SURVEILLANCE CAMERAS BY, THE EMPLOYEE PRIVACY AND FUNDAMENTAL RIGHT TO DECENT WORK
Resumo: O presente texto tem por escopo analisar o uso do monitoramento por
câmeras no ambiente de trabalho em relação à intimidade do empregado condicionado ao direito fundamental ao trabalho digno. Assim
sendo, para o desenvolvimento do manuscrito, utilizou- se o método de pesquisas
bibliográficas e jurisprudenciais, objetivando analisar o posicionamento teórico
e prático dos tribunais
acerca do tema, resultando no fato de que frente
a esta colisão de direitos, efetua-se a técnica da ponderação de interesses
baseada na dignidade da pessoa
humana, e no equilíbrio das relações entre empregador e empregado, com isso, conclui-se que o uso de tal meio
não apenas é aceito tanto pelos doutrinadores como pelo meio jurídico, como também, aconselhável para certos ambientes, desde que respeitadas algumas peculiaridades protetivas do trabalhador, e alguns limites ao empregador no uso de tal técnica.
Palavras-chave: Direito Fundamental ao Trabalho Digno; Direito do Trabalho; Monitoramento por Câmeras; Ponderação de Interesses; Dignidade da Pessoa Humana.
Abstract: The scope of this text is to analyze the use of monitoring by cameras in the workplace in relation
to intimacy employee conditioning the fundamental right to decent work. Thus the method of literature and
case studies and to the development of the manuscript was used, aiming to analyze the theoretical and practical
positioning of the courts on the subject,
resulting in the fact that the face of this collision of rights, makes the
technique weighting based on human
dignity interests, and the balance of relations between employer and employee, thus, it is concluded that
the use of such means is not only accepted by both scholars and by legal means, but also advisable to certain
environments, subject to compliance with
certain protective peculiarities of the worker, the employer and some limits on
the use of such a technique.
Keywords: Fundamental Right to Decent Work; Labor Law; By monitoring cameras;
Balancing of Interests; Dignity of the Human Person.
1.
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O presente texto objetiva fazer um
estudo acerca da utilização do monitoramento por câmeras no ambiente de trabalho, sob a ótica do direito
fundamental ao trabalho digno. Para a obtenção do resultado pretendido, empregou-se o método de
pesquisa bibliográfica.
O artigo inicia abordando o direito
de o empregador utilizar de seu poder diretivo sobre o empregado. Para tanto, visitam-se
quatro teses doutrinárias existentes acerca do
assunto, dando enfoque à
teoria majoritária defendida por autores como Delgado, Barros e Silva no sentido de que tal poder provém do
contrato de trabalho, celebrado por meio da autonomia de vontade, concepção
esta, que abrange a todas as
outras teorias em seu núcleo.
Nessa linha, evidencia-se que apesar da autonomia
de vontade guiar um contrato de trabalho,
e proveniente do mesmo, emergir o poder diretivo do empregador, esse não se posiciona como um poder supremo, porque se
encontra balizado pelos direitos fundamentais
protetor do trabalhador, de forma a equilibrar estas relações, com base no princípio da dignidade da pessoa
humana.
Superado esse item, tangenciam-se os principais direitos
lesados nessa situação
conflituosa, quais sejam, os direitos personalíssimos do empregado, mais
precisamente, os direitos à
intimidade e à privacidade, protegidos devido ao seu cunho valorativo, por
normas do direito internacional, constitucional
e infraconstitucional.
Por conseguinte, bordara-se a
diretriz da dignidade humana, como elemento condizente com a aplicação direta e imediata dos direitos fundamentais nas
relações privadas, aplicações estas
provenientes de princípios como o da ponderação de interesses, valoração de
interesses e razoabilidade.
Por
fim, abordam-se as ações afirmativas da pessoa humana como uma forma de resistência,
isto é, uma forma de garantir o equilíbrio entre as relações de empregador e empregado, pautadas na ponderação de
interesses e na razoabilidade voltadas para a resolução da casuística, de maneira a verificar qual decisão traria menor prejuízo
para as partes envolvidas na relação contratual trabalhista.
2.
PODER DIRETIVO DO EMPREGADOR E A RELAÇÃO
CONTRATUAL COM O EMPREGADO
De acordo com o art. 2° da CLT, o
empregador tem o direito de admitir, assalariar, bem como, dirigir a prestação do serviço. Decorre, portanto, que ao empregador a legislação garante o poder diretivo. Porém, tal poder
não é absoluto pois encontra limitações em face dos direitos fundamentais
dos trabalhadores.
Neste sentido, Nascimento expressa
(2003, p. 100), que tal poder de direção consiste em uma ―faculdade
atribuída ao empregador de determinar
o
modo
como
à
atividade do empregado, deve ser exercida‖.
No mesmo sentido, Delgado destaca
(2006, p. 629):
Poder empregatício é o conjunto
de prerrogativas asseguradas pela ordem jurídica e tendencialmente concentradas na
figura do empregador, para exercício no contexto
da relação de emprego. Pode ser conceituado, ainda, como o conjunto de prerrogativas com respeito à direção,
regulamentação, fiscalização e disciplinamento
da economia interna
à empresa e correspondente prestação de serviços.
Da
mesma forma, Moraes Filho salienta
(apud Delgado, 2006, p. 165-166), em concordância
com Russomano (apud Delgado, 2006, p.
166) que dentro da empresa o poder do empregador é soberano no que se
refere às ordens de serviço.
Este poder decorre do sistema
capitalista vigente, materializando-se através do direito de propriedade, que legaliza a forma hierárquica
e disciplinar que o empregador possui em referência
ao empregado. Assim, Delgado, (2006, p 167) destaca que por meio do poder diretivo empresarial, verifica-se que é ―o empresário quem corre os riscos do negócio e, em consequência, a ele cabe a
prerrogativa de ditar as ordens.‖
Nada obstante, existem críticas
severas a tal teoria. Nesse sentido, destacam Gemignani T. e Gemignani D. (2009, p. 32) que o direito
de propriedade consagrado no art. 5° da CF/88,
inc. XXII, não foi instituído e nem pode ser considerado como sendo de
caráter absoluto, pois, conforme
expressa a Carta Maior, no mencionado artigo, inciso XXIII, este poder apenas encontra justificativa se atendida a
função social a qual a propriedade se subjuga, ou seja, o direito
de propriedade não se
sobreleva ao direito
à privacidade conferida
ao empregado.
Na mesma direção, Delgado (2006, p.
167) salienta que a concepção de soberania do
empregador desconsidera a diferença existente nas relações servis e
escravagistas frente à relação de emprego, visto que esta possui como elemento principal
o empregado juridicamente livre pois, caso a tese
anterior possuísse relevância jurídica indiscutível, não haveria diferença entre o poder empregatício e o poder do senhor dos escravos.
No mesmo senso, Reis (apud BARROS,
p. 565-566) destaca:
(...) os defensores desta doutrina se impressionaram mais com os aspectos econômicos do que com os aspectos jurídicos que devem presidir a análise do problema. Não há dúvida de que economicamente e até que se opere uma transformação no regime capitalista em que
vivemos, o patrão é o dono da empresa compreendida esta no seu todo perfeito. Mas a integração nesta dos trabalhadores
não se opera pelo direito de propriedade, e, sim, pela via contratual, à semelhança das ligações entre a empresa e outros
organismos da vida social. O empregador possui a empresa e, em nome desta, em relação ao elemento humano de sua execução, contrata os prestadores de
serviço, os empregados.
Ademais, Silva (2013, p. 141) enfatiza que ―o bem-estar comum depende cada vez mais
de uma ação cooperativa e integrada de todos
os setores da sociedade.‖ Pois,
―uma vez no exercício de atividade economicamente
organizada, a atividade empresarial adquire relevância no ordenamento jurídico brasileiro, eis que o desenvolvimento
desta atividade deve obedecer aos
ditames da função social da empresa.‖
Da mesma forma, Simon (2000, pag.
