terça-feira, 14 de março de 2017

A promoção dos Direitos Humanos Fundamentais através da Polícia Militar (Parte I)

INTRODUÇÃO
O referido estudo possui como temática a análise da promoção dos direitos humanos fundamentais através da Polícia Militar, sob o enfoque de efetivar um resgate de valores no âmago social e enraizar uma cultura pró-ativa através de seus programas educacionais, pretendendo edificar uma sociedade composta por pessoas pensantes e atuantes, emolduradas na legalidade e humanidade, bem como, na busca da concretização da moralidade, da eticidade e dos demais valores estruturantes da Carta Mãe.
Os direitos humanos fundamentais edificaram-se sobre o sangue, as cinzas, a dor e o sofrimento das vítimas dos campos de concentração Nazista, e dos demais regimes autoritários aos quais os cidadãos foram expostos no transcorrer do tempo, sendo torturados, mutilados e mortos, passando a compreender expressões protetivas em Declarações de Direitos, como meio de eternizarem-se, para que seu sofrimento não fosse em vão e não caísse na lacuna do esquecimento, e assim sendo, não retornasse a vida no solo pátrio. No entanto, a mesma mão que escreveu as leis tirânicas que ceifaram vidas e destruíram famílias e sociedades inteiras, também, esculpiram em letras douradas os direitos que as salvaram e resguardaram sua dignidade, posto que, o papel aceita tudo que lhe é colocado, por isso a necessidade de haver racionalidade e fiscalização quanto à efetividade dos direitos protetivos do homem.
É por este motivo, que as pessoas precisam ter conhecimento de seus direitos e dos mecanismos de concretização dos mesmos, sendo imperativo que tenham discernimento para reagir às ilicitudes e buscar a materialização de seus direitos, fiscalizando os atos provenientes do poder público e cobrando a consolidação da lei, evitando que seus direitos passem a compreender letra morta no cemitério de leis, transformando-se em simples versos, sem materialidade. Afinal, da formalidade da lei escrita para a materialidade de suas expressões no solo nacional há uma distância que precisa ser percorrida, para que, então, estes direitos possam emergir em terrae brasilis e enraizarem-se em proteção aos cidadãos.
Contudo, para que os indivíduos possam reagir às arbitrariedades e ilicitudes, é necessário conhecimento jurídico, visto que ninguém busca o que não sabe e nem efetiva o que não conhece, é por este motivo que a educação compreende um elemento fundamental na formação e edificação do Estado Democrático de Direito. Consciente disto é que a instituição militar alicerçou-se, também, sobre este ramo (educacional), e originou uma diversidade de programas educativos, visando resgatar valores e enraizar uma cultura de pessoas pensantes e atuantes, com consciência de seus direitos e deveres como cidadão, levando aproximação e confiança à sociedade, em uma relação de cordialidade.
O problema desta pesquisa circunda na análise da efetividade dos programas educacionais desenvolvidos através da Polícia Militar no que reporta a promoção dos direitos humanos fundamentais, dentre eles, a prevenção à criminalidade e a advertência dos riscos relacionados ao uso ilícito de drogas. O objetivo geral do estudo envolve a aferição dos benefícios sociais dos programas educativos elaborados pela instituição militar e materializados por seus agentes da lei, fardados. Já, os objetivos específicos compreendem: a) efetuar uma análise na capacidade que a educação, transmitida pelo policial militar possui de transportar valores e enraizar uma nova cultura na sociedade (legalista, pró-ativa e humanitária); b) sopesar o diferencial que a instituição militar possui em seus programas; c) avaliar se a absorção do conhecimento ofertado pelo policial militar em sala de aula é suficiente para reprimir e coibir as ilicitudes.
A pesquisa é de suma importância por tratar de temas que envolvem interesse geral, como a segurança pública e a área educacional. Este estudo se justifica pelo fato de que a questão da segurança pública encontra-se em voga e o sensacionalismo midiático tem preferido transformar as ocorrências em páginas vermelhas utilizando-se do sangue das vítimas do que focar na forma de agir dos agentes da lei fardados e em seu profissionalismo, perpetuando uma sensação de medo surreal, pois, evidencia a violência acima da criminalidade realmente existente, manchando de sangue a farda de guerreiros humanos que lutam diuturnamente pela justiça e pela materialização da lei.
Ou seja, pretende demonstrar o heroísmo humano, que pulsa no peito do guerreiro fardado, que munido, mais pelo sentimento de patriotismo (honra e decoro) que pela valorização da população e do Estado, luta com a espada da lei e com o escudo da justiça para implantar a segurança pública, ao lado de outros agentes da lei, das demais instituições, que buscam implacavelmente garantir a segurança e o bem da população, também com a mesma força e garra dos guerreiros fardados, porém, nas posições e forma que a lei lhes determina.
A pesquisa realizou-se através do método bibliográfico e de pesquisas de campo, com abordagem quantitativa, utilizando-se do método indutivo, instante em que a autora visitou as instituições referidas no decorrer do texto e entrevistou os profissionais em ação, ou seja, desenvolvendo seus afazeres. Por compreender uma pesquisa de campo, o público pesquisado abrangeu agentes militares, educandos, professores, pais dos alunos e cidadãos comuns relacionados aos programas ofertados. A coleta de dados ocorreu através de entrevistas. Quanto à parte bibliográfica, o material colhido compreendeu doutrinas de vários autores, e análise dos projetos dos programas educativos desenvolvidos pela PM.
O manuscrito em comento possui 06 Capítulos. Assim, o primeiro Capítulo desenvolve-se, através da transcrição da atividade militar em um Estado Democrático de Direito, destacando a função militar de promover a segurança pública no viés que a letra da Carta Cidadã designou, abordando o agente fardado no sentido humanitário e próximo da população, abandonando a imagem surreal do militar no sentido de agente autoritário, que os regimes imperiais criaram, onde o mesmo era visto, simplesmente, como o braço forte do Estado, considerando-o no sentido de um ser humano que trabalha em linha de frente contra a criminalidade, que é comumente utilizado, como “buchas de canhão”, ou seja, como arma ou escudo humano contra a marginalidade, exposto a todo o tipo de agressões, e desprovido de valorização e de proteção em nome da sociedade e do Estado.
 No Segundo Capítulo, a autora passa a discorrer sobre as diretrizes que a Carta Magna destacou à instituição militar, através do art. 144 e demais expressões, efetuando um estudo minucioso na escrita que o constituinte originário dirigiu a todos os agentes da lei, especialmente no que diz respeito aos militares, como forma de extrair os entendimentos e diretrizes que o cerne do regramento jurídico empregou para lapidar os policiais no que reporta à efetivação da segurança pública no território brasileiro, movendo-os através de seu amor à bandeira e aos cidadãos, colorindo em verde e amarelo o solo nacional, com base na lei e na ordem, implantando novamente o sentimento de amor pela pátria, já esquecido nos corações das pessoas devido a toda abundancia de ilicitudes cometidas frente aos seus olhos.
No Terceiro Capítulo, embasa-se o impacto social que os adolescentes causam ao envolverem-se com a delinquência, momento em que foi efetuada uma pesquisa de campo, através de uma visita ao CASEP (Centro de Atendimento Sócio educativo Provisório) de Chapecó/SC, onde a autora atuou através de entrevistas com os jovens ali cerceados, buscando respostas que justificassem suas ações e meios para readaptá-los à sociedade, instante em que a solução encontrada apontou para a necessidade do agir preventivo. Acerca do qual, o 2° BPM/Chapecó/Fron pertencente à 4ª RPM/Fron já deu o primeiro passo em sua direção criando o programa de Prevenção à Violência Escolar, pretendendo transmitir valores e conhecimento aos jovens em idade escolar, evitando que os mesmos adentrem na criminalidade, algemando-se a esta forma de vida, e prendendo-se nas gélidas grades do sistema carcerário, que mais que recuperar, vitimizam e destroem.
No Quarto Capítulo, a autora efetuou uma avaliação nos desafios que os cidadãos enfrentam ao procurar materializar os direitos humanos fundamentais, instante em que é demonstrando o projeto do programa EDHUCA: Educação em Direitos Humanos e Cidadania Ativa, criado pelo 15° Batalhão de Polícia Militar de Caçador/SC, mas que ainda não foi efetivado, por falta de incentivos pecuniários e de apoio estatal, cujo qual, visa levar conhecimentos jurídicos para o povo, partindo dos jovens em idade escolar para os demais conterrâneos, motivado pelo imperativo que a população possui de conhecer a lei e de saber como proteger-se contra as ilicitudes, partindo do sentido de que é sabendo como manejar o escudo da lei e a espada da justiça que se aprende a fiscalizar e a reagir frente às arbitrariedades e ilicitudes de toda espécie dos quais a sociedade é vítima.
No transcorrer do caminho, depara-se com o Quinto Capítulo, o qual faz expressão do direito humano fundamental referente ao meio ambiente, enfatizando sua essencialidade como bem de extensão à vida humana. Neste instante, é apresentado o programa Protetor Ambiental, de origem Catarinense, dando enfoque à ação da 2° Batalhão de Polícia Militar Ambiental de Chapecó/SC, onde foi efetuada uma pesquisa de campo como forma de extrair a efetividade do programa, momento em que a autora se juntou a corporação e efetuou entrevistas aos integrantes do programa (policiais militares, alunos e etc.), obtendo os pormenores referentes ao mesmo.
Salientando que a Polícia Militar Ambiental é um ramo da árvore da Polícia Militar, tal como o Corpo de Bombeiros Militar, cabe destacar que a mesma tem permanecido longe dos holofotes das cidades e seu trabalho tem passado despercebido ao olhar desatento dos cidadãos comuns e por isto não tem recebido os créditos e o respeito que merece, feito uma sombra que escurece o solo pátrio, é o desconhecimento da população quanto ao valor e a necessidade da ação da PMA, este dessaber deve-se ao fato de que a atividade policial militar ambiental prepondera-se sobre a área ambiental, e seu atuar edifica-se na região agreste do solo pátrio, no entanto, nem por isto merece desprestígio, visto agir em proteção e recuperação de um bem essencial à vida humana, sendo capital que seu trabalho seja desmistificado e que as luzes do saber se abram aos olhos das pessoas, extraindo-as do véu da ignorância, e desabrochando-as para a valorização do trabalho humano militar ambiental, acerca do qual será desenvolvido em capítulo próprio.
Por corolário, o Sexto Capítulo, fechou com chave de ouro este manuscrito, por meio da abordagem ao programa Proerd, que por sua capacidade de efetividade foi implantado em todo o solo nacional. O mesmo é proveniente de Los Angeles, onde se denominava D.A.R.E. Todavia, como forma de analisar sua eficácia, a autora entrou em contato com instituições militares de quatro Estados brasileiros, instante em que foram realizadas entrevistas com instrutores, professores das escolas, alunos e pais envolvidos no programa dos Estados do Rio Grande do Sul, Bahia, Rio Grande do Norte e de Santa Catarina, sobre as quais será transcrito no desenrolar do Capítulo em epígrafe.
De antemão, é possível adiantar que este programa atua sobre a premissa de que a educação é dada pela família e pela sociedade, pois, acredita que a criança ao adentrar no âmbito escolar já possui sua personalidade formada por seu círculo de convívio, assim, o Proerd labora apenas dando continuidade ao que, em tese, já foi construído pela família, isto é, ele pretende regar e adubar as sementes dos valores que já foram plantados na terra fértil que é o cérebro da criança, levando conhecimento para as mesmas, como meio de avigorar os valores já incorporados por elas, visto que trabalhar em uma pessoa desviada dos valores sociais é uma tarefa muito mais árdua que, reforçá-los no infante.
Porém, mesmo a criança que foi criada através de uma educação adversa é trabalhada nesta atividade militar, posto que, a ação do policial militar proerdiano atua desde a mais tenra idade sobre o infante, laborando sobre o mesmo, como se ele fosse uma folha em branco e nele estivesse sendo esculpidas as primeiras letras em prata e dourado, transformando-o através da transmissão e estímulo de valores, instigando seu senso crítico, no entanto, sua alforria da educação equivocada através da qual foi criado é mais difícil que no caso de uma criança bem encaminhada.
Afinal, a capacidade de assimilação e de incorporação de uma criança com valores já estabelecidos é diferente daquela em que é preciso começar do nada, principalmente, devido ao fato de que a ação da família e de outros conviventes com a criança é essencial para o seu desenvolvimento sadio e íntegro, por este motivo, este programa busca unir esforços entre a comunidade militar, escolar, familiar e social (de modo geral), pois educar, construir, resgatar e introduzir valores é uma tarefa que diz respeito a todos e precisa ser efetuada desde o berço, até sua formação adulta, como pretende fazer, não só este, mas todos os demais programas instituídos pela Polícia Militar e Polícia Militar Ambiental.
CAPÍTULO I
A SEGURANÇA PÚBLICA SOBRE O ENFOQUE DE UM ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO


