sábado, 28 de novembro de 2015

Modelo de Embargos à Execução

EXCELENTÍSSIMO SR° DR° JUIZ FEDERAL DA ____ VARA FEDERAL DA SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE RANCHO QUEIMADO – SEÇÃO JUDICIÁRIA DE ..............


Distribuição por dependência à Execução Fiscal nº …



                                 LIVINA MARIA ANDRADE, nacionalidade, estado civil, agricultora, inscrita sob o CPF n° ………., e RG n° …………, residente e domiciliada na Rua ……., n° ……., Bairro ……., Município e Comarca de Rancho Queimado/ESTADO, CEP ………, por sua advogada que esta subscreve, vem, com fundamento no artigo 16, da Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980, opor seus competentes e tempestivos


E M B A R G O S   À   E X E C U Ç Ã O


movida pelo MUNICÍPIO DE RANCHO QUEIMADO/ESTADO DE, pessoa jurídica de direito público, inscrita no CNPJ n°, representada pelo Prefeito Municipal Sr° ……., chefe do poder executivo, (qualificá-lo)  com endereço funcional na Rua …….., n.º ….., Bairro ………, Cidade e Comarca de …………../Estado…., CEP…….,  em face da embargante, com relação a Certidão de Dívida Ativa nº …, pelos motivos de fato e de direito a seguir expendidos e que demonstrarão que os referidos débitos não merecem subsistir.


I – DA GARANTIA DO DÉBITO E DA TEMPESTIVIDADE DESTES EMBARGOS À EXECUÇÃO

Veja Excelência que os embargos são tempestivos, posto que cumpre  o requisito do art. 16, inc. III, §1° da Lei n° 6.830/80, que define que “o executado oferecerá embargos, no prazo de 30 (trinta) dias, contados”, III da “intimação da penhora”.

Verificado que a Sra. Livina teve seus bens penhorados na data de 10/07/2010, dando, então, por garantida a execução e por este motivo cumprindo também com o requisito do parágrafo 1º do art. 16 da Lei 6.830/80.

Ou seja, razão assiste para a apreciação do pleito.


II – SÍNTESE DOS FATOS

(Transcrever os fatos).


III – DO MÉRITO

Conforme encontra-se lapidada na Lei n° 5.172/66 (CTN), art. 38 “a base de cálculo do imposto é o valor venal dos bens ou direitos transmitidos”, portanto, razão não assiste na cobrança das diferenças no valor do ITBI alegada pelo órgão público.

Como forma de robustar a legitimidade desta lei, é que a jurisprudência do STJ pacifica-se, através de suas reiteradas decisões admitindo que, na hipótese de hasta pública, o preço da arrematação (e não o da avaliação) reflete o valor venal do imóvel e, portanto, deve ser adotado como base de cálculo do ITBI:

TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA. ITBI. ARREMATAÇÃO JUDICIAL. BASE DE CÁLCULO. VALOR DA ARREMATAÇÃO E NÃO O VENAL. PRECEDENTE. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL DEMONSTRADO. DIREITO LOCAL. SÚMULA 280 DO STF. OMISSÃO – ART. 535, CPC. INOCORRÊNCIA. RECURSO PROVIDO PELA ALÍNEA "C". 1. A arrematação representa a aquisição do bem alienado judicialmente, considerando-se como base de cálculo do ITBI aquele alcançado na hasta pública. (Precedentes: (...). 2. (...) Tendo em vista que a arrematação corresponde à aquisição do bem vendido judicialmente, é de se considerar como valor venal do imóvel aquele atingido em hasta pública. Este, portanto, é o que deve servir de base de cálculo do ITBI. (...) 7. Recurso especial parcialmente conhecido e provido. (REsp 1188655/RS, Rel. Ministro LUIZFUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 20/05/2010, DJe 08/06/2010).

TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE TRANSMISSÃO INTER VIVOS. BASE DE CÁLCULO. VALOR VENAL DO BEM. VALOR DA AVALIAÇÃO JUDICIAL. VALOR DA ARREMATAÇÃO. I - (...) Tendo em vista que a arrematação corresponde à aquisição do bem vendido judicialmente, é de se considerar como valor venal do imóvel aquele atingido em hasta pública. Este, portanto, é o que deve servir de base de cálculo do ITBI. II - Recurso especial provido. (REsp 863.893/PR, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/10/2006, DJ 07/11/2006, p. 277)

TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE TRANSMISSÃO DE BENS IMÓVEIS. BASE DE CÁLCULO. VALOR DA ARREMATAÇÃO. 1. O valor da arrematação é que deve servir de base de cálculo do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis. Precedentes do STJ. 2. Recurso Especial provido. (REsp 1182640/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/04/2010, DJe 20/04/2010).

No que tange à cobrança do IPTU, cabe salientar que o art. 32 do CTN, define o fato gerador que legitima a aplicação do respectivo tributo, consubstanciado nisto é que o art. 15 do Decreto Lei 57/66 expressamente define que “o disposto no art. 32 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966, não abrange o imóvel de que, comprovadamente, seja utilizado em exploração extrativa vegetal, agrícola, pecuária ou agro-industrial, incidindo assim, sobre o mesmo, o ITR e demais tributos com o mesmo cobrados”.

Ora Excelência, encontra-se consubstanciado nos autos que o imóvel da respectiva Executada, possui atividade predominantemente agrícola, como se evidencia através de fotos e Notas Fiscais auferidas da venda dos produtos cultivados, anexas ao processo, e caso o Juízo em questão julgue necessário, poderá diligenciar para que se efetue perícia técnica no imóvel, como forma de comprovar o exposto.

Ademais, conforme decisões do STF, o Estado deve ajustar-se aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade em suas decisões, posto que:

"O Estado não pode legislar abusivamente, eis que todas as normas emanadas do Poder Público – Tratando-se, ou não, de matéria tributária – Devem ajustar-se à cláusula que consagra, em sua dimensão material, o princípio do substantive due process of law (CF, art. 5º, LIV). O postulado da proporcionalidade qualifica-se como parâmetro de aferição da própria constitucionalidade material dos atos estatais. Hipótese em que a legislação tributária reveste-se do necessário coeficiente de razoabilidade." (RE 200.844-AgR, rel. min. Celso de Mello, julgamento em 25-6-2002, Segunda Turma, DJ de 16-8-2002.) No mesmo sentido: RE 480.110-AgR eRE 572.664-AgR, rel. min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 8-9-2009, Primeira Turma, DJE de 25-9-2009.

