação em detrimento da parte processual privada que, salvo expressa determinação em contrário, responde pelos juros da mora tributária à taxa de 1% ao mês em favor do Estado (ex vi do art. 161, § 1º, CTN). Declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução da expressão “independentemente de sua natureza”, contida no art. 100, § 12, da CF, incluído pela EC nº 62/09, para determinar que, quanto aos precatórios de natureza tributária, sejam aplicados os mesmos juros de mora incidentes sobre todo e qualquer crédito tributário. 7. O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com redação dada pela Lei nº 11.960/09, ao reproduzir as regras da EC nº 62/09 quanto à atualização monetária e à fixação de juros moratórios de créditos inscritos em precatórios incorre nos mesmos vícios de juridicidade que inquinam o art. 100, § 12, da CF, razão pela qual se revela inconstitucional por arrastamento, na mesma extensão dos itens 5 e 6 supra.
8. O regime especial de pagamento de precatórios para Estados e Municípios criado pela EC nº 62/09, ao veicular nova moratória na quitação dos débitos judiciais da Fazenda Pública e ao impor o contingenciamento de recursos para esse fim, viola a cláusula constitucional do Estado de Direito (CF, art. 1º, caput), o princípio da Separação de Poderes (CF, art. 2º), o postulado da isonomia (CF, art. 5º), a garantia do acesso à justiça e a efetividade da tutela jurisdicional (CF, art. 5º, XXXV), o direito adquirido e à coisa julgada (CF, art. 5º, XXXVI). 9. Pedido de declaração de inconstitucionalidade julgado procedente em parte. (STF - ADI: 4425 DF, Relator: Min. AYRES BRITTO, Data de Julgamento: 14/03/2013, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-251 DIVULG 18-12-2013 PUBLIC 19-12-2013).
Dessarte, a respeito da não receptividade de normas contrárias aos direitos fundamentais, utilizar-se-á o exemplo de Marmelstein (obra citada), referentes aos arts. 51 e 52 da Lei de Imprensa, que expressa o dano moral tarifado, cujos quais, taxam limites rígidos à fixação da indenização por dano moral, no que concerne à responsabilidade civil de jornalistas e empresas da área de comunicação, cujos quais, eram acolhidos, anteriormente a Constituição de 1988, no entanto, com o advento da mesma, instituiu-se o art. 5º da CF, para o qual, “é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou a imagem”, neste sentido, a atual Constituição não estabeleceu limites ao dano moral, por tanto não recepcionando tais artigos.

Em virtude, como consequência da proeminência dos direitos fundamentais, todas as leis editadas anteriormente a vigência da atual Constituição, deverão passar por um processo de interpretação, como forma de adaptá-la ao sentido axiológico que os direitos fundamentais estabelecem como salienta Barroso (1998), no sentido de que, apenas prevalecem as leis, quando concordantes com as normas e princípios estabelecidos na Constituição atual.

Nesta acepção, qualquer ato que esteja em incompatibilidade com os direitos fundamentais poderá ser declarados inconstitucionais, e por tanto, serem anulados, por meio do órgão incumbido pela jurisdição constitucional, e sendo anteriores a Constituição os mesmos não serão recepcionados pela jurisdição, como dito. Por tanto, toda a legislação deve ser interpretada em favor da Constituição, de forma que se apresente adequada a realidade imposta democraticamente. Isto esclarecido abordar-se-á o controle as peculiaridades do sistema misto de constitucionalidade, expressos no item a seguir.



3. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE: CONTROLE CONCENTRADO E CONTROLE DIFUSO

Para Ferreira Filho (2012), “a distinção entre Constituição rígida e Constituição flexível, entre Poder Constituinte originário e Poder Constituinte derivado, implica a existência de um controle de constitucionalidade”. Devido ao fato de que, onde não há previsão deste controle, não se faz possível a existência de uma rigidez constitucional ou mesmo diferenciação entre Poder Constituinte derivado ou originário, verificável no fato de que, em todo o Estado onde não exista controle de constitucionalidade, a Constituição, por mais que almeje ser rígida, será flexível, isso não significa que esta forma de controle deva estar expressa em seu conteúdo, basta, porém que de seu sistema, possa-se extrair tal modelo.

Deste modo, o controle difuso de constitucionalidade, surgiu em 1803 nos Estados Unidos da América, de forma implícita (sem previsão constitucional), no caso do julgamento de William Marbury e James Madison, cujo qual, o juiz John Marshall, expos a supremacia dos direitos fundamentais no sistema jurídico, afirmando a necessidade da conformidade entre os atos normativos em geral e a Lei Magna.

Decidindo por tanto, a capacidade de o poder judiciário decidir o momento e o grau de violação de determinado ato, contrário à Constituição, ou seja, trata-se de controle repressivo de constitucionalidade, nas palavras da autora Schueller (2013), o mesmo exerce a garantia da “proeminência da Constituição, assegurando a proteção e a efetivação dos direitos e garantias fundamentais ao indivíduo e a sociedade”.

Neste instante, convém salientar, que existem duas formas de controle de constitucionalidade, sendo elas, o controle preventivo e o repressivo, de acordo com Ferreira Filho (obra citada), “distingue-se então o controle preventivo do controle repressivo. Aquele opera antes que o ato, particularmente a lei, se aperfeiçoe; este depois de perfeito o ato, de promulgada a lei. Aquele é controle a priori. Este, a posteriori”.

Desta forma, conforme Barroso (2006), a fundamentação do controle da constitucionalidade, está em, proteger os direitos fundamentais, sobretudo o das minorias, devido ao fato de que, pressupõe a existência de valores intrínsecos da sociedade, que necessitam de preservação, ‘das injunções estritamente políticas’.

Nesta acepção, preleciona Alexandrino (2009), para quem, “ocorre o controle difuso (ou aberto) quando a competência para fiscalizar a validade das leis é outorgada a todos os componentes do Poder Judiciário, vale dizer, qualquer órgão do Poder Judiciário, juiz ou tribunal, poderá declarar a inconstitucionalidade das leis.” Em conformidade com tal modelo, a interpretação dos direitos fundamentais é voltada para o caso em especifico, isto é, o juiz analisará os argumentos propostos e decidirá quem tem direito diante da casuística em espécie, processo, este, denominado, interpretação tópica, que segundo Bonavides, é composta por:

(...) uma técnica de investigação das premissas, uma teoria da natureza de tais premissas, bem como, de seu emprego na fundamentação do Direito e, enfim, uma teoria da argumentação jurídica volvida primariamente para o problema, para o caso concreto, para o conceito de ‘compreensão prévia’, (Vorverstandnis), único apto a fundamentar um sistema material do direito, em contraste com o sistema formal do dedutivismo lógico, carente de semelhante fundamentação.