1.1  Uma Apreciação ao Estado Democrático de Direito
Posterior à promulgação da Constituição Federal de 1988, se tornou popular a expressão Estado Democrático de Direito, todavia, apesar da difusão deste modelo estatal, pouco foi aprofundado sobre sua materialidade e eficácia. O que se sabe é que o poder absoluto passa a se retrair frente ao domínio dos direitos individuais e coletivos, com vistas a manter uma sociedade justa e igualitária. A lei passa a ser soberana limitando tanto a atividade estatal quanto individual, dando afirmativa aos direitos públicos, conforme afirma Tácito (1986 p. 97/98).
Destaca Montesquieu (apud BRANDÃO, 1987, p. 17) que a tendência do indivíduo a viver em sociedade é natural, e para isto, o homem abdica de sua liberdade individual acatando a soberania estatal. No entendimento de Rousseau (2012, p. 27), “a força fez os primeiros escravos e sua covardia os perpetuou”, expressão esta que indica a necessidade de os cidadãos buscarem seus direitos e fiscalizarem os atos do poder público para que a arbitrariedade e as ilicitudes não predominem. Desta forma, a limitação efetuada pelo Estado é própria da convivência em sociedade, caracterizada pela predominância da lei, denominando-se Estado de Direito. Por este motivo é que a lei estabelece limitação não apenas ao cidadão, mas também ao Estado, cujo qual invocou para si o princípio da autoridade e da jurisdição, objetivando efetivar a lei e garantir a ordem pública, conforme destaca Brandão (1987, p. 17), tencionando evitar o exercício arbitrário das próprias razões.
Conforme os preceitos esculpidos no Caderno Constitucional, não basta o simples uso da força, é necessário que haja legitimidade na ação, desta feita para que o Estado de Direito seja Democrático é preciso que a força seja proveniente do povo e que sua vontade seja soberana, abrindo precedentes para uma convivência social harmônica, assim “o manto da autoridade cobre todos os atos provenientes do Estado com a finalidade de preservar o direito público em meio à pugna dos interesses e litígios individuais”, nas palavras de Brandão (1987, p. 17).
Salienta-se sobre a importância que possui a relação entre a autoridade e a ordem, constatada em dois instantes, compreendendo “a ordem como organização e ordem como mandato”, no entanto, existem diferentes tipos de ordens e formas de mantê-la, porém é no sentido da ordem como mandato, tencionando manter a ordem como organização, que emerge o conceito de autoridade, véu que envolve os atos estatais e efetua a promulgação das leis, cujas quais, não teriam validade ou eficácia se não tivessem “uma força coercitiva que lhe estivesse agregada”.
Esta força coercitiva que provem do Estado denomina-se polícia, e detém legitimidade de ação através do poder de polícia, aqui empregado no sentido de associações institucionais estatais que objetivam a ordem pública. Ou seja, a polícia em sua organização concretiza o poder de coerção do Estado, e compreende um conjunto de indivíduos atuantes para manter a ordem, prevenir e reprimir as rupturas da lei. Em vista disso assevera Lopes (2009, p. 25), que “o modelo de relação própria ao poder não deve ser procurado” através de violência, mas sim por meio do governo, através das políticas públicas estratégicas.
Ademais, o ser humano buscou a convivência social motivado por mudanças culturais e em busca de garantir sua sobrevivência, formando um contrato social, no qual a multidão se reuniu em um corpo, onde cada indivíduo compõe um membro seu, e como componente indissociável deste, visam proteger uns aos outros, impulsionados pela própria necessidade de manter a unidade, como assenta Rousseau (2012, p. 44/45). Desta maneira, cada membro do grupo se abstém de sua liberdade individual, para englobar uma liberdade grupal, formalizada por regras de convivência, pretendendo limitar o poder Estatal e garantir a conservação social. Conforme explana Ekmekdjian (apud MORAES, 2013, p. 2), “o homem, para poder viver em companhia de outros homens, deve ceder parte de sua liberdade primitiva que possibilitará a vida em sociedade”. Segundo ele:

Essas parcelas de liberdades individuais cedidas por seus membros, ao ingressar em uma sociedade, se unificam, transformando-se em poder, o qual é exercido por representantes do grupo. Dessa forma, o poder e a liberdade são fenômenos sociais contraditórios, que tendem a anular-se reciprocamente, merecendo por parte do direito uma regulamentação, de forma a impedir tanto a anarquia quanto a arbitrariedade.

Na concepção de Marmelstein (2013, p. 10), é necessário que toda a atividade que englobe a área jurídica (inclusive a ação Policial Militar), seja fortemente envolvida por um conteúdo humanitário, com vistas a evitar que o direito venha a ser usado como justificativa para arbitrariedades e anarquias, como ocorreu com o Nazismo, devido ao fato de que “a mesma tinta utilizada para escrever uma Declaração de Direitos pode ser usada para escrever as leis do Nazismo”, cabendo à sociedade efetuar o exame das leis e dos atos públicos e a reivindicação de seus direitos fundamentais, conforme legitima a Carta Magna.
A fiscalização dos atos públicos justifica-se em impedir que o Estado torne-se opressivo, evitando a ascensão do autoritarismo por meio do abuso da burocracia, através da qual o ente estatal desarma tanto os sujeitos quanto os setores da sociedade, em virtude de que o Estado passa a se responsabilizar em demasia sobre as necessidades e anseios dos cidadãos fazendo “proliferar os órgãos de serviço público”, causando morosidade e retardamento no que tange a efetivação dos direitos do indivíduo, tonando as leis simples versos desprovidos de efetividade. Fato este que desencadeia na busca pela desburocratização através da criação de meios informais de solução das necessidades sociais, com base na privatização dos serviços públicos, como leciona Lazzarini (1986, p. 106).
Este fato justifica uma ação de proximidade entre a Polícia Militar e a comunidade social, com vistas a construir uma relação de respeito e cordialidade entre o sujeito ativo da promoção da lei (polícia) e o sujeito passivo desta conexão (sociedade), em uma relação de consideração mútua em que a primazia consiste na efetivação dos direitos humanos fundamentais, visto que da formalidade da lei escrita a sua materialização em terrae brasilis existe um caminho árduo, o qual esta instituição incumbe-se por efetuar. Ademais esta burocracia, cognominada tecnicismo jurídico, “tem empurrado nossas autoridades a uma prática sequente, desenfreada e insana de produção de leis”, porquanto o ordenamento jurídico nacional encontra-se cada vez mais vasto, visto que quase tudo está expresso em lei ou com um projeto de lei em andamento, porém a prática é outra, em razão de que, apesar da diversidade de leis existentes, este Estado compreende uma das nações mais injustas, “por quê? Porque temos leis demais e processo de menos”, como expressa Soares (2003, p. 95).
As leis não possuem eficácia por si própria, pois, para poderem expressar seus efeitos é necessária sua reivindicação através de um processo, é neste ponto que inicia umas das principais deficiências deste Estado, a jurisdição, devido ao fato de o sistema processual ser arcaico, ineficiente e incapaz de suprir a demanda existente, com profissionais carentes de habilitação e inconscientes de seu dever como funcionário público. Conforme o referido autor (2003, p. 96) “por melhor e mais bem intencionada que seja uma lei, para que haja a sua efetiva aplicação, é necessária a existência de um processo. E quanto mais simples, objetivo e racional for este processo, mais eficientemente a lei será aplicada” é por este motivo que o indivíduo não pode ficar dependente do judiciário, devendo, por este motivo, respeitar as leis e seus semelhantes, sem que haja necessidade de coação para tanto.
Trazendo para o plano de atuação militar, verifica-se que o policial encontra-se constantemente inibindo ilegalidades, porém, em virtude da morosidade estatal, o meliante, antes mesmo de ser julgado, acaba retornando a convivência social e reincidindo no crime, guiado pela sensação de impunidade que impera na sociedade, efetuando um ciclo vicioso de impenitência, gerando a sensação de medo que se alastra na comunidade e transmite a ideia errônea de desvalor da polícia. Cabe salientar que “o papel aceita tudo. (...) logo o legislador, mesmo representando uma suposta vontade da maioria, pode ser tão opressor quanto o maior dos tiranos”, portanto havendo uma integração entre a sociedade e os órgãos públicos, tanto a arbitrariedade, quanto a morosidade estatal poderão ser suprimidas.
Destaca Barroso (apud MARMELSTEIN, 2013, p. 10) que emerge a necessidade de legalizar e humanizar as ações humanas, com base no princípio da dignidade humana, visando promover e efetivar os escritos constitucionais, proporcionando um convívio social digno, priorizando o bem comum por parte de todos os entes, assim como dos indivíduos para com seus semelhantes. Porém, isto não obriga a polícia a agir conforme o bem comum, posto que esta ideia abre precedentes para o policial trabalhar de acordo com seu julgamento de melhor conveniência, fato este afastado em razão de que a ação policial é estritamente legal, não podendo o agente militar agir fora do que esta prescreve, sob pena de abuso de autoridade. Desta feita, “a ideia de Estado é inseparável da ideia de Polícia e o fundamento da ação de polícia é o poder de polícia”, pois a ação policial apenas será arbitrária quando estiver divorciada do Estado Democrático de Direito, como insere Lazzarini (1986, p. 23).
É nesta acepção que Sarlet (apud MARMELSTEIN, 2013, p. 16) destaca que “onde não houver respeito pela vida e pela integridade física e moral do ser humano, onde as condições mínimas para uma existência digna não forem asseguradas, onde não houver uma limitação de poder”, ou seja, “onde a liberdade, a autonomia, a igualdade em direitos e dignidade e os direitos fundamentais não forem reconhecidos e assegurados, não haverá espaço para a dignidade humana”. Sem dignidade o ser humano é rebaixado ao status de coisa, sendo desabonado de sua condição humana, fato este incabível em um Estado Democrático de Direito.
Desta feita, como meio de regulamentar a vida social e promover a efetivação de garantias como a dignidade humana é que emerge a Carta Cidadã, que além de organizar a sistemática estatal e os poderes que os engloba, acolhe os direitos fundamentais e sociais imprescindíveis aos homens, designando-os indistintamente aos seus cidadãos. Em concordância com Jesus (2011, p. 53) constata-se que o Estado Democrático[1], também, constitui um Estado de Direito[2], lugar em que a lei é o principal meio de padronização das relações sociais, “onde o princípio de legitimação da sociedade política se assenta.” Esta concepção advém da “luta contra o monarca, seu poder absoluto e dos privilégios do clero, da nobreza e das corporações,” e possui inspiração nos valores liberais-burgueses (2011, p. 53), idealizando o homem como um valor em si mesmo e envolto pelo manto da dignidade humana, princípio fundamentador da CF/1988 (art. 1°, § 3°).
Outrossim, “em um Estado bem governado há poucas punições, não porque se concedem muitas graças, mas porque há poucos criminosos,” como destaca Rousseau (2012, p. 71), quanto maior a quantidade de crimes, menor a efetividade da lei. Destaca o referido autor (2012, p. 75-97), que a base da Democracia consiste no fato de que “o povo submetido às leis deve ser-lhes o autor”, por isto a lei que rege o povo deve provir do mesmo. Isto é, “todo povo encerra em si alguma causa que o regulamenta de maneira particular e torna sua legislação adequada somente para ele”, ou seja, as leis compreendem o reflexo de seu povo.
Por consequência, o Direito compreende um instrumento conformador e limitador do Estado, fazendo com que a atividade estatal apenas possa se desenvolver caso esteja em conformidade com os preceitos estabelecidos pela ordem jurídica, garantindo aos cidadãos mecanismos de defesa, como os direitos humanos e os direitos fundamentais. Neste enfoque, Moraes (2013, p. 1) destaca que, os direitos fundamentais tiveram origem através da fusão de várias fontes, “desde tradições arraigadas nas diversas civilizações, até a conjugação dos pensamentos filosófico-jurídicos, das ideias surgidas com o cristianismo e com o direito natural”, logo, possuindo em comum o objetivo de limitar e controlar o abuso do Estado e das autoridades públicas, bem como consagrar os princípios basilares da ordem estatal.
Por corolário, a teoria dos direitos fundamentais compreende uma temática mais antiga que a do próprio constitucionalismo[3], posto que, a Constituição Federal apenas consagrou um “rol mínimo de direitos humanos em um documento escrito derivado diretamente da soberana vontade popular”. Desta forma, conforme Marmelstein (2013, p. 15) declarar um direito como fundamental não constitui mera teoria, ao contrário, a expressão destes direitos sem que tenham materialidade compreende uma lacuna, uma negação à expressão da Carta Política e ao Estado de Direito, devido ao fato de que o status de um direito como fundamental lhe designa algumas características, in verbis:

