Resumo: A presente pesquisa pretende analisar a excludente de
culpabilidade da legítima defesa como forma de proteção contra as
arbitrariedades do delito de invasão domiciliar, de maneira a envolver as
vítimas, também, no manto da dignidade da pessoa humana, de forma a
desmistificar esta inversão de valores que paira na sociedade ao transmitir
erroneamente a ideia de que a dignidade da pessoa humana é atributo protetivo do
criminoso contra o sancionamento penal, quando na verdade ela acoberta a pessoa
humana, por sua condição de ser humano. No intuito de verificar uma resposta a
essa temática, formulou-se o seguinte problema de pesquisa: é possível que a
legítima defesa seja utilizada como ferramenta afirmativa da dignidade da
pessoa humana no pólo passivo no que se refere ao delito de invasão de
domicílio? Visando responder o problema proposto, o trabalho tem como objetivo
geral discutir sobre o respaldo legal, doutrinário e jurisprudencial de
proteção às vítimas. E por objetivo específico estudar: a) o uso da legítima
defesa como excludente da culpabilidade; b) a aplicação da legítima defesa na
proteção da invasão domiciliar, como afirmativa da dignidade da pessoa humana
no que tange às vítimas. O aprofundamento teórico do estudo baseou-se em
pesquisas de leis, doutrinas e jurisprudências, apoiando-se em um método
dedutivo.
Palavras-chave: Legítima defesa; Invasão de domicílio; Dignidade da
pessoa humana; Proteção das vítimas.
ALINE OLIVEIRA MENDES DE MEDEIROS[1]
1. INTRODUÇÃO
Este estudo refere-se à possibilidade de
estar utilizando a legítima defesa como ferramenta de proteção contra o delito
de invasão de domicílio de modo a envolver, também, as vítimas no véu protetivo
da dignidade da pessoa humana, portanto, este manuscrito foi escrito com
enfoque de transmitir proteção ao sujeito passivo.
A análise da temática iniciou com uma
caminhada até as origens do direito penal e se estendeu, trazendo consigo, amplamente,
os progressos e regressos da área até a atualidade, como meio de promover ao
leitor, além de um aprendizado sobre os antepassados do direito criminal, uma
possibilidade maior de entendimento da lei delitiva atual, pois ao percorrer o
caminho do direito penal, o leitor poderá verificar os pensamentos dominantes
da época e com isto compreender as justificativas das leis vigentes em seu
tempo.
Com a invenção da escrita, vieram diversas
mudanças em todos os âmbitos, e no direito penal não foi diferente, diante
disto, o segundo instante deste manuscrito refere-se aos principais documentos
internacionais escritos sobre esta esfera, partindo do plano mundial para
centralizar-se no espaço nacional, momento em que foi expresso sobre os códigos
penais que vigeram até então em terrae
brasilis, chegando no Código Penal de 1940, ponto primordial deste estudo.
O último item deste estudo remete o autor na
análise da excludente de culpabilidade configurada na legítima defesa e no tipo
delitivo de invasão de domicílio, instante em que será esmiuçado suas
peculiaridades e efetuado análises de decisões magistrais como meio de auferir
não apenas o entendimento doutrinário sobre a temática, mas também, o andamento
da prática criminal, de forma a robustar a possibilidade de utilizar-se da
legítima defesa como meio de proteger-se contra a invasão domiciliar, inclusive
do dono do imóvel.
2. A
ORIGEM DO DIREITO PENAL
O direito penal
embasa um segmento do ordenamento jurídico que possui a função de selecionar
entre os comportamentos humanos, aqueles considerados graves e perniciosos à
sociedade, “capazes de colocar em risco valores fundamentais para a convivência
social, e descrevê-los como infrações penais, cominando-lhes, em consequência,
as respectivas sanções, além de estabelecer todas as regras complementares e
gerais necessárias à sua correta e justa aplicação”, como clarifica Capez
(2010, p. 20). De outra sorte, a ciência penal possui o objetivo de “explicar a
razão, essência e o alcance das normas jurídicas”, estabelecendo critérios para
a sua execução, pretendente a justiça igualitária, visando a adequação entre as
leis e o sistema principiológico.
Por sua vez, Greco
(2016, p. 10) destaca que a finalidade do direito penal é proteger os bens
jurídicos mais importantes e necessários para a vida social, com vistas à
materialização desta proteção é que emerge a “cominação, aplicação e execução
da pena. A pena não é a finalidade do direito penal. É apenas um instrumento de
coerção de que se vale para a proteção desses bens, valores e interesses mais
significativos da sociedade”.
Neste enfoque, o ser humano, objetivando a
sua sobrevivência sempre buscou a convivência social, e como meio de garantir
esta forma de vida, foi necessário o estabelecimento de regras de convivência
que encerraram por instituir sanções para os casos de descumprimento. Todavia,
nem sempre o direito penal possuiu a forma que detém atualmente, sendo por isto
imperativo efetuar um explanado histórico como meio de buscar a afirmativa
desta ramificação jurídica, de onde será possível extrair que as formas de
castigos estabelecidas nos primórdios, constituíram apenas embriões para a
formação do direito penal atual, visto que não detinham o caráter técnico-jurídico
atual.
Conforme elucidam Estefam e Gonçalves (2012,
p. 199) a compreensão histórica de um ramo jurídico serve para analisar o
caminho percorrido por esta área, e avaliar se esta ramificação jurídica
compreende uma conquista de idéias esclarecedoras sobre as doutrinas arcaicas
do passado, ou se embasa simples segmento das vicitudes antepassadas, desta
maneira, através do conhecimento do passado será possível analisar o andamento
desta área, seus progressos e regressos, e planejar o futuro, com base nas
necessidades constatadas.