Veja Excelência que a Lei é límpida ao definir sobre a ilegitimidade na cobrança do tributo, expressamente desclassificando-o para o ITR.

Procurando resguardo no art. 739-A, § 1° do CPC, é que a advogada que lhes subscreve pede efeito suspensivo aos Embargos, em vista da relevância dos fundamentos expostos, bem como, em função de que a execução causará danos à executada de difícil ou incerta reparação, por se tratar de imóvel utilizado para sustento próprio, que garante a subsistência familiar, verificado estar a presente Execução garantida por penhora, e por isto, preenchendo os requisitos da Suspensão.


IV – DOS PEDIDOS

                                   EXPOSITIS, a ora EMBARGANTE requer V Exa. que:

a)      Seja determinada a distribuição dos presentes Embargos à Execução por dependência à Execução Fiscal nº… e, em consequência, a suspensão da mesma;

b)      Proceda com a intimação do embargado (Município de Rancho Queimado) para, querendo, impugnar os presentes Embargos à Execução;

c)      No mérito, determinar a exclusão do aumento na cobrança do ITBI (Imposto de Transmissão de Bens Imóveis) constado na Certidão de Dívida Ativa nº…, eis que o mesmo já foi objeto de recolhimento no montante correto e à época própria, com base no valor arrematado em juízo;

d)     No mérito, determinar a exclusão dos valores relativos ao “IPTU” sobre o valor referente ao capital próprio da Certidão de Dívida Ativa nº…, eis que há erro na leitura do Tributo, por tratar-se de ITR (Imposto sobre a propriedade Territorial Rural) e não de IPTU, em conformidade com a atividade desenvolvida pela Executada;

e)      Uma vez acolhidos os itens “3” e “4”, seja decretada a procedência destes Embargos à Execução, determinando-se a extinção da Certidão de Dívida Ativa nº…. Ademais, quando do trânsito em julgado de sentença favorável seja determinado o levantamento da garantia ofertada perante este D. Juízo para oferecimento dos presentes embargos;

f)       A condenação do embargado em honorários advocatícios na base de 20% (vinte por cento).

g)      Protesta a EMBARGANTE pela produção de todas as provas em direito admitidas, notadamente a prova documental superveniente e pericial, se necessário for.


h)      Consoante o disposto no artigo 39, inciso I, do Código de Processo Civil, requer ainda a AUTORA, sejam todas as notificações, intimações ou publicações atinentes ao feito realizadas em nome de sua advogada ALINE OLIVEIRA MENDES DE MEDEIROS, com inscrição de Ordem n° OAB…

                                   A EMBARGANTE atribui à causa o valor de R$ (Execução Fiscal), que corresponde ao montante do crédito tributário ora questionado.

                                  
                                  
RANCHO QUEIMADO/ESTADO, 25 de julho de 2010.


ALINE OLIVEIRA MENDES DE MEDEIROS
OAB SC…


segunda-feira, 16 de novembro de 2015

O DIREITO À ÁGUA E SUA AFIRMAÇÃO JURISPRUDENCIAL PARTINDO DO SENTIDO DE UM DIREITO HUMANO FUNDAMENTAL


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Resumo: A presente pesquisa pretende analisar o direito à água e sua afirmação jurisprudencial, partindo do sentido de um direito humano fundamental, como uma aposta para a promoção da dignidade da pessoa humana, visando a efetivação dos preceitos constitucionais e a garantia de um mínimo existencial aos cidadãos. No intuito de verificar uma resposta a essa temática, formulou-se o seguinte problema da pesquisa: É possível que a água seja prestada através do judiciário, efetivando os preceitos da dignidade da pessoa humana? Visando a responder ao problema proposto, o trabalho tem por objetivo geral discutir a possibilidade deste bem compreender ou não um direito fundamental. E por objetivos específicos: a) estudar sua importância para a vida humana; b) analisar sua relação com a questão da dignidade da pessoa humana; c) verificar a possibilidade de procurar a prestação e a tutela deste bem, por meio do judiciário. O aprofundamento teórico do estudo pauta-se em pesquisa-bibliográfica, consubstanciada na leitura de diversas obras, apoiando-se em um método dedutivo.
Palavras-chave: dignidade da pessoa humana; meio ambiente; água como direito fundamental; teoria do mínimo existencial.

Summary: This research analyzes the right to water and its jurisprudential statement, based on the sense of a fundamental human right, as a bet for the promotion of human dignity, aiming at the realization of constitutional principles and ensuring an existential minimum citizens. In order to find an answer to this issue, it formulated the following research problem: It is possible that water is provided through the judiciary, effecting the precepts of human dignity? Aiming to respond to the proposed problem, the work has the objective to discuss the possibility of this well understand or not a fundamental right. And following objectives: a) to study its importance to human life; b) to analyze their relationship with the question of human dignity; c) verify the possibility of seeking the provision and protection of this right, through the judiciary. The theoretical deepening of the study is guided in research-literature, based on the reading of several works, relying on a deductive method.
Keywords: human dignity; environment; water as a fundamental right; theory of existential minimum.


1.      INTRODUÇÃO
O respectivo manuscrito retrata o meio ambiente no viés de um direito humano fundamental exigível como cláusula pétrea, porquanto, encontra-se enraizado na dignidade da pessoa humana, sendo desta indissolúvel. Por este motivo, será tratado acerca da visão que a Constituição Federal de 1988 possui acerca deste bem, elucidando sobre seu alcance, suas raízes e delimitações da sombra de seus ramos protetivos.
Para iniciar a discussão sobre o meio ambiente, a água será expressa no sentido de um direito humano fundamental que garante dignidade à vida humana e por este motivo pode ser auferida judicialmente, por estar interligada à questão do mínimo existencial, que nos preceitos de um Estado Democrático de Direito, garante ao homem, mais que o direito de não sucumbir, mas de viver com dignidade.
Esta dignidade somente pode ser alcançada se houver condições que coloque o cidadão em igualdade com seu semelhante, posicionando-o de forma equânime aos demais, garantindo-lhes direitos como a saúde, a higiene, dentre outros, questão esta, que está entrelaçada à disposição da água potável, portanto inegável suas características de direito fundamental e, para tanto, sua exigibilidade por via judicial.