a)       Possuem aplicação imediata, por força do art. 5°, § 1° da Constituição de 88, e, portanto, não precisam de regulamentação para ser efetivados, pois são diretamente vinculantes e plenamente exigíveis;
b)       São cláusulas pétreas, por força do art. 60, §4°, inc. IV, da Constituição de 88, e, por isso, não podem ser abolidos nem mesmo por meio de emenda constitucional;
c)      Possuem hierarquia constitucional, de modo que, se determinada lei dificultar ou impedir, de modo desproporcional, a efetivação de um direito fundamental, essa lei poderá ter sua aplicação afastada por inconstitucionalidade. (Grifos do original).

Nesse sentido, Dallari (apud JESUS, p. 54/55) define que o Estado Democrático de Direito, arquiteta-se sobre três pontos, sendo “a supremacia da vontade popular, a preservação da liberdade e a igualdade de direitos”. Neste sentido, Jesus (2011, p. 55) esclarece:

[...] o Estado Democrático de Direito preconizado pela Constituição brasileira, reúne os princípios do Estado Democrático e do Estado de Direito, não como simples reunião formal de seus elementos, mas porque releva um conceito novo que os supera, na medida em que incorpora um comprovante revolucionário de transformação de status quo.

Ou seja, por meio da junção destes dois conceitos, a Carta Magna, cria um novo paradigma, com vistas na realização social, materializando seus direitos, através de “instrumentos que oferece a cidadania e que possibilita concretizar as exigências de um Estado de justiça social”, pautado na dignidade humana, conforme enfatiza Jesus (2011, p. 55). Nesta ideia de Estado Democrático de Direito, a lei deve possuir superveniência, tanto no aspecto formal (substantivo, que compreendem as leis que criam, definem e regulamentam as relações jurídicas), quanto no aspecto material (adjetivo, que embasam as leis que regulam o modo de operar as relações ou os direitos), em vista de que se aplicam para influenciar o meio social, transformando-o, ou seja, moldando-lhe para estabelecer a ordem pública.
Por sua vez, a ideia de ordem pública resulta de “um conjunto de princípio de ordem superior, políticos, econômicos, morais e algumas vezes religiosos, aos quais, uma sociedade considera estritamente vinculada a existência e conservação da organização social estabelecida”, conforme expressa Lazzarini (1986, p 7), compreendendo um estado oposto à desordem, concepção esta, que envolve a noção de segurança pública, posto que é a segurança social e individual que está dentro do núcleo de ordem pública e não o contrário. Por decorrência, a segurança pública engloba o estado antidelitual, como resultado da observância da lei, sendo promovida através das organizações policiais em ações preventivas e repressivas, atuando como limitadora da atividade individual promovendo a materialização do Estado de Direito, de forma a assegurar sua existência, e a convivência pacífica de seus cidadãos.
Normalmente o primeiro contato entre um cidadão e um órgão da área jurídica se dá através da ocorrência policial, ou seja, ocorre entre o cidadão e a PM, o que faz deste órgão uma extensão da Carta Magna que atua diretamente sobre o cidadão, formando uma conexão direta entre Estado e sociedade, remetendo à corporação militar a responsabilidade de agir através dos princípios da legalidade e da humanidade ao promover a segurança pública, e, reportando ao povo um comportamento educado com relação ao policial militar em virtude deste compreender um agente da lei que opera em favor do Estado e dos direitos dos indivíduos, em uma relação, onde, ambas as partes se sujeitem à ordem jurídica vigente, sob pena de ilicitude.
Assim, se o poder decorre da sociedade e as leis emanam deste poder, não há justificativa para o cometimento de ilicitudes e o desrespeito da ordem jurídica, ou de seus órgãos. Por conseguinte, conforme define Guerra (2007, p. 3) a Democracia pauta-se no reconhecimento dos valores sociais do trabalho e da livre-iniciativa, de estimar a cidadania e a dignidade humana, consolidando “a construção de uma sociedade livre, justa e solidária (... posto que) é na Constituição que repousa a segurança dos cidadãos e da paz social”.
Todavia, vivenciar um Estado Democrático de Direito, inclui respeitar a supremacia formal e material dos direitos fundamentais, realçando sua normatividade, maximizando seus efeitos no núcleo social, em virtude de que os mesmos englobam um sistema de valores, com eficácia para orientar a interpretação das normas jurídicas, e das ações policiais. Por aplicar-se diretamente sobre a sociedade, é que o trabalho militar encontra relevo, ou seja, em função de que sua missão compreende a preservação da ordem pública, instante em que respeitar e proteger o cidadão encerra por ser mais que o desempenho de uma atividade, mas um dever para com a ordem jurídica vigente e em relação ao respeito à pátria. Por consequência, efetivar e acatar os preceitos Constitucionais compreende o valor soberano de um policial, posto que, de acordo com Cerqueira (2001, p. 17) “longe de serem percebidos como estorvo ou impedimento à atividade operacional, os preceitos éticos devem ser incorporados à própria tecnologia policial, isto é, entendidos como ferramentas essenciais para a atividade do policiamento e da investigação”.
Se todos são iguais perante a lei e assim merecedores de respeito por seus direitos, este “todos” ao qual o caput  do art. 5°, da Carta Magna se refere, aplica-se também ao policial militar, exigindo, uma ação de cooperação e respeito mútuo entre a ação policial e o agir da comunidade, promovendo integração e cordialidade entre as partes. Neste sentido, destaca Dornelles (2001, p. 15) que “cabe aqueles que acreditam em uma sociedade baseada nos princípios da justiça social, da equidade e da solidariedade entre os seres humanos, lutar para formar uma nova consciência com base nos princípios emancipadores dos direitos humanos”. Compete aos cidadãos entenderem que a base da ação policial compreende a CF/88 e a lei, ou seja, a polícia serve a lei, “à ordem constitucional e aos fins da justiça” (2001, p. 27).
Cientes das limitações e necessidades impostas à polícia é que o cidadão deverá reportar-se ao militar e este à comunidade com respeito e ética, em razão de que o agente da lei também é um cidadão, e como tal é digno de respeito, possuindo os mesmos direitos e garantias que um cidadão comum, fortificado pelo fato de que o mesmo trabalha em função da lei, arriscando sua integridade física e psíquica em prol da sociedade, afinal em instante algum a farda do policial militar ou as armas utilizadas como ferramentas para a elaboração de seu trabalho desumanizam este ser humano. Uma vez destacado sobre o enfoque que o Estado Democrático de Direito incumbe à atividade militar, será necessário analisar o approach que a Constituição determinou à Segurança Pública, expressa no próximo item.