O fato é que não é possível garantir o
instante em que o homem emergiu sobre o solo terrestre, mas é admissível
garantir que o direito e a humanidade andaram de mãos dadas e são fatores
recentes sobre a terra, além de que as pessoas sempre caminharam em conjuntos
de seres humanos (sociedade), visto que desta forma auferiam mais
potencialidades de sobrevivência, fato este que desencadeou no imperativo de
criar um regramento de convivência, composto por um conjunto mínimo de regras a
serem acatadas, desta maneira ubi societas ibi ius[2]. Devido a
ausência da escrita pouco se conhece desta fase vivida pela raça humana, o que
as descobertas arqueológicas evidenciam são apenas direções da evolução social
da humanidade.
De maneira geral, conforme Estafam e Gonçalves (2012, p. 202) o Direito
primitivo (anterior à escrita) detinha como características o fato de que “as
regras eram transmitidas oralmente e conservadas pela tradição; os direitos
eram muito numerosos, com costumes distintos em cada agrupamento social; o
direito encontrava-se maciçamente impregnado de religião, havendo uma confusão
entre esta, o direito e a moral.” Em terras brasileiras, estas fases remeteriam
o leitor ao direito penal indígena, antes do descobrimento do Brasil.
Através da elaboração da escrita, foi possível precisar melhor o
andamento desta ramificação jurídica, cujo documento mais antigo existente
datam de aproximadamente 5000 anos e emergiram no Egito e na Mesopotâmia e
foram denominados Direito Cuneiforme, que embasam um conjunto de
regramento de cunho jurídico antigo, escrito através de pregos ou cunho, um
exemplo desta escrita é o “Código Ur-nammu, fundador da terceira dinastia de
Ur, por volta de 2000 anos a.C. conforme descreve Estefam e Gonçalves (2012, p. 206) e o Código de
Hammurabi.
Destaca Bitencourt (2012, p. 84) que o direito penal antepassado
possuía caráter repressivo, consubstanciando uma vingança penal, o qual
a doutrina separa através de uma tríplice divisória que compreende a vingança
divina, vingança privada e a vingança pública, todas marcadas a
ferro quente pelo sentimento religioso.
Na primeira fase, conhecida como vingança divina, punia-se
ceifando a vida do condenado, de forma desproporcional e despreocupada com a
efetivação da justiça, instante em que os fenômenos naturais maléficos eram
considerados “como manifestações divinas (totem[3])
revoltadas com a prática de atos que exigiam reparação”, então o infrator era
punido como meio de desagravar a entidade, isto é satisfazer a santidade
ofendida, portanto, era a religião que imperava na sociedade. A crueldade da
punição se justificava em relação a grandeza do deus ofendido, a finalidade
consistia na purificação da alma do condenado através do castigo, o qual era
aplicado por meio de sacerdotes.
Neste instante, a sanção era aplicada como meio de libertação do
criminoso da ira dos deuses, momento em que os antepassados do homem
acreditavam nas forças sobrenaturais, que, muitas vezes, eram simplesmente
fenômenos da natureza, como raios, chuvas e trovões, fato este que fazia com
que os executores da lei, imaginassem qual seria a forma de acalmar os deuses,
o que envolvia, inclusive, a sacrificação de seres humanos. O vínculo entre os
povos era ocasionado pelos totens, que eram considerados como antepassados
comuns entre os povos, e por isto, compreendia o “espírito guardião e auxiliar
que, enviava oráculos, e embora perigoso para os outros reconhecia e poupava os
seus próprios filhos” como leciona Nucci (2012, p. 73).
As religiões provenientes desta forma de pensar consubstanciaram no
Código de Manu, nos Cinco Livros do Egito, no Livro das Cinco Penas da China,
na Avesta da Persia, no Pentateuco de Israel e da Babilônia, e, compreendia o
espírito dominante dos tempos antigos dos povos do Oriente, no lecionar de Bitencourt
(2012, p. 84/85). As
características da primeira fase era o império da religião, a aplicação da pena
pelos sacerdotes e o caráter de crueldade proeminente das sanções.
No transcorrer deste caminho, ocorreu uma
evolução no direito penal, aqui consubstanciada como segunda fase, instante em
que o vínculo totêmico cedeu lugar para o vínculo sanguíneo, que resultava na
união entre os sujeitos da mesma descendência, conforme recorda Nucci (2012, p.
74), instituindo a era da vingança
privada, a qual envolvia desde o sujeito, individualmente, até sua família,
desenrolando-se em sangrentas batalhas, ocasionando, não raras vezes, a eliminação
de seu grupo familiar como direciona Bitencourt (2012, p. 85), instante em que
se instalou “a justiça com as próprias mãos”, que conforme Nucci (2012, p. 73)
encerrou por gerar uma contra-reação e um círculo vicioso que tendia a
ocasionar o extermínio dos clãs e tribos.
No momento em que a ocorrência de crime fosse
verificada dentro do próprio grupo social, a sanção efetivada era a perda da
paz, compreendida no banimento do grupo, deixando-o vulnerável a ação de outros
grupos que fatalmente levá-lo-iam à morte. Porém, no momento em que a infração
fosse proveniente de outro grupo, a pena aplicada compreendia a “vingança de
sangue”, embasada em uma guerra grupal que, também, resultava em mortes, por
meio da aplicação de sanções “brutais, cruéis e sem finalidade útil” como
explica Nucci (2012, p. 74).
Em decorrência da dizimação de grupos
sociais, recorda Bitencourt (2012, p.86) que emergiu a lei de talião, apregoando o uso da proporcionalidade “ao mal
praticado: olho por olho e dente por
dente”, abrindo precedentes, também, para a personalidade da pena, visando um tratamento igualitário entre
infrator e vítima, sendo vista como o primeiro passo em direção a humanização da sanção criminal. Esta lei
foi adotada pelo Código de Hammurabi da Babilônia, pelo Êxodo dos Hebreus e
pela Lei das XII Tábuas dos romanos.
Conforme elucida Estefam e Gonçalves (2012,
p. 206) “o mais célebre, porém,
é o Código de Hammurabi, rei da
Babilônia, que se estima ter vivido de 1726 a 1686 a.C. Compõe-se de 282
artigos e está gravado numa estela, descoberta em 1901, e conservada no museu
do Louvre, em Paris”. Além de que, “vários de seus preceitos contêm disposições
criminais, o que os torna, em certa medida, uma das primeiras leis penais de
que se possui notícia”.