Na direção de Marmelstein (obra citada), esta forma de interpretação é compatível com o sistema difuso de constitucionalidade, para o qual, reporta a responsabilidade do juiz de efetuar uma “análise sob a ótica de compatibilidade dos atos infraconstitucionais com a Constituição, invalidando, os que forem incompatíveis, com efeitos apenas para aquele caso especifico.”

Em consequência, afirmar-se-á que “o controle difuso é concreto ou incidental ou indireto”, posto que, a análise da constitucionalidade possui importância acessória dentro do caso específico. Assim sendo, além deste modelo, no Brasil, aplica-se também, o controle concentrado de constitucionalidade, por via direta em decisão do STF, ou seja, o sistema de controle brasileiro é misto.

Em conformidade, Ferreira Filho (obra citada), define o controle de constitucionalidade como, “a verificação da adequação de um ato jurídico (particularmente da lei) à Constituição”. Isto é, engloba a verificação dos requisitos formais subjetivos (como a competência do órgão que o editou) e objetivos (como a forma, os ritos, os prazos observados em sua edição), que se coadunam aos requisitos substanciais de constitucionalidade do ato jurídico, e consequentemente, no respeito aos direitos e garantias consagrados na Constituição.

Da mesma maneira, no que reporta a natureza do órgão responsável acerca das questões de constitucionalidade, o controle pode ocorrer, por meio do controle político, que ocorre sempre que a verificação da constitucionalidade é efetuada por órgão que não pertença ao Poder Judiciário, de forma, que a segunda forma de controle de constitucionalidade, denominada controle judiciário, ocorre sempre, que este controle seja exercido através de órgão do próprio Poder Judiciário.

 Como salienta o referido autor, o mesmo (controle judiciário) se verifica nos casos em que haja, “um caso particular de verificação de legalidade, ou seja, da verificação da concordância de um ato qualquer, como de um regulamento, à lei, tarefa que rotineiramente é desempenhada pelo Judiciário”.

Em outra diretriz, com relação ao sistema concentrado (fechado), tal operação ocorre de maneira que, apenas o STF se encarrega de fiscalizar e efetivar tal controle, de forma abstrata, visto que, não possuem qualquer vinculação a um caso em especifico, através da ADI ou da ADC, expressas na Lei 9.868/99, ou por meio da ADPF, instituída pela Lei 9.882/99. Como regra geral, tal decisões produzem efeitos ex tunc, erga omnes e vinculante. Em consequência, enfatiza Alexandrino (obra citada), para o qual, o sistema concentrado ou reservado, são reservados, para os casos em que:

“(...)a competência para realizar o controle de constitucionalidade é outorgada somente a um órgão de natureza jurisdicional (ou, excepcionalmente, a um número limitado de órgãos). Esse órgão poderá exercer, simultaneamente, as atribuições de jurisdição e de controle de constitucionalidade das leis, ou, então, exclusivamente esta última tarefa.”

Para Marmelstein (obra citada), a importância do controle difuso reside no fato de que, uma norma pode ser “abstratamente constitucional/proporcional/válida, mas na casuística, pode gerar efeitos indesejados, cabendo ao juiz, através do controle difuso, corrigir essas situações de injustiças pontuais na aplicação da norma.”

Exemplificativamente pode-se citar o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93, que refere-se, a pessoa portadora de deficiência ou idosa, que receba renda mensal inferior a ¼ do salário mínimo por pessoa, considerando-a incapaz de prover-se, nestas circunstâncias, ocorre, porém, que em decisões proferidas por Ministros do STF, como Cármen Lúcia (STF, Rcl nº 3.805/SP,rel. Min. Cármen Lúcia, DJ 18/10/2006), bem como, Gilmar Mendes (STF, Rcl nº 4.374/PE, rel. Min. Gilmar Mendes, 01/02/2007), ensejam um novo sentido para tal lei, evidenciado na direção de que, tais circunstâncias devem ser aferidas não apenas diante dos fatos expressos pela norma (lei em específico), mas também, por características concretas demonstradas no decorrer do processo, de igual intensidade jurídica para a decisão.

Ainda, nesta acepção, o autor Ferreira Filho (obra citada), complementa a definição do controle de Constitucionalidade efetuado pelo poder judiciário, como sendo difuso, ou concentrado, desta forma:

“O controle judiciário pode ser difuso ou concentrado. Há controle difuso quando a qualquer juiz é dado apreciar a alegação de inconstitucionalidade. É o que se dá nos Estados Unidos. Este sistema se coaduna com a ideia, difundida por Marshall, de que o juiz resolve a questão de constitucionalidade como se se tratasse de um mero caso de conflito de leis, ou seja, de determinação de qual a lei aplicável a um caso concreto. Entretanto, enseja por muito tempo a dúvida sobre a constitucionalidade, visto que, como diversos juízes são chamados a apreciar a mesma questão constitucional e podem ter opinião divergente, o que acarretará decisões que se contradizem entre si. De qualquer forma, apenas após, a manifestação do mais alto Tribunal ficará definida a questão de constitucionalidade.

É concentrado o controle toda vez que a competência para julgar a questão de constitucionalidade é reservada a um único órgão. Certas Constituições (Chile, 1925, Venezuela, 1936, Japão, 1946 etc.) reservam ao mais alto Tribunal o julgamento das impugnações de um ato do Poder Público sob a alegação de contradizerem a Lei Magna. Outras (Alemanha, 1949) reservam esse julgamento a um Tribunal especializado (Corte Constitucional).

Esta concentração num só órgão da apreciação dos problemas de constitucionalidade tem a inegável vantagem de dar uma só e última palavra, sobre a validade do ato, o que não ocorre quando a sua invalidade é declarada por órgão sujeito ao controle, por via de recurso, por parte do Tribunal mais alto.”

Salienta-se, porém, que todo o juiz na casuística específica, deve priorizar pelos direitos fundamentais, com base na justiça, e nos valores constitucionais. Destarte, por mais que haja decisão declarada por meio do STF, através do controle concentrado (com efeito vinculante, erga omnes e ex nunc), sobre a constitucionalidade de determinada norma, cabe ao juiz, na aplicação ao caso concreto, analisar a procedência de tal decisão ou não, posto que, diante de uma flagrante injustiça, incompatível com os valores constitucionais, o mesmo deve afastar a aplicação de tal normativa ao caso, apresentando justificativas concretas para o afastamento de tal prerrogativa.

Deste modo, o mesmo raciocínio cabe as súmulas vinculantes, em virtude de que, as mesmas devem ser afastadas nos casos de comprometerem o caso em pauta, por inconstitucionalidade ainda pior que a evidenciada, no entanto, carece de justificativa detalhada acerca da decisão.