1.2  Segurança Pública na Órbita da Constituição Federal
A sociedade encontra-se em um momento de notável transição, cujos sistemas estão sendo profundamente questionados, porém, como denota Fabretti (2014, p. 1) “o novo ainda está em formação, indefinido, e há ainda um longo caminho a ser percorrido”. Com isso, verifica-se que a segurança tornou-se um marketing utilizado para promover campanhas políticas, como destaca Osborne (apud JESUS, 2011, p. 58), constituindo uma promessa futura e incerta, porém, o povo passou a exigir mais que uma expectativa de direito, demandando sua materialização no plano físico. A segurança é tratada em todos os âmbitos, seja social, jurídico, político ou científico, compreendendo o objetivo nuclear do Estado, e a maior aspiração da comunidade e, em decorrência, um dos produtos essenciais do comércio que lucra através da transmissão de informação desfocada e tendenciosa, visando somente à obtenção de benesse, bem como, através, da disponibilização de segurança privada, aproveitando-se da sensação de medo e impunidade que a própria mídia cria com o auxílio da morosidade do sistema criminal, conforme afirma Bastos (1996, p. 84).
Portanto, segundo Lopes (2009, p.27) “a vida segura é um alvo, é a emblemática de uma caricatura e do modelo semântico da realidade que temos assimilado, acompanhado da necessidade do banimento do sentimento de fragilidade e da impotência diante da insegurança, associada ao descontrole, ao risco e ao dano”, ou seja, viver com segurança é algo que constitui motivo de orgulho, tamanha é a proporção da insegurança que se instala na sociedade. Em virtude desta sensação de insegurança e impunidade é que a instituição policial militar acaba sendo imotivadamente desprestigiada. A efetividade da segurança se expressa através de um sistema composto por vários órgãos, assim, se um destes órgãos falha, acaba atrapalhando a ação de todos os demais, isto consoante com a morosidade que resulta deste tramitar e da lentidão própria do sistema judiciário, os quais resultam nas sombras que vedam os olhos do homem ignorante desencadeando, em seu entendimento, o sentimento de insegurança e de desprestígio do trabalho militar.
Em virtude disso é que a Constituição Federal de 1988 inaugurou um capítulo inédito (Título V: Da Defesa do Estado e Das Instituições Democráticas, Capítulo III: Da Segurança Pública), destacando o art. 144, para o tema da “Segurança Pública”, tão em voga, em face do aumento, aparentemente avassalador da violência e da criminalidade. Pertinente ao assunto cabe salientar que o art. 142 da CF carrega expressão das Forças Armadas, as quais são “constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”, as mesmas também são declaradas como militares, no entanto, este trabalho pretende abordar apenas os relacionados ao art. 144, pertencentes aos Estados, Distrito Federal e Territórios.
Enfatizam os críticos que a segurança pública conforme expressa pelo constituinte originário, serve somente para preservar uma ordem preestabelecida, mantendo o status quo, momento em que deveria estar voltada para a preservação da cidadania. Ponto este controverso, posto que as diversas disposições constitucionais servem como manto legitimador da ação policial, com vistas a transformar o núcleo social, pautados nos princípios constitucionais de promover a efetivação dos direitos humanos e dentro deste, a ordem pública, efetuando um resgate de valores de forma preventiva e repressiva. Considerada como um direito humano fundamental, a segurança consiste em uma ação e efeito de sentir-se livre de perigos, em conformidade com Silva (2006, p. 100), e dá legitimidade para que as organizações ajam visando afastar qualquer mal que possa causar dano a ordem pública, prejudicando a vida, a liberdade ou os direitos de propriedade de cada indivíduo.
A par disso, Fabretti (2014, p. 9) destaca que a sociedade encontra-se obcecada por segurança, fato este verificável nas diversas circunstâncias precedidas pela expressão ‘segurança’, como meio de expressar uma minimização de riscos em conformidade com uma singular situação, tal como ‘segurança social’, ‘segurança econômica’, ‘segurança pública’, ‘segurança alimentar’, e etc. Para o autor, “parece que quanto mais se busca a segurança, paradoxalmente, mais cresce a insegurança”, pois não é o perigo em si (materializado) que predomina, mas sim, a sensação psicológica do medo. De acordo com Jesus (2011, p. 56/57) esta sensação ocorre em função “da expectativa do perigo e da iminência do risco”, que extraem do cidadão qualquer possibilidade de raciocino lógico, que não seja a busca incessante por segurança, o homem contemporâneo encaminha-se para um viver exclusivo para a segurança.
É neste sentido que Bastos (1996, p. 13) enfatiza que “não é a pedra que está na alma, mas sua forma”, isto é, maior que a verdadeira insegurança é o medo da criminalidade. Na mesma direção, Luhmann (apud FABRETTI, 2014, p. 41) destaca que “não há comportamento sem risco, e consequentemente, não há segurança absoluta”, porém, esta obsessão por segurança, não condiz com a realidade. Ocorre que o tormento da sociedade não se refere à criminalidade, mas na mera sensação de medo, e pode ser definida como insegurança subjetiva, visto que consiste em uma impressão de insegurança, em um medo surreal, imaginário, que o cidadão possui de ser vítima de uma situação típica e antijurídica, movido pelo desconhecimento, sendo diferente da insegurança objetiva, que abarca o risco real, aquele que de fato existe e pode ser calculado por especialistas.
A segurança passou a ser “um bem disponível no mercado”, sendo privatizada pelo capitalismo objetivando o aferimento de lucros, como destaca Fabretti (2014, p. 30), fato este que poderia ser extinto, pela simples valorização da ação policial, através da aproximação, auxílio e respeito entre a comunidade e a corporação militar. Ademais, tal como aponta o hino nacional os cidadãos continuam “deitados eternamente em berço esplêndido” a espera de que seus direitos materializem-se automaticamente.

[...] se perguntarmos a qualquer pessoa, até mesmo para empresários, o que ela tem a ver com a educação, não todos, mas grande parte, dirá que isso é um problema do ministro, do secretário. Nossa história foi cunhada com essa lógica, porque não foram cidadãos que vieram para construir o país. Quem chegou foi à corte portuguesa, o Estado e, em torno deste Estado, se constituiu um arremedo de sociedade civil sempre dependente. (SENNA, apud JESUS, 2011, p. 62).

Por decorrência, o cidadão se abstém de se engajar na tarefa de efetivar seus direitos, remetendo o dever para as instituições públicas, demonstrando inércia e acomodação frente as suas próprias necessidades, procurando simplesmente “achar culpados” para a situação em que se encontra. Esta abstenção vai de encontro ao que foi previsto na Constituição Federal, já que o caput do art.144, ao mesmo tempo em que afirma que a segurança pública é um “dever” do Estado, complementa a afirmação ao considerá-la como “direito e responsabilidade de todos”, o que pressupõe a efetiva participação da sociedade civil organizada. Lazzarini (1986, p. 59), salienta que efetivar a segurança absoluta é uma ideia utópica, posto que, fazer tal afirmação consiste no mesmo que garantir todo e qualquer indivíduo preventivamente contra o perigo, assim, fica implícito que não há segurança incondicional e nem garantia irrestrita.
Fato este que implica na necessidade de criação de políticas públicas que considerem mais do que simplesmente a criminalidade e a violência, mas que aprecie os fatores sociais desencadeantes deste estado delitual, objetivando atuar preventivamente, formando indivíduos conscientes e ressocializando os que tenham se marginalizado, como, por exemplo, através da educação. Dado que, a segurança é um fator determinante do Estado Democrático de Direito, tanto que a CF/88 a deliberou desde o preâmbulo até o final de suas disposições, definindo como valores supremos da sociedade e objetivos da República o exercício dos direitos sociais e individuais, como do direito à justiça, à segurança, ao bem-estar, à liberdade, ao desenvolvimento e a igualdade, fundados na harmonia social, defesa da paz, solução pacífica dos conflitos, sendo, por isto, inquestionável a necessidade da ação policial (arts. 1°, 3° e 4°).
O Caderno de Leis Constitucionais compreende 250 artigos e 98 disposições transitórias, destes, inúmeros dispositivos e princípios trazem em sua letra, implícita ou explicitamente, a garantia da segurança pública, seguindo a tendência internacional de valorizar a pessoa humana. Utiliza-se como exemplo o art. 3°, inc. II que garante o desenvolvimento nacional, fato este que implica na manutenção e preservação da ordem, tanto social quanto jurídica, para que o País possa prosperar. Encontra-se, também, no texto do art. 4°, inc. VI e VII o direito internacional de defesa da paz e a busca pela solução pacífica dos conflitos, e adiante no art. 5°, caput, cláusula pétrea da Carta Política, verifica-se a garantia aos cidadãos da inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à propriedade e à segurança, e para que estes direitos ganhem vida no solo pátrio é essencial a ação policial militar.
Em sua dimensão positiva (Status Civitas - capacidade que o cidadão possui de exigir do Estado uma prestação), encontra-se o art. 6° definindo os direitos sociais, envolvendo em seu teor o direito à segurança, abarcando uma junção de ações entre o Estado e a sociedade, uma vez que a segurança é elementar para a efetivação dos demais direitos e garantias, visto que não há como viver em sociedade se não houver segurança, como denota Branco (2012, p. 200). Neste sentido, Bonavides (2006, p. 577-641) elucida sobre a inovação que a Carta Magna trouxe ao cenário brasileiro ao definir os direitos fundamentais como cláusulas pétreas, cobrindo os mesmos com proteção suprema e força vinculante, vedando qualquer forma de supressão a eles, restando inegável a necessidade tanto do Estado quanto da sociedade por segurança. Assim, Franco e Genghini[4] definem segurança pública como sendo:

[...] o afastamento, por meio das organizações próprias, de todo o perigo, ou de todo o mal que possa afetar a ordem pública em prejuízo da vida, da liberdade ou dos direitos de propriedade do cidadão, limitando as liberdades individuais, estabelecendo que a liberdade de cada cidadão mesmo em fazer aquilo que a lei não lhe veda, não pode ir além da liberdade assegurada aos demais, ofendendo-a.

Neste enfoque, Fabretti (2014, p. 79) enfatiza sobre a distorção que o homem médio efetua sobre os direitos humanos, baseando-se na ideia de que os delinquentes são uma classe distinta dos demais cidadãos, equiparando-os a objeto, sem vínculos, condenando-os ao isolamento, como se os mesmos brotassem da rua ou da favela e devido a isto, fossem desmerecedores do status de cidadão, desumanizando-os, negando-lhe um rosto, fazendo emergir no núcleo social a intolerância e a valorização de práticas ilegais, violentas e arbitrárias, ideia esta incompatível com a atual forma estatal e com o agir policial.
De outro lado, há quem se apegue de forma desmedida ao discurso desses direitos, como um meio de burlar o sistema judiciário e conferir proteção demasiada ao criminoso, falhando na prestação da segurança, sobrecarregando o sistema judiciário e o policial que atua na comunidade, agindo como se tais prerrogativas fossem apenas destinadas aos delinquentes, negando ao policial um âmbito protetivo e a segurança de se sentir acolhido pela lei, considerando-o como um mero agente promovedor da ordem, desconsiderando seu status de ser humano. É por isto que deve haver um equilíbrio no manuseio das prerrogativas constitucionais, embasado em princípios como o da necessidade, da proporcionalidade, e da vedação do excesso efetuando um sopesamento de valores, respeitando os direitos inalienáveis de todo o cidadão, indistintamente, como prevê a Carta Cidadã. De outra forma, Canotilho (apud FABRETTI, 2014, p. 113), destaca a relação entre os direitos fundamentais e a segurança pública, in verbis:

A previsão do art. 5° se relaciona com (...) a função de defesa ou de liberdade, que é a defesa da pessoa humana e da dignidade frente os poderes do Estado; A previsão do art. 6° se vincula à (...) função da prestação social, o que significa o direito do particular a obter algo através do Estado. (...) Por fim, ao art. 144 é possível relacionar (...) a função de proteção perante terceiros. Esses direitos impõem um ‘dever ao Estado’ no sentido de ‘proteger’ perante ‘terceiros’ os titulares de direitos fundamentais. Nesse sentido o Estado tem o direito de proteger a vida perante eventuais agressões.

Ocorre que a segurança pública não pode ser almejada através do uso da força, visto que “os criminosos estão perdidos na multidão, incógnitos em redutos densamente habitados”, como afirma Silva (2006, p. 13), encontrando abrigo “nos ‘guetos’ protegidos fisicamente pelo seu poder de fogo e mobilidade e escudados num sistema de complacências locais” e exteriores, fato este que desencadeia na necessidade de aproximação entre a comunidade e a polícia, utilizando-se de um agir estratégico como meio de conter e reparar a criminalidade.
Este agir de integração e proximidade entre a organização policial e a sociedade poderia auxiliar na agilidade da efetivação das ocorrências, ademais, com o apoio da comunidade, a polícia possuiria uma porcentagem maior de êxito em seus resultados, efetivando uma polícia cidadã, em razão de que, sua atividade compreende “uma das mais jurídicas dentre todas as desempenhadas pelo Estado contemporâneo”, como afirma Oliveira (2014, p. XI). Com base nesta imediação e integração é que se propõe uma polícia protetora e promovedora dos direitos humanos fundamentais, conforme será transcrito no próximo item.

