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Resumo: A
presente pesquisa pretende analisar o direito à água e sua afirmação
jurisprudencial, partindo do sentido de um direito humano fundamental, como uma
aposta para a promoção da dignidade da pessoa humana, visando a efetivação dos
preceitos constitucionais e a garantia de um mínimo existencial aos cidadãos.
No intuito de verificar uma resposta a essa temática, formulou-se o seguinte
problema da pesquisa: É possível que a água seja prestada através do
judiciário, efetivando os preceitos da dignidade da pessoa humana? Visando a
responder ao problema proposto, o trabalho tem por objetivo geral discutir a
possibilidade deste bem compreender ou não um direito fundamental. E por
objetivos específicos: a) estudar sua importância para a vida humana; b)
analisar sua relação com a questão da dignidade da pessoa humana; c) verificar
a possibilidade de procurar a prestação e a tutela deste bem, por meio do
judiciário. O aprofundamento teórico do estudo pauta-se em
pesquisa-bibliográfica, consubstanciada na leitura de diversas obras,
apoiando-se em um método dedutivo.
Palavras-chave:
dignidade da pessoa humana; meio ambiente; água como direito fundamental;
teoria do mínimo existencial.
Summary:
This research analyzes the right to water
and its jurisprudential statement, based on the sense of a fundamental human
right, as a bet for the promotion of human dignity, aiming at the realization
of constitutional principles and ensuring an existential minimum citizens. In
order to find an answer to this issue, it formulated the following research
problem: It is possible that water is provided through the judiciary, effecting
the precepts of human dignity? Aiming to respond to the proposed problem, the
work has the objective to discuss the possibility of this well understand or
not a fundamental right. And following objectives: a) to study its importance
to human life; b) to analyze their relationship with the question of human
dignity; c) verify the possibility of seeking the provision and protection of
this right, through the judiciary. The theoretical deepening of the study is
guided in research-literature, based on the reading of several works, relying
on a deductive method.
Keywords: human dignity; environment; water as a
fundamental right; theory of existential minimum.
1.
INTRODUÇÃO
O respectivo manuscrito retrata o meio ambiente no viés de um
direito humano fundamental exigível como cláusula pétrea, porquanto,
encontra-se enraizado na dignidade da pessoa humana, sendo desta indissolúvel. Por
este motivo, será tratado acerca da visão que a Constituição Federal de 1988
possui acerca deste bem, elucidando sobre seu alcance, suas raízes e delimitações
da sombra de seus ramos protetivos.
Para iniciar a discussão sobre o meio ambiente, a água será
expressa no sentido de um direito humano fundamental que garante dignidade à
vida humana e por este motivo pode ser auferida judicialmente, por estar
interligada à questão do mínimo existencial, que nos preceitos de um Estado
Democrático de Direito, garante ao homem, mais que o direito de não sucumbir,
mas de viver com dignidade.
Esta dignidade somente pode ser alcançada se houver condições que
coloque o cidadão em igualdade com seu semelhante, posicionando-o de forma
equânime aos demais, garantindo-lhes direitos como a saúde, a higiene, dentre
outros, questão esta, que está entrelaçada à disposição da água potável,
portanto inegável suas características de direito fundamental e, para tanto,
sua exigibilidade por via judicial.
2.
A DEFINIÇÃO DE MEIO AMBIENTE CONFORME OS PRECEITOS DA CARTA MAIOR
DE 1988
Ocorre que a Carta Magna de 88 inovou ao trazer a expressão meio
ambiente em seu núcleo protetivo, mencionando-a em diversas linhas de seu
Caderno de Leis, premiando-a, inclusive com um Capítulo próprio (Capítulo VI),
onde dá enfoque explícito à este bem, ao retratá-lo no art. 225, esculpindo em
letras douradas no seu caput que, “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,
impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e
preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”
Por meio da locução todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,
extrai-se que o direito ao meio ambiente equilibrado é do conjunto global,
abrigando em seu abraço protetivo desde as pessoas, até todo o restante dos
seres, principalmente os seres vivos (animais, plantas e etc.), devido ao fato
de que “o pronome indefinido todos
alarga a abrangência da norma jurídica, pois não particularizando quem tem
direito ao meio ambiente, evita que se excluam quem quer que seja”, conforme
preceitua Machado (2012, p. 148).
Por tal motivo é que o meio ambiente é um direito
transindividual, adentrando a categoria de interesse difuso, irradiando a
sombra de seus ramos jurídicos para todos os seres, seja natural, artificial ou
cultural, porquanto constitui um direito subjetivo, disponível erga omnes, que por constituir uma
totalidade complexa, precisa ser analisado no seu todo, para que seja possível
averiguar todas as suas faces, e então, poder atuar no seu corpo, abrigando-o e
moldando-lhe em conformidade das necessidades dos seres humanos, porque a
irradiação dos raios da Constituição da República Federativa do Brasil
espalha-se por todo o território, vinculando a interpretação do discípulo
forense, e devido as peculiaridades de cada região, o meio ambiente se
transforma e se molda, modificando suas necessidades e possibilidades de ação
do homem.