Porém, neste andar, em virtude de o número de
infratores ser grande, as sociedades estavam ficando deformadas, em razão da
perda de membro, sentido ou função, que o direito talional desencadeava.
Momento em que evoluiu para a composição,
embasada na possibilidade que o criminoso detinha de comprar sua liberdade, libertando-se
do castigo. Este meio de agir compreende um dos antecedentes históricos do
direito à reparação existente no Direito Civil e das penas pecuniárias do
Direito Penal.
Neste percurso histórico em que a sociedade
moveu-se, atingiu o ponto em que o Estado organizou-se e decidiu tomar para si
“o poder-dever de manter a ordem e a segurança social, surgindo a vingança pública, que nos primórdios,
manteve absoluta identidade entre o poder divino e poder político”, como
demonstrou Bitencourt (2012, p. 86). O objetivo basilar desta forma de ação era
a garantia da segurança do soberano, através da sanção penal, caracterizada por
requintes de crueldade e desumanidade, imperiosos nesta época histórica. O
aspecto religioso ainda era marcante e utilizado como justificativa para a
manutenção do poder do soberano. Como exemplo, pode-se utilizar a Grécia que
era comandada em nome de Zeus.
O aspecto religioso foi superado através do
pensamento filósofo, tendo como seu precursor Aristóteles que prolatou sobre a
necessidade do livre-arbítrio, o qual se prestou como um embrião para a
culpabilidade, que da firmação no solo filósofo se transportou para o plano
jurídico. Platão, através das Leis
desencadeou na observância da finalidade das penas como forma de promover a
defesa social, ainda traçada com detalhes de rigorosidade. Na Roma Antiga, a
junção entre religião e direito percorreu um longo trajeto histórico, mas ainda
assim, foi pioneira em promover sua separação.
De forma ampla foi possível demonstrar que
desde os tempos remotos o direito penal se caracterizou na proteção do mais
forte, o que desencadeou em movimentos de estudiosos em busca da aplicação da
razão e da humanidade nas sanções, visando abandonar o teor cruel e sangrento
das penas, afastando da aplicabilidade os castigos corporais e a pena capital.
O direito foi construído “como um instrumento
gerador de privilégios, o que permitia aos juízes dentro do mais desmedido
arbítrio, julgar os homens de acordo com sua condição social”, conforme elucida
Bitencourt (2012, p. 95), foi o século XVIII que trouxe a chave para libertar
os homens deste espírito vingativo das antigas concepções arbitrárias,
defendendo a liberdade dos seres humanos e a promoção da dignidade da pessoa
humana, fortificando as correntes iluministas e humanitárias.
A pretensão era trazer a proporcionalidade
para o plano prático, enfatizando na razoabilidade entre a sanção e o delito
cometido, “devendo-se levar em consideração, quando imposta, as circunstâncias
pessoais do delinquente, seu grau de malícia e, sobretudo, produzir a impressão
de ser eficaz sobre o espírito dos homens, sendo, ao mesmo tempo, a menos cruel
para o corpo do delinqüente”, no entendimento de Bitencourt (2012, p. 95). Estas
idéias atingiram seu ápice através da Revolução Francesa, o que ocasionou na
reforma do sistema punitivo.
3. DA
PROTEÇÃO INTERNACIONAL PARA O ABRIGO NACIONAL CONTRA AS ILICITUDES PENAIS
Não há como escrever sobre o direito penal
sem antes, espiar as diretrizes estabelecidas nos principais documentos
jurídicos existentes, diante disto, iniciar-se-á através da analise sobre a
temática trazida na Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, a
qual assevera que “a ignorância, o esquecimento e o desprezo dos direitos do
homem” são as causas de todos os males que recaem sobre a sociedade, por isto o
imperativo de declarar em um documento todos os direitos inalienáveis e
imprescindíveis aos seres humanos, de forma que possam ser lembrados permanentemente
sobre os direitos e deveres que a condição de pessoa humana lhes impõe, de maneira
a promover a “felicidade geral”.
O 1° artigo destaca o direito a liberdade e
igualdade inerente a todos os seres humanos; o art. 2° faz expressão sobre a
finalidade de conviver em sociedade fato este que embasa o direito de auferir
liberdade, propriedade, segurança e resistência a opressão; o art. 3° expressa
a nação como soberana, enfatizando que todo o ato deve respeitar suas
diretrizes; o art. 4° destaca que a liberdade compreende em respeitar os
direitos do próximo, e o art. 5° destaca que as pessoas só são obrigadas a
fazerem o que decorrer de lei, e tudo que emanar de lei será observado em razão
de sua benevolência para com a sociedade, visto que, conforme o art. 6°, a lei
compreende a expressão da vontade geral, já o art. 7° delimita que toda
execução de pena, acusação, ou limitação de liberdade deve provir de lei e em
acordo com suas expressões previamente estabelecidas.
O art. 8° robustece este entendimento ao descrever
que “a lei apenas deve estabelecer penas estrita e evidentemente necessárias e
ninguém pode ser punido senão por força de uma lei estabelecida e promulgada
antes do delito e legalmente aplicada”, ou seja, abre precedentes para o
princípio da reserva legal, o art. 9° expressa o princípio da presunção da
inocência e da proporcionalidade ao definir que “todo o acusado é considerado
inocente até ser declarado culpado e, se julgar indispensável prendê-lo, todo o
rigor desnecessário à guarda da sua pessoa deverá ser severamente reprimido
pela lei”, em seguida, através do art. 10°, assevera-se o direito a
manifestação de opinião ao defender o direito de manifestar-se desde que “não
perturbe a ordem pública”, logo, o art. 11° robusta este entendimento obstando
os abusos através deste meio.