Assim sendo, no que concerne a esta forma de controle de constitucionalidade, o próprio, pode ser exercido por qualquer membro do Poder Judiciário, inclusive, sobre esta questão a Constituição Federal de 1988, exige a cláusula da reserva do Plenário, expressa no art. 97, que preleciona a maioria absoluta dos membros que compõe o Tribunal pleno ou órgão especial, como meio de declarar a inconstitucionalidade de leis ou atos normativos do Poder Público. Em direção Schuller (obra citada), delimita:

“Suscitada a inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo perante um dos órgãos fracionários do Tribunal, cabe a este, caso entenda procedente a arguição, encaminhá-la ao plenário ou órgão especial, para que este, aprecie a constitucionalidade em tese do ato ou lei em confronto. Caso a maioria absoluta entenda pela desconformidade de ato ou lei com a Constituição, será emitida declaração neste sentido e esta declaração vinculará ao órgão fracionário (Turma ou Câmara) na resolução daquele caso específico.”

Neste sentido, em continuação a explanação da referida autora:

“A semelhança com o controle concentrado reside no fato de que o exame realizado pelo plenário ou órgão especial, em nada se diferencia do exame procedido em sede de ação direta de inconstitucionalidade, ou ação declaratória de constitucionalidade, em que o controle é de caráter objetivo, sem se importar com o caso em concreto.”

Vem à baila neste instante, conforme Araújo (2011), em citação de Ishikawa (2011), que outra diferença entre os dois modelos refere-se ao procedimento a ser adotado na realização da averiguação da constitucionalidade da norma ao caso concreto, posto que, a inconstitucionalidade de uma norma deve ser arguida de forma incidental, no decurso do litígio em juízo, através do Poder Judiciário.

No entanto, ao que refere-se ao modelo concentrado, sua aplicação reside em especial, com base na supremacia da lei, bem como, na separação dos poderes, a qual exclui aos juízes a capacidade de avaliar a validade da lei, pois que, conforme afirmação de Lamy (2005), também citada pela referida autora, preleciona no sentido de que, os juízes devem ter como prerrogativas, a premissa de que, as leis existentes são benéficas, no entanto, “perante a dúvida devem suspender o processo para arguir a questão constitucional perante o Tribunal Constitucional.”

Em conformidade com os referidos autores, agrega-se o posicionamento de Lenza (2010), no sentido de que, no que refere-se ao aspecto funcional, a diferença encontra-se, no fato de que, conforme o modelo difuso, a decisão possui caráter declaratório de situação pré-existente, com efeitos retroativos, ou seja, ex tunc.

Já, no que refere-se ao sistema concentrado, a decisão possui caráter constitutivo-negativo, com efeitos prospectivos, ou seja, ex nunc. Em consequência, a análise da constitucionalidade do ato normativo é questão prejudicial que deve ser apreciada pelo Poder Judiciário para o desfecho do caso em específico, ou seja, é considerada como causa de pedir, nunca como razão principal.

No entanto, Ferreira Filho (obra citada), em contrapartida deste posicionamento, dispõe que, “durante muito tempo só se admitiu que a questão de constitucionalidade de uma lei viesse a ser examinada por um juiz como exceção”, ou seja em alegação de defesa, denominada controle incidental, que tal como o controle difuso, apresenta o inconveniente de possibilitarem aos juízes diferentes posicionamentos de validade de uma norma, em razão de que, suas decisões possuem efeitos particulares ou inter partes, ou seja, apenas para as partes litigantes, ocasionando uma incerteza quanto ao direito, até que ocorra uma decisão por meio de um Tribunal Superior, desta forma:

“(...)exigida a satisfação de obrigação imposta por lei suspeita de inconstitucionalidade, o devedor dessa obrigação, ao se defender em Juízo, alega a inexistência da obrigação, por não ser válida a lei que a fundamenta. Tal exceção é apreciada como preliminar, ou incidente da ação, pelo juiz que, após resolvê-la, julga o pedido (aplicando a lei se a entender constitucional ou aplicando a Constituição se considerar inconstitucional a lei). Essa modalidade de controle é chamada de incidental, pois, embora o reconhecimento da constitucionalidade ou inconstitucionalidade da lei decorra da decisão judicial, esta não tem por objeto senão a existência ou não de uma obrigação. Tal sutileza preserva a suscetibilidade do legislador e não fere, nem na aparência, a separação de poderes, como ocorreria se o juiz julgasse a lei.”

Como solução deste conflito, surgiu nos Estados Unidos o denominado controle principal, cujo qual, da mesma forma que o controle concentrado, efetua-se por ação direta, que objetiva a verificação da inconstitucionalidade de uma lei, apresentada ao Tribunal Superior ou ao Tribunal Especializado, onde a incerteza da questão será decidida, com efeito geral e erga omnes.

Disso deflui que, no que reporta a natureza do ato, o referido autor o classifica de acordo com a doutrina clássica, que provém de Marshall, na direção de que, sendo considerado nulo o ato inconstitucional, a decisão decorrente será declaratória. Já no sentido da “doutrina kelseniana, sendo anulável, ex tunc, o ato inconstitucional, a decisão caracterizante, o desconstitui, ou seja, desfaz. Tem caráter desconstitutivo, ou, como alguns preferem, constitutivo-negativo.”

Em conclusão no modelo brasileiro, tanto se estabelece o controle de constitucionalidade preventivo, quanto o repressivo, (confiado ao judiciário) deste modo:

“O primeiro é atribuído ao Presidente da República, que o exerce por intermédio do veto. Com efeito, o art. 66, § 1º, autoriza o Presidente a vetar o projeto de lei que lhe parecer inconstitucional. Esse veto, contudo, pode ser superado pelo Congresso Nacional (art. 66, § 4º). Esta deliberação do Congresso não exclui a possibilidade de a questão ser examinada pelo Judiciário e por este ser reconhecida a inconstitucionalidade”.

Acentuada esta questão, passar-se-á ao tópico principal do respectivo trabalho, ou seja, ao objetivo específico de efetuar a análise da possibilidade de relatividade ou mesmo de restrições aos direitos fundamentais.


4. POSSIBILIDADE DE RELATIVIDADE E/OU RESTRIÇÕES AOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Conforme Moraes (2013), os direitos fundamentais não podem ser utilizados como um escudo protetivo da prática de atividades ilícitas, como também, afirma o Supremo Tribunal Federal (RT, 709/418), que os mesmos, não podem ser aplicados como argumento para afastar ou diminuir a responsabilidade civil ou penal por atos criminosos, sob pena de estarem desrespeitando o Estado de Direito, assim sendo, os direitos fundamentados na Constituição possuem limitações dentro das próprias garantias constitucionais, conforme o princípio da relatividade ou convivência das liberdades públicas.