Pode-se afirmar que a “insegurança ecológica”
tem-se tornado um dos maiores desafios do Estado Constitucional. “O Direito
Ambiental brasileiro se situa na confluência das decisões políticas que
implicam, sobretudo na escolha de valores éticos, jurídicos, culturais,
econômicos e sociais novos”, em conformidade com Krell (2013, p. 2078), que
explana que:
[...] como expressão do princípio da
indivisibilidade dos direitos humanos fundamentais, o direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado estende e reforça o significado dos direitos à vida (art. 5º, caput) e à saúde (arts.
6º e 196 e s.), além da dignidade da
pessoa humana (art.1, III), para garantir uma vida saudável e digna a ser
vivida que propicie o desenvolvimento humano. (KRELL, 2013, p. 2078).
Assim, o meio ambiente constitui um bem
imaterial, que para efetivar-se depende da colaboração de toda a sociedade,
partindo dos instrumentos legais e administrativos para o âmbito da
solidariedade, por se encontrar no rol de direitos da terceira geração, e estar
agarrado ao espírito da fraternidade e da solidariedade, porquanto, “o
relacionamento entre o meio ambiente equilibrado e os direitos fundamentais do
homem é recíproco: aquele é requisito
essencial para a eficácia deste, já que o desenvolvimento da vida humana ocorre
‘ambientalmente’”, como destaca Krell (2013, p. 2078).
Todavia, seu caráter supra-individual, não
invalida sua face individual, o que torna imperativo analisar este bem sob
estes dois prismas, por constituir expressão de um único ser. Este também é o
posicionamento do STF:
[...] os direitos
de terceira geração, que generalizam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações
sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento
importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos
direitos humanos, caracterizados enquanto valores
fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade.
[...] o direito à integridade do meio ambiente
constitui prerrogativa jurídica de titularidade coletiva, refletindo, dentro do
processo de afirmação dos direitos humanos, a expressão significativa de um
poder atribuído, não ao indivíduo identificado em sua singularidade, mas, num
sentido verdadeiramente mais abrangente, à própria coletividade social.[1]
No entendimento de Machado (2013, p. 150) o meio
ambiente compreende incontestavelmente um direito fundamental da pessoa humana,
devido a sua relação intrínseca com a preservação da vida e da dignidade
humana, devido ao fato de que a destruição do meio ambiente influencia a vida
dos seres humanos de forma frontal, produzindo reflexos diretos sobre a
existência de todos os elementos vivos. Por sua fundamentalidade, este direito
possui aplicação imediata (art. 5º, §1°) e o fato de sua hierarquia brotar do solo
constitucional, para apenas então, espalhar-se para o restante do ordenamento
jurídico, lhe confere posição privilegiada, e lhe insere a possibilidade,
inclusive, de anular leis ou atos que possam lhe ferir, como denota Krall (2013,
p. 2083).
A interpretação do direito deve respeitar o bem
ambiental de maneira a demonstrar sua importância jurídica, o que faz com que
os legisladores fiquem obrigados a observar seus preceitos no uso de suas
atribuições, conferindo aos parlamentares o dever de acatar seus aspectos
protetivos no ato de regulamentar as atividades de sua competência.
Este entendimento guia a sociedade à proibição do
retrocesso ambiental, concedendo-lhes o direito a “um mínimo existencial
ecológico que é juridicamente exigível e corresponde à existência de um núcleo
essencial do direito fundamental ao ambiente e à qualidade de vida”. Por
decorrência, “os limites deste mínimo devem ser definidos em cada caso
concreto, mediante ao emprego do método de ponderação das posições jurídicas,
bens e interesses envolvidos, a partir dos princípios da integração e da máxima
efetividade”, no entender de Krell (2013, p. 2083).
Estes dados são efeitos que a consagração deste
bem a nível fundamental determina aos agentes públicos ou privados, proibindo-lhes
a diminuição da importância deste bem. Em conformidade, a ideologia da ConstituiçãoEcológica de 1988 determina que:
[...] as normas da CF sobre proteção ambiental
exercem as funções de limite e de impulso em relação aos Poderes
Legislativo e Executivo, fazendo com que os órgãos estatais concretizadores das
políticas públicas não podem agir em contrário destes dispositivos e, ao mesmo
tempo, são obrigados a tomar positivamente as medidas administrativas e
políticas em conformidade com os enunciados impositivos da Lei Maior sobre o
tema.
O modelo correspondente do Estado ecológico aponta para formas novas de participação política
(“democracia sustentada”, “cidadania ambiental”), com o fim de garantir o
desenvolvimento econômico que seja ambientalmente justo e duradouro; os atos
deste tipo de Estado ambiental tendem
a privilegiar os princípios da cautela,
da cooperação e da ponderação. Os efeitos concretos desta
construções doutrinárias ainda ganharam pouca nitidez, visto que exigem
alterações profundas na própria compreensão da formação da ordem jurídica, de
suas funções, seus atores e valores e bens protegidos. (KRELL, 2013, p. 2085).
