domingo, 26 de fevereiro de 2017

A LEGÍTIMA DEFESA COMO AFIRMATIVA DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NO PÓLO PASSIVO NO QUE TANGE AO DELITO DE INVASÃO DE DOMICÍLIO


Resumo: A presente pesquisa pretende analisar a excludente de culpabilidade da legítima defesa como forma de proteção contra as arbitrariedades do delito de invasão domiciliar, de maneira a envolver as vítimas, também, no manto da dignidade da pessoa humana, de forma a desmistificar esta inversão de valores que paira na sociedade ao transmitir erroneamente a ideia de que a dignidade da pessoa humana é atributo protetivo do criminoso contra o sancionamento penal, quando na verdade ela acoberta a pessoa humana, por sua condição de ser humano. No intuito de verificar uma resposta a essa temática, formulou-se o seguinte problema de pesquisa: é possível que a legítima defesa seja utilizada como ferramenta afirmativa da dignidade da pessoa humana no pólo passivo no que se refere ao delito de invasão de domicílio? Visando responder o problema proposto, o trabalho tem como objetivo geral discutir sobre o respaldo legal, doutrinário e jurisprudencial de proteção às vítimas. E por objetivo específico estudar: a) o uso da legítima defesa como excludente da culpabilidade; b) a aplicação da legítima defesa na proteção da invasão domiciliar, como afirmativa da dignidade da pessoa humana no que tange às vítimas. O aprofundamento teórico do estudo baseou-se em pesquisas de leis, doutrinas e jurisprudências, apoiando-se em um método dedutivo.
Palavras-chave: Legítima defesa; Invasão de domicílio; Dignidade da pessoa humana; Proteção das vítimas.

 ALINE OLIVEIRA MENDES DE MEDEIROS[1]

1.      INTRODUÇÃO
Este estudo refere-se à possibilidade de estar utilizando a legítima defesa como ferramenta de proteção contra o delito de invasão de domicílio de modo a envolver, também, as vítimas no véu protetivo da dignidade da pessoa humana, portanto, este manuscrito foi escrito com enfoque de transmitir proteção ao sujeito passivo.
A análise da temática iniciou com uma caminhada até as origens do direito penal e se estendeu, trazendo consigo, amplamente, os progressos e regressos da área até a atualidade, como meio de promover ao leitor, além de um aprendizado sobre os antepassados do direito criminal, uma possibilidade maior de entendimento da lei delitiva atual, pois ao percorrer o caminho do direito penal, o leitor poderá verificar os pensamentos dominantes da época e com isto compreender as justificativas das leis vigentes em seu tempo.
Com a invenção da escrita, vieram diversas mudanças em todos os âmbitos, e no direito penal não foi diferente, diante disto, o segundo instante deste manuscrito refere-se aos principais documentos internacionais escritos sobre esta esfera, partindo do plano mundial para centralizar-se no espaço nacional, momento em que foi expresso sobre os códigos penais que vigeram até então em terrae brasilis, chegando no Código Penal de 1940, ponto primordial deste estudo.
O último item deste estudo remete o autor na análise da excludente de culpabilidade configurada na legítima defesa e no tipo delitivo de invasão de domicílio, instante em que será esmiuçado suas peculiaridades e efetuado análises de decisões magistrais como meio de auferir não apenas o entendimento doutrinário sobre a temática, mas também, o andamento da prática criminal, de forma a robustar a possibilidade de utilizar-se da legítima defesa como meio de proteger-se contra a invasão domiciliar, inclusive do dono do imóvel.