No art. 12° define-se que a força pública
provem de todos, e a sociedade alicerça-se através desta força, através da qual
os direitos e deveres do homem são aplicados; o art. 13° destaca a necessidade
de participação de todo o povo, como forma de manter esta força pública ativa;
no art. 14 verifica-se que é direito de todos os cidadãos a fiscalização do
emprego da força pública e da cobrança de resultados de sua aplicação,
fortificado pelo art. 15 que assegura o direito à cobrança em relação à
manifestação da força pública. O art. 16 garante que para que um Estado possua
uma Constituição esta deve assegurar a garantia dos direitos e a separação dos
poderes e encerra através do art. 17 garantindo o direito a propriedade.
Outro documento internacional indispensável
para este estudo compreende a Declaração Universal dos Direitos Humanos de
1948, proclamada pela Assembléia Geral das Nações Unidas, a qual elenca a
dignidade da pessoa humana como fator condicionante para a edificação da
família humana e de seus direitos inalienáveis, levantando a bandeira da
“liberdade, da justiça e da paz no mundo”, pretendente a resgatar o espírito de
humanidade nos corações das pessoas como meio de garantir uma vivencia a salvo
de temor e das necessidades físicas e psicológicas enfrentadas no calor dos
campos de batalhas.
Visando empregar o uso da lei formal como
meio de resguardar a humanidade das arbitrariedades e atrocidades cometidas à
luz do sol em revoluções, campos de concentração e guerras, promovendo o
desenvolvimento das nações harmoniosamente, visando o progresso social e a
melhoria das condições de vida da família humana. Esta declaração propende ser
promovida em caráter internacional, pretendente a unificação da humanidade, de
maneira a instituir um convívio pacífico entre os povos, fundamentados através
dos mesmos princípios e deveres, protegidos pelas mesmas leis.
Assim o art. 1° expressa a igualdade entre os
homens em dignidade e direitos e o imperativo de agirem uns com os outros através
do princípio da fraternidade; o art. 2° sobreleva este direito à igualdade; o
art. 3° esculpe o “direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal”; o art.
4° proíbe a escravidão; o art. 5° proíbe a tortura e o tratamento e castigo
cruel, desumano ou degradante; o art. 6°
fornece o direito a todo homem de ser reconhecido em sua condição de pessoa
onde quer que se encontre; o art. 7° reforça o direito à igualdade; o art.
8° trás a proteção dos direitos e garantias do homem através dos tribunais; o art.
9° encerra o direito de que ninguém seja preso, detido ou exilado de forma arbitraria;
o art. 10° esculpe o direito ao devido processo legal, ao definir que “todo
homem tem direito, em plena igualdade, a uma justa e pública audiência por
parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir de seus direitos e
deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ele”.
O art. 11 trás o princípio da presunção da
inocência e da reserva legal, destacando o direito do homem de ser considerado inocente
até prova em contrário, e o direito de responder apenas ao que estiver prescrito
em lei no tempo da ação ou omissão; o art. 12 carrega a proteção contra
interferências e ataques à honra e a reputação, bem como, fornece proteção a
vida privada e familiar do indivíduo. O art. 13 municia o amparo do direito a
locomoção; o art. 14 trás o direito ao asilo; o art. 15 esculpe o direito a
nacionalidade; o art. 16 trás a proteção da família e do matrimônio. O art. 17
abraça o direito a propriedade, no art. 18 vem expresso o direito “à liberdade
de pensamento, consciência e religião”, reforçado pelo art. 19 que carrega o
direito “à liberdade de opinião e expressão”; o art. 20 trás o direito à
reuniões e associação.
O art. 21 esculpe o direito da participação
popular na esfera pública, instante em que o poder soberano se estabelecerá
através da vontade popular, expressa por intermédio do sufrágio universal, através
do voto. O art. 22 aborda o direito à segurança social e a realização social em
conformidade com as diretrizes que o princípio da dignidade humana irradia; o
art. 23 embasa o direito ao trabalho digno, reforçado através do art. 24 que
abraça o direito ao repouso e a uma jornada de trabalho digna; o art. 25 trás o
direito a todo homem de usufruir de um padrão digno de vida.
O art. 26 carrega o direito à educação, e o
art, 27 trás o direito a participação comunitária. Já o art. 28 abraça o direito a uma ordem social onde todos os direitos
dos homens possam ser efetivados em sua plenitude, para isto, o art. 29 salienta sobre o imperativo de que
todos os homens cumpram com seus deveres como seres humanos, asseverado
pelo último artigo deste documento expresso através do art. 30 que expressa à
proibição de que esta carta de leis seja utilizada por qualquer nação como meio
de suprimir direitos.
Ratificada pelo Brasil em 1992, através do
Decreto n° 678/92, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos de 1969 (Pacto
de São José da Costa Rica) define o imperativo de garantir a liberdade pessoal
e a justiça social a todos os povos, fundado no respeito ao ser humano,
reconhecendo que os direitos que protegem o homem não decorrem de sua
nacionalidade, mas sim, de sua condição de ser humano, o que o coloca em
igualdade em direitos e deveres para com seus semelhantes, reiterando a
necessidade de garantir os direitos econômicos, sociais, culturais civis e
políticos dos seres humanos.
Esta declaração torna obrigatório aos Estados
participantes da mesma o respeito pelos direitos do homem (art. 1°), adotando
as medidas legais internas necessárias para garantir este respeito (art. 2°),
trás no art. 4° o reconhecimento do direito à vida, e no art. 5° o direito à integridade pessoal, (aqui incluída a
física, psíquica e moral), o art. 6° trás a proibição da escravidão e da
servidão, robustecido pelo art. 7° que abraça a proteção à liberdade
individual, e o art. 8° expressa as garantias judiciais. Encontra-se no art. 9°
o princípio da legalidade e da retroatividade da lei mais benéfica, o que
denota que a pessoa seja julgada conforma a lei em vigor e se após o julgamento
outra lei mais benéfica entrar em vigor esta retroagira, beneficiando o mesmo,
porém o contrário não ocorre.