Por decorrência, por equilíbrio ecológico entende-se “o estado de equilíbrio entre os
diversos fatores que forma um ecossistema ou habitat, suas cadeias tróficas, vegetação, clima, micro-organismo,
solo, ar, água, que pode ser desestabilizado pela ação humana”, no ponto de
vista de Machado (2013, p. 151). No entanto, esta locução não significa
inalterabilidade dos estados naturais destes elementos, mas harmonia deste
conjunto, ou seja, aqui o objetivo consiste em utilizar o meio ambiente de
forma harmônica e equilibrada.
Do termo bem
de uso comum do povo, extrai-se que sua abrangência ultrapassa a linha
demarcadora entre o público e o privado, instante em que o poder público passa
a agir não como detentor, mas como gestor deste bem, devendo administrar e
prestar explicações à sociedade sobre sua gestão, conforme conduz a
Constituição através dos arts. 1°, 170 e 225.
Neste andar, por bem essencial à sadia qualidade de vida, decifra-se que viver uma
vida com saúde e qualidade depende da capacidade que o meio ambiente detém de
revelar-se, por isto, o imperativo de não estar poluído ou degradado, já que
seu estado reflete no viver do homem, formando uma aliança entre todos os seres
vivos como forma de consagrar uma vitalidade plena. Afinal, em todas as
Constituições a vida foi apregoada como um direito fundamental, porém, apenas
na Constituição Cidadã de 1988, é que este direito apareceu vinculado à questão
da dignidade humana, como marca o art. 1, inc. III de suas páginas. São
direitos alicerçados constitucionalmente e dependentes um do outro,
compreendendo pedra basilar para a construção do Estado Democrático de Direito.
Outrossim, usufruir de saúde e bem-estar, não
significa simplesmente não ter doenças, vai além, porque depende de um complexo
atuante sobre a vida do ser humano que determina o seu estado físico e
psicológico, e dentro deste complexo, o meio ambiente compreende um objeto
intrínseco e basilar para o encaminhamento desta condição de existência, daí se
extrai o imperativo de protegê-lo.
Ademais, assevera Mendes (1997, p. 69), que como
meio de assegurar a integridade da Constituição o constituinte originário
incluiu alguns direitos como cláusulas pétreas, impedindo que futuras reformas
viessem a ocasionar sua destruição, enfraquecimento ou modificações profundas, porquanto
isto desestabilizaria a continuidade e firmeza da ordem jurídica fundamental, e
abriria margens para que o constituinte derivado decorresse a suspender ou
suprimir a própria Carta Magna. A previsão da imutabilidade encontra-se
expressa no art. 60, § 4° da CF/88, determinando que “não será objeto de
deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: (...) IV - os direitos e
garantias individuais”.
Insta analisar se o meio ambiente, no viés de
direito fundamental, compreende ou não uma cláusula pétrea, nesta direção Alexy
(1997, p. 74) enfatiza que há um diferencial entre norma e texto normativo,
pois esta última vai além do entendimento de um texto literal, visto
determinar-se em conjunto da realidade social, porque interpretar a norma
apenas no seu sentido linguístico compreenderia uma mentira vital, por este
fato, a única forma de extrair o sentido completo de uma norma é penetrando em
cada um de seus núcleos, efetuando uma interpretação sistêmica.
É por este motivo que doutrinadores como Alonso
Júnior (2006, p. 48) sinaliza que para alcançar esta aferição, o apreciador
jurídico teria que iniciar seu caminho de conhecimento desde o preâmbulo, sugando
cada entendimento até que alcançasse o saber do último artigo desde caderno de
leis, para apenas então, definir o objetivo de um Estado Democrático de
Direito, que conforme seu entendimento visa “assegurar o exercício dos direitos
sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o
desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade
fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e
comprometida, na ordem interna e internacional”, seguindo os passos de Alonso
Júnior (2006, p. 48) o aprendiz da sabedoria jurídica concluirá que:
Negar proteção pétrea ao direito difuso do meio
ambiente é afrontar a Lei Maior com negativa de proteção aos demais direitos
fundamentais (individuais), porquanto não há como cindir a intima correlação do
direito à vida, à saúde, de desenvolvimento sustentável, dentre outros, com a
necessidade de um ambiente sadio. Impossível dissociar. (...) não há como
separar a proteção de um direito a um meio ambiente equilibrado dos demais,
como também é impraticável ver ao direito social ao trabalho garantido em sua
plenitude se as condições de segurança e saúde do trabalhador não são
propícias.
Posto que no entendimento de Alexy (2009, p. 11)
“o direito não é igual às leis escritas”, vai adiante destas. Neste itinerário:
Pergunta-se qual conceito de direito é correto ou
adequado. Quem pretende responder a essa pergunta deve relacionar três
elementos: o da legalidade conforme o
ordenamento, o da eficácia social e o
da correção material. Conforme os
pesos entre esses três elementos é repartido, surgem conceitos de direito
completamente diferentes. Quem não
atribui importância alguma a legalidade conforme o ordenamento e a eficácia
social e considera exclusivamente a correção material obtém um conceito de
direito puramente jusnatural ou jusracional. Quem segrega por completo a
correção material, focalizando unicamente a legalidade conforme o ordenamento
e/ou a eficácia social chega a um conceito de direito puramente positivista (ALEXY,
2009, p. 15).