2.      A DEFINIÇÃO DE MEIO AMBIENTE CONFORME OS PRECEITOS DA CARTA MAIOR DE 1988
Ocorre que a Carta Magna de 88 inovou ao trazer a expressão meio ambiente em seu núcleo protetivo, mencionando-a em diversas linhas de seu Caderno de Leis, premiando-a, inclusive com um Capítulo próprio (Capítulo VI), onde dá enfoque explícito à este bem, ao retratá-lo no art. 225, esculpindo em letras douradas no seu caput que, “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”
Por meio da locução todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, extrai-se que o direito ao meio ambiente equilibrado é do conjunto global, abrigando em seu abraço protetivo desde as pessoas, até todo o restante dos seres, principalmente os seres vivos (animais, plantas e etc.), devido ao fato de que “o pronome indefinido todos alarga a abrangência da norma jurídica, pois não particularizando quem tem direito ao meio ambiente, evita que se excluam quem quer que seja”, conforme preceitua Machado (2012, p. 148).
Por tal motivo é que o meio ambiente é um direito transindividual, adentrando a categoria de interesse difuso, irradiando a sombra de seus ramos jurídicos para todos os seres, seja natural, artificial ou cultural, porquanto constitui um direito subjetivo, disponível erga omnes, que por constituir uma totalidade complexa, precisa ser analisado no seu todo, para que seja possível averiguar todas as suas faces, e então, poder atuar no seu corpo, abrigando-o e moldando-lhe em conformidade das necessidades dos seres humanos, porque a irradiação dos raios da Constituição da República Federativa do Brasil espalha-se por todo o território, vinculando a interpretação do discípulo forense, e devido as peculiaridades de cada região, o meio ambiente se transforma e se molda, modificando suas necessidades e possibilidades de ação do homem.
Pode-se afirmar que a “insegurança ecológica” tem-se tornado um dos maiores desafios do Estado Constitucional. “O Direito Ambiental brasileiro se situa na confluência das decisões políticas que implicam, sobretudo na escolha de valores éticos, jurídicos, culturais, econômicos e sociais novos”, em conformidade com Krell (2013, p. 2078), que explana que:

[...] como expressão do princípio da indivisibilidade dos direitos humanos fundamentais, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado estende e reforça o significado dos direitos à vida (art. 5º, caput) e à saúde (arts. 6º e 196 e s.), além da dignidade da pessoa humana (art.1, III), para garantir uma vida saudável e digna a ser vivida que propicie o desenvolvimento humano. (KRELL, 2013, p. 2078).

Assim, o meio ambiente constitui um bem imaterial, que para efetivar-se depende da colaboração de toda a sociedade, partindo dos instrumentos legais e administrativos para o âmbito da solidariedade, por se encontrar no rol de direitos da terceira geração, e estar agarrado ao espírito da fraternidade e da solidariedade, porquanto, “o relacionamento entre o meio ambiente equilibrado e os direitos fundamentais do homem é recíproco: aquele é requisito essencial para a eficácia deste, já que o desenvolvimento da vida humana ocorre ‘ambientalmente’”, como destaca Krell (2013, p. 2078).
Todavia, seu caráter supra-individual, não invalida sua face individual, o que torna imperativo analisar este bem sob estes dois prismas, por constituir expressão de um único ser. Este também é o posicionamento do STF:

[...] os direitos de terceira geração, que generalizam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade.
[...] o direito à integridade do meio ambiente constitui prerrogativa jurídica de titularidade coletiva, refletindo, dentro do processo de afirmação dos direitos humanos, a expressão significativa de um poder atribuído, não ao indivíduo identificado em sua singularidade, mas, num sentido verdadeiramente mais abrangente, à própria coletividade social.[1]

No entendimento de Machado (2013, p. 150) o meio ambiente compreende incontestavelmente um direito fundamental da pessoa humana, devido a sua relação intrínseca com a preservação da vida e da dignidade humana, devido ao fato de que a destruição do meio ambiente influencia a vida dos seres humanos de forma frontal, produzindo reflexos diretos sobre a existência de todos os elementos vivos. Por sua fundamentalidade, este direito possui aplicação imediata (art. 5º, §1°) e o fato de sua hierarquia brotar do solo constitucional, para apenas então, espalhar-se para o restante do ordenamento jurídico, lhe confere posição privilegiada, e lhe insere a possibilidade, inclusive, de anular leis ou atos que possam lhe ferir, como denota Krall (2013, p. 2083).
A interpretação do direito deve respeitar o bem ambiental de maneira a demonstrar sua importância jurídica, o que faz com que os legisladores fiquem obrigados a observar seus preceitos no uso de suas atribuições, conferindo aos parlamentares o dever de acatar seus aspectos protetivos no ato de regulamentar as atividades de sua competência.
Este entendimento guia a sociedade à proibição do retrocesso ambiental, concedendo-lhes o direito a “um mínimo existencial ecológico que é juridicamente exigível e corresponde à existência de um núcleo essencial do direito fundamental ao ambiente e à qualidade de vida”. Por decorrência, “os limites deste mínimo devem ser definidos em cada caso concreto, mediante ao emprego do método de ponderação das posições jurídicas, bens e interesses envolvidos, a partir dos princípios da integração e da máxima efetividade”, no entender de Krell (2013, p. 2083).
Estes dados são efeitos que a consagração deste bem a nível fundamental determina aos agentes públicos ou privados, proibindo-lhes a diminuição da importância deste bem. Em conformidade, a ideologia da ConstituiçãoEcológica de 1988 determina que:

[...] as normas da CF sobre proteção ambiental exercem as funções de limite e de impulso em relação aos Poderes Legislativo e Executivo, fazendo com que os órgãos estatais concretizadores das políticas públicas não podem agir em contrário destes dispositivos e, ao mesmo tempo, são obrigados a tomar positivamente as medidas administrativas e políticas em conformidade com os enunciados impositivos da Lei Maior sobre o tema.
O modelo correspondente do Estado ecológico aponta para formas novas de participação política (“democracia sustentada”, “cidadania ambiental”), com o fim de garantir o desenvolvimento econômico que seja ambientalmente justo e duradouro; os atos deste tipo de Estado ambiental tendem a privilegiar os princípios da cautela, da cooperação e da ponderação. Os efeitos concretos desta construções doutrinárias ainda ganharam pouca nitidez, visto que exigem alterações profundas na própria compreensão da formação da ordem jurídica, de suas funções, seus atores e valores e bens protegidos. (KRELL, 2013, p. 2085).