2.      A ORIGEM DO DIREITO PENAL
O direito penal embasa um segmento do ordenamento jurídico que possui a função de selecionar entre os comportamentos humanos, aqueles considerados graves e perniciosos à sociedade, “capazes de colocar em risco valores fundamentais para a convivência social, e descrevê-los como infrações penais, cominando-lhes, em consequência, as respectivas sanções, além de estabelecer todas as regras complementares e gerais necessárias à sua correta e justa aplicação”, como clarifica Capez (2010, p. 20). De outra sorte, a ciência penal possui o objetivo de “explicar a razão, essência e o alcance das normas jurídicas”, estabelecendo critérios para a sua execução, pretendente a justiça igualitária, visando a adequação entre as leis e o sistema principiológico.
Por sua vez, Greco (2016, p. 10) destaca que a finalidade do direito penal é proteger os bens jurídicos mais importantes e necessários para a vida social, com vistas à materialização desta proteção é que emerge a “cominação, aplicação e execução da pena. A pena não é a finalidade do direito penal. É apenas um instrumento de coerção de que se vale para a proteção desses bens, valores e interesses mais significativos da sociedade”.
Neste enfoque, o ser humano, objetivando a sua sobrevivência sempre buscou a convivência social, e como meio de garantir esta forma de vida, foi necessário o estabelecimento de regras de convivência que encerraram por instituir sanções para os casos de descumprimento. Todavia, nem sempre o direito penal possuiu a forma que detém atualmente, sendo por isto imperativo efetuar um explanado histórico como meio de buscar a afirmativa desta ramificação jurídica, de onde será possível extrair que as formas de castigos estabelecidas nos primórdios, constituíram apenas embriões para a formação do direito penal atual, visto que não detinham o caráter técnico-jurídico atual.
Conforme elucidam Estefam e Gonçalves (2012, p. 199) a compreensão histórica de um ramo jurídico serve para analisar o caminho percorrido por esta área, e avaliar se esta ramificação jurídica compreende uma conquista de idéias esclarecedoras sobre as doutrinas arcaicas do passado, ou se embasa simples segmento das vicitudes antepassadas, desta maneira, através do conhecimento do passado será possível analisar o andamento desta área, seus progressos e regressos, e planejar o futuro, com base nas necessidades constatadas.
O fato é que não é possível garantir o instante em que o homem emergiu sobre o solo terrestre, mas é admissível garantir que o direito e a humanidade andaram de mãos dadas e são fatores recentes sobre a terra, além de que as pessoas sempre caminharam em conjuntos de seres humanos (sociedade), visto que desta forma auferiam mais potencialidades de sobrevivência, fato este que desencadeou no imperativo de criar um regramento de convivência, composto por um conjunto mínimo de regras a serem acatadas, desta maneira ubi societas ibi ius[2]. Devido a ausência da escrita pouco se conhece desta fase vivida pela raça humana, o que as descobertas arqueológicas evidenciam são apenas direções da evolução social da humanidade.
De maneira geral, conforme Estafam e Gonçalves (2012, p. 202) o Direito primitivo (anterior à escrita) detinha como características o fato de que “as regras eram transmitidas oralmente e conservadas pela tradição; os direitos eram muito numerosos, com costumes distintos em cada agrupamento social; o direito encontrava-se maciçamente impregnado de religião, havendo uma confusão entre esta, o direito e a moral.” Em terras brasileiras, estas fases remeteriam o leitor ao direito penal indígena, antes do descobrimento do Brasil.
Através da elaboração da escrita, foi possível precisar melhor o andamento desta ramificação jurídica, cujo documento mais antigo existente datam de aproximadamente 5000 anos e emergiram no Egito e na Mesopotâmia e foram denominados Direito Cuneiforme, que embasam um conjunto de regramento de cunho jurídico antigo, escrito através de pregos ou cunho, um exemplo desta escrita é o “Código Ur-nammu, fundador da terceira dinastia de Ur, por volta de 2000 anos a.C. conforme descreve Estefam e Gonçalves (2012, p. 206) e o Código de Hammurabi.
Destaca Bitencourt (2012, p. 84) que o direito penal antepassado possuía caráter repressivo, consubstanciando uma vingança penal, o qual a doutrina separa através de uma tríplice divisória que compreende a vingança divina, vingança privada e a vingança pública, todas marcadas a ferro quente pelo sentimento religioso.
Na primeira fase, conhecida como vingança divina, punia-se ceifando a vida do condenado, de forma desproporcional e despreocupada com a efetivação da justiça, instante em que os fenômenos naturais maléficos eram considerados “como manifestações divinas (totem[3]) revoltadas com a prática de atos que exigiam reparação”, então o infrator era punido como meio de desagravar a entidade, isto é satisfazer a santidade ofendida, portanto, era a religião que imperava na sociedade. A crueldade da punição se justificava em relação a grandeza do deus ofendido, a finalidade consistia na purificação da alma do condenado através do castigo, o qual era aplicado por meio de sacerdotes.
Neste instante, a sanção era aplicada como meio de libertação do criminoso da ira dos deuses, momento em que os antepassados do homem acreditavam nas forças sobrenaturais, que, muitas vezes, eram simplesmente fenômenos da natureza, como raios, chuvas e trovões, fato este que fazia com que os executores da lei, imaginassem qual seria a forma de acalmar os deuses, o que envolvia, inclusive, a sacrificação de seres humanos. O vínculo entre os povos era ocasionado pelos totens, que eram considerados como antepassados comuns entre os povos, e por isto, compreendia o “espírito guardião e auxiliar que, enviava oráculos, e embora perigoso para os outros reconhecia e poupava os seus próprios filhos” como leciona Nucci (2012, p. 73).