Ademais o entendimento positivista divide a norma
em dois aspectos: interno e externo, sendo que no aspecto externo esta norma brota
efeitos sempre que esteja escrita, porém, no seu caráter interno, esta norma
apenas produz resultados se for acatada pela sociedade, porquanto, não basta
estar escrita, precisa ser respeitada, precisa produzir motivação ao público
para obedecê-la, o que significa que o direito não compreende somente ao que
está escrito, mas sim, o que produz efeito psicológico de coerção social.
Portanto, estando expressa a norma e conforme a
profundidade dos efeitos sociais que produza em seu território de ação, será
possível verificar o caráter que ela detém frente a sua nação, pois a garantia
ao direito à vida possui importância diferente da abonação ao direito do
sufrágio universal, por exemplo. Deste exposto, verifica-se um alargamento no
rol de direitos fundamentais, e no que reporta ao meio ambiente, constata-se
que este bem conserva em si a esfera de direito objetivo e subjetivo, e por
este motivo, explana o abrigo protetivo de suas ramificações jurídicas para
além do homem, pois se encontra interligado à fecundação da vida, visto que a
árvore da vida, murcha sem que haja o solo para acolher seus pés, o ar que lhe
forneça ânimo, o sol que lhe aqueça, e os demais nutrientes que lhe fornecem
vigor e capacidade de existência. Fato este arrebatador na questão da inclusão
deste bem como cláusula pétrea, pois a sua existência é fator determinante para
a essência dos demais seres vivos.
3.
PARTINDO DA ANÁLISE GERAL DO MEIO AMBIENTE PARA O EXAME DE UM
ELEMENTO INDISPENSÁVEL AO SER HUMANO: A ÁGUA
Conforme explana Milaré (2011, p. 261):
A água é outro valiosíssimo recurso diretamente relacionado à
vida. Ela participa com elevado potencial na composição dos organismos e dos
seres vivos em geral; suas funções biológicas e bioquímicas são essenciais,
pelo que se diz simbolicamente que a água é elemento constitutivo da vida.
Dentro do ecossistema terrestre, seu papel junto aos biomas é múltiplo, seja
como integrante da cadeia alimentar e de processos biológicos, seja como fator
condicionante do clima e dos diferentes habitats.
Apesar de ¾ de a superfície terrestre ser coberta por água, apenas
2,5%, deste total, constitui água doce, e, a maior parte concentra-se nos
oceanos, tendo que passar por diversos mecanismos de tratamento para tornar-se
potável para a vida humana. Agora, considerando o fato de que 80% da água doce
encontra-se condicionada nas geleiras ou na criosfera, conclui-se que a água
não representa um recurso nem abundante, tampouco barato. Não obstante, 12% da
água utilizável se encontram em terras brasileiras, porém, encontra-se mal
distribuída geograficamente, ademais à poluição neste cenário é assombrosa,
posto que 90% dos esgotos domésticos e 70% das descargas industriais são
lançadas na água.
Neste sentido, os
brasileiros jogam cerca de 40% de água potável fora, enquanto em outros países
este percentual situa-se no plano de 10%. No Nordeste, ponto brasileiro mais
carente, o desperdício atinge o índice de 60%, isto é, perdem-se mais nos canos
antes de chegarem às residências do que se consome. Dessarte, considerando as
limitações do ciclo hidrológico com o aumento da demanda populacional, surge à
questão fundamental de como administrar este bem.
Falta consciência
ambiental à população. Fato este que poderá ser sanado por meio da educação
ambiental, da consciência cívica e de políticas públicas. Salienta-se que a lei
que retrata os recursos hídricos (Política Nacional de Recursos Hídricos) foi
promulgada apenas em 1997 (Lei n° 9.433), instituindo o Sistema Nacional de Gerenciamento
de Recursos Hídricos, fator que denota que a preocupação com a água é recente
frente à fundamentalidade deste recurso, produzindo pouca efetividade comparada
à necessidade e urgência carentes.
Nada obstante no
ano de 1934 foi promulgada uma lei sobre as águas (Código de Águas/Lei n°
24.643), porém, atualmente encontra-se desatualizada e insuficiente para as
necessidades, e, se compará-la aos desperdícios e danos sofridos pela água,
será facilmente perceptível que a mesma trouxe pouca eficácia, posto que pelo
amplamente estudado, esta lei sofreu carência de coerção, porquanto se dotou de
normatividade, porque estava escrita, mas não teve capacidade suficiente para
vincular os atos humanos em suas diretrizes, urgindo por alterações em sua
letra e uma descortinação com relação à sociedade sobre a importância de sua
matéria.
Ocorre que “o domínio da quantidade submete-se ao da qualidade”,
no entender de Milaré (2012, p. 264), pois com relação a este bem a qualidade
encontra-se em primeiro plano, e por isto, o uso da água precisa ser regrado
com a efetivação de sua proteção, nunca o uso estando superior ao nível de
proteção conferido a este bem, sob pena de escassez deste elemento e morte dos
seres vivos dependentes de sua existência. Porém, a qualidade da água
encontra-se permanentemente ameaçada através da contaminação por
mocrioorganismos patogênicos e por meio da modificação das características
químicas e físicas de seus corpos, é como se o homem se encaminhasse para o seu
fim conscientemente.