Nesta acepção, para os casos de conflitos entre direitos ou garantias fundamentais, o intérprete deverá fazer uso do princípio da concordância prática ou da harmonização, com a intenção de coordenar e harmonizar os bens jurídicos conflitantes, evitando o sacrifício total de uns, em virtude de outros, realizando, então, uma redução proporcional no âmbito de alcance de cada qual.

Neste sentido, Quiroga Lavié (1993), citado por Moraes (obra citada) acentua que, os direitos fundamentais tiveram origem com a intenção de reduzir, a ação do Estado aos limites definidos constitucionalmente, respeitando porém, a subordinação natural do indivíduo ao Estado, como meio de que, os mesmos, se harmonizem aos limites impostos por um Estado de Direito. Neste sentido enfatiza o Superior Tribunal de Justiça que:

“(...)está muito em voga, hodiernamente, a utilização ad argumentandum tantum, por aqueles que perpetram delitos bárbaros e hediondos, dos indigitados direitos humanos. Pasmem, ceifam vidas, estupram, sequestram, destroem lares e trazem a dor a quem quer que seja, por nada, mas depois, buscam guarida nos direitos humanos fundamentais. É verdade que esses direitos devem ser observados, mas por todos, principalmente, por aqueles que impensadamente, cometem os censurados delitos trazendo a dor aos familiares das vítimas.” (6ª T.- RHC nº 2.777-0/RJ-rel. Min. Pedro Acioli- Emantário STJ, 08/721).

Salienta-se, no entanto, que não basta a existência de uma lei, para tornar legítima uma ação de interferência no âmbito de direitos e liberdades individuais, necessita-se, primeiramente, que tal ação, seja adequada a situação, isto é, proporcional e justificada, através, do interesse público, assim como, que atenda ao critério de razoabilidade.

Consequentemente, por via da observância da proporcionalidade, convém analisar a legitimidade dos objetivos procurados pelo legislador, como também, a necessidade de sua utilização, deste modo, “a ponderação entre a restrição a ser imposta aos cidadãos e aos objetivos pretendidos”, como expressa Moraes (obra citada).

Nesta diretriz, Mendes e Branco (2012), dispõem que, “o exercício dos direitos individuais podem dar ensejo, muitas vezes, a uma série de conflitos com outros direitos constitucionalmente protegidos. Daí fazer-se mister a definição do âmbito ou núcleo de proteção e, se for o caso, a fixação precisa das restrições ou das limitações a esses direitos.”

Deste jeito, por meio do âmbito de proteção dos direitos fundamentais, abordam-se diferentes pressupostos fáticos e jurídicos concebidos na norma jurídica, que concluem na proteção fundamental, logo, determinam os bens ou objetos protegidos e garantidos por meio dos direitos fundamentais.

Conforme a concepção de Bodo Pieroth e Bernhard Schlink (2012), o âmbito de proteção nada mais é do que, “aquela fração da vida protegida por uma garantia fundamental”, ou mesmo, o “uso do direito fundamental ou ainda o exercício do direito fundamental”, no sentido mais amplo possível, devido ao fato de que os próprios, referem-se não apenas à atuação, mas também, à omissão e em certas ocasiões, ao “simples encontrar-se” dos direitos fundamentais. Neste sentido, dispõe os referidos autores:

“Este é o domínio da vida protegido pelos direitos fundamentais, o âmbito de proteção dos direitos fundamentais. Por vezes, também se lhe chama âmbito normativo do direito fundamental, isto é, o domínio que a norma jurídico-fundamental recorta da realidade da vida como objeto de proteção. Quando falamos de âmbito de regulação, tem-se em vista não o âmbito de proteção, mas o domínio da vida a que se aplica o direito fundamental e em que só ele vem determinar o âmbito de proteção.”

            Nesta direção, em conformidade com Mendes e Branco (obra citada), no que reporta a certos direitos individuais, “como o direito de propriedade e o direito à proteção judiciária”, por exemplo, os próprios, “são dotados de âmbito de proteção estritamente normativo”, o que ignifica dizer, que cabe apenas ao legislador definir a amplitude e a conformação de tais direitos, ainda nesta questão, acerca do âmbito de proteção de determinado direito individual, faz-se necessário haver uma identificação “não apenas do objeto de proteção, como também, contra que tipo de agressão ou restrição se outorga esta proteção.”

Isso consiste em dizer que “o âmbito de proteção não se confunde com proteção efetiva e definitiva, garantindo-se, a possibilidade de que determinada situação tenha a sua legitimidade aferida em face de dado parâmetro constitucional”. Em sua acepção:

“Quanto mais amplo for o âmbito de proteção de um direito fundamental, tanto mais se afigura possível qualificar qualquer ato do Estado como restrição. Ao revés, quanto mais restrito for o âmbito de proteção, menor possibilidade existe para a configuração de um conflito entre o Estado e o indivíduo”.

Neste curso, Bodo Pieroth e Bernhard Schlink (obra citada), reforçam, na direção de que, esta proteção efetuada por meio dos direitos fundamentais ao indivíduo produz efeitos, primeiramente, subjetivos, da mesma forma, ao lado do significado jurídico-subjetivo, como meio de reforçar, ou seja, ampliar seu âmbito de proteção, emerge o efeito jurídico-objetivo. Isto evidencia, que:

“Verifica-se uma ingerência, um limite, uma limitação ou restrição, uma afetação, uma redução ou uma delimitação por parte do Estado, sempre que o particular é por este impedido de ter uma conduta abrangida pelo âmbito de proteção de um direito fundamental. A ingerência pode ocorrer individualmente (ato administrativo, sentença judicial) ou em geral (lei, regulamento jurídico, regulamento autônomo). Também pode ser, simplesmente, proporcionada por uma lei; se a lei autoriza, por exemplo, a Administração a impedir ao particular esta ou aquela conduta, então a própria lei, já decide que ingerências podem afetar o particular, embora as, não efetue, ainda”.

            De acordo com Mendes e Branco (obra citada), a definição do âmbito de proteção de determinado direito fundamental, prenuncia um renovado e constante esforço hermenêutico, destarte, esse processo não possui aferição por regras gerais, exigindo então, para cada direito em especifico, um determinado procedimento, não obstante, como meio de sistematizar tal definição, demanda uma análise da norma constitucional tendo como base:

“a) a identificação dos bens jurídicos protegidos e a amplitude dessa proteção (âmbito de proteção da norma);

b) a verificação das possíveis restrições contempladas, expressamente, na Constituição (expressa restrição constitucional) e identificação das reservas legais de índole restritiva”.