Por decorrência, por equilíbrio ecológico entende-se “o estado de equilíbrio entre os diversos fatores que forma um ecossistema ou habitat, suas cadeias tróficas, vegetação, clima, micro-organismo, solo, ar, água, que pode ser desestabilizado pela ação humana”, no ponto de vista de Machado (2013, p. 151). No entanto, esta locução não significa inalterabilidade dos estados naturais destes elementos, mas harmonia deste conjunto, ou seja, aqui o objetivo consiste em utilizar o meio ambiente de forma harmônica e equilibrada.
Do termo bem de uso comum do povo, extrai-se que sua abrangência ultrapassa a linha demarcadora entre o público e o privado, instante em que o poder público passa a agir não como detentor, mas como gestor deste bem, devendo administrar e prestar explicações à sociedade sobre sua gestão, conforme conduz a Constituição através dos arts. 1°, 170 e 225.
Neste andar, por bem essencial à sadia qualidade de vida, decifra-se que viver uma vida com saúde e qualidade depende da capacidade que o meio ambiente detém de revelar-se, por isto, o imperativo de não estar poluído ou degradado, já que seu estado reflete no viver do homem, formando uma aliança entre todos os seres vivos como forma de consagrar uma vitalidade plena. Afinal, em todas as Constituições a vida foi apregoada como um direito fundamental, porém, apenas na Constituição Cidadã de 1988, é que este direito apareceu vinculado à questão da dignidade humana, como marca o art. 1, inc. III de suas páginas. São direitos alicerçados constitucionalmente e dependentes um do outro, compreendendo pedra basilar para a construção do Estado Democrático de Direito.
Outrossim, usufruir de saúde e bem-estar, não significa simplesmente não ter doenças, vai além, porque depende de um complexo atuante sobre a vida do ser humano que determina o seu estado físico e psicológico, e dentro deste complexo, o meio ambiente compreende um objeto intrínseco e basilar para o encaminhamento desta condição de existência, daí se extrai o imperativo de protegê-lo.
Ademais, assevera Mendes (1997, p. 69), que como meio de assegurar a integridade da Constituição o constituinte originário incluiu alguns direitos como cláusulas pétreas, impedindo que futuras reformas viessem a ocasionar sua destruição, enfraquecimento ou modificações profundas, porquanto isto desestabilizaria a continuidade e firmeza da ordem jurídica fundamental, e abriria margens para que o constituinte derivado decorresse a suspender ou suprimir a própria Carta Magna. A previsão da imutabilidade encontra-se expressa no art. 60, § 4° da CF/88, determinando que “não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: (...) IV - os direitos e garantias individuais”.
Insta analisar se o meio ambiente, no viés de direito fundamental, compreende ou não uma cláusula pétrea, nesta direção Alexy (1997, p. 74) enfatiza que há um diferencial entre norma e texto normativo, pois esta última vai além do entendimento de um texto literal, visto determinar-se em conjunto da realidade social, porque interpretar a norma apenas no seu sentido linguístico compreenderia uma mentira vital, por este fato, a única forma de extrair o sentido completo de uma norma é penetrando em cada um de seus núcleos, efetuando uma interpretação sistêmica.
É por este motivo que doutrinadores como Alonso Júnior (2006, p. 48) sinaliza que para alcançar esta aferição, o apreciador jurídico teria que iniciar seu caminho de conhecimento desde o preâmbulo, sugando cada entendimento até que alcançasse o saber do último artigo desde caderno de leis, para apenas então, definir o objetivo de um Estado Democrático de Direito, que conforme seu entendimento visa “assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional”, seguindo os passos de Alonso Júnior (2006, p. 48) o aprendiz da sabedoria jurídica concluirá que:

Negar proteção pétrea ao direito difuso do meio ambiente é afrontar a Lei Maior com negativa de proteção aos demais direitos fundamentais (individuais), porquanto não há como cindir a intima correlação do direito à vida, à saúde, de desenvolvimento sustentável, dentre outros, com a necessidade de um ambiente sadio. Impossível dissociar. (...) não há como separar a proteção de um direito a um meio ambiente equilibrado dos demais, como também é impraticável ver ao direito social ao trabalho garantido em sua plenitude se as condições de segurança e saúde do trabalhador não são propícias.

Posto que no entendimento de Alexy (2009, p. 11) “o direito não é igual às leis escritas”, vai adiante destas. Neste itinerário:

Pergunta-se qual conceito de direito é correto ou adequado. Quem pretende responder a essa pergunta deve relacionar três elementos: o da legalidade conforme o ordenamento, o da eficácia social e o da correção material. Conforme os pesos entre esses três elementos é repartido, surgem conceitos de direito completamente diferentes.  Quem não atribui importância alguma a legalidade conforme o ordenamento e a eficácia social e considera exclusivamente a correção material obtém um conceito de direito puramente jusnatural ou jusracional. Quem segrega por completo a correção material, focalizando unicamente a legalidade conforme o ordenamento e/ou a eficácia social chega a um conceito de direito puramente positivista (ALEXY, 2009, p. 15).