Ao deparar-se com as inúmeras categorias de poluição atuantes nas
águas, percebe-se o imperativo de mergulhar em sua fonte, para descobrir a
origem destas poluições e cessar-lhes a capacidade de ação, exercendo
vigilância sobre as origens destas mazelas, que podem referir-se a esgotos
domésticos, aos agrotóxicos, às efluentes industriais, aos pesticidas, a
mineração, aos detergentes sintéticos, a poluição térmica, e demais fontes não
específicas e dispersas atreladas à pecuária, agricultura e etc. O fator mais
preocupante acerca da matéria é que os organismos humanos são sensíveis aos
efeitos da poluição hídrica, o que robusta a necessidade por qualidade.
Por decorrência cerca de 80% das doenças mundiais provém de
patologias ligadas à água (veiculação hídrica), além de a mesma prestar para
aderir mosquitos e transmissores de epidemias e endemias (ex. dengue). Para
alcançar o padrão de qualidade exigido por lei (OMS- Organização Mundial da
Saúde), é imprescindível agir por meio do monitoramento, levantamento de dados
e vigilância constante, de maneira a controlar a qualidade de água. Porém, esta
incumbência cabe não somente ao Poder Público, mas, também, ao cidadão, visto
que é este quem circula mais próximo e constantemente dos meios hídricos, obtendo
mais possibilidades de deparar-se com problemas relacionados ao tema e podendo
proceder através de denúncias sempre que necessário ou, até mesmo elaborando
programas simples de limpeza e cautelas com relação a águas paradas e etc.
Irrompe que a quantidade de água que é consumida é maior que a
capacidade que o ciclo hidrológico possui, devido ao fato de que grande parcela
da água encontra-se em estado sólido nas geleiras ou vaporizadas na atmosfera,
além de que, os lagos e rios, além de possuírem volumes comprometidos, reservam
pouco desta parcela, sobrando para consumo somente às águas subterrâneas, ou
seja, 0,6% do total da água doce. Fato este que enseja uma especial atenção a
poluição dos aquíferos, e a fiscalização sobre a omissão dos órgãos ambientais
que atuam de maneira insuficiente, indo de encontro aos preceitos que a Ordem
Maior promulga aos brasileiros.
Que já no art. 20, proclama como propriedade da União, “III - os lagos, rios e quaisquer correntes de água em
terrenos de seu domínio, ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com
outros países, ou se estendam a território estrangeiro ou dele provenham, bem
como os terrenos marginais e as praias fluviais” e ainda “V - os
recursos naturais da plataforma continental e da zona econômica exclusiva; VI - o mar territorial” transcrevendo um pouco adiante, no art.
22, inc. IV a competência privativa da União para
legislar sobre este bem.
A passos largos, verifica-se no art. 26 a
competência dos Estados para legislar sobre “I - as águas
superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes e em depósito, ressalvadas,
neste caso, na forma da lei, as decorrentes de obras da União”, assim, no que
diz respeito a esta matéria o Estado com suas leis federais poderá criar
políticas públicas protetivas e sustentáveis, restringindo o consumo
desregrado, porém, como o Município possui competência concorrente para
legislar sobre o meio ambiente, este ente possui a possibilidade de adentrar no
mérito federal e de auxiliar o Estado no que tange à questão.
Como lei infraconstitucional, tem-se o já
citado Código de Águas (n° 24.643/1934), que não foi totalmente recepcionado
pela Lei Maior, o Código Florestal (n° 4.771/1965) que trata de maneira reflexa
ou indireta, o Código da Pesca (Dec. Lei n° 221/1967- alterado através da Lei
n° 11.959/2009), que aborda acerca da Política Nacional de Desenvolvimento
Sustentável da Agricultura e da Pesca. Destaca-se também a Resolução do
Conselho Nacional dos Recursos Hídricos – CNRH, 91, de 05.11.2008 publicada na
data de 06.02.2009, que adota procedimentos de ordem geral sobre o
enquadramento de corpos de águas subterrâneas e superficiais, baseando-se no
CONAMA 357/2005 e 396/2008 definindo as classes de águas.
Saindo do mérito da ação, para adentrar no
plano prático no que tange à matéria, verifica-se através de notícias recentes,
que o Brasil tem tomado medidas extras no que reporta à escassez de água que
abala o país, uma delas constitui o sistema de dessalinização, que vem sendo
utilizado em nove Estados brasileiros, e, possui o custo cinco vezes mais alto
que o tratamento normal em água poluída. Este método consiste em extrair, através
de uma máquina, o sal da água do mar. Este processo serve, também, para regiões
como do Estado do Ceará onde a água do subsolo é salobra, o resultado é que a
cada hora o dessalinizador torna potável mil litros de água.
Ademais, o Estado do Rio de Janeiro pretende
instalar uma usina de dessalinização na região metropolitana, com capacidade de
abastecimento para um milhão de cidadãos, a ideia já esta implantada em vinte e
cinco países e carrega em si bons resultados. No entanto, a maior, mais eficaz
e econômica medida acerca da questão, consiste, na conscientização pelo homem,
acerca da unicidade e imprescindibilidade deste bem, sendo primordial ao
cidadão atuar racionalmente, baseado na sustentabilidade, instigando a
consciência da sociedade sobre a fundamentalidade deste bem.