Dessa forma, Bodo Pieroth e Bernhard Schlink (obra citada), salientam que, a definição de âmbito de proteção e ingerência, coadunam-se, em virtude de que, “quanto mais amplo for o entendimento dos âmbitos de proteção dos direitos fundamentais, tanto mais a atuação do Estado se apresenta como ingerência;” isto enseja que, quanto mais restrito for o âmbito de proteção, menos o Estado conflitará acerca dos direitos fundamentais.  Desta maneira, nenhuma ideologia vem a favor do alargamento do âmbito de proteção dos direitos fundamentais, assim como, do contrário, também não ocorre.

No entanto, na disposição de Mendes e Branco (obra citada), a possibilidade de restrições aos direitos fundamentais vem expressamente prevista em seu núcleo, por meio do princípio da reserva legal, no art. 5º inc. II, bem como, nos incs. XII e XV, por exemplo. Salienta-se, porém, que uma norma restritiva de direitos contempla em seu âmago, os seguintes itens, “(a) uma norma de garantia, que reconhece e garante determinado âmbito de proteção e (b) uma norma de autorização de restrições, que permite ao legislador estabelecer limites ao âmbito de proteção constitucionalmente assegurado.” Nesta percepção, analisando os diferentes sistemas jurídicos, Ferreira Filho (2012), destaca:

“(...) dois sistemas principais são consagrados nas Constituições atuais para enfrentar os períodos de crise política. Um, o que prepondera na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos, que seguem de perto as tradições de seu Direito: é o da ‘lei marcial’; outro, o que se prefere nos países de direito escrito, o ‘estado de sítio’. Além desses sistemas, há um terceiro, menos praticado, o das ‘ditaduras constitucionais’, de que a romana foi o exemplo clássico, mas que tem seu equivalente na prática, já moderna, da suspensão da Constituição”.

Nesta razão, Moraes (obra citada) dispõe que, nos demais ordenamentos jurídicos ocorreram uma adaptação das normas constitucionais para os casos de situações emergenciais, bem como, a inserção de emendas nas Constituições, como forma de disciplinar a temática, dado que, na diretriz de Cicero (2000), “é preferível um remédio que cure as partes defeituosas da democracia, do que um que as ampute”.

Conforme esta orientação evidencia-se que as limitações ao poder estatal, expressas no rol das liberdades públicas, apenas se concretizam em tempos de normalidade, já que, nos momentos de crises, as mesmas impossibilitariam qualquer reação de manutenção da soberania estatal. De acordo com esta lógica, Moraes (obra citada), salienta acerca da preeminência do Poder Executivo em tempos de crise.

Em vista de o próprio possuir todos os elementos necessários a avaliação da situação em concreto, e depois, por ser o órgão responsável por assegurar a ação do Estado, do mesmo modo que, o mesmo detém a Chefia das forças Armadas, como resultado disso, detém maior independência nos exercícios das atividades presidencialistas, em tempos de crises, “de poderes extraordinários mais ou menos extensos em matéria de edição de normas jurídicas”, no nexo do referido autor.

Dessa forma encontra-se no ordenamento jurídico brasileiro duas medidas excepcionais para a restauração da ordem em momentos de dificuldades, o estado de defesa e o estado de sítio, garantindo até mesmo a suspensão pelo Presidente da República de determinadas garantias constitucionais, ampliando o poder repressivo do Estado, em justificativa da gravidade da perturbação da ordem pública.

Assim, no sentido de Lavié (1993), suspender não importa em extinguir, ou seja, os direitos individuais permanecem como princípio da liberdade humana, ao invés de, ser concessão do Estado. Então, a excepcionalidade da suspensão ou restrição de direitos fundamentais é autorizada por diversos textos constitucionais, em situações anormais e temporárias, como medida protetiva ao Estado Democrático de Direito, frente a ameaças à ordem democrática (isto é, quando, apresente os requisitos específicos), ou seja, sua maior finalidade concerne na própria defesa dos direitos fundamentais, postos em riscos, de acordo com Moraes (obra citada), em citação à Combotchecra, é o que se denomina sistema constitucional das crises.

Nesta medida, no regime presidencialista brasileiro, desde 1891, isto é, na primeira Constituição Republicana, já continha expressão da possibilidade, por parte do Presidente da República, de decretar o estado de sítio. Tradição esta, que foi mantida na Constituição de 1934, na Constituição de 1937, na Constituição de 1946, onde sofreu alteração da denominação para estado de emergência ou estado de guerra, na Constituição de 1967, que retornou a nomenclatura original e por fim por meio da EC nº 01/69, que expressava estado de sítio ou estado de emergência.

Por conseguinte, na direção do referido autor, a Constituição de 1988, prevê em seu texto, em situações excepcionais de gravidade, a possibilidade de supressão ou restrição temporária de direitos e garantias fundamentais, garantido, no entanto, a responsabilização do agente público em caso de utilização de tal medida de maneira injustificada ou arbitrária, acerca disso, Bueno (1958), enfatiza, que tal forma é de tal importância que nem ao menos deveria ser aceita, posto que é um ato anormal. Em distinção ao estado de defesa e estado de sítio, Moraes (obra citada), apresenta:

“O estado de defesa é uma modalidade mais branda de Estado de sítio e corresponde as antigas medidas de emergência do direito constitucional anterior e não exige, para sua decretação por parte do Presidente da República, autorização do Congresso Nacional. O decreto presidencial deverá determinar o prazo de sua duração; especificar as áreas abrangidas e indicar as medidas coercitivas, nos termos e limites constitucionais e legais.”

Nessa hipótese poderão ser restringidos o art. 5º inc. XII, ou seja, o sigilo da correspondência e de comunicações telegráficas e telefônicas, bem como, o direito a reunião (XVI), e ainda, (LXI), a exigibilidade de prisão somente em flagrante delito ou por ordem de autoridade judicial competente. Já no que concerne ao estado de sítio, o mencionado autor o define como sendo:

“(...) a suspensão temporária e localizada de garantias constitucionais, apresentando maior gravidade do que o Estado de defesa e, obrigatoriamente, o Presidente da República deverá solicitar autorização da maioria absoluta dos membros da Câmara dos Deputados e do Senado Federal para decretá-lo.”

 Para os casos de decretação de estado de sítio, os direitos e garantias individuais que poderão ser restringidos, são a inviolabilidade domiciliar (art. 5º, inc.XI), sigilo de correspondência e de comunicações telegráficas e de telefone (inc. XII), direito de reunião (XVI), direito de propriedade (XXV), exigibilidade de prisão somente em flagrante delito ou por ordem de autoridade judicial competente (LXI), e ainda, a liberdade de manifestação do pensamento, também, a criação, a expressão e a informação (art. 220).