Ademais o entendimento positivista divide a norma em dois aspectos: interno e externo, sendo que no aspecto externo esta norma brota efeitos sempre que esteja escrita, porém, no seu caráter interno, esta norma apenas produz resultados se for acatada pela sociedade, porquanto, não basta estar escrita, precisa ser respeitada, precisa produzir motivação ao público para obedecê-la, o que significa que o direito não compreende somente ao que está escrito, mas sim, o que produz efeito psicológico de coerção social.
Portanto, estando expressa a norma e conforme a profundidade dos efeitos sociais que produza em seu território de ação, será possível verificar o caráter que ela detém frente a sua nação, pois a garantia ao direito à vida possui importância diferente da abonação ao direito do sufrágio universal, por exemplo. Deste exposto, verifica-se um alargamento no rol de direitos fundamentais, e no que reporta ao meio ambiente, constata-se que este bem conserva em si a esfera de direito objetivo e subjetivo, e por este motivo, explana o abrigo protetivo de suas ramificações jurídicas para além do homem, pois se encontra interligado à fecundação da vida, visto que a árvore da vida, murcha sem que haja o solo para acolher seus pés, o ar que lhe forneça ânimo, o sol que lhe aqueça, e os demais nutrientes que lhe fornecem vigor e capacidade de existência. Fato este arrebatador na questão da inclusão deste bem como cláusula pétrea, pois a sua existência é fator determinante para a essência dos demais seres vivos.

3.      PARTINDO DA ANÁLISE GERAL DO MEIO AMBIENTE PARA O EXAME DE UM ELEMENTO INDISPENSÁVEL AO SER HUMANO: A ÁGUA
Conforme explana Milaré (2011, p. 261):

A água é outro valiosíssimo recurso diretamente relacionado à vida. Ela participa com elevado potencial na composição dos organismos e dos seres vivos em geral; suas funções biológicas e bioquímicas são essenciais, pelo que se diz simbolicamente que a água é elemento constitutivo da vida. Dentro do ecossistema terrestre, seu papel junto aos biomas é múltiplo, seja como integrante da cadeia alimentar e de processos biológicos, seja como fator condicionante do clima e dos diferentes habitats.

Apesar de ¾ de a superfície terrestre ser coberta por água, apenas 2,5%, deste total, constitui água doce, e, a maior parte concentra-se nos oceanos, tendo que passar por diversos mecanismos de tratamento para tornar-se potável para a vida humana. Agora, considerando o fato de que 80% da água doce encontra-se condicionada nas geleiras ou na criosfera, conclui-se que a água não representa um recurso nem abundante, tampouco barato. Não obstante, 12% da água utilizável se encontram em terras brasileiras, porém, encontra-se mal distribuída geograficamente, ademais à poluição neste cenário é assombrosa, posto que 90% dos esgotos domésticos e 70% das descargas industriais são lançadas na água.
            Neste sentido, os brasileiros jogam cerca de 40% de água potável fora, enquanto em outros países este percentual situa-se no plano de 10%. No Nordeste, ponto brasileiro mais carente, o desperdício atinge o índice de 60%, isto é, perdem-se mais nos canos antes de chegarem às residências do que se consome. Dessarte, considerando as limitações do ciclo hidrológico com o aumento da demanda populacional, surge à questão fundamental de como administrar este bem.
            Falta consciência ambiental à população. Fato este que poderá ser sanado por meio da educação ambiental, da consciência cívica e de políticas públicas. Salienta-se que a lei que retrata os recursos hídricos (Política Nacional de Recursos Hídricos) foi promulgada apenas em 1997 (Lei n° 9.433), instituindo o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, fator que denota que a preocupação com a água é recente frente à fundamentalidade deste recurso, produzindo pouca efetividade comparada à necessidade e urgência carentes.
            Nada obstante no ano de 1934 foi promulgada uma lei sobre as águas (Código de Águas/Lei n° 24.643), porém, atualmente encontra-se desatualizada e insuficiente para as necessidades, e, se compará-la aos desperdícios e danos sofridos pela água, será facilmente perceptível que a mesma trouxe pouca eficácia, posto que pelo amplamente estudado, esta lei sofreu carência de coerção, porquanto se dotou de normatividade, porque estava escrita, mas não teve capacidade suficiente para vincular os atos humanos em suas diretrizes, urgindo por alterações em sua letra e uma descortinação com relação à sociedade sobre a importância de sua matéria.
Ocorre que “o domínio da quantidade submete-se ao da qualidade”, no entender de Milaré (2012, p. 264), pois com relação a este bem a qualidade encontra-se em primeiro plano, e por isto, o uso da água precisa ser regrado com a efetivação de sua proteção, nunca o uso estando superior ao nível de proteção conferido a este bem, sob pena de escassez deste elemento e morte dos seres vivos dependentes de sua existência. Porém, a qualidade da água encontra-se permanentemente ameaçada através da contaminação por mocrioorganismos patogênicos e por meio da modificação das características químicas e físicas de seus corpos, é como se o homem se encaminhasse para o seu fim conscientemente.