As religiões provenientes desta forma de pensar consubstanciaram no Código de Manu, nos Cinco Livros do Egito, no Livro das Cinco Penas da China, na Avesta da Persia, no Pentateuco de Israel e da Babilônia, e, compreendia o espírito dominante dos tempos antigos dos povos do Oriente, no lecionar de Bitencourt (2012, p. 84/85). As características da primeira fase era o império da religião, a aplicação da pena pelos sacerdotes e o caráter de crueldade proeminente das sanções.
No transcorrer deste caminho, ocorreu uma evolução no direito penal, aqui consubstanciada como segunda fase, instante em que o vínculo totêmico cedeu lugar para o vínculo sanguíneo, que resultava na união entre os sujeitos da mesma descendência, conforme recorda Nucci (2012, p. 74), instituindo a era da vingança privada, a qual envolvia desde o sujeito, individualmente, até sua família, desenrolando-se em sangrentas batalhas, ocasionando, não raras vezes, a eliminação de seu grupo familiar como direciona Bitencourt (2012, p. 85), instante em que se instalou “a justiça com as próprias mãos”, que conforme Nucci (2012, p. 73) encerrou por gerar uma contra-reação e um círculo vicioso que tendia a ocasionar o extermínio dos clãs e tribos.
No momento em que a ocorrência de crime fosse verificada dentro do próprio grupo social, a sanção efetivada era a perda da paz, compreendida no banimento do grupo, deixando-o vulnerável a ação de outros grupos que fatalmente levá-lo-iam à morte. Porém, no momento em que a infração fosse proveniente de outro grupo, a pena aplicada compreendia a “vingança de sangue”, embasada em uma guerra grupal que, também, resultava em mortes, por meio da aplicação de sanções “brutais, cruéis e sem finalidade útil” como explica Nucci (2012, p. 74).
Em decorrência da dizimação de grupos sociais, recorda Bitencourt (2012, p.86) que emergiu a lei de talião, apregoando o uso da proporcionalidade “ao mal praticado: olho por olho e dente por dente”, abrindo precedentes, também, para a personalidade da pena, visando um tratamento igualitário entre infrator e vítima, sendo vista como o primeiro passo em direção a humanização da sanção criminal. Esta lei foi adotada pelo Código de Hammurabi da Babilônia, pelo Êxodo dos Hebreus e pela Lei das XII Tábuas dos romanos.
Conforme elucida Estefam e Gonçalves (2012, p. 206) “o mais célebre, porém, é o Código de Hammurabi, rei da Babilônia, que se estima ter vivido de 1726 a 1686 a.C. Compõe-se de 282 artigos e está gravado numa estela, descoberta em 1901, e conservada no museu do Louvre, em Paris”. Além de que, “vários de seus preceitos contêm disposições criminais, o que os torna, em certa medida, uma das primeiras leis penais de que se possui notícia”.
Porém, neste andar, em virtude de o número de infratores ser grande, as sociedades estavam ficando deformadas, em razão da perda de membro, sentido ou função, que o direito talional desencadeava. Momento em que evoluiu para a composição, embasada na possibilidade que o criminoso detinha de comprar sua liberdade, libertando-se do castigo. Este meio de agir compreende um dos antecedentes históricos do direito à reparação existente no Direito Civil e das penas pecuniárias do Direito Penal.
Neste percurso histórico em que a sociedade moveu-se, atingiu o ponto em que o Estado organizou-se e decidiu tomar para si “o poder-dever de manter a ordem e a segurança social, surgindo a vingança pública, que nos primórdios, manteve absoluta identidade entre o poder divino e poder político”, como demonstrou Bitencourt (2012, p. 86). O objetivo basilar desta forma de ação era a garantia da segurança do soberano, através da sanção penal, caracterizada por requintes de crueldade e desumanidade, imperiosos nesta época histórica. O aspecto religioso ainda era marcante e utilizado como justificativa para a manutenção do poder do soberano. Como exemplo, pode-se utilizar a Grécia que era comandada em nome de Zeus.
O aspecto religioso foi superado através do pensamento filósofo, tendo como seu precursor Aristóteles que prolatou sobre a necessidade do livre-arbítrio, o qual se prestou como um embrião para a culpabilidade, que da firmação no solo filósofo se transportou para o plano jurídico. Platão, através das Leis desencadeou na observância da finalidade das penas como forma de promover a defesa social, ainda traçada com detalhes de rigorosidade. Na Roma Antiga, a junção entre religião e direito percorreu um longo trajeto histórico, mas ainda assim, foi pioneira em promover sua separação.
De forma ampla foi possível demonstrar que desde os tempos remotos o direito penal se caracterizou na proteção do mais forte, o que desencadeou em movimentos de estudiosos em busca da aplicação da razão e da humanidade nas sanções, visando abandonar o teor cruel e sangrento das penas, afastando da aplicabilidade os castigos corporais e a pena capital.
O direito foi construído “como um instrumento gerador de privilégios, o que permitia aos juízes dentro do mais desmedido arbítrio, julgar os homens de acordo com sua condição social”, conforme elucida Bitencourt (2012, p. 95), foi o século XVIII que trouxe a chave para libertar os homens deste espírito vingativo das antigas concepções arbitrárias, defendendo a liberdade dos seres humanos e a promoção da dignidade da pessoa humana, fortificando as correntes iluministas e humanitárias.
A pretensão era trazer a proporcionalidade para o plano prático, enfatizando na razoabilidade entre a sanção e o delito cometido, “devendo-se levar em consideração, quando imposta, as circunstâncias pessoais do delinquente, seu grau de malícia e, sobretudo, produzir a impressão de ser eficaz sobre o espírito dos homens, sendo, ao mesmo tempo, a menos cruel para o corpo do delinqüente”, no entendimento de Bitencourt (2012, p. 95). Estas idéias atingiram seu ápice através da Revolução Francesa, o que ocasionou na reforma do sistema punitivo.