O art. 11 trás a proteção da honra e da
dignidade; o art. 17 abraça a proteção à família; o art. 21 assevera o direito
à propriedade privada, enquanto o art. 21 esculpe o direito a circulação e a
residência; o art. 24 destaca a liberdade frente à lei e o art. 25 trás a
proteção judicial. O art. 26 visa o desenvolvimento progressivo, ao descrever
que todos os estados devem contribuir para proporcionar vida progressiva aos
seus cidadãos. No art. 32 vem descrito que deverá haver correlação entre
direitos e deveres, ou seja, para que se possa usufruir de direitos é
necessário que as pessoas cumpram com seus deveres cívicos e morais, empregando
uma contraprestação pelo direito auferido.
No art. 33 vem expressa a proteção
internacional dos direitos e deveres do homem que compreendem os órgãos da
Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Corte Interamericana de
Direitos Humanos, os artigos que seguem o art. 33 definem o funcionamento
destes órgãos – este documento possui 82 artigos – todos abordando a necessidade
de elevar a condição da vida humana, através da dignidade, de maneira unificada
entre os estados, pretendentes a edificação da família humana. O que estas
disposições possuem em comum é o caráter humanitário, seu elemento basilar é a
dignidade da pessoa humana e a busca pelos ideais de justiça e de convivência
fraterna.
No que tange ao positivismo nacional é
possível dizer que o mesmo originou-se através das Ordenações do reino de
Portugal, estando aí, as fontes primitivas da herança jurídica nacional. As
últimas a vigerem em terrae brasilis[4]
foram as Ordenações Filipinas, que regiam, também, a temática criminal. Detinha
como características a promoção da intimidação por meio do terror, tanto que a
maioria dos artigos encerrava-se com a frase morra por ello[5], havia
uma confusão entre crime, moral e pecado, por exemplo, o caso de adultério
tinha como punição par a mulher adúltera à morte, e o marido da mesma era sancionado
a usar uma capela de chifres. Algumas penas eram impostas por simples vontade do
julgador, por simples arbítrio seu, havia uma grande desigualdade de tratamento
entre os delituosos, o texto legal possuía 146 títulos, no entanto não havia
uma parte geral, o que dificultava o seu entendimento, havia uma grande
aglutinação de normas penais e processuais, os textos das leis eram
desorganizados.
Com o Código Criminal do Império de 1830
ocorreu um avanço no direito penal brasileiro, instante em que os faróis do
Iluminismo guiaram a saída dos brasileiros da Idade das Trevas, momento em que o
Brasil engatinhava como nação (dava seus primeiros passos), diante disto, a
elaboração de uma legislação criminal própria tornou-se singular, por
representar uma ruptura com a dominação colonial, e uma adaptação do direito
aos moldes das idéias e doutrinas da época modernizada, conforme recorda
Estefam e Gonçalves (2012, p. 241), de acordo com os autores este código teve
como características (2012, p. 244):
·
A indeterminação relativa da pena e a
exigência de sua individualização;
·
Regulamentação da concorrência delitiva;
·
Previsão da atenuante da menoridade relativa,
até então desconhecida na legislação estrangeira;
·
A responsabilidade sucessiva, nos crimes de
imprensa, antes da lei belga, apontada como pioneira nesse sentido;
·
A indenização do dano ex delicto como
instituto de direito público;
·
A imprescritibilidade da condenação;
·
A criação do sistema do dia-multa;
·
A clareza e a
concisão de seus preceitos.
Apesar de inovar em diversos sentidos, este
código, não detinha perfeição, falhando, por exemplo, em não estabelecer uma
definição de culpa e encerrando por ser substituído pelo Código Penal de 1890,
visto que com a Proclamação da República no ano de 1889, foi necessário efetuar
uma reformulação no direito pátrio de forma a evidencia a ruptura entre o
Estado e a Igreja, modificando a forma de governo e abolindo a escravatura, no
entanto a promulgação do código foi célere demais para todas as modificações
que precisavam ser feitas e o reflexo disto foram às inúmeras tentativas de
reformulação que prosseguiram sua publicação, resultando na Consolidação das
Leis Penais, a qual compilou o referido código e suas alterações posteriores.
Até que em 1° de janeiro de 1942 entrou em
vigor o atual Código Penal de 1940 (publicado em 07 de dezembro de 1940), o
qual conciliou o pensamento clássico e o positivismo, contendo em si a
finalidade retributiva e preventiva, abolindo o sistema duplo binário,
sancionando com medidas de segurança os crimes impossíveis, traçando a
participação impunível. O mesmo foi reformado em 1984 visando trazer a
ressocialização para o plano formal, depois desta reforma ocorreram mais de
trinta modificações no código visando sua atualização, como exemplo, pode-se
citar a Lei dos Crimes Hediondos (Lei n° 8.072/90), o mesmo é dividido em duas
partes (geral e especial).
O ponto principal deste
estudo compreende analisar o uso da legítima defesa para proteger a propriedade
como um meio de segurança para as vítimas, de maneira a afirmar a dignidade da
pessoa humana no pólo passivo.
Diante disto verifica-se
que a proteção da propriedade encontra-se afirmada na Constituição Federal de
1988, através do caput do art. 5°,
sendo estabelecida como cláusula pétrea e direito fundamental de todas as
pessoas, embasando este direito como inviolável, sendo garantida no folhear
deste artigo expressamente no seguinte teor: “XXII – é garantido o direito de
propriedade”, vindo a ser esculpida após no art. 170 como princípio geral da
ordem econômica, disposta da seguinte forma: “a
ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre
iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames
da justiça social, observados os seguintes princípios, II - propriedade
privada; III - função social da propriedade.”
Já a dignidade da pessoa
humana compreende pedra edificante desta forma de estado, fundamentando a
existência da forma democrática de direito no art. 1°, inc. III da CF,
garantindo aos seres humanos uma vida plena, consubstanciada em mais que
simplesmente subsistir, mas em viver de forma digna. Salienta-se que no
decorrer do artigo quinto, estão elencados em seus 78 incisos todos os direitos
penais já referidos, por este motivo, não serão repetidos, porém o inciso XI
interessa ao texto por definir que “a casa é
asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento
do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar
socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial”.