101) assevera que em uma relação de emprego, o
poder de direção do empregador não pode ser considerado incontestável. É
inegável a sua limitação
no
que
se refere aos
direitos dos trabalhadores, posto que,
―o poder do mando
encontrará limites no exercício das liberdades públicas‖.
Assim, acerca desta teoria, Barros
(2007, p. 566) leciona que o poder do empregador se constitui da própria natureza empresarial, que compreende uma
instituição com organização hierárquica, voltada ao interesse
social da empresa,
vista como um bem comum contraposto ao interesse individual. No mesmo
sentido, congrega-se Mesquita (apud Delgado,
2006, p. 168) para o qual, o poder diretivo se fundamenta no interesse
social da empresa, o qual:
(...)
exige uma perfeita organização profissional do trabalho fornecido por seus colaboradores a fim de se restringir um
bem comum de ordem econômico-social. A ordem
na organização técnica da produção e na administração interna da empresa exige uma
direção nesse sentido.
No
mesmo enfoque, Silva (2013, p. 142-144) denota
que o proprietário é um ser social
que possui o dever de aplicar as atividades empresariais na produção de
uma riqueza social, em conformidade com a tutela estatal,
ou seja:
A função social
da propriedade está inserida na ideia de exercício do direito da propriedade, em prol dos interesses de
todos (...). É uma forma de conjugar fruição
individual do bem e o atendimento da sua função social visando que o
titular da propriedade não abuse
do seu direito.
O interesse
social quer significar o empenho da empresa como incentivadora de empregos,
da circulação de riquezas e serviços e arrecadadora de tributos, meios
pelo os quais dá destinação social dos bens que lhe pertencem.
Por conseguinte, a questão da função
social, denominada corrente institucionalista, possui previsão legal na Constituição (art. 5, inc. XXII, XXIII,
XXIV, XXV, XXVI e XXIX), bem
como no Código Civil (art. 421, art. 2.035 e art.2.045),
e ainda em leis esparsas (Lei 6.404/76, art. 116 e
por fim, Lei 11.101/05, art. 47).
Ademais, Comparato (apud SILVA, 2013, p. 145) salienta que
tal tese propõe-se mais a disfarçar o abandono pelo
Estado,
―de toda
política
social,
em homenagem à estabilidade
monetária e ao equilíbrio das finanças públicas,‖ do que realmente
consubstanciar uma teoria, ou seja:
Quando a
Constituição define como objetivo fundamental de nossa República: construir uma sociedade livre, justa e
solidária (art. 3°, inc. I), quando ela
declara que a ordem social tem por objetivo
a realização do bem-estar e da justiça social (art. 193), ela não esta certamente autorizando uma demissão do
Estado, como órgão encarregado de guiar e dirigir
a nação em busca de
tais finalidades.
No que tange
a
questão, Delgado (2006,
p.
169) enfatiza
que
dita
tese, ―dissimula a presença dos sujeitos envolvidos no
(...) fenômeno do poder empregatício, através da ideia de instituição, supostamente agregadora de vontade e interesses próprios.‖
Em
concordância, Barros (2007, p. 571) sustenta que esta concepção ―possui um caráter
mais político e social de que jurídico‖ uma vez que na rotina de empregador e
do trabalhador não se percebe este
interesse comunitário, perceptível na desigualdade da esfera jurídica e econômica dos sujeitos, o que demonstra
que os interesses buscados pelos mesmos não se
equivalem.
Por seu turno, de acordo com a
terceira corrente, é a relação de emprego que fundamenta juridicamente o poder, devido ao fato de que o Estado, como
detentor do monopólio do poder disciplinar,
estaria delegando aos particulares o exercício desta competência. Tal corrente denomina-se corrente publicista.
Contudo, Delgado (2006, p. 169) denota que essa tese, em consonância com a institucionalista, engloba um padrão
autoritário que predominou na cultura jurídica e política ocidental no inicio do século XX, que se
mantinha coadunado ao núcleo da propriedade privada,
rejeitando as disposições de participação coletiva de trabalhadores na
sociedade civil e política
ou empresarial, na medida em que objetivam
reprimir tais tendências democratizantes.
Porém, o respectivo autor aplica a esta teoria as mesmas críticas
dispersadas para a concepção
anterior, em consideração de sua negação sobre a liberdade, à vontade e a
dialética do poder.
Não obstante, a teoria predominante
entre os doutrinadores é a doutrina contratualista, que compreende a liberdade
e a vontade das partes como predominantes ao poder empregatício, já
que é o contrato de trabalho que confere ao empregador o direito de utilizar seu poder empresarial, enquanto ao trabalhador
irrompe-se a obrigação de prestar determinada atividade e atender as
determinações do empresário quanto à maneira de prestar estas funções.
Destarte, esta relação é regida também por normas de ordem pública, tendentes
a atenuar o desequilíbrio existente entre as
partes, por meio da limitação de vontade das mesmas, pautadas nos direitos
fundamentais.
Assim, para Delgado (2006, p. 172),
outro fator relevante consiste no pacto de vontades (expresso ou tácito) como elemento originário da relação de
emprego, a qual importa em um conjunto
complexo de direitos e deveres integrantes de ambas as partes, que se unifica
ao poder empresarial interno. Em complemento, o aludido autor destaca que devida a sua amplitude essa teoria comporta qualquer
situação historicamente experimentada pela relação de emprego, sendo então a concepção que possui maior aceitação entre os doutrinadores.
Além disso, convém destacar
que inexiste poder soberano por parte do empregador, indiferente de qual teoria que se venha
a adotar, pelo motivo de que os trabalhadores possuem seus direitos reservados através dos preceitos fundamentais, os quais encontram essência basilar na dignidade humana, princípio
nuclear de toda e qualquer relação jurídica, cuja amplitude
e abrangência merece desenvolvimento em item próprio, como forma de valorizar e especificar seu conteúdo.
3.
O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE
DA PESSOA HUMANA NO QUE REPORTA AS RELAÇÕES TRABALHISTAS
Contextualizando a temática
da dignidade da pessoa humana,
em outro texto destacamos:
O
Direito, de igual modo, surgiu da necessidade de regular as relações entre os homens, mantendo ou promovendo um
equilíbrio de forças entre os mais diversos
interesses e, com esse objetivo, vem se desenvolvendo ao longo do tempo,
com sucessos e retrocessos.
O que importa
aquilatar é que o homem e a sua dignidade constituem temas fundamentais, em torno dos quais os ramos do saber (...) se desenvolvem e se relacionam. (GOLDSCHMIDT, 2009, p. 19)
Castilho (2011, p. 138), por seu turno, destaca
que o princípio da dignidade humana abarca um dos
principais conjuntos de direitos, ou seja, os direitos humanos, que abrangem as legalidades que não possuem expressão nas
Constituições, em decorrência de que, a partir de sua positivação na Carta, os mesmos
passam a denominar-se direitos
fundamentais.
Da mesma forma, Matínez (2004, p. 19) dispõe:
El
término ‗derechos humanos‘ es sin duda uno de los más usados en la cultura jurídica actual, tanto por los científicos
y los filósofos que se ocupan del hombre, del
Estado y del Derecho, como los ciudadanos. No en vano se puede decir que
es a idea de derechos humanos tiene
un significado similar al que tuvo en los siglos XVII y XVIII la de Derecho natural. Por su función reguladora de la
legitimidad de los sistemas políticos
y de los ordenamientos jurídicos, y por la convicción de muchos seres humanos de que constituyen una
garantía para su dignidad y un cauce (el principal),
para su libertad y su igualdad, la comprensión
adecuada de los derechos es una tarea teórica de gran alcance
práctico.1
Com
olhar crítico, Alexy (2002, p. 15-29) enfatiza que ―essas transformações dos direitos
humanos em direitos positivos nunca podem ser consideradas suficientes por si
mesmas, ou seja, definitivas.‖ Devido ao fato de que, as mesmas não consistem apenas em ―esforços para dar forma institucional, proteção pelo
direito positivo, a algo que somente pode ser válido por causa de sua correção.‖
Por
consequência, prossegue o mencionado autor, necessita-se considerar que essas prerrogativas
―devem
ser
definidas
como direitos
que
foram
estabelecidos
formalmente em
uma constituição com a intenção de transformar os direitos humanos em direitos
positivos.‖ O que não significa dizer
que tal intenção tenha sido concretizada de maneira suficiente, em razão de que, na aplicação da lei ao caso
concreto, o juiz deve analisar e ponderar sobre os interesses, de maneira
a concretizar e efetivar os direitos fundamentais de forma satisfatória.