3.      DA PROTEÇÃO INTERNACIONAL PARA O ABRIGO NACIONAL CONTRA AS ILICITUDES PENAIS
Não há como escrever sobre o direito penal sem antes, espiar as diretrizes estabelecidas nos principais documentos jurídicos existentes, diante disto, iniciar-se-á através da analise sobre a temática trazida na Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, a qual assevera que “a ignorância, o esquecimento e o desprezo dos direitos do homem” são as causas de todos os males que recaem sobre a sociedade, por isto o imperativo de declarar em um documento todos os direitos inalienáveis e imprescindíveis aos seres humanos, de forma que possam ser lembrados permanentemente sobre os direitos e deveres que a condição de pessoa humana lhes impõe, de maneira a promover a “felicidade geral”.
O 1° artigo destaca o direito a liberdade e igualdade inerente a todos os seres humanos; o art. 2° faz expressão sobre a finalidade de conviver em sociedade fato este que embasa o direito de auferir liberdade, propriedade, segurança e resistência a opressão; o art. 3° expressa a nação como soberana, enfatizando que todo o ato deve respeitar suas diretrizes; o art. 4° destaca que a liberdade compreende em respeitar os direitos do próximo, e o art. 5° destaca que as pessoas só são obrigadas a fazerem o que decorrer de lei, e tudo que emanar de lei será observado em razão de sua benevolência para com a sociedade, visto que, conforme o art. 6°, a lei compreende a expressão da vontade geral, já o art. 7° delimita que toda execução de pena, acusação, ou limitação de liberdade deve provir de lei e em acordo com suas expressões previamente estabelecidas.
O art. 8° robustece este entendimento ao descrever que “a lei apenas deve estabelecer penas estrita e evidentemente necessárias e ninguém pode ser punido senão por força de uma lei estabelecida e promulgada antes do delito e legalmente aplicada”, ou seja, abre precedentes para o princípio da reserva legal, o art. 9° expressa o princípio da presunção da inocência e da proporcionalidade ao definir que “todo o acusado é considerado inocente até ser declarado culpado e, se julgar indispensável prendê-lo, todo o rigor desnecessário à guarda da sua pessoa deverá ser severamente reprimido pela lei”, em seguida, através do art. 10°, assevera-se o direito a manifestação de opinião ao defender o direito de manifestar-se desde que “não perturbe a ordem pública”, logo, o art. 11° robusta este entendimento obstando os abusos através deste meio.
No art. 12° define-se que a força pública provem de todos, e a sociedade alicerça-se através desta força, através da qual os direitos e deveres do homem são aplicados; o art. 13° destaca a necessidade de participação de todo o povo, como forma de manter esta força pública ativa; no art. 14 verifica-se que é direito de todos os cidadãos a fiscalização do emprego da força pública e da cobrança de resultados de sua aplicação, fortificado pelo art. 15 que assegura o direito à cobrança em relação à manifestação da força pública. O art. 16 garante que para que um Estado possua uma Constituição esta deve assegurar a garantia dos direitos e a separação dos poderes e encerra através do art. 17 garantindo o direito a propriedade.
Outro documento internacional indispensável para este estudo compreende a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, proclamada pela Assembléia Geral das Nações Unidas, a qual elenca a dignidade da pessoa humana como fator condicionante para a edificação da família humana e de seus direitos inalienáveis, levantando a bandeira da “liberdade, da justiça e da paz no mundo”, pretendente a resgatar o espírito de humanidade nos corações das pessoas como meio de garantir uma vivencia a salvo de temor e das necessidades físicas e psicológicas enfrentadas no calor dos campos de batalhas.
Visando empregar o uso da lei formal como meio de resguardar a humanidade das arbitrariedades e atrocidades cometidas à luz do sol em revoluções, campos de concentração e guerras, promovendo o desenvolvimento das nações harmoniosamente, visando o progresso social e a melhoria das condições de vida da família humana. Esta declaração propende ser promovida em caráter internacional, pretendente a unificação da humanidade, de maneira a instituir um convívio pacífico entre os povos, fundamentados através dos mesmos princípios e deveres, protegidos pelas mesmas leis.
Assim o art. 1° expressa a igualdade entre os homens em dignidade e direitos e o imperativo de agirem uns com os outros através do princípio da fraternidade; o art. 2° sobreleva este direito à igualdade; o art. 3° esculpe o “direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal”; o art. 4° proíbe a escravidão; o art. 5° proíbe a tortura e o tratamento e castigo cruel, desumano ou degradante; o art. 6° fornece o direito a todo homem de ser reconhecido em sua condição de pessoa onde quer que se encontre; o art. 7° reforça o direito à igualdade; o art. 8° trás a proteção dos direitos e garantias do homem através dos tribunais; o art. 9° encerra o direito de que ninguém seja preso, detido ou exilado de forma arbitraria; o art. 10° esculpe o direito ao devido processo legal, ao definir que “todo homem tem direito, em plena igualdade, a uma justa e pública audiência por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir de seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ele”.
O art. 11 trás o princípio da presunção da inocência e da reserva legal, destacando o direito do homem de ser considerado inocente até prova em contrário, e o direito de responder apenas ao que estiver prescrito em lei no tempo da ação ou omissão; o art. 12 carrega a proteção contra interferências e ataques à honra e a reputação, bem como, fornece proteção a vida privada e familiar do indivíduo. O art. 13 municia o amparo do direito a locomoção; o art. 14 trás o direito ao asilo; o art. 15 esculpe o direito a nacionalidade; o art. 16 trás a proteção da família e do matrimônio. O art. 17 abraça o direito a propriedade, no art. 18 vem expresso o direito “à liberdade de pensamento, consciência e religião”, reforçado pelo art. 19 que carrega o direito “à liberdade de opinião e expressão”; o art. 20 trás o direito à reuniões e associação.
O art. 21 esculpe o direito da participação popular na esfera pública, instante em que o poder soberano se estabelecerá através da vontade popular, expressa por intermédio do sufrágio universal, através do voto. O art. 22 aborda o direito à segurança social e a realização social em conformidade com as diretrizes que o princípio da dignidade humana irradia; o art. 23 embasa o direito ao trabalho digno, reforçado através do art. 24 que abraça o direito ao repouso e a uma jornada de trabalho digna; o art. 25 trás o direito a todo homem de usufruir de um padrão digno de vida.
O art. 26 carrega o direito à educação, e o art, 27 trás o direito a participação comunitária. Já o art. 28 abraça o direito a uma ordem social onde todos os direitos dos homens possam ser efetivados em sua plenitude, para isto, o art. 29 salienta sobre o imperativo de que todos os homens cumpram com seus deveres como seres humanos, asseverado pelo último artigo deste documento expresso através do art. 30 que expressa à proibição de que esta carta de leis seja utilizada por qualquer nação como meio de suprimir direitos.
Ratificada pelo Brasil em 1992, através do Decreto n° 678/92, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos de 1969 (Pacto de São José da Costa Rica) define o imperativo de garantir a liberdade pessoal e a justiça social a todos os povos, fundado no respeito ao ser humano, reconhecendo que os direitos que protegem o homem não decorrem de sua nacionalidade, mas sim, de sua condição de ser humano, o que o coloca em igualdade em direitos e deveres para com seus semelhantes, reiterando a necessidade de garantir os direitos econômicos, sociais, culturais civis e políticos dos seres humanos.
Esta declaração torna obrigatório aos Estados participantes da mesma o respeito pelos direitos do homem (art. 1°), adotando as medidas legais internas necessárias para garantir este respeito (art. 2°), trás no art. 4° o reconhecimento do direito à vida, e no art. 5° o direito à integridade pessoal, (aqui incluída a física, psíquica e moral), o art. 6° trás a proibição da escravidão e da servidão, robustecido pelo art. 7° que abraça a proteção à liberdade individual, e o art. 8° expressa as garantias judiciais. Encontra-se no art. 9° o princípio da legalidade e da retroatividade da lei mais benéfica, o que denota que a pessoa seja julgada conforma a lei em vigor e se após o julgamento outra lei mais benéfica entrar em vigor esta retroagira, beneficiando o mesmo, porém o contrário não ocorre.
O art. 11 trás a proteção da honra e da dignidade; o art. 17 abraça a proteção à família; o art. 21 assevera o direito à propriedade privada, enquanto o art. 21 esculpe o direito a circulação e a residência; o art. 24 destaca a liberdade frente à lei e o art. 25 trás a proteção judicial. O art. 26 visa o desenvolvimento progressivo, ao descrever que todos os estados devem contribuir para proporcionar vida progressiva aos seus cidadãos. No art. 32 vem descrito que deverá haver correlação entre direitos e deveres, ou seja, para que se possa usufruir de direitos é necessário que as pessoas cumpram com seus deveres cívicos e morais, empregando uma contraprestação pelo direito auferido.
No art. 33 vem expressa a proteção internacional dos direitos e deveres do homem que compreendem os órgãos da Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Corte Interamericana de Direitos Humanos, os artigos que seguem o art. 33 definem o funcionamento destes órgãos – este documento possui 82 artigos – todos abordando a necessidade de elevar a condição da vida humana, através da dignidade, de maneira unificada entre os estados, pretendentes a edificação da família humana. O que estas disposições possuem em comum é o caráter humanitário, seu elemento basilar é a dignidade da pessoa humana e a busca pelos ideais de justiça e de convivência fraterna.
No que tange ao positivismo nacional é possível dizer que o mesmo originou-se através das Ordenações do reino de Portugal, estando aí, as fontes primitivas da herança jurídica nacional. As últimas a vigerem em terrae brasilis[4] foram as Ordenações Filipinas, que regiam, também, a temática criminal. Detinha como características a promoção da intimidação por meio do terror, tanto que a maioria dos artigos encerrava-se com a frase morra por ello[5], havia uma confusão entre crime, moral e pecado, por exemplo, o caso de adultério tinha como punição par a mulher adúltera à morte, e o marido da mesma era sancionado a usar uma capela de chifres. Algumas penas eram impostas por simples vontade do julgador, por simples arbítrio seu, havia uma grande desigualdade de tratamento entre os delituosos, o texto legal possuía 146 títulos, no entanto não havia uma parte geral, o que dificultava o seu entendimento, havia uma grande aglutinação de normas penais e processuais, os textos das leis eram desorganizados.
Com o Código Criminal do Império de 1830 ocorreu um avanço no direito penal brasileiro, instante em que os faróis do Iluminismo guiaram a saída dos brasileiros da Idade das Trevas, momento em que o Brasil engatinhava como nação (dava seus primeiros passos), diante disto, a elaboração de uma legislação criminal própria tornou-se singular, por representar uma ruptura com a dominação colonial, e uma adaptação do direito aos moldes das idéias e doutrinas da época modernizada, conforme recorda Estefam e Gonçalves (2012, p. 241), de acordo com os autores este código teve como características (2012, p. 244):