3.1. A ÁGUA NO VIÉS DE UM
DIREITO HUMANO FUNDAMENTAL
Um direito humano fundamental compreende aquele que é nato de toda
e qualquer pessoa pelo simples fato desta ser um ser humano. Tais direitos
devido a sua supremacia constitucional possuem aplicação imediata, constituem
cláusulas pétreas e possuem hierarquia constitucional, possuem como pedra
basilar a dignidade da pessoa humana. Esta por sua vez, na concepção de
Marmelstein (2013, p. 16), “é violada sempre que um indivíduo seja rebaixado a
objeto, (...), sempre que a pessoa venha a ser descaracterizada ou
desconstituída de direitos,” ideia esta aberta e insuficiente para acolher todos
os âmagos deste princípio, por isto, como forma de robustar este entendimento é
que o doutrinador Sarlet (2002, p. 62) profere que:
[...] onde não houver respeito pela vida e pela integridade física
e moral do ser humano, onde as constituições mínimas para uma existência digna
não forem asseguradas, onde não houver uma limitação do poder, enfim, onde a
liberdade e a autonomia, a igualdade em direitos e dignidade e os direitos
fundamentais não forem reconhecidos e assegurados, não haverá espaço para a
dignidade da pessoa humana.
Os direitos fundamentais possuem um conteúdo ético, verificável em
seu aspecto material, e um conteúdo normativo (formal), por isto para um
direito compreender-se no núcleo de direitos fundamentais é preciso que o
mesmo, além de estar formalizado nas páginas de um caderno de leis, detenha em
seu núcleo um conteúdo ético, valorizado pela sociedade, por isto, a
necessidade de que este direito encontre-se expresso na Constituição de seu
país e detenha em si valores morais e éticos de cunhos basilares aos seus
cidadãos. Estes valores possuem ligação direta com a limitação do poder estatal
e à ideia de dignidade humana, que ao expressarem-se nas constituições, terão
capacidade para fundamentar e legitimar todo o ordenamento jurídico existente,
irradiando seus raios para todo o Estado, vinculando-o em seu véu.
No entender de Moraes (2013, p. 22) tais direitos possuem como
características a imprescritibilidade, irrenunciabilidade, inalienabilidade,
universalidade, inviolabilidade, efetividade, complementaridade e
interdependência. Os mesmos possuem, “normas constitucionais irrevogáveis e
vinculantes, de observância obrigatória, com aplicação direta e eficácia
imediata, capazes de se irradiar por todos os ramos do direito” conforme as palavras
de Marmelstein (2013, p. 246), possuem capacidade de efetuar a jurisdição
constitucional[2].
Ocorre que o estabelecimento de um direito humano fundamental não
compreende sua simples positivação no ordenamento jurídico, mas “o conjunto de
valores éticos, preexistentes, que estão relacionados à dignidade da pessoa
humana em suas diversas dimensões,” conforme assegura Baez (2010, p. 17), visto
que a ação do ordenamento jurídico não compreende a atitude de criar direitos,
mas sim, de declará-los e protegê-los, por este motivo não é possível efetuar
uma interpretação restritiva acerca do objeto, porquanto o que fornece vida a
estes direitos não são suas expressões em leis, mas sim, “a própria existência
humana e sua característica inconfundível de racionalidade e autonomia” na
expressão de Baez (2010, p. 17).
Com relação à água constata-se que a conscientização sobre seu
valor é recente, assim a clarificação global a respeito de sua inadequada
disponibilidade e acesso apenas atualmente foi enfocada como um fenômeno crítico
e ameaçador. Por consequência afirma Machado (2013, p. 505) que a humanidade se
encaminha para o momento em que será acolhida a teoria de que tudo que possui
vida, automaticamente, compreende um sujeito detentor de dignidade, mesmo que
este não constitua um sujeito de direito, mas que “necessite dos seres humanos para
defenderem seus direitos”, e que constituam base para a existência da vida.
Nesta acepção, a água é vista como um direito humano fundamental
por compreender um bem único, com propriedades exclusivas, com capacidade
singular de satisfazer as necessidades humanas vitais. Desta feita o direito a
utilização da água para consumo pessoal constitui parte intrínseca à vida, pois
sem este bem não há existência. Nesta acepção a Conferência de Berlim de 2004
traz em seu art. 17 que “cada indivíduo tem o direito de acesso à água, de
forma suficiente, segura, aceitável, fisicamente acessível e oferecida, para
alcançar as necessidades humanas vitais do indivíduo”, necessidades que podem
ser relacionadas em três, para bebida, para preparo alimentar e para a higiene.
Por esta lógica, Machado (2013, p. 506) afirma que “o ser humano
esta vinculado à água de forma indissolúvel, pois ele não pode passar mais de
quatro dias sem líquido. A água faz parte do direito à vida e, portanto, negar
a água a uma pessoa, ou dificultar-lhe o acesso ou não colaborar na sua
obtenção é condenar essa pessoa a morte,” assim também é o entendimento
implícito[3] do Pacto Internacional
Relativo aos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Ocorre que o acesso à
água não é algo utópico, porém depende de fatores como o número de pessoas e a
quantidade de água disponível, desta feita, hidrologia e demografia precisaram
estar conectadas.