Ao deparar-se com as inúmeras categorias de poluição atuantes nas águas, percebe-se o imperativo de mergulhar em sua fonte, para descobrir a origem destas poluições e cessar-lhes a capacidade de ação, exercendo vigilância sobre as origens destas mazelas, que podem referir-se a esgotos domésticos, aos agrotóxicos, às efluentes industriais, aos pesticidas, a mineração, aos detergentes sintéticos, a poluição térmica, e demais fontes não específicas e dispersas atreladas à pecuária, agricultura e etc. O fator mais preocupante acerca da matéria é que os organismos humanos são sensíveis aos efeitos da poluição hídrica, o que robusta a necessidade por qualidade.
Por decorrência cerca de 80% das doenças mundiais provém de patologias ligadas à água (veiculação hídrica), além de a mesma prestar para aderir mosquitos e transmissores de epidemias e endemias (ex. dengue). Para alcançar o padrão de qualidade exigido por lei (OMS- Organização Mundial da Saúde), é imprescindível agir por meio do monitoramento, levantamento de dados e vigilância constante, de maneira a controlar a qualidade de água. Porém, esta incumbência cabe não somente ao Poder Público, mas, também, ao cidadão, visto que é este quem circula mais próximo e constantemente dos meios hídricos, obtendo mais possibilidades de deparar-se com problemas relacionados ao tema e podendo proceder através de denúncias sempre que necessário ou, até mesmo elaborando programas simples de limpeza e cautelas com relação a águas paradas e etc.
Irrompe que a quantidade de água que é consumida é maior que a capacidade que o ciclo hidrológico possui, devido ao fato de que grande parcela da água encontra-se em estado sólido nas geleiras ou vaporizadas na atmosfera, além de que, os lagos e rios, além de possuírem volumes comprometidos, reservam pouco desta parcela, sobrando para consumo somente às águas subterrâneas, ou seja, 0,6% do total da água doce. Fato este que enseja uma especial atenção a poluição dos aquíferos, e a fiscalização sobre a omissão dos órgãos ambientais que atuam de maneira insuficiente, indo de encontro aos preceitos que a Ordem Maior promulga aos brasileiros.
Que já no art. 20, proclama como propriedade da União, “III - os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países, ou se estendam a território estrangeiro ou dele provenham, bem como os terrenos marginais e as praias fluviais” e ainda “V - os recursos naturais da plataforma continental e da zona econômica exclusiva; VI - o mar territorial” transcrevendo um pouco adiante, no art. 22, inc. IV a competência privativa da União para legislar sobre este bem.
A passos largos, verifica-se no art. 26 a competência dos Estados para legislar sobre “I - as águas superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes e em depósito, ressalvadas, neste caso, na forma da lei, as decorrentes de obras da União”, assim, no que diz respeito a esta matéria o Estado com suas leis federais poderá criar políticas públicas protetivas e sustentáveis, restringindo o consumo desregrado, porém, como o Município possui competência concorrente para legislar sobre o meio ambiente, este ente possui a possibilidade de adentrar no mérito federal e de auxiliar o Estado no que tange à questão.
Como lei infraconstitucional, tem-se o já citado Código de Águas (n° 24.643/1934), que não foi totalmente recepcionado pela Lei Maior, o Código Florestal (n° 4.771/1965) que trata de maneira reflexa ou indireta, o Código da Pesca (Dec. Lei n° 221/1967- alterado através da Lei n° 11.959/2009), que aborda acerca da Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável da Agricultura e da Pesca. Destaca-se também a Resolução do Conselho Nacional dos Recursos Hídricos – CNRH, 91, de 05.11.2008 publicada na data de 06.02.2009, que adota procedimentos de ordem geral sobre o enquadramento de corpos de águas subterrâneas e superficiais, baseando-se no CONAMA 357/2005 e 396/2008 definindo as classes de águas.
Saindo do mérito da ação, para adentrar no plano prático no que tange à matéria, verifica-se através de notícias recentes, que o Brasil tem tomado medidas extras no que reporta à escassez de água que abala o país, uma delas constitui o sistema de dessalinização, que vem sendo utilizado em nove Estados brasileiros, e, possui o custo cinco vezes mais alto que o tratamento normal em água poluída. Este método consiste em extrair, através de uma máquina, o sal da água do mar. Este processo serve, também, para regiões como do Estado do Ceará onde a água do subsolo é salobra, o resultado é que a cada hora o dessalinizador torna potável mil litros de água.
Ademais, o Estado do Rio de Janeiro pretende instalar uma usina de dessalinização na região metropolitana, com capacidade de abastecimento para um milhão de cidadãos, a ideia já esta implantada em vinte e cinco países e carrega em si bons resultados. No entanto, a maior, mais eficaz e econômica medida acerca da questão, consiste, na conscientização pelo homem, acerca da unicidade e imprescindibilidade deste bem, sendo primordial ao cidadão atuar racionalmente, baseado na sustentabilidade, instigando a consciência da sociedade sobre a fundamentalidade deste bem.