·         A indeterminação relativa da pena e a exigência de sua individualização;
·         Regulamentação da concorrência delitiva;
·         Previsão da atenuante da menoridade relativa, até então desconhecida na legislação estrangeira;
·         A responsabilidade sucessiva, nos crimes de imprensa, antes da lei belga, apontada como pioneira nesse sentido;
·         A indenização do dano ex delicto como instituto de direito público;
·         A imprescritibilidade da condenação;
·         A criação do sistema do dia-multa;
·         A clareza e a concisão de seus preceitos.

Apesar de inovar em diversos sentidos, este código, não detinha perfeição, falhando, por exemplo, em não estabelecer uma definição de culpa e encerrando por ser substituído pelo Código Penal de 1890, visto que com a Proclamação da República no ano de 1889, foi necessário efetuar uma reformulação no direito pátrio de forma a evidencia a ruptura entre o Estado e a Igreja, modificando a forma de governo e abolindo a escravatura, no entanto a promulgação do código foi célere demais para todas as modificações que precisavam ser feitas e o reflexo disto foram às inúmeras tentativas de reformulação que prosseguiram sua publicação, resultando na Consolidação das Leis Penais, a qual compilou o referido código e suas alterações posteriores.
Até que em 1° de janeiro de 1942 entrou em vigor o atual Código Penal de 1940 (publicado em 07 de dezembro de 1940), o qual conciliou o pensamento clássico e o positivismo, contendo em si a finalidade retributiva e preventiva, abolindo o sistema duplo binário, sancionando com medidas de segurança os crimes impossíveis, traçando a participação impunível. O mesmo foi reformado em 1984 visando trazer a ressocialização para o plano formal, depois desta reforma ocorreram mais de trinta modificações no código visando sua atualização, como exemplo, pode-se citar a Lei dos Crimes Hediondos (Lei n° 8.072/90), o mesmo é dividido em duas partes (geral e especial).
O ponto principal deste estudo compreende analisar o uso da legítima defesa para proteger a propriedade como um meio de segurança para as vítimas, de maneira a afirmar a dignidade da pessoa humana no pólo passivo.
Diante disto verifica-se que a proteção da propriedade encontra-se afirmada na Constituição Federal de 1988, através do caput do art. 5°, sendo estabelecida como cláusula pétrea e direito fundamental de todas as pessoas, embasando este direito como inviolável, sendo garantida no folhear deste artigo expressamente no seguinte teor: “XXII – é garantido o direito de propriedade”, vindo a ser esculpida após no art. 170 como princípio geral da ordem econômica, disposta da seguinte forma: “a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios, II - propriedade privada; III - função social da propriedade.”
Já a dignidade da pessoa humana compreende pedra edificante desta forma de estado, fundamentando a existência da forma democrática de direito no art. 1°, inc. III da CF, garantindo aos seres humanos uma vida plena, consubstanciada em mais que simplesmente subsistir, mas em viver de forma digna. Salienta-se que no decorrer do artigo quinto, estão elencados em seus 78 incisos todos os direitos penais já referidos, por este motivo, não serão repetidos, porém o inciso XI interessa ao texto por definir que “a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial”.
Consoante a isto o Código Penal estabelece no art. 23 que não haverá crime quando for praticado por agente em legítima defesa, fato este que remete o estudioso a um entrave, pois até que ponto é proporcional o uso da legítima defesa no que se refere ao amparo da propriedade? Este ponto será discutido no próximo item.