Consoante
a isto o Código Penal estabelece no art. 23 que não haverá crime quando for
praticado por agente em legítima defesa, fato este que remete o estudioso a um entrave,
pois até que ponto é proporcional o uso da legítima defesa no que se refere ao amparo
da propriedade? Este ponto será discutido no próximo item.
4. A
LEGÍTIMA DEFESA COMO FERRAMENTA DE PROTEÇÃO ÀS VÍTIMAS
Conforme o art. 23 do Código Penal vigente
não haverá crime caso o agente pratique o fato em legítima defesa, trata-se de
uma exclusão de antijuridicidade, a mesma consubstancia-se caso o agente tenha
consciência de estar agindo acobertado por esta causa de justificação, ademais
o animus vingativo afasta a sua
aplicação, é preciso que o indivíduo esteja agindo com animus defendendi, a conduta deverá ser proporcional ao agravo,
sendo que o excesso sempre será punível, seja ele doloso ou culposo, conforme
descreve Bitencourt (2012, p. 338/341).
Adiante, no folhear deste livro de direitos
encontrar-se-á a tipificação desta excludente de culpabilidade, através do art.
25, que trás em seu corpo o entendimento de que configurará a legítima defesa o
agente que “usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta
agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”, a mesma possui um
duplo fundamento, visto que pretende defender bens jurídicos de possíveis
agressões e defender a própria sistemática jurídica da afetação de agressões
ilegítimas. Esta causa excludente de culpabilidade justifica-se em decorrência
da perturbação do ânimo do agredido e nos motivos que determinaram o sujeito, a
legítima defesa compreende um direito da pessoa e, também, causa de
justificação. Constituem seus requisitos, conforme Bitencourt (2012, p. 358)
que a agressão seja “injusta,
atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”.
a)
agressão injusta, atual ou iminente: a agressão embasa a conduta humana com capacidade para lesar ou por
em perigo um bem ou interesse protegido pelo direito; será injusta a agressão
que não estiver acobertada pelo ordenamento jurídico; a mesma deve ser, também,
atual ou iminente, ou seja, aquela que está acontecendo ou que está prestes a
acontecer. Não se configura contra agressão passada ou futura.
b)
direito próprio ou alheio: a
legítima defesa defende qualquer bem jurídico seja pessoal ou impessoal. “Assim,
pode-se classificá-la em: legítima
defesa própria, quando o repelente da agressão é o próprio titular do bem jurídico ameaçado ou atacado; e legítima
defesa de terceiro,
quando objetiva proteger interesses de outrem”, nas palavras do autor (2012, p.
259).
c)
meios necessários usados moderadamente: é preciso que esta ação obedeça aos “limites da necessidade e da
moderação”, pois “a configuração
de uma situação de legítima defesa está diretamente relacionada com a intensidade da agressão, com a
periculosidade do agressor e
com os meios de defesa disponíveis”. Necessários compreendem os meios
suficientes e indispensáveis para a execução da defesa. O uso moderado dos
meios se caracteriza na proporcionalidade em que é realizado o ato, na
intensidade da agressão e na forma e meios usados, não ultrapassando os limites
da necessidade.
d)
elemento subjetivo: “animus
defendendi[6]”:
embasado como um requisito subjetivo, enquanto os anteriores eram objetivos.
Desta forma “a legitima defesa deve ser objetivamente
necessária e subjetivamente orientada
pela vontade de defender-se” (2012, p. 360), o propósito de defender-se é o que
legítima o uso desta ação, que se usada de outro modo, seria desautorizada pelo
Direito. Conforme decisões jurisprudenciais, a legitima defesa se configura
através da “presença simultânea de determinados requisitos, quais sejam,
agressão injusta, atual ou iminente; direito próprio ou alheio; uso moderado
dos meios necessários e animus defendendi”[7].
Entendimento este reforçado através do Tribunal de Minas Gerais que define que
“para a caracterização da legítima defesa é imprescindível que haja o dolo de
defender-se”[8].
Em
continuidade, o delito de violação de domicílio encontra expressão no art. 150,
que se configura no fato de o agente “entrar ou permanecer, clandestina ou
astuciosamente, ou contra a vontade tácita ou expressa de quem de direito, em
casa alheia ou em suas dependências”, em conformidade com o inc. XI, do art. 5°
da CF que dispões que “a casa é asilo inviolável do indivíduo”, o ordenamento
jurídico pretende abrigar a segurança, privacidade e a paz no lar do indivíduo,
ou seja, sua tranquilidade. Refere-se a um crime de ação múltipla, que se
configura através dos verbos, entrar,
ou permanecer. No primeiro verbo o
agente entra sem permissão, no segundo ele permanece contra a vontade de quem de direito (não precisa ser
proprietário), sendo que se o crime for cometido por meio do emprego de
violência ou de arma, incidirá em qualificadora (§1°). Neste sentido, a entrada
do meliante pode ocorrer:
a) clandestina: quando realizada
às ocultas, às escondidas, sem que o morador tome conhecimento;
b) astuciosa: quando o agente
emprega algum artifício, fraude, ardil para induzir o morador em erro, obtendo,
com isso, o seu consentimento para adentrar ou permanecer na habitação (p. ex.,
o indivíduo se traveste de operário de uma
empresa telefônica);
c) ostensiva: quando a entrada
ou permanência é realizada contra a vontade expressa ou tácita de quem de
direito. O agente, nessa hipótese, pode utilizar-se de violência contra o morador.
Este, por sua vez, pode manifestar a sua contrariedade
por palavras, gestos, atos, ou por
escrito. A manifestação pode também ser tácita, por exemplo, o silêncio, de
acordo com as circunstâncias concretas, pode perfeitamente demonstrar o
dissenso da vítima. Saliente-se que o silêncio do morador por si só não presume
o seu dissentimento quanto à entrada ou permanência de outrem em sua habitação.
(CAPEZ, 2012, P. 489). (Grifos do original).