3.1. A ÁGUA NO VIÉS DE UM DIREITO HUMANO FUNDAMENTAL
Um direito humano fundamental compreende aquele que é nato de toda e qualquer pessoa pelo simples fato desta ser um ser humano. Tais direitos devido a sua supremacia constitucional possuem aplicação imediata, constituem cláusulas pétreas e possuem hierarquia constitucional, possuem como pedra basilar a dignidade da pessoa humana. Esta por sua vez, na concepção de Marmelstein (2013, p. 16), “é violada sempre que um indivíduo seja rebaixado a objeto, (...), sempre que a pessoa venha a ser descaracterizada ou desconstituída de direitos,” ideia esta aberta e insuficiente para acolher todos os âmagos deste princípio, por isto, como forma de robustar este entendimento é que o doutrinador Sarlet (2002, p. 62) profere que:

[...] onde não houver respeito pela vida e pela integridade física e moral do ser humano, onde as constituições mínimas para uma existência digna não forem asseguradas, onde não houver uma limitação do poder, enfim, onde a liberdade e a autonomia, a igualdade em direitos e dignidade e os direitos fundamentais não forem reconhecidos e assegurados, não haverá espaço para a dignidade da pessoa humana.

Os direitos fundamentais possuem um conteúdo ético, verificável em seu aspecto material, e um conteúdo normativo (formal), por isto para um direito compreender-se no núcleo de direitos fundamentais é preciso que o mesmo, além de estar formalizado nas páginas de um caderno de leis, detenha em seu núcleo um conteúdo ético, valorizado pela sociedade, por isto, a necessidade de que este direito encontre-se expresso na Constituição de seu país e detenha em si valores morais e éticos de cunhos basilares aos seus cidadãos. Estes valores possuem ligação direta com a limitação do poder estatal e à ideia de dignidade humana, que ao expressarem-se nas constituições, terão capacidade para fundamentar e legitimar todo o ordenamento jurídico existente, irradiando seus raios para todo o Estado, vinculando-o em seu véu.
No entender de Moraes (2013, p. 22) tais direitos possuem como características a imprescritibilidade, irrenunciabilidade, inalienabilidade, universalidade, inviolabilidade, efetividade, complementaridade e interdependência. Os mesmos possuem, “normas constitucionais irrevogáveis e vinculantes, de observância obrigatória, com aplicação direta e eficácia imediata, capazes de se irradiar por todos os ramos do direito” conforme as palavras de Marmelstein (2013, p. 246), possuem capacidade de efetuar a jurisdição constitucional[2].
Ocorre que o estabelecimento de um direito humano fundamental não compreende sua simples positivação no ordenamento jurídico, mas “o conjunto de valores éticos, preexistentes, que estão relacionados à dignidade da pessoa humana em suas diversas dimensões,” conforme assegura Baez (2010, p. 17), visto que a ação do ordenamento jurídico não compreende a atitude de criar direitos, mas sim, de declará-los e protegê-los, por este motivo não é possível efetuar uma interpretação restritiva acerca do objeto, porquanto o que fornece vida a estes direitos não são suas expressões em leis, mas sim, “a própria existência humana e sua característica inconfundível de racionalidade e autonomia” na expressão de Baez (2010, p. 17).
Com relação à água constata-se que a conscientização sobre seu valor é recente, assim a clarificação global a respeito de sua inadequada disponibilidade e acesso apenas atualmente foi enfocada como um fenômeno crítico e ameaçador. Por consequência afirma Machado (2013, p. 505) que a humanidade se encaminha para o momento em que será acolhida a teoria de que tudo que possui vida, automaticamente, compreende um sujeito detentor de dignidade, mesmo que este não constitua um sujeito de direito, mas que “necessite dos seres humanos para defenderem seus direitos”, e que constituam base para a existência da vida.
Nesta acepção, a água é vista como um direito humano fundamental por compreender um bem único, com propriedades exclusivas, com capacidade singular de satisfazer as necessidades humanas vitais. Desta feita o direito a utilização da água para consumo pessoal constitui parte intrínseca à vida, pois sem este bem não há existência. Nesta acepção a Conferência de Berlim de 2004 traz em seu art. 17 que “cada indivíduo tem o direito de acesso à água, de forma suficiente, segura, aceitável, fisicamente acessível e oferecida, para alcançar as necessidades humanas vitais do indivíduo”, necessidades que podem ser relacionadas em três, para bebida, para preparo alimentar e para a higiene.
Por esta lógica, Machado (2013, p. 506) afirma que “o ser humano esta vinculado à água de forma indissolúvel, pois ele não pode passar mais de quatro dias sem líquido. A água faz parte do direito à vida e, portanto, negar a água a uma pessoa, ou dificultar-lhe o acesso ou não colaborar na sua obtenção é condenar essa pessoa a morte,” assim também é o entendimento implícito[3] do Pacto Internacional Relativo aos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Ocorre que o acesso à água não é algo utópico, porém depende de fatores como o número de pessoas e a quantidade de água disponível, desta feita, hidrologia e demografia precisaram estar conectadas.

O acesso individual à água merece ser entendido como um direito humano universal, significando que qualquer pessoa, em qualquer lugar do planeta, pode captar usar ou apropriar-se da água para o fim específico de sobreviver, isto é, de não morrer pela falta de água, e, ao mesmo tempo, fruir do direito à vida e do equilíbrio ecológico. A noção do direito de acesso à água não requer que nele se insira, necessariamente, a gratuidade ou o pagamento de água consumida. Quem puder pagar a água, por ela pagará; mas a quem não puder pagá-la, não se pode permitir que se lhe negue o acesso para as necessidades vitais, ou seja, o acesso à “água vital”. (MACHADO, 2013, p. 506).

É nesta logicidade que se orienta o Protocolo sobre Água e Saúde de Londres/1999, arraigado em seu princípio 5°, inc. 1, que expressamente define que à água potável, por compreender um bem vital, é assegurada a todos, indistintamente, na mesma direção encaminha-se a Conferência de Berlim de 2004, e também, a ONU, por meio da Resolução 64/292, de 28.07.2010, que se coadunam em reconhecê-la como bem vital.
Torna-se imprescindível que a água seja reconhecida como um direito humano fundamental que o és, para que este bem possa ser então, assegurado sem resistência e com a devida dimensão que precisa.

4.      AUTOAFIRMAÇÃO JURISPRUDENCIAL DA ÁGUA COMO UM DIREITO HUMANOFUNDAMENTAL
É inegável à água o seu caráter de direito fundamental, entendimento este, alicerçado através das decisões magistrais brasileiras, que garantem através da jurisdição a distribuição deste bem de forma plena e adequada, em sua dimensão de sérvio público essencial, devendo ser prestada de forma digna, de forma a suprir as necessidades humanas, como garante a Constituição Cidadã.

Ementa: ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TUTELA ANTECIPADA. ABASTECIMENTO DE ÁGUA EM ALDEIA INDÍGENA.
1. O direito ao fornecimento de água de forma plena e adequada é serviço público essencial. Isto é, sendo o direito à água direito fundamental de todos os indivíduos, este deve ser prestado de forma digna, contemplando as necessidades básicas do ser humano. Toda a população tem direito ao acesso à água em padrão de qualidade adequado ao uso. Não basta que o fornecimento de água seja feito de forma insuficiente e insustentável como vem sendo realizado em relação à aldeia Vera Tupã'i. (Rel. MARGA INGE BARTH TESSLER. TRF4. 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. 05.05.2014.).

As decisões deste Egídio tribunal apenas reforçam o que fora exposto no decorrer do texto, afirmando que “sendo o fornecimento de água direito fundamental de todos os indivíduos, este deve ser prestado de forma digna, contemplando as necessidades básicas do ser humano.[4]” Ou seja, a água vista por este prisma compreende um dever prestacional do Estado de não apenas disponibilizá-la a todo e qualquer cidadão, mas de fazê-lo de forma digna, suprindo as necessidades básicas, e, garantindo a prestação de um mínimo existencial.
Hodiernamente muito se discute sobre o tema da dignidade humana ou da vida digna, porém, há pouca concordância doutrinária acerca do objeto. Desta forma, Sarlet (2007, p. 33) argumenta que viver com dignidade abrange mais que a garantia de simples sobrevivência. Registre-se, então, que a dignidade humana apenas se efetiva, no instante que seja possível a materialização completa do rol de direitos fundamentais no plano prático. Neste entendimento, qual seria o conteúdo deste mínimo existencial? E qual a possibilidade de seu alcance?
Em resposta, o respectivo autor emprega o termo mínimo existencial, que compreende as condições materiais mínimas para a existência de um ser humano, que para além de conferir uma proteção básica, garante o direito de inserção social, estando conectado intimamente ao direito à vida e à dignidade, substanciado através do princípio da igualdade. Este por sua vez, não se confunde com o mínimo vital ou fisiológico, cujo qual apenas garante o direito à vida (ou não sucumbência), indo além, este último engloba em seu núcleo a garantia da qualidade de vida. Porquanto, impedir que alguém sucumba à sede, indubitavelmente é o primeiro passo para o encontro de uma vida digna, no entanto, não é suficiente, é preciso que esta água seja potável e em quantidade suficiente para suprir as necessidades.
Por decorrência, reduzir o mínimo existencial para um mínimo fisiológico poderia ser perigoso à sociedade por estar induzindo o Estado a prestar somente as condições mínimas aos cidadãos, garantindo aos mesmos, apenas as condições que lhes impeçam de desfalecer. Importante ponto a ser ressaltado é que a dignidade precisa ser respeitada e promovida através do Estado, razão pela qual, determinadas prestações tornam-se indissociáveis das mãos deste ente público. Importa destacar que a garantia a um mínimo existencial independe de expressão legal, visto que decorre do princípio da dignidade humana.