Neste sentido, destaca
Dworkin (2005, p. 17-124):
Os
juízes não são eleitos nem reeleitos, e isso é sensato porque as decisões que tomam ao aplicar a legislação tal como se encontra devem ser imunes ao
controle popular. Mas decorre daí que
não devem tomar decisões independentes no que diz respeito a modificar ou expandir o repertório legal, pois essas
decisões somente devem ser tomadas sob o controle
popular.
Proponho
os dois seguintes princípios de atuação justa no governo. Primeiro qualquer decisão política deve tratar
todos os cidadãos como iguais, isto é, como tendo
direitos iguais a interesse e respeito. (...). O segundo princípio refere-se à equidade
de sujeitarem-se a compromissos abertos, justos quando adotados.
Isso acarreta dizer que ao juiz apenas é lícito julgar por meio do princípio da igualdade, em conformidade com o art. 5°, caput da Constituição Federal de 1988, o qual expressa que,
Notas de
Rodapé:
1 Tradução
livre: O termo "direitos humanos" é sem dúvida um dos mais
utilizados na cultura jurídica de hoje, tanto por cientistas e filósofos preocupados com o homem, o estado e a lei, como pelos cidadãos.
Sem os quais se pode dizer
que é uma idéia dos direitos humanos semelhante ao que foi nos séculos, XVII e
XVIII, o significado da lei natural.
Na função reguladora da legitimidade dos sistemas políticos e ordenamentos
legais, e pela crença de que muitos
seres humanos buscam uma garantia para a sua dignidade e um canal (o
principal), por liberdade e
igualdade, assim fazer um entendimento adequado sobre direito é uma tarefa
teórica de grande significado
prático. In: MARTÍNEZ, Gregoria Peces - Barba. Lecciones de Derechos Fundamentales. Madrid, Editorial Dykinson,
2004, p. 19.
―todos são
iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no País, a inviolabilidade
do direito à (...) igualdade‖.
Além de que, por meio do segundo
princípio, percebe-se um simples desdobramento do princípio anterior, no sentido de que, ―o julgamento sob a regra estabelecida não é o momento
de tratá-lo de outra forma, senão como igual‖, conforme as palavras do
respectivo autor (obra citada, p.
125). Assim, como meio de igualar situações distintas como a do empregador e do empregado
é que urge utilizar-se do princípio da dignidade humana.
Nessa linha,
o citado autor Dworkin (2005,
p 123) enfatiza:
Dignidade vem
do latim dignitas,
que dizer honra, virtude. A dignidade da pessoa humana está fundada no conjunto de direitos inerentes à
personalidade da pessoa (liberdade e igualdade) e também no conjunto de direitos estabelecidos para a coletividade (sociais, econômicos e culturais). Por isso mesmo, a dignidade
da pessoa não admite discriminação, seja de nascimento, sexo, idade, opiniões
ou crenças,classe social e outras.
A dignidade não pode ser definida como a superioridade de um homem sobre o outro,
mas sim como a superioridade da pessoa sobre outros
seres que não são dotados de razão.
A
dignidade é um valor em si mesma. E é dever do Estado garantir as condições mínimas
de existência propiciando aos indivíduos uma vida digna.
Destarte, em outro estudo (GOLDSCHMIDT, 2009, p. 59) afirmamos que o
princípio em questão possui forte
influência na esfera jurídica, inclusive no Direito do Trabalho,
pois tal concepção coloca o homem como sujeito central no sistema,
enfatizando ao aplicador do direito, a ―diretriz hermenêutica inarredável‖
de
que
é
o
capital
quem ―está a serviço do homem, e não o contrário.‖
Neste ínterin, cita-se Barbagelata (1995, p. 13-14):
―El trabajo
no debe ser considerado simplemente como una
mercancía o como un artículo de comercio,” expresa un claro propósito que debe servir de guía al legislador y al intérprete y, al misto
tiempo, reivindica la autonomía del Derecho del Trabajo
respecto de la Economía.‖2
Com efeito, a expressão dessa ideia,
no mundo do trabalho, encontra exemplo na limitação
da jornada de trabalho em oito horas, visando impedir
a exploração da mão de obra de forma desregrada, no sentido de que o trabalho não é uma mercadoria, como atualmente
2 Tradução livre:
―O trabalho
não deve ser considerado
apenas como uma mercadoria ou como um artigo de comércio",
expressa um propósito claro que deve orientar o legislador e o intérprete e o
tempo misto, reivindicou a
autonomia do direito do trabalho em relação à economia." BARBAGELATA,
Hector-Hugo. El particularismo del derecho del trabajo. Montevideo/Uruguai: Fundacíon
de Cultura Universitaria, 1995. (Grifos do autor).
ainda é tratado,
o que reporta ao equilíbrio
que deve-se impor nas relações
entre empregado e empregador, conforme
adverte Grandi (1997, p. 206):
La tensión
irresoluta entre trabajo-objeto y trabajo-sujeto continúa recorriendo los itinerarios, siempre más retorcidos, de un
derecho del trabajo, cuyo futuro no está asegurado.
Precisamente, para nuestra fortuna, el trabajo no es más una mercancía; está categóricamente prohibido en la
declaración de Filadelfia. Se da el caso, sin
embargo, que el trabajo, bajo muchos cielos, continúa siendo tratado
como si lo fuese.3
Da mesma forma, Castilho (2011, p.
137) destaca a dignidade como possuidora de um
valor em si
mesma, sendo
por
tanto
―dever
de
o
Estado
garantir
as condições mínimas
de
existência propiciando aos indivíduos uma vida digna.‖
Por seu turno, Alexy (2013, p. 71)
esclarece que um direito humano se caracteriza por cinco prioridades:
A primeira é a
universalidade. O beneficiário ou titular de um direito humano é todo ser humano quanto ser humano. (...). A
segunda prioridade dos direitos humanos é o caráter
fundamental de seu objeto. Os direitos humanos não protegem todos os tipos de condições de bem-estar, mas apenas as
capacidades, interesses e necessidades básicas.
(...). A terceira prioridade (...) é a abstração. (...) A distinção entre
direitos humanos enquanto direitos
abstratos e sua aplicação em um caso concreto será de extrema importância
para
a questão da existência dos direitos humanos. (...) a quarta prioridade dos direitos humanos é a moralidade. Um
direito é moralmente válido se puder ser justificado
contra cada um e todos aqueles que estão aptos a tomar parte de um discurso racional. Nesse sentido, a
validade moral é uma validade universal. A universalidade da estrutura dos direitos
humanos enquanto direitos de todos contra, em
princípio todos, é então complementada pela universalidade da validade. (...).
‗A existência dos direitos humanos se expressa em sua justificabilidade,
e em nada mais. ‘ (...)
A quinta prioridade dos
direitos humanos é a prioridade. Direitos humanos quanto direitos morais não podem ser invalidados por regras de direito positivo.
Pelo contrário os direitos humanos são Standards para avaliar
o direito positivo.
Em concordância, Tramontina e Hahn (2013, p. 150), definem a vontade como sendo
―a capacidade de agir
em concordância
com as leis‖,
assim, conforme Kant (apud
TRAMONTINA e HAHN, 2013, p. 150), ―só um ser racional
tem
a
capacidade de
agir
3 Tradução livre: ―A tensão insolúvel entre trabalho-objeto e
trabalho-sujeito continua recorrendo os itinerários, sempre
mais retorcidos, de um Direito de Trabalho, cujo futuro não está assegurado.