O sujeito passivo será a pessoa titular do
direito de admitir ou reprimir a entrada de alguém no ressinto privado, não
importa se o objeto seja arrendado ou locado, posto que a proteção legal
enseja-se sobre a quem ocupa o espaço e não ao titular da propriedade, visto
que a tutela protege o direito à tranquilidade e segurança do espaço doméstico,
“e não o direito à posse ou a propriedade”. Por casa deve ser entendimento qualquer compartimento habitado,
inclusive a móvel destinada à moradia, como o caso de iates ou trailers, por exemplo; protegem-se,
também, os aposentos destinados a ocupação coletiva e os compartimentos não
abertos ao público, onde se exerce profissão ou atividade, como no caso de
escritórios de advocacia, consultórios médicos e etc. Pela locução dependências da casa Hungria (apud CAPEZ, 2012, p. 491/492) define o
local em que:
[...] são um complemento da casa de
moradia, ainda que não estejam materialmente unidos a esta: pátios, quintais,
celeiros, adegas, garagens, estrebarias, caramanchões, jardins, etc. É preciso
que tais lugares estejam cercados ou participem de recinto fechado, pois, do
contrário, não estará indicada a vontade de excluir o ingresso de estranhos.
Cumpre, além disso, que a casa de moradia propriamente dita e os ditos lugares
formem um conjunto lógico, uma conexão de principal e acessório, de tal modo
que a lesão deste repercuta sobre aquele”. Assim, os jardins de uma casa que
não esteja cercada ou murada não constituem recinto fechado, e, portanto, não
são objeto da proteção penal.
Trata-se de crime comum, que pode ser
praticado por qualquer sujeito – inclusive o proprietário do imóvel, quando
este se encontrar legitimamente com terceiro, no caso de locação, por exemplo
-, contra quem de direito (sujeito
passivo), o elemento subjetivo é o dolo, isto é, a vontade livre e consciente
de “entrar ou permanecer em casa alheia ou em suas dependências, sem o
consentimento de quem de direito”, o sujeito deve saber que sua entrada ou
permanência é vedada no ambiente. Este crime se consuma com a mera conduta de
entrar ou permanecer. Atua em excludente de ilicitude o agente que entrar acobertado
pelo manto constitucional do inc. XI, art. 5° da CF, isto é, em casos de desastre ou para prestar socorro.
O crime se qualifica sempre que for praticado
nos moldes do §1°, definido como “durante a noite, ou em lugar ermo, ou com o emprego de violência ou de
arma, ou por duas ou mais pessoas”. Merece destaque um julgado do Tribunal do
estado do Rio Grande do Sul que sanciona o cometimento do delito em comento:
RECURSO CRIME. VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO. ART 150,
"CAPUT", DO CP. TIPICIDADE DA CONDUTA. SENTENÇA CONDENATÓRIA MANTIDA.
1- Réu que entra clandestinamente em casa alheia e ali permanece contra a
vontade do morador, comete a infração prevista no art. 150 do CP, merecendo a
reprimenda penal. 2- O crime em comento é de mera conduta, sendo suficiente
para sua configuração que o agente entre em residência alheia de maneira
clandestina, sem autorização ou contra a vontade da vítima, não se exigindo,
ainda, dolo específico. 3- O reconhecimento da agravante da reincidência não
configura bis in idem, apenas conferindo maior censurabilidade à conduta do
agente que reitera na prática criminosa. RECURSO IMPROVIDO. (Recurso Crime Nº
71004213237, Turma Recursal Criminal, Turmas Recursais, Relator: Cristina
Pereira Gonzales, Julgado em 15/04/2013)[9].
Em decisão da Terceira Câmara Criminal do
Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, um indivíduo foi condenado por invadir
domicilio alheio, arrombando a porta da vítima (sua ex-companheira, em razão de
ciúmes), portando facas, apresentando sinais de embriaguez, conforme relato
policial, instante em que o sujeito ativo chamou os policiais militares de
“merdas” e quebrou o vidro da viatura[10],
sendo, por todos estes delitos, condenado pelo magistrado. Ocorre que, conforme
Capez a violação de domicílio compreende um crime subsidiário, visto que toda
vez, “que servir como meio para executar crime mais grave, o crime meio será
absorvido pelo crime-fim”.
Diante disto, nos casos em que um sujeito
entrar ou permanecer em casa alheia ou em suas dependências, contra a vontade de quem de direito, incorra nos crimes
de furto, roubo, lesões corporais, estupro, constrangimento ilegal ou homicídio
o crime de invasão de domicílio será absorvido pelos crimes-fins, caso o agente
somente tente praticar o crime-fim e não logre êxito ele responderá pelo
crime-fim em sua forma tentada, caso o mesmo desista da prática do crime-fim,
responderá pelos atos até então praticados, no lecionar de Capez (2012, p. 501).
Verifica-se, então, que o crime de invasão de domicílio é um dos mais comuns,
porém, apenas não possui tantos julgados em função de sua absorvição através
dos crimes-fins.
Por este motivo, o deputado Jair Bolsonaro, apresentou
à Câmara dos Deputados o Projeto de Lei n° 7.104/14, pretendente a tipificar a
legítima defesa a agressão praticada contra quem invadir domicílio ou
residência, o objetivo deste tipo delitivo é inibir a entrada ou permanência de
agentes estranhos ou contra a vontade de quem
de direito em seus domicílios, proporcionando mecanismos inibitórios à
criminalidade, cientificando, de antemão, aos meliantes que costumam invadir
residências que poderão, inclusive, ser mortos por quem legitimamente habita a
residência.
A justificativa deste projeto compreende o
fato de que muitas vezes a prática da legítima defesa acaba sendo considerada
como “excessos” no judiciário, ocasionando transtornos a quem estava,
simplesmente, defendendo seu direito, afinal, o indivíduo que entra ou
permanece em casa alheia contra a vontade de
quem de direito com certeza não está agindo desta forma com boa intenção,
no mínimo pretende extrair a tranquilidade do lar, ou, cometer delitos mais
graves, como estupros ou homicídios, por exemplo.