No entanto, caso o estado de sítio seja declarado em consequência de declaração de guerra ou resposta à agressão armada estrangeira (art. 137, inc. II), torna-se possível a restrição de todos os direitos e garantias constitucionais, apresentando três requisitos indispensáveis para tal resultado, sendo eles, que a necessidade para “à efetivação da medida, tenham sido objeto de deliberação por parte do Congresso Nacional no momento da autorização da medida; devem estar expressamente previstos no decreto presidencial nacional.”

Salienta-se, no entanto, acerca da impossibilidade de supressão ou restrição de todos os direitos e garantias fundamentais, devido ao fato de que, o Estado estaria incorrendo em arbitrariedade e anarquia, verificável no fato de que, direitos como a vida são indiscutíveis.

Assim Barbosa (obra citada), ressalta sobre o estado de sítio, como sendo, uma situação arbitrária parcial e relativa, encontrando limites na legalidade, devendo estar em harmonia com o sistema normativo vigente, bem como, com os tribunais e o sistema legislativo.

Ocorre que, mesmo decretado estado de sítio ou de defesa, a Constituição continua exercendo o poder soberano sobre o Estado, situação a qual, direciona ao controle de constitucionalidade sobre o Poder Público, efetuados por meio do Poder Judiciário, em prevenção a abusos e ilegalidades, posto que, a excepcionalidade da medida, nunca resultará no total extermínio dos direitos e garantias individuais, como salienta Mello (1986).

Em decorrência, conforme observação de Moraes (obra citada), os Poderes Legislativos e Executivo, encontram-se impedidos de ocultar a previsão constitucional de acesso ao Poder Judiciário, para as casuísticas de lesão ou mesmo ameaça de lesão a direito, em atenção ao fato de que, entraria em desrespeito a separação dos poderes, expressos constitucionalmente e impedidos de inexistirem mesmo em situações de crises.

De acordo com Teixeira (1991), as situações emergenciais legalizam regimes de exceção, entretanto, não autorizam à inconstitucionalidade, a ilegalidade, a arbitrariedade e a anarquia, os mesmos, se caracterizam, apenas, em um “regime jurídico especial para situações excepcionais, em que alguns bens ou esferas de liberdade são provisoriamente sacrificados no interesse superior da ordem e da segurança do Estado e, em última análise, da liberdade e da segurança dos próprios cidadãos.”

Da mesma forma, se posiciona Ferreira Filho (obra citada), para o qual, mesmo nos casos de suspensão das garantias constitucionais, o Executivo, ainda assim, encontra-se limitado por meio das normas e fronteiras relacionadas aos momentos de crise, assim sendo, caso o mesmo incida em abuso, o Poder Judiciário encontrar-se-á, legitimado para intervir.

Por via do âmbito internacional, também encontra-se expressão de limitações ou suspensões à direitos e garantias fundamentais, é o que expressa, por exemplo, por meio do Pacto de São José da Costa Rica, o qual prevê, tal direção para os casos de guerra, de perigo público ou mesmo de outra emergência que venha a ameaçar a independência ou a segurança do Estado -parte.

Expresso em seu texto encontra-se a possibilidade de supressão de direitos como os de reconhecimento da personalidade jurídica, direito à vida, à integridade pessoal, como também, a restrição da proibição da escravidão e da servidão; assim como, a possibilidade de limitação dos princípios da legalidade e da retroatividade, a retenção da liberdade de consciência e de religião, a circunscrição dos direitos ao nome, da criança, de nacionalidade, e até mesmo a contenção da proteção à família e dos direitos políticos.

Igualmente, determina que, qualquer Estado-parte, que venha a fazer uso do direito de suspensão, necessita comunicar aos outros Estados -partes, por meio do Secretário Geral da Organização dos Estados Americanos, e também, informar as disposições que tenha suspendido seus efeitos e os motivos que determinaram tal atitude, assim como, a data em que tenha dado para a conclusão de tal medida excepcional.

Nesta questão, a Constituição de 1988 admite possibilidades de restrições aos direitos fundamentais, como já exposto, sejam estas restrições diretas ou indiretas, como no exemplo citado por Branco e Mendes (obra citada), “a liberdade de associação para fins lícitos” (art. 5º, XVII), ocorre também, situações em que, o próprio texto constitucional na definição da garantia ou em disposição autônoma, impõe limites ou restrições ao direito fundamental assegurado.

Nesta direção, conforme exemplo dos referidos autores, tem-se o caso do direito de reunião, em locais públicos, cujo qual, “é assegurado, desde que realizada pacificamente e sem armas” (art. 5º, XVI). Diante disso, passar-se-á a apresentar as duas teorias acerca das restrições do direitos fundamentais, como meio lógico para o estabelecimento de tais restrições.




6. TEORIA INTERNA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

De acordo com a teoria interna, a delimitação das restrições aos direitos fundamentais ocorre em processo interno, isto é, os aspectos externos não interferem em seu conteúdo, impossibilitando por tanto a existência de colisão entre os mesmos, esta acepção se insere na questão de que, o direito cessaria aonde começaria o abuso. Sbrissia (2013) afirma no sentido de que, “estes direitos terão sempre a estrutura de regras. A norma será sempre aplicada quando a hipótese prevista por ela ocorrer, e, diante disso, terá validade estrita.”

Vem à baila, no entanto, a forma de como será demonstrada a delimitação destes direitos, a partir de seu próprio núcleo, assim sendo, para tal objetivo, far-se-á uso da teoria institucional, ou por meio dos limites imanentes, que cujos quais, se expressam através dos limites decorridos da própria constituição, visto que na verdade, não se trata de restrições, mas sim, de limites expressos por meio do constituinte originário.

Em consonância com a Teoria Institucional, abordar-se-á a atenção com o conteúdo essencial, associado aos limites dos direitos fundamentais. Para obtenção de tal resultado, Silva (2009) utiliza-se, da teoria de Haberle, para qual, os direitos fundamentais de liberdade abandonam seu caráter de individualidade, para tornarem-se sociais, para o mesmo, a liberdade não seria algo inato do ser humano, e sim algo positivado por meio do direito, neste sentido, a atividade estatal não a restringiria, apenas imporia limites em seu conteúdo e abrangência.

Fica exposto, por tanto que, na concepção da teoria interna, não existem fatores externos que viessem a influenciar nas restrições de tais direitos, devido ao fato de que, para a mesma não haveria o sopesamento de princípios.

Neste sentido, Branco e Mendes (obra citada), enfatizam, que para a própria, não existiriam “conceitos de direito individual e de restrição como categorias autônomas, mas sim a ideia de direito individual com determinado conteúdo.” Ou seja, “a ideia de restrição passa a ser substituída pela de limite”.