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. DANOS AMBIENTAIS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. Via de regra não cabe ao Judiciário interferir nas escolhas relativas a políticas públicas, pois a destinação dos recursos estatais, em face de sua escassez, compete ao Poder Executivo, legitimado democraticamente para tal. Contudo, em situações excepcionais, configurada omissão que atinja direitos fundamentais dos cidadãos, como o de saúde decorrente da higiene, ou existindo grave lesão a bens coletivos de hierarquia constitucional, como a proteção ao meio ambiente, pode e deve o Judiciário intervir quando provocado. Danos ambientais causados à vegetação e ao curso d água existentes em área de preservação permanente. Despejo de resíduos sólidos e esgoto doméstico sem tratamento em recurso hídrico. Existência de moradias em área de risco de inundação e desabamento. APELO DO AUTOR PROVIDO. APELO DO RÉU DESPROVIDO. (Apelação Cível Nº 70053993200, Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Heleno Tregnago Saraiva, Julgado em 23/10/2013).

Por meio da referida apelação civil foi possível extrair que o judiciário não pode ficar omisso frente à desproteção dos direitos fundamentais, estando ele legitimado a agir, mesmo sem respaldo legal, motivado pela inércia do ente competente acerca da matéria, sem que com isto esteja desrespeitando o princípio da separação de poderes. Deste conflito que se estabelece devido ao judiciário efetivar um direito prestacional sem a devida intervenção legislativa, surge um paradoxo que Marmelstein (2013, p. 311) prolata:

Se os direitos fundamentais não puderem ser implementados perante os órgãos judiciários, eles correm o risco de serem transformados em mera retórica política; se, por outro lado, esses direitos forem exigíveis na via judicial, surge a ameaça de deslocamento das decisões políticas do Legislativo e do Executivo para o Poder Judiciário.

Assim é que as questões do âmbito jurídico nunca se encerram, porém, sempre alcançam concordância, pois que, negar a aplicação e materialização dos preceitos da Carta Magna é o mesmo que negar-se ao Estado Democrático de Direito, ou seja, impossível, sob pena de quebra do Estado, devendo o judiciário estar encaminhando-se sob a premissa de que as leis estão para a nação e não o povo para as leis, posto que são as leis que servem e colocam ordem à população, não de forma autoritária mas de estruturação.

5.      DEFINIÇÕES CONCLUSIVAS
Através deste manuscrito foi analisada a água no viés de um direito humano fundamental, instante em que foi discorrido sobre a unicidade deste bem para a população, e decorrente disto, a possibilidade de que o cidadão venha a pedir sua prestação juridicamente, posto que, devido a sua fundamentalidade ela torna-se exigível através do Estado, e este por sua vez, como se encontra impossibilitado de extrair a vida do homem, não pode ficar omisso vendo seu cidadão sucumbir de sede.
Tal teoria baseia-se na dignidade da pessoa humana e na questão do mínimo existencial, considerando que em um Estado cuja Constituição esculpe em suas páginas 250 artigos, garantir ao homem o direito a uma mera sobrevivência seria negar totalmente sua irradiação ao plano material. Tal posicionamento foi reforçado através de decisões magistrais, que conscientes da essencialidade deste bem, encontram-se concordantes em não apenas, disponibilizá-las judicialmente, mas garanti-la de maneira digna.
Ademais, analisar o texto constitucional para verificação de um direito compreender ou não uma norma fundamental vai além de analisar sua redação, mas abrange analisar todo o seu corpo minuciosamente, visto que nem sempre um direito fundamental se encontra expresso em lei, mas nem por isso deixa de ser capital, porquanto, não é a sua expressão e formalidade que fazem de um direito uma regra fundamental, mas o seu núcleo protetivo.
A premissa que se vale, é a de que, são as leis que são feitas para o homem e não o contrário, por decorrência o direito é mutável tal como as necessidades do ser humano e por este motivo, não pode um direito que leva em si, algo único e fundamental, com capacidade de determinar e acondicionar a própria vida, estar excluído de valorização como direito fundamental que és, por seu valor.


REFERÊNCIAS

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[1] STF, MS 22.164-0 SP, Trib. Pleno, j. 30.10.1995, Rel. Min. Celso de Mello, p. 20 ss. (disponível em www.stf.gov.br).
[2] Jurisdição constitucional: forma pela qual um órgão imparcial e independente exerce a função de fiscalizar o cumprimento da Constituição. MARMELSTEIN, George. Curso de Direitos Fundamentais. 4 ed..-São Paulo: Atlas, 2013, p. 249.
[3] Direito implícito: um direito não escrito, mas que decorre do sistema legal, por força de suas expressões. MARMELSTEIN, George. Curso de Direitos Fundamentais. 4 ed..-São Paulo: Atlas, 2013, p. 22.
[4] TRF-4 - AG: 14410 RS 2008.04.00.014410-0, Relator: MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA, Data de Julgamento: 27/08/2008, QUARTA TURMA, Data de Publicação: D.E. 15/09/2008.