Precisamente, para nossa sorte, o trabalho não é mais uma mercadoria; tal é proibido
categoricamente na Declaração da Filadélfia. Se dá
o caso, todavia, que o trabalho, em baixo de muitos céus, continua sendo
tratado como se fosse‖. GRANDI, Mario. El trabajo no es uma mercancia: reflexiones akmargen de uma formula para volver a meditar. In: Estúdios em homenajeal Prof. Héctor-Hugo Barbagelata. Montevideo-Uruguai:
Fundación de Cultura Universitária, 1997.
segundo representação de leis, isto é, seguindo
princípios, ou: só ele tem uma vontade. Como para derivar as ações das leis é
necessário à razão, a vontade não é outra coisa senão razão prática.‖
Por consequência,
os
respectivos autores salientam que,
―um corpo
que
cai, cai
segundo a lei, mas não é capaz de representar a lei. A representação da lei
somente é possível em um ser racional.‖
Tendo isso em conta,
Hooft (2004, p. 269)
enfatiza:
(…)
no cabe ninguna vacilación o duda a la altura del tempo histórico que vivimos. La dignidad de la persona es el
fundamento de todos sus derechos. Es su valor
fundente. Así lo reconocen las declaraciones universales, los pactos
regionales, las constituciones de
los Estados, sus códigos civiles. En este valor se sustentan los derechos
a la libertad, a la identidad, a la igualdad,
a la salud, todos ellos gravemente comprometidos en el caso bajo comentario.4
Por conseguinte, percebe-se que a
autonomia coaduna-se com a racionalidade, assim, conforme Kant
(apud TRAMONTINA e HAHN 2013, p. 166), ―o ser humano é
autônomo porque é racional e é racional por ser autônomo‖,
ou seja, o que transforma ―o ser humano em um fim em si mesmo é a sua racionalidade‖, o que consiste
em dizer que a dignidade
de um ser humano, ―reside no fato de ser racional‖. Logo, estes seres racionais,
que exercitam dupla
função,
como ―membros e legisladores, nunca podem
ser
usados como fim.‖
De acordo com
este entendimento, torna-se lícita a aplicação
ampliativa dos direitos fundamentais
em proteção ao trabalhador, questão que será amplamente discutida no item cinco (5) deste estudo. Não obstante, salienta Hooft
(2004, p. 71):
(...) la categorización del hombre como persona; en esta visión acorde con un personalismo ético, se reconoce en cada
hombre un fin, un sujeto, un valor, una dignidad inalienable, en una
perspectiva incompatible con una visión meramente utilitarista, materialista,
o biológica del hombre, que de hecho
o de derecho lo reduzca a objeto,
medio o instrumento al servicio de otros fines. A ese respecto los documentos examinados contienen una verdadera afirmación ontológica y una
4 Tradução
Livre: não pode haver hesitação ou dúvida para
combinar com o ritmo histórico vivo. A dignidade da pessoa é o fundamento de todos os direitos. É o seu valor de
fluxo. Isto é reconhecido pelas declarações universais,
acordos regionais, constituições dos Estados, os seus códigos civis.
Valorizamos os direitos à liberdade,
identidade, igualdade, saúde baseiam-se, extremamente comprometidos no caso
em análise. In: HOOFT, Pedro Federico. Bioética y derechos humanos. 1ª ed. Buenos Aires:
Depalma, 2004, p. 269.
orientación axiológica de la que deviene al
reconocimiento de todo hombre como sujeto de derechos
fundamentales como ―inherentes.‖ 5
Destarte, de acordo com Martins,
Mendes e Nascimento, (2012, p. 88) a atuação estatal
deve ser envolvida por práticas de cidadania multidimensional e pluralista,
baseadas na concretização dos
direitos fundamentais, pois, o que legítima o poder estatal é a solidariedade, pautada na dignidade da pessoa humana
como um valor indispensável e como finalidade
fundamental de sua atuação.
Da mesma forma, enfatiza Branco
(2012, p. 57), que a Constituição pode ser resumida através de um conjunto de proteção e promoção de valores, que
emergem do núcleo basilar denominado dignidade da pessoa humana, de forma a
materializá-la na sociedade.
Por corolário, verifica-se na doutrina de Sarlet (2004,
p. 110), que:
O princípio
da dignidade da pessoa humana impõe limites
à atuação estatal,
objetivando impedir que o poder público venha a violar a dignidade
pessoal, mas também implica (numa
perspectiva que se poderia designar de programática ou impositiva, mas nem por isso destituída de plena eficácia) que o
Estado deverá ter como meta
permanente, proteção, promoção e realização concreta de uma vida com dignidade
para todos, podendo-se sustentar, na esteira da luminosa proposta
de Clèmerson Clève, a
necessidade de uma política de dignidade da pessoa humana e dos direitos fundamentais.
Nesse contexto é que se legitima e
viabiliza a existência de direitos à intimidade e à privacidade do empregado, mesmo estando subordinado ao
empregador no âmbito do contrato de trabalho, como se demonstrará a seguir.
4.
DIREITOS DA PERSONALIDADE: DIREITOS À INTIMIDADE E A PRIVACIDADE DO EMPREGADO
Os direitos da personalidade possuem
proteção a nível internacional, como
forma de limitar a atuação do Estado e da Sociedade
em face do particular. Com efeito, de acordo com o artigo 12 da Declaração Universal
dos Direitos do Homem (citar,
em nota de rodapé, um
5 Tradução Livre: (...)
A categorização do homem como uma pessoa; nessa visão consistente com um personalismo ético, é reconhecido em cada
homem um último, um propósito, um valor, uma dignidade inalienável, numa perpendicular incompatível com uma visão puramente utilitária, biológica,
materialista ou o homem, de fato ou
de direito reduzindo-o a objeto, meio ou instrumento para outros fins. O
exposto neste documento contém uma afirmação
verdadeira ontológica e axiológica, uma orientação que se torna o reconhecimento de cada pessoa como sujeito
de direitos fundamentais como "inerente".HOOFT, Pedro Federico.
Bioética y derechos humanos. 1ª ed. Buenos Aires: Depalma,
2004, p. 71.
site onde possa ser obtido o texto integral da presente Declaração), de 1948, ―Ninguém será sujeito à interferência em sua vida privada, em sua família,
em seu lar ou em sua correspondência, nem a ataque à sua honra
e reputação. Todo ser humano tem direito à proteção
da lei contra tais interferências ou ataque.‖
No mesmo sentido,
a
Constituição brasileira,
no
art. 5, inc. X,
estabelece
que ―são invioláveis a intimidade, a vida
privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral
decorrente de sua violação,‖. Na mesma direção, reforçam as leis infraconstitucionais, como se percebe no art.
21 do Código Civil brasileiro,
―a vida privada da
pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará
as providências necessárias para impedir
ou fazer cessar ato contrário a esta
norma.‖
A
respeito, Sarmento (2008, p. 102) denota que ―a personalidade mais do que um direito é um valor – o mais importante do
ordenamento, diga-se de passagem -, que se irradia e penetra por todos os campos do Direito,
público ou privado.‖
Por
outro lado, Barros (1997, p. 172) salienta
que devido à omissão da legislação trabalhista acerca do assunto, as
intromissões na vida privada do empregado a cada dia se agravam, principalmente com
o advento da utilização tecnológica no
ambiente de labor, necessitando, com
urgência, de expressão positiva acerca da questão, como forma de proteger os direitos
do empregado.
Assim sendo, analisando-se as normas atinentes, evidencia-se que qualquer
investida desproporcional
sobre a área de proteção garantida pela Norma Maior é ilegítima, seja por meio de monitoração de e-mails, ou por
vídeo monitoramento, pois se procura limitar a
interferência da sociedade, em reconhecimento e resguardo da
personalidade do indivíduo, em extensão
ao direito da dignidade da pessoa humana, expresso no art. 1, inc. III da Carta Magna,
conforme discorrido no item anterior.
A
ideia de vida privada compreende meios exclusivos de convivência e troca de informações
com terceiros, tal direito de privacidade existe como forma de proteger
assuntos de cunho pessoal, que não
interessam a comunidade em geral, e cuja pessoa prefere deixar a cunho reservado
dos demais.