Em citação a Alexy, os mesmos enfatizam que, “eventual dúvida sobre o limite do direito não se confunde com a dúvida sobre a amplitude das restrições que lhe devem ser impostas, mas diz respeito, ao próprio conteúdo do direito.” Isso exposto, passar-se-á a abordar a contraposição desta teoria, ou seja, a teoria externa.


7. TEORIA EXTERNA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

A teoria externa possui relação direta com a teoria dos princípios, proposta por Ronald Dworkin, cuja qual, possui como adeptos, doutrinadores como Alexy (2008), cuja mesma, finda no o objetivo de estabelecer a distinção entre as regras a e aferição de normatividade aos princípios, que para o autor, os princípios consistem em “algo que seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes, neste sentido, eles não contém um mandamento definitivo, mas apenas prima facie”, o que resulta dizer, que na verificação de um caso em concreto, um princípio poderá ser afastado devido a antagonismos.

Para Mendes e Branco (obra citada), tal teoria, admitiria “que entre a ideia de direito individual e a ideia de restrição, existe uma relação necessária. Essa relação seria estabelecida pela necessidade de compatibilização entre os direitos individuais e os bens coletivos.”

Consequentemente, Alexy estabelece que, entre a teoria interna e a teoria externa existe mais diversidades do que a terminológica ou mesmo a conceitual, por conseguinte, uma corrente que possua uma concepção individualista da sociedade, penderia para o entendimento da teoria externa, neste sentido, aquele que compreender o ser humano, no gênero social, defenderá a teoria interna, ou seja, a adoção de uma ou de outra teoria dependerá do posicionamento que o indivíduo possa ter, acerca dos direitos individuais.

Nesta diretriz, ao agregar-se a ideia de que os direitos individuais expressam posições definitivas, então caberá a aplicação da teoria interna, no entanto, caso se faça o entendimento de que os direitos fundamentais apenas criam posicionamentos “prima facie”, então, será adaptável a teoria externa.

Bem como, tem-se também a consideração, ainda elencada por Alexy (obra citada), a partir da pressuposição de que as normas de direitos fundamentais se dividem em princípios ou regras, considerando-as como princípios, assenta-se a teoria externa, de outro modo, consideradas como regras agrega-se a teoria interna. Dito isso, abordar-se-á neste momento as jurisprudências do STF acerca da temática.


8. JURISPRUDÊNCIAS DO STF

Acerca das limitações constitucionais, cita-se, o caso em que a CPI ordenou com sua própria conivência, a quebra de sigilo bancário, fiscal e telefônico, voto proferido pelo Rel. Min. Celso de Mello, no sentido de que, foi legitima a ação da CPI, bem como acentua sobre a soberania da Constituição frente a todos os poderes, bem como, a possibilidade de limitação de direitos fundamentais individuais em proteção ao bem comum do povo, assim sendo:
O CONTROLE JURISDICIONAL DE ABUSOS PRATICADOS POR COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO NÃO OFENDE O PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES. - A essência do postulado da divisão funcional do poder, além de derivar da necessidade de conter os excessos dos órgãos que compõem o aparelho de Estado, representa o princípio conservador das liberdades do cidadão e constitui o meio mais adequado para tornar efetivos e reais os direitos e garantias proclamados pela Constituição. Esse princípio, que tem assento no art. 2º da Carta Política, não pode constituir e nem qualificar-se como um inaceitável manto protetor de comportamentos abusivos e arbitrários, por parte de qualquer agente do Poder Público ou de qualquer instituição estatal. - O Poder Judiciário, quando intervém para assegurar as franquias constitucionais e para garantir a integridade e a supremacia da Constituição, desempenha, de maneira plenamente legítima, as atribuições que lhe conferiu a própria Carta da Republica. O regular exercício da função jurisdicional, por isso mesmo, desde que pautado pelo respeito à Constituição, não transgride o princípio da separação de poderes. Desse modo, não se revela lícito afirmar, na hipótese de desvios jurídico-constitucionais nas quais incida uma Comissão Parlamentar de Inquérito, que o exercício da atividade de controle jurisdicional possa traduzir situação de ilegítima interferência na esfera de outro Poder da República. O CONTROLE DO PODER CONSTITUI UMA EXIGÊNCIA DE ORDEM POLÍTICO-JURÍDICA ESSENCIAL AO REGIME DEMOCRÁTICO. - O sistema constitucional brasileiro, ao consagrar o princípio da limitação de poderes, teve por objetivo instituir modelo destinado a impedir a formação de instâncias hegemônicas de poder no âmbito do Estado, em ordem a neutralizar, no plano político-jurídico, a possibilidade de dominação institucional de qualquer dos Poderes da República sobre os demais órgãos da soberania nacional. Com a finalidade de obstar que o exercício abusivo das prerrogativas estatais possa conduzir a práticas que transgridam o regime das liberdades públicas e que sufoquem, pela opressão do poder, os direitos e garantias individuais, atribuiu-se, ao Poder Judiciário, a função eminente de controlar os excessos cometidos por qualquer das esferas governamentais, inclusive aqueles praticados por Comissão Parlamentar de Inquérito, quando incidir em abuso de poder ou em desvios inconstitucionais, no desempenho de sua competência investigatória. OS PODERES DAS COMISSÕES PARLAMENTARES DE INQUÉRITO, EMBORA AMPLOS, NÃO SÃO ILIMITADOS E NEM ABSOLUTOS. - Nenhum dos Poderes da República está acima da Constituição. No regime político que consagra o Estado democrático de direito, os atos emanados de qualquer Comissão Parlamentar de Inquérito, quando praticados com desrespeito à Lei Fundamental, submetem-se ao controle jurisdicional (CF, art. 5º, XXXV). (RDA 196/195, Rel. Min. CELSO DE MELLO - RDA 199/205, Rel. Min. PAULO BROSSARD). OS DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS NÃO TÊM CARÁTER ABSOLUTO. Não há, no sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se revistam de caráter absoluto, mesmo porque razões de relevante interesse público ou exigências derivadas do princípio de convivência das liberdades legitimam, ainda que excepcionalmente, a adoção, por parte dos órgãos estatais, de medidas restritivas das prerrogativas individuais ou coletivas, desde que respeitados os termos estabelecidos pela própria Constituição. O estatuto constitucional das liberdades públicas, ao delinear o regime jurídico a que estas estão sujeitas - e considerado o substrato ético que as informa - permite que sobre elas incidam limitações de ordem jurídica, destinadas, de um lado, a proteger a integridade do interesse social e, de outro, a assegurar a coexistência harmoniosa das liberdades, pois nenhum direito ou garantia pode ser exercido em detrimento da ordem pública ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros. A QUESTÃO DA DIVULGAÇÃO DOS DADOS RESERVADOS E O DEVER DE PRESERVAÇÃO DOS REGISTROS SIGILOSOS. - A Comissão Parlamentar de Inquérito, embora disponha, ex propria auctoritate, de competência para ter acesso a dados reservados, não pode, agindo arbitrariamente, conferir indevida publicidade a registros sobre os quais incide a cláusula de reserva derivada do sigilo bancário, do sigilo fiscal e do sigilo telefônico. (...)Constitui conduta altamente censurável - com todas as conseqüências jurídicas (inclusive aquelas de ordem penal) que dela possam resultar - a transgressão, por qualquer membro de uma Comissão Parlamentar de Inquérito, do dever jurídico de respeitar e de preservar o sigilo concernente aos dados a ela transmitidos. Havendo justa causa - e achando-se configurada a necessidade de revelar os dados sigilosos, seja no relatório final dos trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito (como razão justificadora da adoção de medidas a serem implementadas pelo Poder Público), seja para efeito das comunicações destinadas ao Ministério Público ou a outros órgãos do Poder Público, para os fins a que se refere o art. 58, § 3º, da Constituição, seja, ainda, por razões imperiosas ditadas pelo interesse social - a divulgação do segredo, precisamente porque legitimada pelos fins que a motivaram, não configurará situação de ilicitude, muito embora traduza providência revestida de absoluto grau de excepcionalidade. POSTULADO CONSTITUCIONAL DA RESERVA DE JURISDIÇÃO: UM TEMA AINDA PENDENTE DE DEFINIÇÃO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.(...)