1.3 A Polícia Militar no viés Protetor e Promovedor dos Direitos Humanos Fundamentais
Como assegura Jesus (2011, p. 160) sendo a Polícia Militar um órgão governamental, a mesma encontra-se obrigada a respeitar e promover os direitos humanos, visto que é a efetivação de tais direitos que proporciona a civilização humana, sob este prisma, quanto maior a materialidade de tais direitos, mais elevado será o nível desta civilização. É por este motivo que o Estado deve engajar-se em materializá-los, porque mais importantes que a letra da lei é a sua consubstanciação, pois conforme a expressão de Bobbio (apud JESUS, 2011, p. 161) “uma coisa é proclamar o direito, outra, é desfrutá-lo efetivamente”. Não há outro motivo para a declaração de um direito que não seja sua corporificação no núcleo prático.
Atenta-se para o fato de que, sem o reconhecimento e concretização dos direitos humanos fundamentais, não há democracia, razão que justifica a preocupação em concretizar todo o rol jurídico esculpido no Caderno Constitucional, como meio de salvaguardar os direitos conquistados ainda em 1789, através da Declaração Universal de Direitos Humanos, que baseou suas expressões na constituição da família humana, alicerçadas sobre os princípios da liberdade[5], igualdade[6] e fraternidade[7].
Ademais, conforme Castilho (2011, p. 11), a personalidade humana conserva em si traços de brutalidade, provenientes de seu extinto animal e para combater este indício a civilização utiliza-se da educação, por este motivo é que “um dos fatores mais importantes dos últimos séculos, no sentido de refinar o comportamento do homem, em sociedade, foram os direitos humanos”, expressão esta que abrange todos os direitos do homem relacionados com a dignidade da pessoa humana, objetivando a garantia de um mínimo existencial. Do mesmo modo, Mendes (2012, p. 879 e 883) destaca que os direitos fundamentais, além de proteção contra a intervenção, possuem postulado de garantia, ou seja, proíbem não apenas o excesso, mas também a insuficiência.

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Fonte: 12° Batalhão de Polícia Militar de Balneário Camboriú/SC, comemoração do Dia do Soldado (25/08/2015). Comandante Tenente-Coronel Evaldo Hoffmann.

A Constituição brasileira de 1988 atribuiu significado ímpar aos direitos fundamentais. Já a colocação do catálogo dos direitos fundamentais no início do texto constitucional denota a intenção do constituinte de emprestar-lhes significado especial. A amplitude conferida ao texto, que se desdobra em setenta e oito incisos e quatro parágrafos (art. 5º), reforça a impressão sobre a posição de destaque que o constituinte quis outorgar a esses direitos. A ideia de que os direitos individuais devem ter eficácia imediata (art. 5º, § 1º) ressalta a vinculação direta dos órgãos estatais a esses direitos e o seu dever de guardar-lhes estrita observância. Mendes (2012, p. 879 e 883).

Mendes adverte ainda que o constituinte originário reconheceu aos direitos fundamentais o caráter de identificar e dar continuidade à Constituição, considerando ilegítima qualquer interferência na sua manifestação (art. 60, §1° da CF), sendo por isso considerado como direitos subjetivos e elementos fundamentais na ordem constitucional objetiva. Sob o prisma de direitos subjetivos, estas garantias concedem “aos seus titulares a possibilidade de impor os seus interesses em face dos órgãos obrigados”, ou seja, dão exigibilidade ao cidadão em face estatal, desta feita, destaca Mendes (2012, p.884) que:

Na sua dimensão como elemento fundamental da ordem constitucional objetiva, os direitos fundamentais — tanto aqueles que não asseguram, primariamente, um direito subjetivo quanto àqueles outros, concebidos como garantias individuais — formam a base do ordenamento jurídico de um Estado de Direito democrático.

Por decorrência estas garantias compreendem a base de um Estado Democrático de Direito e o alicerce da Constituição, portanto, negar aplicação e observância a elas, equivale a negar-se ao Estado de Direito, incorrendo em anarquia e ilicitude, portanto, sendo a polícia um órgão estatal, a própria encontra-se obrigada a respeitar e a promover as normas constitucionais que o Estado lhe atribuiu. Ciente disso, é que a missão policial, visa à aproximação social, buscando reconhecimento e respeito mútuo. Assim, afirmar a existência deste modelo estatal, alude assumir que as decisões tomadas em seu âmbito compreendem expressões da vontade popular, visto que é no povo e para o povo que o Estado se edifica, desta forma, salienta LLack (2008, p. 52/53) que estas decisões tomam a forma de leis, que são envolvidas no manto da Constituição, passando a ter observância obrigatória. E conclui:

De nada adianta um Estado com leis outorgadas por um ditador, sem qualquer participação popular. E um Estado de direito, mas não democrático. Da mesma maneira, de nada adianta as decisões serem tomadas democraticamente, mas não serem posteriormente cumpridas; seria um Estado apenas democrático.

A consolidação dos preceitos contidos no Caderno Constitucional apenas será possível se houver integração e respeito entre os órgãos públicos e os cidadãos, pois, conforme suas expressões, não apenas os direitos são distribuídos indistintamente, mas os deveres também, e, conviver em sociedade implica reconhecer as obrigações cívicas de agir de forma digna e promotora, consciente de que a polícia como agente protetor e promovedor dos direitos que é, urge por reconhecimento e valorização social.


1.4 A Polícia Militar em Efetivação da Dignidade da Pessoa Humana
Devido ao caráter abrangente do termo, encontrar um significado comum entre os doutrinadores para o termo dignidade humana compreende uma tarefa árdua, visto que seu conceito refere-se a contornos vagos e imprecisos, individualizado por sua imprecisão, porosidade e sua característica polissêmica. Desta feita, expressa Sarlet (2006, p. 40) que:

Uma das principais dificuldades, todavia – e aqui recolhemos a lição de Michael Sichs – reside no fato de que no caso da dignidade da pessoa, não se cuida de aspectos mais ou menos específicos da pessoa humana (integridade física, intimidade, vida, propriedade, etc.), mas, sim, de uma qualidade tida como inerente a todo o ser humano, de tal sorte que a dignidade – como já restou evidenciado – passou a ser habitualmente definida como constituindo o valor próprio que identifica o ser humano como tal, definição esta que, todavia, acaba por não contribuir muito para uma compreensão satisfatória do que efetivamente é o âmbito de proteção da dignidade, na sua condição jurídico normativa.

Porém, mesmo que não seja possível estabelecer um rol taxativo de violações da dignidade da pessoa humana, esta garantia constitui algo real, posto que em inúmeras situações é possível constatar sua agressão, por este motivo é que alguns doutrinadores asseguram ser mais fácil explicitar o que a própria não é, do que é, não sendo possível estabelecer uma definição precisa para esta garantia. Ademais, a falta de um conceito fixo deste termo, encontra justificativa no pluralismo e na diversidade de valores manifestada pelo Estado Democrático de Direito, razão pela qual, o conteúdo desta disposição encontra-se em constante transformação e desenvolvimento.
Ao expressar a dignidade da pessoa humana no núcleo constitucional a Constituição criou um mínimo existencial de direitos que são destinados às pessoas, garantindo acima do direito a um mínimo vital, ou de simples sobrevivência, mas o direito a uma vida digna. Neste sentido, agregar a esta garantia um conteúdo jurídico-normativo, reivindica dos órgãos públicos, uma invariável concretização e fixação de cunho constitucional, conforme denota Sarlet (2006, p. 41) é por este motivo que a dignidade vai se expressando através das decisões jurisprudenciais. Neste sentido, Kant (apud FEIJÓ, 2008, p. 128/129) destaca:

No reino dos fins tudo tem um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem um preço, pode-se por em vez dela qualquer outra como equivalente; mas quando uma coisa está acima de todo o preço, e, portanto, não permite equivalente, então ela tem dignidade. (Grifo da autora).

Neste ínterim, a dignidade compreende qualidade intrínseca do ser humano, sendo irrenunciável e inalienável, representando o elemento que qualifica o indivíduo como ser humano e deste não pode ser desvinculado, e que conforme seu posicionamento constitucional (art. 1°, inc. III), define-se como pedra basilar na edificação do Estado Democrático de Direito, solidificando todas as expressões legais que tenham relação direta consigo.

Esta, portanto, compreendida como qualidade integrante e irrenunciável da própria condição humana, pode (e deve) ser reconhecida, respeitada, promovida e protegida, não podendo, contudo (no sentido ora empregado) ser criada, concedida ou retirada (embora possa ser violada), já que existe em cada ser humano como algo que lhe é inerente. Ainda nesta linha de entendimento, houve até mesmo quem afirmasse que a dignidade representa ‘valor absoluto de cada ser humano, que, não sendo indispensável, é insubstituível’. (Sarlet, 2006, p. 41).

              O fato é que a dignidade não existe apenas onde é abrigada pelo Direito e na proporção em que este a reconhece, já que em análise ao seu núcleo protetivo, extrai-se que a mesma é anterior e acima da expressão da lei, porém, o Direito engloba um meio imperativo para seu amparo e efetivação. Salienta-se que esta garantia não está sujeita a circunstâncias palpáveis, por ser inerente à pessoa humana, sendo inconcebível sob qualquer situação que um indivíduo venha a ser desconsiderado de sua dignidade, sob pena, de coisificação do ser humano, fato este inaceitável em um Estado Democrático de Direito.

Nesta mesma linha, situa-se a doutrina de Gunter Durig, (...), - onde que – a dignidade da pessoa humana consiste no fato de que ‘cada ser humano é humano por força de seu espírito, que o distingue da natureza impessoal e que o capacita para, com base em sua própria decisão, tornar-se consciente de si mesmo, de autodeterminar sua conduta, bem como o de formar sua existência e o meio que o circunda. (Sarlet, 2006, p. 44).

A luz do que promulga a Declaração Universal de Direitos da ONU, no seu art. 1° extrai-se que “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. Dotados de razão e consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade”, ou seja, o elemento nuclear da expressão da dignidade da pessoa humana localiza-se na autonomia e na garantia de autodeterminação do ser humano, indiferente de suas peculiaridades. Assim, conforme Nussbaum (2008, p. 88) a dignidade engloba:

[...] qualidade integrante e irrenunciável da própria condição humana, pode (e deve) ser reconhecida, respeitada, promovida e protegida, não podendo, contudo (no sentido ora empregado) ser criada, concedida ou retirada (embora possa ser violada), já que existe em cada ser humano como algo que lhe é inerente. Ainda nesta linha de entendimento, houve até mesmo quem afirmasse que a dignidade representa ‘valor absoluto de cada ser humano, que, não sendo indispensável, é insubstituível’.

Ressalta-se que este manuscrito não pretende equiparar os seres humanos, mas sim, definir “a intrínseca ligação entre as noções de liberdade e dignidade” (2006, p. 45), em razão de que “a liberdade, o reconhecimento e a garantia de direitos de liberdade (e dos direitos fundamentais de modo geral) constituem uma das principais (senão a principal) exigências da dignidade da pessoa humana”, de acordo com o entendimento de Sarlet (2006, p. 45/46), ciente disso é que Aparisi (2004, p. 16) destaca:

La dignidad humana ha sido también reconocida, a nivel constitucional, como un principio fundamental. En este sentido, la Constitución española, en su artículo 10.1, sostiene que “la dignidad de la persona, los derechos inviolables que le son inherentes…son fundamento del orden político y de la paz social”. Para Jiménez de Parga, se trata del principio fundamental último del ordenamiento jurídico español. [8]

Por este motivo, a dignidade da pessoa humana embasa em si o limite e a liberdade da ação do Estado e da sociedade, em virtude de possuir uma dimensão defensiva e outra prestacional, pois como condição limitante, a mesma não pode ser negada e como imposição estatal a própria reclama que este ente gerencie seus atos, resguardando e promovendo-a aos cidadãos. Por meio do reconhecimento de sua dimensão cultural e prestacional não significa considerá-la simplesmente como uma prestação estatal, visto que a dignidade da pessoa humana não compreende simples atributo ou valor nato do ser humano, mas sim uma condição delimitada para a realização das prestações estabelecidas pela Carta Política. Ao promover um direito o Estado deve estar consciente de que este não pode ser materializado de forma insuficiente, indigna, conforme expressa Dworkin (1999, p. 307).
Destaca o referido autor (1999, p. 307) que ao entender a dignidade sob o aspecto de limite e tarefa, verifica-se que a própria possui um âmbito ativo e outro passivo, interconectados de maneira que engloba um valor intrínseco da qualidade humana, assim, mesmo aquele que perdeu o discernimento da própria dignidade, faz jus a dispô-la, devido ao fato de que o ser humano não pode ser utilizado como instrumento para fins alheios. Por defluência, em concordância com Kant (apud SARLET (2006, p. 52) certifica-se que o homem compreende um fim em si mesmo estando, portanto, impedido de servir arbitrariamente a esta ou aquela vontade, é por este motivo que tanto o Estado quanto à sociedade encontram legitimidade para suas ações na lei, não podendo agir contra o que esta recomenda. Ademais:

Como es sabido, Kant distingue claramente entre “valor” y “dignidad”. Concibe la “dignidad” como un valor intrínseco de la persona moral, la cual no admite equivalentes. La dignidad no debe ser confundida con ninguna cosa, con ninguna mercancía, dado que no se trata de nada útil ni intercambiable o provechoso. Lo que puede ser reemplazado y sustituido no posee dignidad, sino precio. Cuando a una persona se le pone precio se la trata como a una mercancía. “Persona es el sujeto cuyas acciones son imputables (…) Una cosa es algo que no es susceptible de imputación”. De ahí que la ética, según Kant, llegue sólo hasta “los límites de los deberes recíprocos de los hombres”[9]. (DORANDO, 2010, p. 41/49).