Neste sentido, dispõe Pontes de
Miranda (apud MORAES, 2013 p. 129),
que um direito a intimidade, ainda
que não se trate de tema de confidencialidade, nunca perde o caráter de absoluto, pois não pode ser alienado e nem
é renunciável, exceto se estiver relacionado à vida pública de uma pessoa, em conformidade com o art. 11
do CC/2002.
Ademais, o Código Civil Francês (apud SZANIAWSKI, p. 293) coadunado
às jurisprudências dos
respectivos tribunais, desenvolveram limites na vida privada, como se vê adiante:
(...) tudo aquilo
que concerne à vida amorosa, à vida familiar, aos recursos financeiros de uma pessoa, aos aspectos
não públicos de sua vida profissional, a suas
atividades de lazer, tudo o que se encontra geralmente do lado externo
das fronteiras da vida privada, a
parte da vida da pessoa que se desenrola necessariamente na presença
do público e de sua participação
na vida pública da comunidade.
Por conseguinte, Barros (1997, p. 21) destaca que ―Esse direito, embora possa
implicar, quando violado, pagamento de
indenização, não está relacionado com a condição social ou com o patrimônio dos indivíduos. Seu
fundamento é a liberdade individual.‖ Visto que o mesmo relaciona-se diretamente, com os direitos humanos que,
conforme Moraes (2013, p. 39), formam
o conjunto de direitos e garantias, que possuem como pilar a dignidade da
pessoa humana, ―por meio de sua proteção contra o arbítrio do poder estatal e o estabelecimento de
condições mínimas de vida e
desenvolvimento da personalidade humana.‖
As
garantias à intimidade e à privacidade possuem natureza jurídica
em um direito fundamental de
defesa, um direito subjetivo, inseparável da pessoa humana. Ademais, no tópico,
Sarlet (2004, p. 62), salienta:
(...) a qualidade
intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito
e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido,
um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto
contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir
as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover a
sua participação ativa e
co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.
Enfatiza-se que, a personalidade,
encontra garantia e proteção no princípio da dignidade humana, este por sua vez, localizando-se no ápice do ordenamento
jurídico, irradiando-se para todas
as demais normas, que apenas poderão ser aplicadas se estiver em conformidade
com suas diretrizes, pois que, em conformidade com Tepedino (1999, p. 50) os direitos
da personalidade (direitos individuais) e os direitos humanos, são inseparáveis, pelo
que,
―a pessoa, à luz do
sistema constitucional, requer proteção integrada que supere a dicotomia do direito
público e direito
privado e atenda à cláusula
geral fixada pelo texto maior, de promoção da dignidade humana.‖
Desta forma, os direitos da personalidade,
compreendem um núcleo mínimo assegurador da
dignidade da pessoa humana, sob pena de incorrer em ilícito, em virtude de que,
na promoção e na aplicação de
qualquer norma, deve-se priorizar pela proteção integral do homem, pois a intimidade deve ser
considerada como a expressão de um valor da pessoa humana.
Nessa senda, Mallet (2004, p. 1309),
adverte acerca da lacuna na CLT quanto à proteção da personalidade do trabalhador, que apenas se viabiliza de
forma esparsa, devido à tendência patrimonial na qual
a norma em tela foi promulgada:
A lacuna, própria
da época em que editada a CLT, decorre da visão reducionista do legislador, que tratou da relação de emprego como se nela as obrigações das
partes se restringissem à prestação
do trabalho pelo empregado, de um lado, e ao pagamento
da remuneração pelo empregador, de outro lado. Tudo ficou limitado ao plano meramente patrimonial, o que se mostra tanto mais injustificável quanto é certo que, sendo o empregado, sempre e
necessariamente, pessoa física (art. 3º, da CLT), os direitos de personalidade encontram-se inevitavelmente em causa em todo e qualquer
contrato de trabalho.
De tal modo, como forma de elucidar
tal conflito, propõe-se o preenchimento destas
lacunas por meio do direito
comum, principalmente através
do Código Civil. Contudo, impende destacar, que não é a quantidade
de leis que expressa à qualidade e efetividade da proteção da personalidade do empregado. O desafio, no caso, é
efetuar a devida interpretação das
normas já existentes, com base na luz dos princípios constitucionais, em
respeito aos direitos fundamentais e direitos humanos,
utilizando-se da técnica
da ponderação de interesses.
Assim, será possível aos Tribunais
integrar os espaços existentes, formando jurisprudência com capacidade de direcionar, sob o enfoque constitucional, os
meios mais adequados de agir, em conformidade e efetivação dos direitos fundamentais da pessoa humana,
acerca das diversas
situações que surgem no cotidiano
tendentes a vulnerabilizar ou ameaçar a intimidade e a privacidade das pessoas.
Tangenciados, por um lado, os
direitos de propriedade do empregador, e, por outro, os direitos à intimidade e à privacidade do empregado, que
compreendem direitos fundamentais individuais,
cabe neste instante, discorrer sobre a incidência destes direitos no que
concernem as relações trabalhistas.
5.
APLICAÇÃO DIRETA E IMEDIATA
DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS
No que tange a
aplicação dos direitos fundamentais nas relações privadas,
Martínez (2004,
p. 344) evidencia:
Si acudimos a
hora al tenor de las normas que regulan derechos y analizamos el ámbito central de su validez, de acuerdo
con el sentido común y con el análisis de la
práctica jurídica, llegaremos a la conclusión de que muchos son derechos
pensados también, e incluso
principalmente, para las relaciones entre particulares. No se debe olvidar
además que los derechos se fundamentan y enraízan en los valores
superiores y éstos abarcan todo el Ordenamiento, y no solo las relaciones de Derecho público.6
Conforme Sarmento (2008, p. 203), os direitos fundamentais conferem proteção ao indivíduo
contra o ente estatal, no entanto, a economia capitalista e o crescimento de entes não
estatais, como as empresas ou associações, tornaram-se uma ameaça ainda maior
que a proveniente do próprio Estado,
exigindo, por tanto, que o enfoque destes direito passe a conceder proteção aos entes privados, como
forma de garantir a proeminência dos direitos do homem, assim:
Estes, que até
então eram apenas titulares de direitos humanos, oponíveis em face do Estado, assumem agora, em determinados
contextos, a condição de sujeitos passivos de
tais direitos. Se a opressão e a injustiça não provêm apenas dos poderes
públicos, surgindo, também, nas
relações privadas travadas no mercado, nas relações laborais, na sociedade civil, na família, e em
tantos outros espaços, nada mais lógico do que, estender a estes domínios, o raio de incidência dos direito fundamentais,
sob pena de frustração dos ideais morais e humanitários em que eles lastreiam.
No
mesmo sentido, destaca
Stuart Mill (2006,
p. 200), que a sociedade possui uma capacidade de tiranizar, com uma
crueldade ainda maior que a do Estado, em vistas de que, a comunidade social poderia praticar um
despotismo social, violando princípios basilares dos direitos humanos,
incapacitando o indivíduo
de qualquer forma de evasão, ―penetrando muito mais profundamente nos pormenores da vida, e escravizando a própria alma.‖
Assim sendo, de acordo com Martínez (2004,
p. 347):
(...) El principio general
de validez de las normas de derechos
fundamentales em las relaciones privadas,
si es indubitado, debe ser analizado em el caso concreto,
6 Tradução
Livre: Se nos voltarmos agora para a formulação das regras que regem os
direitos e analisar a área central da
sua validade, de acordo com o senso comum e com análise da prática jurídica,
chegar à conclusão de que muitos
direitos são projetados também, e até principalmente nas relações entre
particulares. A pessoa também não deve esquecer
que os direitos são fundados
e enraízam em valores mais elevados e eles abrangem a Portaria, e não apenas as
relações de direito público. In: MARTÍNEZ, Gregoria Peces-Barba. Lecciones de Derechos Fundamentales. Madrid, Editorial Dykinson,
2004, pag. 344.
ponderando las
circunstancias y los bienes y princípios próprios del derecho privado, com el
derecho fundamental concernido.7
Ademais, Mello (apud Marmelstein, 2013 p. 116) salienta acerca da necessidade de proteger os
direitos fundamentais, até para a manutenção de um Estado Democrático de Direito, já que são nestes direitos que
tal sistema se fundamenta, necessitando haver uma ponderação de interesses entre a aplicação
dos direitos fundamentais em conformidade com os demais princípios.