A cláusula constitucional da reserva de jurisdição - que incide sobre determinadas matérias, como a busca domiciliar (CF, art. 5º, XI), a interceptação telefônica (CF, art. 5º, XII) e a decretação da prisão de qualquer pessoa, ressalvada a hipótese de flagrância (CF, art. 5º, LXI)- traduz a noção de que, nesses temas específicos, assiste ao Poder Judiciário, não apenas o direito de proferir a última palavra, mas, sobretudo, a prerrogativa de dizer, desde logo, a primeira palavra, excluindo-se, desse modo, por força e autoridade do que dispõe a própria Constituição, a possibilidade do exercício de iguais atribuições, por parte de quaisquer outros órgãos ou autoridades do Estado. Doutrina . - O princípio constitucional da reserva de jurisdição, embora reconhecido por cinco (5) Juízes do Supremo Tribunal Federal - Min. CELSO DE MELLO (Relator), Min. MARÇO AURÉLIO, Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Min. NÉRI DA SILVEIRA e Min. CARLOS VELLOSO (Presidente) - não foi objeto de consideração por parte dos demais eminentes Ministros do Supremo Tribunal Federal, que entenderam suficiente, para efeito de concessão do writ mandamental, a falta de motivação do ato impugnado. (STF - MS: 23452 RJ , Relator: Min. CELSO DE MELLO, Data de Julgamento: 16/09/1999, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJ 12-05-2000 PP-00020 EMENT VOL-01990-01 PP-00086).


De outra forma, citar-se-á, a ementa do habeas corpus, na qual o Rel. Min. Luiz Fux deferiu como legal a medida emergencial de transferência de preso para presidio federal de segurança máxima, sem a observância das formalidades legais, posto que, o mesmo preencheu os requisitos para obtenção da limitação de seu direito individual, ou seja:

Ementa: Execução penal. Transferência de preso para presídio federal de segurança máxima sem observância de formalidades legais. Afronta ao devido processo legal, à ampla defesa, à individualização da pena e à dignidade humana: Inocorrência: Medida emergencial caracterizada por: a) histórico de rebeliões que provocaram 40 mortes em Rondônia, a partir de 2003; b) julgamento do Brasil e do Estado de Rondônia pela Corte Interamericana de Direitos Humanos; c) interdição de presídio; d) periculosidade do paciente, condenado a 49 anos de reclusão; e e) liderança subversiva exercida pelo agente e consequente desestabilização do sistema prisional. Oitiva do recluso: postergação em caso de emergência – art. 5º, § 6º, da Lei n. 11.671/2008. 1. O § 6º do art. 5º da Lei n. 11.671/2008 estabelece que “Havendo extrema necessidade, o juiz federal poderá autorizar a imediata transferência do preso e, após a instrução dos autos, na forma do § 2º deste artigo, decidir pela manutenção ou revogação da medida adotada”.

(...) 2. In casu, os fatos caracterizadores da situação de emergência restaram demonstrados: (i) rebeliões ocorridas a partir de 2003, com 42 (quarenta e duas) mortes; (iii) julgamento do Brasil e do Estado de Rondônia pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, interdição de presídio, etc., tudo isso aliado à particular periculosidade do recluso, devidamente demonstrada nas execuções penais as quais responde, por isso é mister que se acolha a justificativa judicial no sentido de “A prévia oitiva do agente, nesta altura, é insusceptível de efetivação. (...)4. O quadro delineado revela - diversamente do sustentado nas razões da impetração – inexistência de violação dos direitos fundamentais atinentes ao devido processo legal, ao contraditório, à ampla defesa e à dignidade humana. 5. Ordem denegada. (STF - HC: 115539 RO, Relator: Min. LUIZ FUX, Data de Julgamento: 03/09/2013, Primeira Turma, Data de Publicação: DJe-182 DIVULG 16-09-2013 PUBLIC 17-09-2013).


10. DEFINIÇÕES CONCLUSIVAS

Em conclusão é verificável que mesmo os direitos fundamentais sendo soberanos dentro da constituição, os próprios podem sofrer restrições ou até limitações, as quais podem vir descritas no próprio texto constitucional, bem como, podem ser verificável na casuística em concreto, desde que em observância a requisitos como a legalidade e a necessidade de tais prerrogativas, dentre as medidas, elencam-se o estado de sítio e o estado de emergência, ocorre porém, que apenas poderá ocorrer limitações de direitos, em virtude da segurança da país e dos próprios cidadãos.

Assim, convém destacar, que mesmo o país estando em alguns destes estados de emergências, a Constituição Federal continuará exercendo poder soberano, porém de forma mais singela, no entanto, o indivíduo em hipótese alguma se encontrará totalmente desassistido de seus direitos.

Também, importa conferir, que o Poder Judiciário, terá legitimidade de ação, mesmo nestes estados de calamidade, exercendo por tanto, o controle da arbitrariedade, ou ilegalidades efetuadas neste regime, que terão formalidades a serem respeitadas para seu estabelecimento, as quais incluem, as espécies de direitos que poderão ser limitados, bem como, a data para a finitude de tal estado, e também as localidades e profundidade, que tal medida atingirá a sociedade.

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