4.      A LEGÍTIMA DEFESA COMO FERRAMENTA DE PROTEÇÃO ÀS VÍTIMAS
Conforme o art. 23 do Código Penal vigente não haverá crime caso o agente pratique o fato em legítima defesa, trata-se de uma exclusão de antijuridicidade, a mesma consubstancia-se caso o agente tenha consciência de estar agindo acobertado por esta causa de justificação, ademais o animus vingativo afasta a sua aplicação, é preciso que o indivíduo esteja agindo com animus defendendi, a conduta deverá ser proporcional ao agravo, sendo que o excesso sempre será punível, seja ele doloso ou culposo, conforme descreve Bitencourt (2012, p. 338/341).
Adiante, no folhear deste livro de direitos encontrar-se-á a tipificação desta excludente de culpabilidade, através do art. 25, que trás em seu corpo o entendimento de que configurará a legítima defesa o agente que “usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”, a mesma possui um duplo fundamento, visto que pretende defender bens jurídicos de possíveis agressões e defender a própria sistemática jurídica da afetação de agressões ilegítimas. Esta causa excludente de culpabilidade justifica-se em decorrência da perturbação do ânimo do agredido e nos motivos que determinaram o sujeito, a legítima defesa compreende um direito da pessoa e, também, causa de justificação. Constituem seus requisitos, conforme Bitencourt (2012, p. 358) que a agressão seja “injusta, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”.
a) agressão injusta, atual ou iminente: a agressão embasa a conduta humana com capacidade para lesar ou por em perigo um bem ou interesse protegido pelo direito; será injusta a agressão que não estiver acobertada pelo ordenamento jurídico; a mesma deve ser, também, atual ou iminente, ou seja, aquela que está acontecendo ou que está prestes a acontecer. Não se configura contra agressão passada ou futura.
b) direito próprio ou alheio: a legítima defesa defende qualquer bem jurídico seja pessoal ou impessoal. “Assim, pode-se classificá-la em: legítima defesa própria, quando o repelente da agressão é o próprio titular do bem jurídico ameaçado ou atacado; e legítima defesa de terceiro, quando objetiva proteger interesses de outrem”, nas palavras do autor (2012, p. 259).
c) meios necessários usados moderadamente: é preciso que esta ação obedeça aos “limites da necessidade e da moderação”, pois “a configuração de uma situação de legítima defesa está diretamente relacionada com a intensidade da agressão, com a periculosidade do agressor e com os meios de defesa disponíveis”. Necessários compreendem os meios suficientes e indispensáveis para a execução da defesa. O uso moderado dos meios se caracteriza na proporcionalidade em que é realizado o ato, na intensidade da agressão e na forma e meios usados, não ultrapassando os limites da necessidade.
d) elemento subjetivo:animus defendendi[6]”: embasado como um requisito subjetivo, enquanto os anteriores eram objetivos. Desta forma “a legitima defesa deve ser objetivamente necessária e subjetivamente orientada pela vontade de defender-se” (2012, p. 360), o propósito de defender-se é o que legítima o uso desta ação, que se usada de outro modo, seria desautorizada pelo Direito. Conforme decisões jurisprudenciais, a legitima defesa se configura através da “presença simultânea de determinados requisitos, quais sejam, agressão injusta, atual ou iminente; direito próprio ou alheio; uso moderado dos meios necessários e animus defendendi[7]. Entendimento este reforçado através do Tribunal de Minas Gerais que define que “para a caracterização da legítima defesa é imprescindível que haja o dolo de defender-se”[8].
Em continuidade, o delito de violação de domicílio encontra expressão no art. 150, que se configura no fato de o agente “entrar ou permanecer, clandestina ou astuciosamente, ou contra a vontade tácita ou expressa de quem de direito, em casa alheia ou em suas dependências”, em conformidade com o inc. XI, do art. 5° da CF que dispões que “a casa é asilo inviolável do indivíduo”, o ordenamento jurídico pretende abrigar a segurança, privacidade e a paz no lar do indivíduo, ou seja, sua tranquilidade. Refere-se a um crime de ação múltipla, que se configura através dos verbos, entrar, ou permanecer. No primeiro verbo o agente entra sem permissão, no segundo ele permanece contra a vontade de quem de direito (não precisa ser proprietário), sendo que se o crime for cometido por meio do emprego de violência ou de arma, incidirá em qualificadora (§1°). Neste sentido, a entrada do meliante pode ocorrer:

a) clandestina: quando realizada às ocultas, às escondidas, sem que o morador tome conhecimento;
b) astuciosa: quando o agente emprega algum artifício, fraude, ardil para induzir o morador em erro, obtendo, com isso, o seu consentimento para adentrar ou permanecer na habitação (p. ex., o indivíduo se traveste de operário de uma
empresa telefônica);
c) ostensiva: quando a entrada ou permanência é realizada contra a vontade expressa ou tácita de quem de direito. O agente, nessa hipótese, pode utilizar-se de violência contra o morador. Este, por sua vez, pode manifestar a sua contrariedade
por palavras, gestos, atos, ou por escrito. A manifestação pode também ser tácita, por exemplo, o silêncio, de acordo com as circunstâncias concretas, pode perfeitamente demonstrar o dissenso da vítima. Saliente-se que o silêncio do morador por si só não presume o seu dissentimento quanto à entrada ou permanência de outrem em sua habitação. (CAPEZ, 2012, P. 489). (Grifos do original).