O acesso individual à água merece ser entendido como um direito
humano universal, significando que qualquer pessoa, em qualquer lugar do
planeta, pode captar usar ou apropriar-se da água para o fim específico de
sobreviver, isto é, de não morrer pela falta de água, e, ao mesmo tempo, fruir
do direito à vida e do equilíbrio ecológico. A noção do direito de acesso à
água não requer que nele se insira, necessariamente, a gratuidade ou o
pagamento de água consumida. Quem puder pagar a água, por ela pagará; mas a
quem não puder pagá-la, não se pode permitir que se lhe negue o acesso para as
necessidades vitais, ou seja, o acesso à “água vital”. (MACHADO, 2013, p. 506).
É nesta logicidade que se orienta o Protocolo sobre Água e Saúde
de Londres/1999, arraigado em seu princípio 5°, inc. 1, que expressamente
define que à água potável, por compreender um bem vital, é assegurada a todos,
indistintamente, na mesma direção encaminha-se a Conferência de Berlim de 2004,
e também, a ONU, por meio da Resolução 64/292, de 28.07.2010, que se coadunam
em reconhecê-la como bem vital.
Torna-se imprescindível que a água seja reconhecida como um
direito humano fundamental que o és, para que este bem possa ser então,
assegurado sem resistência e com a devida dimensão que precisa.
4.
AUTOAFIRMAÇÃO JURISPRUDENCIAL DA ÁGUA COMO UM DIREITO HUMANOFUNDAMENTAL
É inegável à água o seu caráter de direito fundamental,
entendimento este, alicerçado através das decisões magistrais brasileiras, que
garantem através da jurisdição a distribuição deste bem de forma plena e
adequada, em sua dimensão de sérvio público essencial, devendo ser prestada de
forma digna, de forma a suprir as necessidades humanas, como garante a
Constituição Cidadã.
Ementa: ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL
PÚBLICA. TUTELA ANTECIPADA. ABASTECIMENTO DE ÁGUA EM ALDEIA INDÍGENA.
1. O direito ao fornecimento de água de forma
plena e adequada é serviço público essencial. Isto é, sendo o direito à água direito fundamental de todos os
indivíduos, este deve ser prestado de forma digna, contemplando as necessidades
básicas do ser humano. Toda a população tem direito ao acesso à água em padrão
de qualidade adequado ao uso. Não basta que o fornecimento de água seja feito
de forma insuficiente e insustentável como vem sendo realizado em relação à
aldeia Vera Tupã'i. (Rel. MARGA INGE BARTH TESSLER. TRF4. 3ª Turma
do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. 05.05.2014.).
As decisões deste Egídio tribunal apenas reforçam o que fora
exposto no decorrer do texto, afirmando que “sendo o fornecimento de água
direito fundamental de todos os indivíduos, este deve ser prestado de forma
digna, contemplando as necessidades básicas do ser humano.[4]” Ou seja, a água vista por
este prisma compreende um dever prestacional do Estado de não apenas
disponibilizá-la a todo e qualquer cidadão, mas de fazê-lo de forma digna, suprindo
as necessidades básicas, e, garantindo a prestação de um mínimo existencial.
Hodiernamente muito se discute sobre o tema da dignidade humana
ou da vida digna, porém, há pouca concordância doutrinária acerca do objeto. Desta
forma, Sarlet (2007, p. 33) argumenta que viver com dignidade abrange mais que
a garantia de simples sobrevivência. Registre-se, então, que a dignidade humana
apenas se efetiva, no instante que seja possível a materialização completa do
rol de direitos fundamentais no plano prático. Neste entendimento, qual seria o
conteúdo deste mínimo existencial? E qual a possibilidade de seu alcance?
Em resposta, o respectivo autor emprega o termo mínimo existencial, que compreende as
condições materiais mínimas para a existência de um ser humano, que para além
de conferir uma proteção básica, garante o direito de inserção social, estando
conectado intimamente ao direito à vida e à dignidade, substanciado através do
princípio da igualdade. Este por sua vez, não se confunde com o mínimo vital ou fisiológico, cujo qual apenas
garante o direito à vida (ou não sucumbência), indo além, este último engloba
em seu núcleo a garantia da qualidade de vida. Porquanto, impedir que alguém
sucumba à sede, indubitavelmente é o primeiro passo para o encontro de uma vida
digna, no entanto, não é suficiente, é preciso que esta água seja potável e em
quantidade suficiente para suprir as necessidades.
Por decorrência, reduzir o mínimo existencial para um mínimo
fisiológico poderia ser perigoso à sociedade por estar induzindo o Estado a
prestar somente as condições mínimas aos cidadãos, garantindo aos mesmos,
apenas as condições que lhes impeçam de desfalecer. Importante ponto a ser
ressaltado é que a dignidade precisa ser respeitada e promovida através do
Estado, razão pela qual, determinadas prestações tornam-se indissociáveis das
mãos deste ente público. Importa destacar que a garantia a um mínimo
existencial independe de expressão legal, visto que decorre do princípio da
dignidade humana.