Munida pelo sentimento de humanidade que rondava o solo nacional é que o Estatuto dos Militares (Lei n°6.880/1980) esculpiu no art. 28, inc. III que “o sentimento do dever, o pundonor militar e o decoro da classe impõem, a cada um dos integrantes das Forças Armadas, conduta moral e profissional irrepreensíveis”,cabendo a eles observar os preceitos da ética militar, como, por exemplo, o respeito pela dignidade da pessoa humana, e o Estatuto dos Policiais Militares do Estado de Santa Catarina (Lei n° 6.218/1983), insculpiu em verde e amarelo, o art. 29 dispondo que “o sentimento do dever, o pundonor policial-militar e decoro da classe impõe a cada um dos integrantes da Policia Militar, conduta moral e profissional irrepreensível”, obrigando-os a respeitarem os preceitos da ética-militar, que no inciso III insere o respeito pela dignidade da pessoa humana. Observa-se que a primeira lei é de 1980 enquanto a segunda refere-se à 1983, portanto, verifica-se que a legislação militar abriu precedentes para que a Constituição de 1988 se fundamentasse na base da dignidade da pessoa humana.
Ex Posits, não restam dúvidas quanto ao preparo e o enquadramento da atividade policial militar para efetivar e garantir os preceitos do Estado Democrático de Direito, constatável na disciplina que o policial militar sofre para adequar-se à função militar, bem como nas regulamentações que o regem sob os fundamentos democráticos de direito.


[1]Estado Democrático de Direito: Instituído pela CF/88 compreende, “aquele, (...) que conta e mesmo define a partir das relações de poder estendidas a todos os indivíduos, com um espaço político permanente de interlocução, demarcado por regras e procedimentos claros, que efetivamente assegurem o atendimento às demandas públicas da maior parte da população, eleitas pela própria sociedade (...)”. Leal, Rogerio Gesta. Teoria do Estado. Cidadania e poder político na modernidade. 2ª Ed. ver. eampl. Porto Alegre. Livraria do Advogado, 2001.
[2]Estado de Direito: define uma posição de hierarquia nas regras jurídicas, objetivando limitar e definir o Estado através do Direito, ou seja, compreende um poder limitador estatal. JESUS, José Lauri Bueno de. Polícia Militar & Direitos Humanos. 1 ed. 4 reimp. Curitiba: Juruá, 2011.
[3]O Direito Constitucional é um ramo do direito público, destacado por ser fundamental à organização e ao funcionamento do Estado, à articulação dos elementos primários do mesmo e ao estabelecimento das bases da estrutura política. Tem, pois, por objeto a constituição de suas instituições e órgãos, o modo de aquisição e limitação do poder, através, inclusive, da previsão de diversos direitos e garantias fundamentais. MORAES, Alexandre. Direitos Humanos Fundamentais: Teoria Geral.10 ed. São Paulo, Atlas, 2013. (2013, p. 1)
[4] Extraído do sítio Jus Militaris. Disponível em http://www.jusmilitaris.com.br/novo/. Acesso em 20/08/2015.
[5]Direito de Liberdade: constituem a defesa do indivíduo diante do poder do Estado, e definem as situações em que o Estado deve se abster de interferir em determinados aspectos da vida individual e social. São as chamadas liberdades públicas negativas ou direitos negativos, porque trazem em si o conceito de não interferência do Estado. CASTILHO, Ricardo. Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 21.
[6]Direito de Igualdade:“são os direitos econômicos, sociais e culturais, que exigem uma prestação positiva do Estado. São as liberdades positivas, reais ou concretas. Nessa esfera, não se exige do Estado uma abstenção como se verifica numa atitude negativa, mas a ação do Estado com o intuito de alcançar o bem comum. CASTILHO, Ricardo. Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 21.
[7]Direito de Fraternidade:constituem-se basicamente de direitos difusos e coletivos. Em regra, revelam preocupações com temas como meio ambiente, defesa do consumidor, proteção da infância e da juventude e outras questões surgidas a partir do desenvolvimento industrial e tecnológico, como autodeterminação informativa e direitos relacionados à informática de modo geral”. CASTILHO, Ricardo. Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 21.
[8]Tradução Livre: A dignidade humana também tem sido reconhecida a nível constitucional, como um princípio fundamental. Nesse sentido, a Constituição espanhola, o artigo 10.1 diz que "a dignidade da pessoa e os direitos invioláveis ​​que lhe são inerentes ... são fundamentais para a ordem política e para a paz social." Para Jiménez de Parga, é o princípio fundamental da última lei espanhola.

[9]Trad. Livre: Como é sabido, Kant distingue claramente entre o "valor" e "dignidade". Concebe a "dignidade" como um valor intrínseco da pessoa, que não suporta equivalentes. Dignidade não deve ser confundida com qualquer coisa, com não se trata de um bem, já que não há nada de útil ou permutável ou rentável. O que pode ser substituído não possui dignidade, mas preço. Quando uma pessoa possui um preço ela é tratada como uma mercadoria. "A pessoa é o sujeito cujas ações são atribuíveis (...) Uma coisa é algo que não é suscetível imputação ". Daí a ética Kant, de que esta apenas existe para "os limites dos deveres recíprocos de homens ".

segunda-feira, 13 de março de 2017

UNIVERSALIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS: EFETIVIDADE DOS DIREITOS DA PESSOA HUMANA OU HEGEMONIA POLÍTICA?


Resumo: O documento em expressão pretende analisar a universalização dos direitos humanos sob o prisma de encontrar os motivos que guiam a isto, ou seja, verificar se esta pretensão embasa-se na efetividade da dignidade humana, ou se não passa de hegemonia política e econômica das grandes potências, visando materializar um controle sobre as nações. Tencionando solucionar a temática é que a autora analisou a afirmativa histórica destes direitos através de uma análise nas gerações de direitos e verificou as principais teses que acolhem o movimento internacionalista. O método utilizado é o indutivo. A pesquisa se realizou através de pesquisas bibliográficas dos mais diversos autores.
Palavras-chave: Universalização dos Direitos Humanos; Efetividade da Dignidade Humana; Hegemonia Política.

Aline Oliveira Mendes de Medeiros

1.      INTRODUÇÃO
O respectivo manuscrito pretende analisar a questão da universalização dos direitos humanos, sob o prisma de estudar se este método visa efetivar os direitos da pessoa humana, ou não passam de uma estratégia como meio de promover a hegemonia política e econômica do Ocidente.
Em um primeiro item será expresso sobre as gerações dos direitos humanos fundamentais, dando maior enfoque da primeira à terceira geração que se originaram através da Revolução Francesa, e por isto passaram a representar as cores da bandeira desta nação, compreendendo liberdade, igualdade e fraternidade.
No segundo item será discutido sobre o uso desregrado da expressão direitos humano fundamentais, que parecem estar tornando-se justificativa para realizar todos os desejos do indivíduo, sem concentrar-se no seu núcleo de proteção. Diante disto, será expresso sobre suas diferentes nomenclaturas e sobre qual é a sua substância, isto é, quais são os elementos englobam seu conteúdo protetivo.
Por fim, serão estudadas três diferentes teorias que apregoam a universalização destes direitos, compreendendo a teoria metafísica jusnaturalista, a teoria metafísica ética e a teoria ocidental, analisando suas nuances e seus objetivos para com o futuro das Nações. 

2.      AS GERAÇÕES DOS DIREITOS HUMANOS
Anda paralelo no tempo o reconhecimento de que os direitos humanos são reconhecidos como valores supremos de qualquer ordenamento jurídico e neste rol de direitos encontram-se os direitos mais caros à vida humana merecendo estarem expressos para que todos possam ter conhecimento a respeito deles, e, merecendo, estarem guardados em um documento jurídico, para evitar que caiam no esquecimento, dando-lhe força vinculativa máxima, visto que as letras esculpidas neste documento possuem validade universal, sendo considerados como direitos com validade acima da Constituição, ou seja, supra-constitucional.
A validade jurídica dos direitos humanos advém da maturação histórica, visto que o direito e o passar do tempo, caminham juntos, pois, conforme o tempo corre, a sociedade modifica-se e com ela modificam-se também, os direitos dos cidadãos, devendo o direito estar ao lado destas alterações, para amparar os indivíduos em suas carências provenientes das mesmas. A finalidade básica destes preceitos consiste em efetivar a dignidade da pessoa humana, “por meio da proteção do arbítrio estatal, e o estabelecimento de condições mínimas de vida e desenvolvimento da personalidade humana” de acordo com o entendimento de Moraes (2013, p. 20).
Na compreensão de Nascimento (apud Moraes, 2013, p. 21), definir com exatidão os direitos humanas, não consiste em uma tarefa fácil, pois, “qualquer tentativa pode significar resultado insatisfatório e não traduzir para o leitor, à exatidão, a especificidade de conteúdo e a abrangência”, devido ao fato de que sua ampliação e transformação histórica dificulta a delimitação destes direitos.
Além de que, estas dificuldades ficam ainda mais sensíveis na medida em que os doutrinadores modificam sua nomenclatura, chamando-os de “direitos naturais, direitos humanos, direitos do homem, direitos individuais, direitos públicos subjetivos, liberdades fundamentais, liberdades públicas e direitos fundamentais do homem”, contudo, esta questão será aprofundada no próximo item.
Alguns doutrinadores reconhecem a construção das páginas do Caderno de Leis Universais na perspectiva de gerações de direitos, desta feita conforme Mendes e Branco (2012, p. 205), a primeira delas abarca os direitos referentes às Revoluções americanas e francesas, sendo denominados de direitos de primeira geração, os quais pretendiam primordialmente, estruturar a liberdade dos cidadãos frente ao poder estatal. Os mesmos são inerentes aos seres humanos e pertencentes a todos pelo simples fato de serem humanos.
Os respectivos traduzem-se em expressões de abstenções dos governantes, enraizando obrigações de não fazer, afastando a interferência do Estado no que tange à vida pessoal dos indivíduos. Dizem respeito “as liberdades individuais, como a de consciência, de reunião e, à inviolabilidade do domicílio” conforme denota Mendes e Branco (2012, p. 205). Estes direitos são destituídos de preocupação para com os direitos de ordem social. A preocupação envolve, o homem na órbita de sua individualidade, por isso como entendimento dos referidos autores (2012, p. 205/206):

[...] a liberdade sindical e o direito de greve — considerados, então, fatores desarticuladores do livre encontro de indivíduos autônomos — não eram tolerados no Estado de Direito liberal. A preocupação em manter a propriedade servia de parâmetro e de limite para a identificação dos direitos fundamentais, notando-se pouca tolerância para as pretensões que lhe fossem colidentes.