O sujeito passivo será a pessoa titular do direito de admitir ou reprimir a entrada de alguém no ressinto privado, não importa se o objeto seja arrendado ou locado, posto que a proteção legal enseja-se sobre a quem ocupa o espaço e não ao titular da propriedade, visto que a tutela protege o direito à tranquilidade e segurança do espaço doméstico, “e não o direito à posse ou a propriedade”. Por casa deve ser entendimento qualquer compartimento habitado, inclusive a móvel destinada à moradia, como o caso de iates ou trailers, por exemplo; protegem-se, também, os aposentos destinados a ocupação coletiva e os compartimentos não abertos ao público, onde se exerce profissão ou atividade, como no caso de escritórios de advocacia, consultórios médicos e etc. Pela locução dependências da casa Hungria (apud CAPEZ, 2012, p. 491/492) define o local em que:

[...] são um complemento da casa de moradia, ainda que não estejam materialmente unidos a esta: pátios, quintais, celeiros, adegas, garagens, estrebarias, caramanchões, jardins, etc. É preciso que tais lugares estejam cercados ou participem de recinto fechado, pois, do contrário, não estará indicada a vontade de excluir o ingresso de estranhos. Cumpre, além disso, que a casa de moradia propriamente dita e os ditos lugares formem um conjunto lógico, uma conexão de principal e acessório, de tal modo que a lesão deste repercuta sobre aquele”. Assim, os jardins de uma casa que não esteja cercada ou murada não constituem recinto fechado, e, portanto, não são objeto da proteção penal.

Trata-se de crime comum, que pode ser praticado por qualquer sujeito – inclusive o proprietário do imóvel, quando este se encontrar legitimamente com terceiro, no caso de locação, por exemplo -, contra quem de direito (sujeito passivo), o elemento subjetivo é o dolo, isto é, a vontade livre e consciente de “entrar ou permanecer em casa alheia ou em suas dependências, sem o consentimento de quem de direito”, o sujeito deve saber que sua entrada ou permanência é vedada no ambiente. Este crime se consuma com a mera conduta de entrar ou permanecer. Atua em excludente de ilicitude o agente que entrar acobertado pelo manto constitucional do inc. XI, art. 5° da CF, isto é, em casos de desastre ou para prestar socorro.
O crime se qualifica sempre que for praticado nos moldes do §1°, definido como “durante a noite, ou em lugar ermo, ou com o emprego de violência ou de arma, ou por duas ou mais pessoas”. Merece destaque um julgado do Tribunal do estado do Rio Grande do Sul que sanciona o cometimento do delito em comento:

RECURSO CRIME. VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO. ART 150, "CAPUT", DO CP. TIPICIDADE DA CONDUTA. SENTENÇA CONDENATÓRIA MANTIDA. 1- Réu que entra clandestinamente em casa alheia e ali permanece contra a vontade do morador, comete a infração prevista no art. 150 do CP, merecendo a reprimenda penal. 2- O crime em comento é de mera conduta, sendo suficiente para sua configuração que o agente entre em residência alheia de maneira clandestina, sem autorização ou contra a vontade da vítima, não se exigindo, ainda, dolo específico. 3- O reconhecimento da agravante da reincidência não configura bis in idem, apenas conferindo maior censurabilidade à conduta do agente que reitera na prática criminosa. RECURSO IMPROVIDO. (Recurso Crime Nº 71004213237, Turma Recursal Criminal, Turmas Recursais, Relator: Cristina Pereira Gonzales, Julgado em 15/04/2013)[9].