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PÚBLICO NÃO
ESPECIFICADO. DANOS AMBIENTAIS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. Via de regra não cabe ao
Judiciário interferir nas escolhas relativas a políticas públicas, pois a
destinação dos recursos estatais, em face de sua escassez, compete ao Poder
Executivo, legitimado democraticamente para tal. Contudo, em situações
excepcionais, configurada omissão que atinja direitos fundamentais dos
cidadãos, como o de saúde decorrente da higiene, ou existindo grave lesão a
bens coletivos de hierarquia constitucional, como a proteção ao meio ambiente,
pode e deve o Judiciário intervir quando provocado. Danos ambientais causados à
vegetação e ao curso d água existentes em área de preservação permanente.
Despejo de resíduos sólidos e esgoto doméstico sem tratamento em recurso
hídrico. Existência de moradias em área de risco de inundação e desabamento.
APELO DO AUTOR PROVIDO. APELO DO RÉU DESPROVIDO. (Apelação Cível Nº
70053993200, Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Heleno
Tregnago Saraiva, Julgado em 23/10/2013).
Por meio da referida apelação civil foi possível extrair que
o judiciário não pode ficar omisso frente à desproteção dos direitos
fundamentais, estando ele legitimado a agir, mesmo sem respaldo legal, motivado
pela inércia do ente competente acerca da matéria, sem que com isto esteja desrespeitando
o princípio da separação de poderes. Deste conflito que se estabelece devido ao
judiciário efetivar um direito prestacional sem a devida intervenção
legislativa, surge um paradoxo que Marmelstein (2013, p. 311) prolata:
Se os direitos fundamentais não puderem ser implementados
perante os órgãos judiciários, eles correm o risco de serem transformados em
mera retórica política; se, por outro lado, esses direitos forem exigíveis na
via judicial, surge a ameaça de deslocamento das decisões políticas do
Legislativo e do Executivo para o Poder Judiciário.
Assim é que as questões do âmbito jurídico nunca se encerram,
porém, sempre alcançam concordância, pois que, negar a aplicação e
materialização dos preceitos da Carta Magna é o mesmo que negar-se ao Estado
Democrático de Direito, ou seja, impossível, sob pena de quebra do Estado,
devendo o judiciário estar encaminhando-se sob a premissa de que as leis estão
para a nação e não o povo para as leis, posto que são as leis que servem e
colocam ordem à população, não de forma autoritária mas de estruturação.
5.
DEFINIÇÕES CONCLUSIVAS
Através deste manuscrito foi analisada a água no viés de um
direito humano fundamental, instante em que foi discorrido sobre a unicidade
deste bem para a população, e decorrente disto, a possibilidade de que o
cidadão venha a pedir sua prestação juridicamente, posto que, devido a sua
fundamentalidade ela torna-se exigível através do Estado, e este por sua vez,
como se encontra impossibilitado de extrair a vida do homem, não pode ficar
omisso vendo seu cidadão sucumbir de sede.
Tal teoria baseia-se na dignidade da pessoa humana e na questão do
mínimo existencial, considerando que em um Estado cuja Constituição esculpe em
suas páginas 250 artigos, garantir ao homem o direito a uma mera sobrevivência
seria negar totalmente sua irradiação ao plano material. Tal posicionamento foi
reforçado através de decisões magistrais, que conscientes da essencialidade
deste bem, encontram-se concordantes em não apenas, disponibilizá-las
judicialmente, mas garanti-la de maneira digna.
Ademais, analisar o texto constitucional para verificação de um
direito compreender ou não uma norma fundamental vai além de analisar sua
redação, mas abrange analisar todo o seu corpo minuciosamente, visto que nem
sempre um direito fundamental se encontra expresso em lei, mas nem por isso
deixa de ser capital, porquanto, não é a sua expressão e formalidade que fazem
de um direito uma regra fundamental, mas o seu núcleo protetivo.
A premissa que se vale, é a de que, são as leis que são feitas
para o homem e não o contrário, por decorrência o direito é mutável tal como as
necessidades do ser humano e por este motivo, não pode um direito que leva em
si, algo único e fundamental, com capacidade de determinar e acondicionar a
própria vida, estar excluído de valorização como direito fundamental que és,
por seu valor.
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[1] STF, MS 22.164-0 SP, Trib.
Pleno, j. 30.10.1995, Rel. Min. Celso de Mello, p. 20 ss. (disponível em
www.stf.gov.br).
[2] Jurisdição constitucional: forma pela qual um órgão imparcial e
independente exerce a função de fiscalizar o cumprimento da Constituição. MARMELSTEIN, George. Curso de Direitos Fundamentais. 4
ed..-São Paulo: Atlas, 2013, p. 249.
[3] Direito implícito: um direito não escrito, mas que decorre do
sistema legal, por força de suas expressões. MARMELSTEIN, George. Curso de Direitos Fundamentais. 4 ed..-São Paulo: Atlas, 2013, p.
22.
[4] TRF-4
- AG: 14410 RS 2008.04.00.014410-0, Relator: MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA, Data de
Julgamento: 27/08/2008, QUARTA TURMA, Data de Publicação: D.E. 15/09/2008.