Para Marmelstein (2013, p. 36/37), os direitos humanos fundamentais, embasam as vigas mestras que alicerçam qualquer Estado de Direito, principalmente ao definir mecanismos de efetivação destes direitos e de limitação ao poder estatal, principiando deste instante a valoração das liberdades individuais como verdadeiras expressões jurídicas, com capacidade de invocação, inclusive contra os abusos ou inércia do Estado.

Este fenômeno iniciou à partir do século XVIII, sendo recepcionado em todas as constituições que originaram-se depois desta data, denominando-os em suas páginas como direitos fundamentais, tais valores são mutáveis conforme a evolução histórica sofrida pela sociedade, as quais representam, sendo natural que o conteúdo ético destas expressões fiquem sempre em movimento.
Como meio de ilustrar este entendimento, foi que o jurista Karel Vasak, desenvolveu a teoria das gerações dos direitos fundamentais. O próprio baseou-se na revolução francesa, definindo-as do seguinte modo:

a)       A primeira geração dos direitos seria a dos direitos civis e políticos, fundamentados na liberdade (liberté), que tiveram origem com as revoluções burguesas;
b)       A segunda geração, por sua vez, seria a dos direitos econômicos, sociais e culturais, baseados na igualdade (égalité), impulsionada pela Revolução Industrial e pelos problemas sociais por elas causados;
c)       Por fim, a última geração seria a dos direitos de solidariedade, em especial o direito ao desenvolvimento, à paz e ao meio ambiente, coroando a tríade com a fraternidade (fraternité), que ganhou força após a Segunda Guerra Mundial, especialmente após a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948. (Marmelstein, 2013, p. 37).

Esta teoria internacionalizou-se e tem sido utilizada pelos juristas de todos os tribunais, inclusive pelo STF, como forma de fundamentação para suas decisões. A primeira geração de direito, composta pelos direitos de liberdade e políticos, foram proclamadas devido ao absolutismo proveniente do Estado que sufocava seus cidadãos de todas as formas possíveis, não dando espaço algum para a liberdade econômica, religiosa, política, jurídica ou qualquer outra.
No que tange ao âmbito penal, por exemplo, não havia direito algum de defesa, ou do contraditório, os juízes condenavam como queriam, aplicando penas cruéis e desumanas, “desproporcionais à gravidade do delito”, conforme expressa Marmelstein (2013, p. 39).
Haviam julgamentos secretos, baseados em torturas e outras espécies de barbáries, a nobreza e o clero eram privilegiados e a sociedade em geral, não podia nem ao menos participar das decisões políticas, não detinham direito ao voto, e as leis eram escritas pelo soberano, cujo qual, também não era escolhido pelo povo, havia um regime de opressão que revoltava os cidadãos. Assim o grito pela liberdade ecoou na sociedade e se expressou nos direitos de primeira geração, englobando os direitos civis e políticos.
Quanto a segunda geração, o autor em destaque (2013, p. 42) a definiu como “igualdade da boca para fora”, posto que, praticamente todas as declarações jurídicas a expressam em suas páginas, no entanto, não se vê a efetividade da mesma no plano prático. A exemplo, pode-se utilizar a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, que proclama o direito de liberdade e igualdade do homem, no entanto, restringiu o direito ao voto aos homens que possuíam posses, não mencionando em seu texto o sufrágio universal, deixando a maioria da população à margem do poder político, “inclusive as mulheres. Os ‘homens e cidadãos’, mencionados no texto, eram mesmo pessoas do sexo masculino e não uma figura de linguagem”, conforme apregoa Marmelstein (2013, p. 42/43).
Isso sem falar que a escravidão era algo natural. Como a exemplo do Brasil que na Constituição Política do Império, de 1824, também definia a igualdade indistintamente, porém, mantinha o regime escravocrata que apenas acabou em 1888, através da Lei Áurea.

Deste modo, apesar do espírito humanitário que inspirou as declarações liberais de direitos e do grande salto que foi dado na direção da limitação do poder estatal e da participação do povo nos negócios públicos, o certo é que essas declarações não protegiam a todos. Muitos setores da sociedade, sobretudo os mais carentes, ainda não estavam totalmente satisfeitos apenas com esta liberdade de “faz de conta”. Eles queriam mais. A igualdade meramente formal, da boca para fora, que não saia do papel, era mesmo que nada. Por isso, eles pretendiam e reivindicavam também um pouco mais de igualdade e inclusão social. É aí que entram os direitos de segunda geração. (Marmelstein, 2013, p. 43).

Através da Revolução Industrial, os franceses comemoravam a Belle Époque, fundamentada por um crescimento econômico nunca antes experimentado. Contudo, este crescimento ocorria as custas da maioria da população, principalmente, sobre a classe operária, que encontravam-se em condições cada vez mais deprimentes. Não haviam direitos trabalhistas como limitação de jornada de labor, férias, salário mínimo, descanso regular, as crianças eram submetidas as mesmas condições de trabalhos que os adultos.
A industrialização trouxe para uma pequena parcela da população a prosperidade econômica, porém para a grande maioria, trouxe problemas sociais, nunca vistos antes, como fome, desemprego, saúde deplorável, ou seja, uma completa exclusão social.  Devido a isto, “o Estado já não era mais capaz de garantir a harmonia social, e as classes operárias, que se organizavam em grupos fortemente politizados, começavam as primeiras reivindicações visando à conquista de direitos que lhes proporcionassem melhores condições de trabalho”, como observa o referido autor (2013, p. 45), evidenciando a necessidade de mudança no modelo político vivenciado, inclusive por parte da igreja Católica.
O descaso com relação aos problemas sociais, “associado às pressões decorrentes da industrialização em marcha, o impacto do crescimento demográfico e o agravamento das disparidades no interior da sociedade”, conforme destaca Mendes e Branco (2012, p. 206) gerou novas reivindicações, cobrando por parte estatal, uma função ativa no que tange a efetivação da justiça social. O modelo absenteísta do Estado liberal não correspondia mais às exigências dos indivíduos. Uma nova percepção do Estado com relação a sociedade encarregou aos poderes públicos a incumbência de operar para que a sociedade conseguisse superar suas mazelas sociais.
É neste instante, que emerge, o Estado do bem-estar social (Welfare State), um novo padrão político, cujo qual, sem se afastar das bases capitalistas, compromete-se a promover a igualdade social e materializar as condições essenciais para uma vida digna.
Fazendo surgir inúmeros direitos visando a melhoria da condição de vida dos trabalhadores, como por exemplo, o piso salarial, o direito à greve, o direito a sindicalização, férias e etc. Comprometendo-se de efetivar os direitos econômicos, sociais e culturais, por estarem interligados com as necessidades essenciais dos seres humanos, “o reconhecimento destes direitos parte da ideia de que, sem as condições básicas de vida, a liberdade é uma fórmula vazia” (2013, p. 46).
Neste instante, o Estado passou a expressar os mais variados seguros sociais, intervindo de forma intensa nas relações sociais, e econômicas, efetuando orientações objetivando a justiça social, denota Mendes e Branco (2012, p. 206) que:

Como conseqüência, uma diferente pletora de direitos ganhou espaço no catálogo de direitos fundamentais – direitos que não mais correspondem a uma pretensão de abstenção do Estado, mas que o obrigam a prestações positivas. São os direitos de segunda geração, por meios dos quais se intenta estabelecer uma liberdade real e igual para todos, mediante a ação corretiva dos Poderes Públicos. Dizem respeito a assistência social, saúde, educação, trabalho, lazer e etc.

O princípio da igualdade se vê enaltecido nesta segunda geração de direitos, a ser efetivada através dos direitos a prestação e por meio do reconhecimento das liberdades sociais, estes direitos denominam-se direitos sociais, não por representarem direitos coletivos, mas por se conectarem com reivindicações de justiça social.
Na esfera brasileira estes direitos foram incluídos na Constituição de 1934 e na de 1946, dando os primeiros passos em direção à edificação do Estado de bem-estar-social, esculpindo em seu caderno de leis diversos direitos sociais, especialmente àqueles respectivos à proteção dos trabalhadores, os quais representam a cor branca da bandeira francesa, simbolizando os direitos de segunda geração.

Os direitos de primeira geração tinham como finalidade, sobretudo, possibilitar a limitação do poder estatal e permitir a participação do povo nos negócios públicos. Já os de segunda geração possuem um objetivo diferente. Eles impõe diretrizes, deveres e tarefas a serem realizadas pelo Estado, no intuito de possibilitar aos seres humanos melhor qualidade de vida e um nível razoável de dignidade como pressuposto do próprio exercício da liberdade. Nessa acepção, os direitos fundamentais de segunda geração funcionam como uma alavanca ou uma catapulta capaz de proporcionar o desenvolvimento do ser humano, fornecendo-lhe as condições básicas para gozar, de forma efetiva, a tão necessária liberdade. (Marmelstein, 2013, p. 48).

No entanto, os direitos de terceira geração, diferenciam-se, através da titularidade difusa ou coletiva, uma vez que existem para proteger a pessoa humana no sentido social, encontra-se nesta geração o direito à paz, à qualidade ambiental, ao desenvolvimento, a conservação do patrimônio cultural e histórico. Estas diferenciações nas gerações de direito existe com o propósito de localizar os diferentes instantes em que esses grupos de direitos emergem à superfície social como reivindicações colhidas da árvore jurídica.
Nada obstante, o termo gerações de direitos, não expressa que os direitos declarados em um momento tenham sido suplantados posteriormente, pois os direitos se comunicam e atuam harmonicamente, ainda que os preceitos de cada normativa sofram os efeitos das expressões contidas na outra expressão jurídica, adaptando-se um ao outro como meio de promover os elementos básicos para uma vida digna.
Os novos direitos surgem e apregoam-se aos antigos, complentando-os. O entendimento dos direitos humanos fundamentais sob o enfoque de gerações lembra “o caráter cumulativo da evolução destes direitos no tempo” é necessário que seja identificado cada direito em seu contexto de unidade e de indivisibilidade, pois os direitos interagem e complementam-se, como expressa Mendes e Branco (2012, p. 207).

Ao lado da constitucionalização dos valores ligados à dignidade da pessoa humana, que ocasionou o surgimento dos direitos fundamentais, tem havido, desde o fim da Segunda Guerra Mundial, um movimento mundial em favor da internacionalização destes valores, com base na crença de que eles seriam universais. Em razão disso, é cada vez mais frequente o aparecimento de tratados internacionais, assinados por inúmeros países, proclamando a proteção internacional de valores ligados à dignidade da pessoa humana e buscando a construção de um padrão ético global. (Marmelstein, 2013, p. 48).