A questão em voga, que esta sendo estudada
pelos estudiosos criminalistas, é que os delituosos não possuem discernimento
quanto ao fato de que ser detentor de direitos lhe acarreta em deveres cívicos
para com sua sociedade, como a própria DUDH expressa no final de suas
diretrizes, visto que, os meliantes atuam comumente, como se detivessem apenas
direitos para si e deveres para os outros. O manto dos direitos humanos
adentrou no solo pátrio para trazer humanidade às pessoas, porém, está sendo
deturpado e ocasionando uma inversão de valores na sociedade, onde o criminoso
está sendo mais beneficiado, inclusive por meio da prática do crime, do que a
vítima do delito.
Os advogados criminalistas possuem o dever
ético de serem parciais, em razão de que são pagos para defenderem a pessoa que
lhe pede abrigo, no entanto, em que situação fica a vítima do delito que muitas
vezes, do pólo passivo passa para o pólo ativo, vitimizando-se ainda mais,
primeiro por ter que ver sua vida particular exposta a estranhos através do
judiciário, segundo, porque de agredida passa a agressor, tendo que defender-se
judicialmente, por ter sido alvo de um delito, afinal se alguém adentrar em uma
residência, antes de o sujeito passivo agir deverá indagar ao invasor quais são
seus objetivos no que se refere aquele ambiente e procurar agir dentro da
proporcionalidade para com o mesmo, correndo, inclusive risco de vida,
aparentemente, o direito requer uma racionalidade das vítimas que ele não
reclama dos criminosos.
Cresce no âmbito social uma inversão de
valores desmedida, visto que os criminosos encontram-se muito mais conscientes
de seus direitos (e nunca de seus deveres) do que a pessoa comum, e por isto,
sabem maquiar suas artimanhas delitivas muito mais que o homem comum sabe
defender-se das mesmas, desta forma, a sociedade urge por socorro, sob pena de
sucumbir nas mãos criminógenas.
Os advogados criminalistas buscam amparo na
dignidade da pessoa humana para proteger os criminosos do gélido sistema
carcerário, alegando que o próprio não possui capacidade ressocializadora, nem
encontra suporte no princípio da dignidade humana, no entanto, que dignidade
existe na vida de um ser humano que vive às custas do crime? Que dignidade
detém uma pessoa que não pode apresentar-se socialmente, devido à grande
diversidade criminal que cometeu?
Este estudo não enseja, com isso, dizer que a
pessoa por ter cometido um delito deve ser retirada da sociedade, pelo
contrário, acredita-se na necessidade de humanizá-la para o convívio social,
conscientizando-a de seus deveres para com os demais, clarificando-a sobre o
fato de que todas as pessoas são iguais em direitos e deveres, elucidando-a
sobre o direito de ser pessoa que
todos possuem, e não apenas ela.
Se através do atual sistema criminal os
delituosos encontram-se desassistidos, analisar-se-á em que patamar de
desamparo se encontram as vítimas destes delituosos, em virtude de que se para
os delinqüentes o sistema carcerário não recupera e não ressocializa, então,
que garantias assistem às vítimas este sistema criminal falho? A discussão é
longa e os problemas serão resolvidos aos poucos, porém, esta questão não pode
ser deixada ao abandono, é necessário que a sociedade cobre e fiscalize as
ações de seus representantes, buscando soluções para seus problemas sociais.
5. CONCLUSÃO
Este estudo baseou-se na busca pelo
entendimento legal, doutrinário e jurisprudencial sobre a possibilidade de
utilizar-se da excludente de culpabilidade, compreendida na legítima defesa, de
forma a afastar as possibilidades de invasão domiciliar, e com isto, manter a
tranquilidade do lar.
Foi efetuada uma viagem histórica em busca da
afirmativa do direito penal no tempo e no espaço, instante em que foram
descritos os mais importantes passos históricos dos antepassados humanos e suas
expressões jurídicas mais consagradas, partindo do âmbito internacional para o
plano nacional.
Este estudo findou através da conclusão de
que os direitos e garantias fundamentais estão sendo usados mais em benefício
do sujeito ativo (criminoso) do que das vítimas, transmitindo a sociedade a
ideia de inversão de valores em que o delituoso é mais protegido, neste espaço,
do que a própria vítima, alicerçados através da proteção do manto da dignidade
humana, no sentido de que, os delinqüentes, possuem cada vez mais consciência
de seus direitos e menos entendimento sobre seus deveres, ou seja, estão esquecendo
que para viver em sociedade é preciso estar disposto a respeitar a todos como
pessoa humana.
REFERÊNCIAS
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em: http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/SEGURANCA/474253-PROJETO-CONSIDERA-LEGITIMA-DEFESA-AGRESSAO-A-INVASOR-DE-DOMICILIO.html. Acesso em 16
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[1] Advogada
não militante; Graduada em Direito; Autora do Blog Direito em Estudo; Autora do
livro A promoção dos Direitos Humanos
Fundamentais através da Polícia Militar; Articulista assídua em diversas
revistas jurídicas; Pesquisadora na área de direito militar, segurança pública
e direito ambiental.
[2] Tradução: Onde está à sociedade
aí está o direito.
[3] Estátuas em formas de animais ou
vegetais.
[4] Tradução: terras brasileiras.
[6] Tradução: ânimo de defender-se.
[7]TJRJ, Apelação
2007.050.02851,Rel. Alexandre H. Varella, j. 6-9-2007).
[9]TJ-RS
- RC: 71004213237 RS, Relator: Cristina Pereira Gonzales, Data de Julgamento:
15/04/2013, Turma Recursal Criminal,
Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 16/04/2013.
[10]TJ-RJ - APL: 00053132020148190042
RJ 0005313-20.2014.8.19.0042, Relator: DES. PAULO SERGIO RANGEL DO NASCIMENTO,
Data de Julgamento: 18/08/2015, TERCEIRA CAMARA CRIMINAL, Data de Publicação:
01/09/2015 14:54.