Em decisão da Terceira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, um indivíduo foi condenado por invadir domicilio alheio, arrombando a porta da vítima (sua ex-companheira, em razão de ciúmes), portando facas, apresentando sinais de embriaguez, conforme relato policial, instante em que o sujeito ativo chamou os policiais militares de “merdas” e quebrou o vidro da viatura[10], sendo, por todos estes delitos, condenado pelo magistrado. Ocorre que, conforme Capez a violação de domicílio compreende um crime subsidiário, visto que toda vez, “que servir como meio para executar crime mais grave, o crime meio será absorvido pelo crime-fim”.
Diante disto, nos casos em que um sujeito entrar ou permanecer em casa alheia ou em suas dependências, contra a vontade de quem de direito, incorra nos crimes de furto, roubo, lesões corporais, estupro, constrangimento ilegal ou homicídio o crime de invasão de domicílio será absorvido pelos crimes-fins, caso o agente somente tente praticar o crime-fim e não logre êxito ele responderá pelo crime-fim em sua forma tentada, caso o mesmo desista da prática do crime-fim, responderá pelos atos até então praticados, no lecionar de Capez (2012, p. 501). Verifica-se, então, que o crime de invasão de domicílio é um dos mais comuns, porém, apenas não possui tantos julgados em função de sua absorvição através dos crimes-fins.
Por este motivo, o deputado Jair Bolsonaro, apresentou à Câmara dos Deputados o Projeto de Lei n° 7.104/14, pretendente a tipificar a legítima defesa a agressão praticada contra quem invadir domicílio ou residência, o objetivo deste tipo delitivo é inibir a entrada ou permanência de agentes estranhos ou contra a vontade de quem de direito em seus domicílios, proporcionando mecanismos inibitórios à criminalidade, cientificando, de antemão, aos meliantes que costumam invadir residências que poderão, inclusive, ser mortos por quem legitimamente habita a residência.
A justificativa deste projeto compreende o fato de que muitas vezes a prática da legítima defesa acaba sendo considerada como “excessos” no judiciário, ocasionando transtornos a quem estava, simplesmente, defendendo seu direito, afinal, o indivíduo que entra ou permanece em casa alheia contra a vontade de quem de direito com certeza não está agindo desta forma com boa intenção, no mínimo pretende extrair a tranquilidade do lar, ou, cometer delitos mais graves, como estupros ou homicídios, por exemplo.
A questão em voga, que esta sendo estudada pelos estudiosos criminalistas, é que os delituosos não possuem discernimento quanto ao fato de que ser detentor de direitos lhe acarreta em deveres cívicos para com sua sociedade, como a própria DUDH expressa no final de suas diretrizes, visto que, os meliantes atuam comumente, como se detivessem apenas direitos para si e deveres para os outros. O manto dos direitos humanos adentrou no solo pátrio para trazer humanidade às pessoas, porém, está sendo deturpado e ocasionando uma inversão de valores na sociedade, onde o criminoso está sendo mais beneficiado, inclusive por meio da prática do crime, do que a vítima do delito.
Os advogados criminalistas possuem o dever ético de serem parciais, em razão de que são pagos para defenderem a pessoa que lhe pede abrigo, no entanto, em que situação fica a vítima do delito que muitas vezes, do pólo passivo passa para o pólo ativo, vitimizando-se ainda mais, primeiro por ter que ver sua vida particular exposta a estranhos através do judiciário, segundo, porque de agredida passa a agressor, tendo que defender-se judicialmente, por ter sido alvo de um delito, afinal se alguém adentrar em uma residência, antes de o sujeito passivo agir deverá indagar ao invasor quais são seus objetivos no que se refere aquele ambiente e procurar agir dentro da proporcionalidade para com o mesmo, correndo, inclusive risco de vida, aparentemente, o direito requer uma racionalidade das vítimas que ele não reclama dos criminosos.
Cresce no âmbito social uma inversão de valores desmedida, visto que os criminosos encontram-se muito mais conscientes de seus direitos (e nunca de seus deveres) do que a pessoa comum, e por isto, sabem maquiar suas artimanhas delitivas muito mais que o homem comum sabe defender-se das mesmas, desta forma, a sociedade urge por socorro, sob pena de sucumbir nas mãos criminógenas.
Os advogados criminalistas buscam amparo na dignidade da pessoa humana para proteger os criminosos do gélido sistema carcerário, alegando que o próprio não possui capacidade ressocializadora, nem encontra suporte no princípio da dignidade humana, no entanto, que dignidade existe na vida de um ser humano que vive às custas do crime? Que dignidade detém uma pessoa que não pode apresentar-se socialmente, devido à grande diversidade criminal que cometeu?
Este estudo não enseja, com isso, dizer que a pessoa por ter cometido um delito deve ser retirada da sociedade, pelo contrário, acredita-se na necessidade de humanizá-la para o convívio social, conscientizando-a de seus deveres para com os demais, clarificando-a sobre o fato de que todas as pessoas são iguais em direitos e deveres, elucidando-a sobre o direito de ser pessoa que todos possuem, e não apenas ela.
Se através do atual sistema criminal os delituosos encontram-se desassistidos, analisar-se-á em que patamar de desamparo se encontram as vítimas destes delituosos, em virtude de que se para os delinqüentes o sistema carcerário não recupera e não ressocializa, então, que garantias assistem às vítimas este sistema criminal falho? A discussão é longa e os problemas serão resolvidos aos poucos, porém, esta questão não pode ser deixada ao abandono, é necessário que a sociedade cobre e fiscalize as ações de seus representantes, buscando soluções para seus problemas sociais.

5.      CONCLUSÃO
Este estudo baseou-se na busca pelo entendimento legal, doutrinário e jurisprudencial sobre a possibilidade de utilizar-se da excludente de culpabilidade, compreendida na legítima defesa, de forma a afastar as possibilidades de invasão domiciliar, e com isto, manter a tranquilidade do lar.
Foi efetuada uma viagem histórica em busca da afirmativa do direito penal no tempo e no espaço, instante em que foram descritos os mais importantes passos históricos dos antepassados humanos e suas expressões jurídicas mais consagradas, partindo do âmbito internacional para o plano nacional.
Este estudo findou através da conclusão de que os direitos e garantias fundamentais estão sendo usados mais em benefício do sujeito ativo (criminoso) do que das vítimas, transmitindo a sociedade a ideia de inversão de valores em que o delituoso é mais protegido, neste espaço, do que a própria vítima, alicerçados através da proteção do manto da dignidade humana, no sentido de que, os delinqüentes, possuem cada vez mais consciência de seus direitos e menos entendimento sobre seus deveres, ou seja, estão esquecendo que para viver em sociedade é preciso estar disposto a respeitar a todos como pessoa humana.

REFERÊNCIAS
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______. Código Criminal. Lei de 16 de dezembro de 1830. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LIM/LIM-16-12-1830.htm. Acesso em 15 de fev de 2016.
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[1] Advogada não militante; Graduada em Direito; Autora do Blog Direito em Estudo; Autora do livro A promoção dos Direitos Humanos Fundamentais através da Polícia Militar; Articulista assídua em diversas revistas jurídicas; Pesquisadora na área de direito militar, segurança pública e direito ambiental. 
[2] Tradução: Onde está à sociedade aí está o direito.
[3] Estátuas em formas de animais ou vegetais.
[4] Tradução: terras brasileiras.
[5] Tradução: morra por isso.
[6] Tradução: ânimo de defender-se.
[7]TJRJ, Apelação 2007.050.02851,Rel. Alexandre H. Varella, j. 6-9-2007).
[8]TJMG, Apelação 1.0456.00.007035-3/001, Rel. Erony da Silva, j. 15-2-2005).
[9]TJ-RS - RC: 71004213237 RS, Relator: Cristina Pereira Gonzales, Data de Julgamento: 15/04/2013,  Turma Recursal Criminal, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 16/04/2013.

[10]TJ-RJ - APL: 00053132020148190042 RJ 0005313-20.2014.8.19.0042, Relator: DES. PAULO SERGIO RANGEL DO NASCIMENTO, Data de Julgamento: 18/08/2015, TERCEIRA CAMARA CRIMINAL, Data de Publicação: 01/09/2015 14:54.