Em
concordância, Novaes (apud MARMELSTEIN, 2013, p. 100) destaca que, ―o direito fundamental só cede, se o Estado for
capaz de encontrar uma justificação de peso, intrínseco, indiscutível; a simples vontade da maioria democrática, não é
suficiente para justificar a restrição.‖
Neste enfoque, Pereira (2006, p.
116) denota que a incidência dos direitos fundamentais nas relações privadas possui justificativa no fato de que ambos
os sujeitos são titulares de direitos fundamentais, formando um complexo
sistema de afirmativas e deveres, que delimitam-se
e condicionam-se entre si. Acerca deste assunto, Alexy (2013, p. 300) destaca que, frente a uma colisão
de direitos, será necessário proceder
de forma a efetuar uma ponderação
entre os valores debatidos. Da mesma forma, posiciona-se Lenza (2011, p. 115), para o
qual:
(...) poderá o magistrado
deparar-se com inevitável colisão de direitos fundamentais, quais sejam, o princípio da autonomia de
vontade privada e da livre iniciativa de um lado...
e o da dignidade da pessoa humana e da máxima efetividade dos direitos fundamentais (art. 1º, inc. III), de outro. Diante dessa ‗colisão‘, indispensável será a
‗ponderação de interesses‘ a luz da razoabilidade e da concordância prática ou harmonização. Não sendo possível a
harmonização, o Judiciário terá que avaliar qual dos interesses deverá prevalecer.
Por conseguinte, Mendes (2012, p. 300), assevera:
Não se pode olvidar, por outro lado,
que as controvérsias entre
particulares, com base no direito
privado, hão de ser decididas pelo Judiciário. Estando a jurisdição vinculada aos direitos fundamentais,
parece inevitável que o tema constitucional,
assuma relevo tanto na decisão dos tribunais originários, como no caso
de eventual pronunciamento da Corte
Constitucional.
Destarte, Tepedino (1999, p. 156),
verifica a necessidade de abordar novas diretrizes para definir a ordem pública, analisando o direito infraconstitucional, sob a luz da Constituição, de
7 Tradução Livre: (...)
O princípio geral de validade das regras de direitos fundamentais nas relações
privadas, se é inquestionável, deve ser utilizado
no caso, considerando-se as circunstâncias e as propriedades e princípios
PROPRIOS de direito privado, o direito fundamental com preocupado... In:
MARTÍNEZ, Gregoria Peces-Barba. Lecciones
de Derechos Fundamentales. Madrid, Editorial Dykinson, 2004, p. 347.
forma a priorizar os valores não patrimoniais, com base
na dignidade da pessoa humana, no desenvolvimento de sua personalidade, nos direitos sociais e na justiça distributiva, ―para cujo atendimento, deve se voltar a iniciativa econômica privada e as situações
jurídicas patrimoniais.‖
Ademais, Martínez (2004, 346-347)
sustenta que:
Ese problema de
límites, especialmente en las obligaciones y en los contratos, muy amparados en la libertad de sus cláusulas
por la autonomía de la voluntad, dependerá
del examen y de la ponderación non el caso concreto entre la autonomía
de la voluntad y el presunto derecho
aplicable. Habrá supuestos de una autonomía de la voluntad inmune a derechos, con lo que ésta será límite a su
vez. Así no podrá argumentar la libertad de expresión para anular una cláusula que impida a un periodista trabajar, al tiempo colaborando en otra empresa periodística.8
Em consequência, Mendes (2012, p.
305) enfatiza que os direitos fundamentais devem ser vistos como princípios norteadores para que, então, o Estado
possa ser obrigado a não apenas observar
os direitos de todos os indivíduos, mas também a garantir ao cidadão a proteção contra as arbitrariedades de terceiros em geral, de maneira a materializar uma sociedade justa e
igualitária, fundamentada na efetividade dos direitos fundamentais. Assim,
quanto maior a desigualdade social
entre os sujeitos, maior incidência terá tal aplicabilidade, de maneira a equilibrar as relações sociais
e, evidentemente, do empregado em relação ao empregador.
6.
AÇÕES AFIRMATIVAS DA DIGNIDADE
DA PESSOA HUMANA
COMO UM MEIO DE
RESISTÊNCIA: PONDERAÇÃO DE INTERESSES
A Constituição brasileira determina expressamente no art. 170 ―que o poder econômico deve valorizar o trabalho humano; e seu objetivo precípuo é assegurar a todos existência digna conforme os ditames da justiça social.‖ Nesse sentido, asseveramos em outro
estudo (2009, p. 150) que:
Por tal razão, não é difícil
constatar que o capital (ou o poder econômico) é o meio para assegurar e promover a dignidade do ser humano,
sendo ilegítimo e inconstitucional qualquer
raciocínio que pretenda inverter esta ordem, ou seja,
8 Tradução
Livre: Isso limita o problema, especialmente em obrigações e contratos, muito
embora acerca da liberdade de
cláusulas para a autonomia dependerá do exame e da ponderação no caso entre a
autonomia e o suposto direito
aplicável. Suposições que iram capacitar vontade imune a direitos, por isso vão
ser apenas transformá-la. Então você
não pode afirmar que a liberdade de expressão para substituir uma cláusula que impede um trabalho jornalista, colaborando
na empresa jornalística outra. In: MARTÍNEZ, Gregoria Peces- Barba. Lecciones de Derechos Fundamentales. Madrid, Editorial Dykinson, 2004, pag. 346-347.
colocar o homem
como meio, como um mero fator de produção,
para fomentar o capital, sem dele
participar ou se beneficiar.
Dessa lógica decorre que a
dignidade da pessoa humana, já minudentemente tratada nos primeiros capítulos da presente pesquisa, constitui o fundamento material e instrumental
para desencadear ações legítimas de resistência contra a flexibilização nociva
de direitos trabalhistas.
E é justamente a
afirmação da dignidade da pessoa humana, que fundamenta os direitos trabalhistas, que proporcionará a
tão almejada justiça social em nosso país, diminuindo a absurda e inaceitável desigualdade social e regional que exclui a grande
massa dos cidadãos brasileiros do acesso aos meios básicos de vida digna, como o trabalho,
a educação e a saúde.
Ademais, pretende-se por meio de
ações afirmativas da dignidade da pessoa humana, promover a justiça social de forma a equilibrar a relação
existente entre o empregador e o empregado, colocando o ser humano, e não o
capital, como o núcleo do sistema.
Assim, trata-se de dar materialidade
ao princípio em tela, de afirmá-lo no âmbito social e, com isso, de maneira reflexa, garantir proteção aos
trabalhadores contra as mais diversas ameaças que possam estar sujeitos em face
da relação jurídica subordinada que entabulam
com o seu empregador.
Em outras palavras, cumpre-se dar
força normativa e eficácia ao princípio da dignidade da pessoa humana, tanto na sua esfera defensiva, com o objetivo
de proteger o trabalhador individualmente,
como na sua dimensão prestacional, visando alcançar os meios necessários para que o trabalhador viva dignamente.
No mesmo sentido, enfatiza Delgado (2006, p. 91), que a dignidade humana, congloba ―a dimensão social do indivíduo, uma vez que é
inviável supor-se a presença do respeito a dignidade
de um ser humano radicalmente excluído de qualquer inserção socioeconômica da sociedade.‖
Assim, a afirmação da dignidade da
pessoa humana no núcleo social serve para que a ordem econômica não constitua um fim em si mesmo, devendo ser
direcionada, isso sim, para promover e proteger
o homem e sua dignidade, posto
que, conforme Gemignani (2009, p. 49):
O Estado pode,
mas não pode tudo. As entidades coletivas podem, mas não podem tudo. As corporações podem, mas não podem tudo. As regras
econômicas embasadas na
necessidade/privação/escassez de meios podem, mas não podem tudo. Há um núcleo
inalienável, que pertence
a cada pessoa, sem o qual ela deixa de existir como sujeito de direitos e se transforma em súdito, um objeto a ser manipulado pelos desejos e interesses de
outrem. É esse núcleo que os princípios preservam
no mundo trabalho, independentemente de existir um vínculo de natureza empregatícia ou não.
É
por esta razão que o empregador
não possui poder diretivo supremo, visto que
seu direito estende-se até o momento
em que passa a adentrar na esfera jurídica do direito do trabalhador, no caso ora em apreço, sua privacidade e intimidade. Deste modo, conforme
enfatiza Marmelstein (2013, p. 384-385), na casuística
em concreto, haverá diversas situações que prejudicarão o auferimento de uma conciliação de interesses.
Isso se deve ao fato de que a proteção de determinado direito
fundamental, inevitavelmente, acarretará a violação de outro bem jurídico protegido
pela norma constitucional. É o que ocorre no caso do
monitoramento dos empregados por câmeras, em
consequência de que os interesses do empregador entram em choque com os direitos personalíssimos do trabalhador.
Neste caso, o juiz deverá efetuar
um sopesamento de valores, que consiste em uma
―atividade intelectual que, diante de valores colidentes, escolherá qual deve prevalecer e qual deve
ceder‖, conforme denota Marmelstein (2013, p. 385). Assim, quando duas normas constitucionais
colidirem, o juiz deve proceder com a verificação de qual norma em jogo possui menor densidade, para que ceda
preponderância à outra, naquele caso em questão, fato este que consiste em afirmar, acerca da existência
de uma hierarquia axiológica.
Ocorre, portanto, que apesar de os direitos fundamentais possuírem superioridade normativa, devido a sua posição privilegiada na Carta Magna, os mesmos, ainda assim, podem ser restringidos sempre que seu exercício compreenda
ameaça de lesão de outros valores constitucionais.
Assim, convém salientar que,
―limitar direitos não é apenas plenamente
possível como
muitas vezes necessário‖, conforme destaca
Marmelstein (2013, p. 365-366). Porém, tal limitação apenas será legítima no caso de
ser confirmada pelo teste da proporcionalidade. 9Dessa forma, sempre que
a vontade do Judiciário for proteger ou preservar um dado valor constitucional, a limitação de direito colidente se faz plenamente aceitável.
O princípio
da
proporcionalidade
tem
pertinência fundamentada
para
que
―nenhuma
restrição a direitos fundamentais tome dimensões desproporcionais‖, no mesmo
sentido, o respectivo autor enfatiza (2013, p. 367), que ―verificar
a proporcionalidade de uma medida que restringe determinado direito
fundamental não é tão somente analisar se a medida é razoável. Trata-se,
na verdade, de algo muito mais sofisticado
e objetivo.‖
Destarte, convém destacar que tal princípio
possui três dimensões, qual seja a adequação
ou conformidade, a qual exige que o meio alcance a meta; a necessidade, que significa uma
9 ―O princípio ou máxima da proporcionalidade é, portanto, o instrumento necessário para aferir a legitimidade
das leis e atos administrativos que restringem direitos
fundamentais. Por isso, esse princípio
é chamado de
‗limite dos limites‘. ‗O objetivo da aplicação da regra da
proporcionalidade, como o próprio nome indica, é fazer com que nenhuma restrição
a direitos fundamentais tomem dimensões desproporcionais.‖ MARMELSTEIN, George.
Curso de direitos fundamentais. 4ª Ed.
São Paulo: Atlas
2013. P. 366.
intervenção apenas nos limites necessários, de forma que
constitua a mais amena de qualquer outro
meio de atuação, conforme dispõe Alexy (2013, p. 118); e a proporcionalidade em sentido estrito, que conforme o respectivo
autor, aufere qual dos méritos, abstratamente no mesmo nível, possui
maior peso para o caso em epígrafe.
Na expressão de Alexy (2002, p. 82),
as restrições aos direitos fundamentais ocorrem em consequências de regras ou princípios. No que tange aos princípios para alcançar uma restrição
definitiva, se faz necessário que haja uma ponderação entre o direito
fundamental em questão e ao
princípio que o limita.
No
que reporta a diferenciação entre os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, destaca-se que o primeiro
surgiu nos Estados Unidos da América, enquanto o outro na Alemanha.
No entanto, autores
como Sarmento (2008, p. 87), salientam que mesmo
―decorrentes
de
matrizes históricas diferentes,
são, na prática,
fungíveis, pois almejam o mesmo resultado: coibir o arbítrio do
Poder Público, invalidando leis e atos administrativos [...] contrários à pauta de valores abrigada pela
Constituição.‖
Em extensão, Guerra (2007, p.
70-71), expressa as considerações que deverão ser feitas pelos magistrados no momento de sopesar os princípios conflitantes ou normas colidentes:
a) o
―peso abstrato‖ dos valores
em conflito
[...];
b) a
interferência
que a realização de um causa no outro e
vice-versa (sic) a realização do segundo [...] causa no primeiro dos valores em conflito; c) quais as evidências disponíveis para fundamentar, racionalmente, as considerações relativas
a b), uma vez que as afirmações produzidas quanto a este
aspecto do problema – o grau de interferência – são afirmações descritivas, portanto [...] verificáveis, a exigir, em nome da racionalidade,
o suporte de evidências empíricas.
No mesmo sentido,
posiciona-se Sarmento (2008,
p. 74):
A
dignidade da pessoa humana afirma-se como o principal critério substantivo na direção da ponderação de interesses
constitucionais. Ao deparar-se com uma colisão concreta
entre princípios constitucionais, tem o operador
do direito de, observada
a proporcionalidade, adotar a solução mais consentânea com os valores humanitários que este princípio promove.
Ademais, como não há hierarquia
entre princípios constitucionais, a solução
de uma colisão entre eles
dependerá de uma análise do caso concreto, no momento em que se for realizar
a técnica da ponderação, onde que, em certos casos, o interesse
coletivo pode justificar uma limitação proporcional a um
direito fundamental, ao que Alexy (2013, p.114) salienta que não existe nenhum princípio soberano, pois, até
mesmo o princípio da dignidade da
pessoa humana encontra restrição frente a um direito social, que beneficie
maior parte da sociedade. Nessa linha, Sarlet (2004, p. 136) enfatiza:
Assim, ainda que
se possa reconhecer a possibilidade de alguma relativização da dignidade pessoal [...], não há como
transigir no que diz com a preservação de um
elemento nuclear intangível da dignidade, que justamente [...] consiste na vedação
de qualquer
conduta que importe
em coisificação e instrumentalização do ser humano [...]. Da mesma forma, [...] com isto não se está a sustentar
a inviabilidade de impor certas restrições aos direitos
fundamentais, ainda que diretamente fundadas
na proteção da dignidade da pessoa humana, desde que, à evidência, reste
intacto o núcleo de dignidade destes direitos.
Ainda, de acordo com Alexy (2013, p.
141), outro limite que se impõe a ponderação de interesses compreende o respeito ao núcleo essencial de direitos
fundamentais, isto é, um conteúdo
mínimo destes direitos que são indisponíveis, e portanto, fora de limitação
pelo legislador ou através
do aplicador do Direito.
Desta forma Sarlet (2004, p. 200)
enfatiza que a dignidade da pessoa humana sempre comporá um núcleo essencial de direitos fundamentais, pois
qualquer atitude que venha a diminuir a aplicação da mesma ocorrerá
irremediavelmente em desproporção, sendo considerada então, descabida.
Outrossim, acerca da utilização de
monitoramento por câmeras, utilizada pelo empregador como meio de fiscalizar o trabalho e obter maior produtividade
do trabalhador e garantir a segurança do ambiente, constitui
um meio que possui perfeita aceitação
pela doutrina e jurisprudência, desde que, respeitando alguns limites, como a negação
de instalação de câmaras
em locais íntimos, como banheiros, refeitórios, vestiários, ou salas de
descanso, com vistas a garantir que a intimidade e a privacidade do empregado sejam respeitadas.
Deve, então, haver sensatez
e equilíbrio na utilização de tal aparato
tecnológico, de maneira
que não intervenha diretamente na privacidade do empregado. Dessa maneira, segundo Eberlin (2006, p. 94-95), o
empregador deverá observar a razoabilidade na utilização da tecnologia e ainda dar ciência ao trabalhador que esta sendo filmado, bem como restringir a utilização de câmeras para os locais estritamente necessários, ―há também, o entendimento
de que a câmera não deve ficar focada apenas
no posto de trabalho de um empregado (mas sim no ambiente como um todo), sob pena de vulnerar o seu direito à intimidade.‖
De
outra senda, como a utilização de câmeras consiste
em ato lícito por parte do empregador, desde que respeitada à
intimidade do empregado, a utilização das filmagens tem sido consideradas como prova lícita e hábil como forma de
comprovar infrações disciplinares do
empregado, podendo ensejar, inclusive, o rompimento do contrato de trabalho por
justa causa do empregado.
No entanto, Silva Neto (2003, p.
82-83) salienta que a utilização de um monitoramento permanente sobre o meio ambiente pode causar condições adversas
no empregado, não sendo por ele (o
autor citado), considerada uma opção
sadia,
―fundamentalmente porque
empregados e corpo discente monitorados permanentemente
se tornam irritadiços e com a indisfarçável
sensação de perda da própria individualidade.‖
No entanto, conclui-se pelo
expendido nas linhas pretéritas o monitoramento por câmeras, desde que respeitados os limites da
privacidade e intimidade do empregado é normalmente aceito tanto pela doutrina quanto pela jurisprudência, em
virtude de que, a rigor, não há invasão
ou arbitrariedade neste método, desde que respeitados os critérios de
necessidade e razoabilidade enfatizados no presente estudo.
7.
DA TEORIA À PRÁTICA: POSICIONAMENTO DOS TRIBUNAIS ACERCA DO MONITORAMENTO DO EMPREGADO POR
CÂMERAS
Conforme o exposto cumpre agora abordar
alguns julgados para verificar o posicionamento
dos tribunais brasileiros sobre a temática em foco. Assim, como pioneiro, destaca-se a decisão da Nona Turma do
Tribunal Regional do Trabalho da Comarca do Rio de Janeiro, em que se admite a vigilância eletrônica (por meio de câmeras),
no âmbito trabalhista, desde que respeitado os
limites do poder diretivo do empregador, sendo que, de antemão, deverá ser avisado aos empregados para que os mesmos
tenham ciência do que lhe estão
submetendo, bem como, as câmeras não poderão estar focadas em um só ângulo, sob pena de ilicitude. Assim, dispõe o
julgado:
CÂMERAS DE VÍDEO INSTALADAS
EM VESTIÁRIO VOLTADAS PARA OS
ARMÁRIOS. DANO
MORAL. A vigilância eletrônica é
admissível no ambiente de trabalho,
desde que não extrapole os limites do poder diretivo
do empregador. Todavia, cabe a este deixar claro para os empregados
os ambientes que estão sendo
monitorados, em respeito ao princípio da transparência. Não pode simplesmente alegar que as câmeras
ficam voltadas para determinado lugar, como
armários, por exemplo. Em se considerando que esse tipo de aparelho permite visão de 180º a 360º, se a parte alegar
como fato impeditivo que a área de visão não
alcança todo o vestiário, é ônus desta comprovar as especificidades do
produto, inclusive no que se refere
ao ângulo e abrangência, porquanto é a única que possui condições de produzir tal prova. (TRT-1 - RO: 8745420115010225
RJ, Relator: Claudia de Souza Gomes Freire, Data de Julgamento: 15/01/2013, Nona Turma,
Data de Publicação: 2013-01-24) (grifo nosso).
No
mesmo sentido, merece referência a decisão da Primeira Turma do Tribunal
Regional do Trabalho
da , alusivo ao uso de monitoramento por câmeras no ônibus, através
da qual se pode constatar que o uso não apenas é
permitido, como também é considerado necessário para fins de segurança, na medida
em que ―a adoção do mencionado
dispositivo não invade a esfera de intimidade do
empregado.‖ Ademais, o empregado já estava ciente do uso de tais aparelhos, cuja instalação, foi prevista precursoramente no edital de licitação,
sendo então desconsiderado o abuso da conduta do poder diretivo
e hierárquico do empregador.
(...) Quanto às alegações
referentes ao uso de câmera de monitoramento
nos ônibus, são equipamentos cuja
instalação já era prevista no edital de
licitação para a concessão pelo
poder público de exploração das linhas. Quanto
ao uso adotado pelo empregador não
só para fins de segurança, o que de resto não restou vulnerado com a prova testemunhal produzida,
tem-se que a adoção de mencionado dispositivo
não invade a esfera de intimidade
do empregado. É colocado em ambiente de circulação
aberto a empregados e usuários do serviço de transporte, qual seja, o interior do veículo de transporte de
massa. O empregado sabe de sua
existência, não sendo surpreendido
com a produção de eventuais imagens. Demais disso, no uso do poder hierárquico e diretivo da
atividade do empregado não aponta para a prática
ora questionada como conduta abusiva do empregador por si só. Da mesma forma, eventuais prejuízos que invadam a
esfera da personalidade do empregado deverão
ser buscados em lides individuais, mediante cognição, não se verificando na esfera coletiva a confirmação das
alegações contidas na exordial da presente ação civil pública.
(TRT-1 - RO:
00007933020115010056 RJ, Relator: Jose Nascimento Araujo Netto, Data de Julgamento: 11/03/2014, Primeira
Turma, Data de Publicação: 28/04/2014) (grifo
nosso).
Evidencia-se, portanto, que o
monitoramento do empregado por câmeras é possível e permitido, não implicando em ofensa à intimidade ou à
privacidade do empregado, desde que o
meio em questão seja empregado sem abuso do poder diretivo, ou seja,
subministrado pela proporcionalidade e razoabilidade, respeitando a dignidade humana do trabalhador.
8. CONSIDERAÇÕES FINAIS
De acordo com a pesquisa
empreendida, constata-se que a dignidade humana compreende o princípio norteador de toda a órbita
trabalhista, de forma a equilibrar a relação existente entre empregador e empregado.
Desta feita, percebe-se que ao
empregador é garantido o direito ao poder diretivo, o qual, de acordo com a doutrina
majoritária, emana do contrato de trabalho, ou seja, da autonomia de vontade entre as partes, no momento da
celebração do contrato. Ocorre, porém, que ao
contrário de outras concepções, tal tese não coaduna-se a ideia de poder soberano
do empregador, na medida em
que o poder diretivo encontra limites nos direitos fundamentais protetivos do empregado.
Assim, decorre que, por meio do uso
do monitoramento por câmeras no ambiente de trabalho
pode ocorrer uma suposta colisão entre o poder diretivo do empregador e o
direito fundamental do empregado à
privacidade e à intimidade, surgindo a necessidade de uma intervenção jurídica.
Nada obstante, tendo em vista que o impasse em comento carece de
uma legislação reguladora, o problema acaba então sendo dirimido na esfera jurisdicional por meio de jurisprudências,
e na esfera doutrinária, através das lições de balizados doutrinadores, cujo entendimento geral subentende que o uso de câmeras
em um ambiente de trabalho
é perfeitamente lícito
objetivando proporcionar melhor fiscalização do ambiente laboral, desde que respeitados algumas diretrizes, v.g.:
pré-avisar o empregado de que o ambiente está sendo monitorado por câmeras;
não colocá-las em salas de descanso
ou em banheiros, etc.
Ademais, respeitados os limites da
proporcionalidade e da razoabilidade dentro da esfera trabalhista, torna-se não apenas lícita, como necessária a
utilização de tais meios como forma de fiscalização e controle do ambiente de trabalho.
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