Reação do sentimento de solidariedade universal que brotou do solo do regime nazista, devido aos abusos ali praticados, foi que emergiu os direitos de terceira geração. Os quais “visam a proteção do gênero humano e não apenas de um grupo de indivíduos. No rol desses direitos, cita-se o direito ao desenvolvimento, o direito à paz, o direito ao meio ambiente, o direito de propriedade sobre o patrimônio comum da humanidade e o direito de comunicação”, conforme desta as palavras de Marmelstein (2013, p. 48).
Não há Declaração de direitos, mais famosa que a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, devido ao fato de simbolizar “o nascimento de uma nova ordem mundial”, como destaca o referido autor (2013, p. 49), mais comprometida que qualquer outra já expressa com os direitos e a valorização da pessoa humana, inspirando inúmeros outros tratados respectivos à temática, como o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966 (ambos ratificados pelo Brasil).
Da mesma forma, originaram-se inúmeros Tribunais Internacionais de Direitos Humanos pretendendo garantir a observância destes tratados, apregoando a ideia de que a violação de qualquer direito humano, implica violar o direito de toda a humanidade.
A Constituição de 1988 harmonizou-se com a ideia, visto ter esculpido em suas páginas praticamente todos os direitos humanos apregoados como de terceira geração. Ademais, quanto ao enfoque ambiental, a mesma outorgou-lhe um capítulo próprio como forma de exaltar sua proteção, influenciada pela Declaração de Estocolmo de 1972. No entanto, a evolução dos direitos humanos não ficou estacionada, posto que:

A luta pela dignidade humana é constante na história da humanidade, e as normas jurídicas devem constantemente se adaptar às aspirações sociais e culturais que vão surgindo. É natural, portanto, que outros valores sejam acrescentados às declarações de direitos, bem como que os velhos direitos sejam constantemente atualizados para refletirem a mentalidade e as necessidades do presente.
As novas tecnologias, o mapeamento do genoma humano, a crise ambiental decorrente do aquecimento do planeta, o terrorismo e as conseqüentes medidas de segurança antiterroristas, entre outros riscos e ameaças da atualidade, fazem com que novas reivindicações se incorporem na agenda política da comunidade. (Marmelstein, 2013, p. 50).

Decorre destas novidades sociais, as novas gerações de direitos, falando-se atualmente em direitos até de uma sétima geração, que emergem da globalização, do avanço tecnológico e da descoberta da genética. O doutrinador Paulo Bonavides, defendem a existência de uma quarta geração que compreenderia o direito à democracia, à informação e o pluralismo político, bem como, defendeu o direito a uma quinta geração que compreenderia o direito à paz universal, conforme destaca Marmelstein (2013, p. 50).

3.      A DIFICULDADE QUE A ABERTURA DOS DIREITOS HUMANOS APRESENTA PARA SUA DEFINIÇÃO E EFETIVAÇÃO
Na data de 16 de fevereiro de 1946, na sessão do Conselho Econômico e Social das Nações Unidas, definiu que a Comissão de Direitos Humanos, deveria prestar seu trabalho em três momentos, no primeiro instante, cabia a ela elaborar uma declaração de direitos humanos, em conformidade com os preceitos do art. 55 da Carta das Nações Unidas, posterior a isto, deveria produzir um documento que tivesse mais vinculação que uma declaração, constituindo um tratado ou convenção de caráter internacional, tarefa que foi concluída no ano de 1948.
A segunda etapa, apenas se consumou em 1966, por meio da aprovação de dois Pactos, sendo eles o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. O terceiro momento compreendia a criação de mecanismos com capacidade para observância universal destes direitos, cuja qual até a atualidade, não foi encerrada. Contudo, foi conseguido “instituir um processo de reclamações junto à Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas, objeto de um Protocolo facultativo, anexo ao Pacto sobre direitos civis e políticos” como destaca Comparato (2010, p. 238).
Foi então que universalizou-se o reconhecimento como valores supremos dos direitos da igualdade, liberdade e fraternidade, consignados em seu art. I. Tecnicamente, se olhado o documento sob o prisma de sugestão que a Assembléia das Nações Unidas fez aos seus membros, é possível sustentar que este documento não deteria força vinculante.
Contudo, este entendimento “peca por excesso de formalismo”, visto possuir reconhecimento em âmbito mundial que a existência dos direitos humanos é independente de sua declaração constitucional, devido ao fato de se estar diante de uma exigência de respeito pela dignidade humana, com força vinculante contra todos os poderes, oficiais ou não, como expressa o referido autor (2010, p. 238). “A doutrina juridica contemporânea (...) distingue os direitos humanos dos direitos fundamentais, na medida em que estes últimos são justamente os direitos humanos consagrados pelo Estado mediante normas escritas”, nas palavras do referido autor (2010, p. 239).
Contrário a este entendimento Hoffe (apud Baez, 2010, p. 17) afirma que não é a mera positivação que origina ou faz incluir um direito no âmago dos direitos humanos, mas sim, o conjunto de valores éticos que compõe estas diretrizes, de forma preexistente e que possuem relação direta com a promoção da dignidade da pessoa humana. Sob este enfoque, na concepção de Baez (2010, p. 17), “por isso, equivoca-se o autor ao pretender reconhecer como direitos humanos somente aqueles bens jurídicos contemplados nos tratados internacionais, uma vez que o papel do ordenamento não é o de criar direitos, mas de declará-los e protegê-los”.
É por este motivo que as expressões jurídicas contidas na Declaração dos Direitos Humanos compreendem um rol exemplificativo, pois o que oferece vida aos direitos não são o local de sua positivação, mas o elemento que o integra e o faz ser considerado como um direito, ou seja, o grau de essencialidade que o mesmo possui com relação a existência humana. Afinal:

Hoje em dia, há direitos fundamentais para todos os gostos. Todo mundo acha que seu direito é sempre fundamental. Há quem se considere titular de um direito fundamental de andar armado. Há quem defenda a existência de um direito de manifestar ideias nazistas. Há quem diga que existe um direito à embriaguez. Aliás, na Alemanha, a Corte Constitucional daquele país já teve que decidir se existiria um direito a fumar maconha e a ‘ficar doidão’. Já houve quem ingressasse com ação judicial para exigir Viagra do Poder Público, alegando que existiria um direito ao sexo! Pelo que se observa há uma verdadeira banalização do uso da expressão direito fundamental. (Marmelstein, 2013, p. 15).

Existe uma ampla discussão no que refere-se a conceituação e o conteúdo dos direitos humanos, e como complemento, a variedade da nomenclatura torna a tarefa ainda mais difícil, pois há quem os denomine como direitos fundamentais, direitos naturais, direitos do homem e etc., todos com conceito e conteúdo diferentes, mas que possuem como elemento nuclear a efetivação da dignidade da pessoa humana.
Baez (2010, p. 17) define os direitos humanos como sendo incumbidos as pessoas “pelo simples fato de serem seres humanos” e que são atribuídos às pessoas indiferente da existência de positivação. Bobbio (apud BAEZ, 2010, p. 17), nega esta conceituação, pois para ele defender qualquer conceito como absoluto é utopia. E desta forma o mesmo:

Embasa sua assertiva apontando para o vazio de significado dessa definição (‘direitos humanos são os direitos que cabem aos seres humanos enquanto seres humanos’) que considera tautológica, pois está desprovida de qualquer elemento que permita caracterizar tais direitos. Critica, também, as condições formais (‘os direitos humanos são os direitos que pertencem aos seres humanos e dos quais nenhum ser humano pode ser privado) que se limitam a apresentar mais um estatuto desejado ou propostos para esses direitos do que apontar o real significado de seu conteúdo. Por fim, o autor rejeita as concepções teleológicas (‘direitos humanos são aqueles imprescindíveis para o desenvolvimento do homem e da civilização’) as quais utilizam valores suscetíveis de diversas interpretações.

A crítica do referido autor é pertinente devido ao fato de apresentarem categorias genéricas que não denotam o conteúdo das mesmas, verificável no instante em que for efetuado uma busca para descobrir quais são os direitos que pertencem ao homem por sua condição de ser humano. O raciocínio deve ser inclinado para encontrar um conjunto mínimo de direitos que permitam ao indivíduo a fruição de uma vida digna, no entanto, definir a dignidade é outro elemento discordante entre a doutrina, desta forma Kant (apud SARLET, 2015, p. 40) define a dignidade do seguinte modo:

[...] no reino dos fins tudo tem um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem um preço, pode pôr-se em vez dela qualquer outra como equivalente; mas quando uma coisa está acima de todo o preço, e portanto, não permite equivalente, então tem ela dignidade... Esta apreciação dá pois a conhecer  como dignidade o valor de uma tal disposição de espírito e põe-na infinitamente acima de todo o preço. Nunca ela poderia ser posta em cálculo ou confronto com qualquer outra coisa que tivesse um preço, sem de qualquer modo ferir sua santidade.

Ou seja, a dignidade possui um valor infungível, intrínseco, próprio de cada ser humano, implicando que a pessoa humana possui um valor normativo e não de utilidade como as coisas possuem, como apregoa Waldron (apud SARLET, 2015, p. 41). O entendimento da dignidade da pessoa humana não significa estar privilegiando “a espécie humana acima de outras espécies, mas sim, aceitar que do” seu reconhecimento, “resultam obrigações para com outros seres e correspondentes deveres mínimos e análogos de proteção” como denota Sarlet (2015, p. 43). Ademais:

Inegavelmente, a Declaração Universal de 1948 representa a culminância de um processo ético que, iniciado com a Declaração de Independência dos Estados Unidos e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, da Revolução Francesa, levou o reconhecimento da igualdade essencial de todo o ser humano em sua dignidade de pessoa, isto é, como fonte de todos os valores, independente das diferenças (...). E esse reconhecimento universal da igualdade humana só foi possível quando, ao término da mais desumanizadora Guerra de toda a História, percebeu-se que a ideia de superioridade de uma raça, de uma classe social, de uma cultura ou de uma religião, sobre todas as demais, põe em risco a própria sobrevivência da humanidade. (Comparato, 2010, p. 240).

No artigo I, a Declaração já expressa a tríade sagrada que remonta à Revolução Francesa, que compreendem os direitos à liberdade, igualdade e fraternidade, definindo-os como princípios fundamentais deste documento, conforme Hannah Arendt (apud COMPARATO, 2010, p. 145) “a essência dos direitos humanos é o direito a ter direitos”.
De acordo com Moraes (2013, p. 21/22) os direitos humanos possuem relação direta com a abstenção do Estado no que tange a esfera individual e a sua incumbência de materializar a dignidade da pessoa humana, neste sentido os mesmos possuem algumas peculiaridades que compreendem: “imprescritibilidade; inalienabilidade; irrenunciabilidade; inviolabilidade; universalidade; efetividade; interdependência; complementariedade”.
Desta feita, conforme Baez e Mozetic (2013, p. 24/25) os defensores da teoria do universalismo dos direitos humanos embasam-se na ideia de que as pessoas possuem direitos inerentes, que lhe acompanham desde o nascimento, e que são positivados em ordenamentos jurídicos, nacional ou internacional, motivo este que lhe acarreta observância independente do local, época ou cultura, visto que a qualidade de ser humano é igual a todos os seres.
Tais direitos possuem três características essenciais, próprios do homem por sua condição humana (origem na natureza), não necessitando estarem positivados para compreenderem um direito humano (independente de positivação), visto que este caráter encontra-se em seu núcleo (inerência).

4.      UNIVERSALIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS: MATERIALIZAÇÃO DOS DIREITOS DA PESSOA HUMANA OU MEIO DE INSTITUCIONALIZAR A HEGEMONIA POLÍTICA?
Existem diversas teorias utilizadas como defesa da universalização dos direitos humanos fundamentais, no entanto, as mesmas estão sofrendo diversas críticas e enfrentando oposições a sua implantação, em virtude de sua insuficiência teórica. Tem-se como exemplo, a teoria da universalidade metafísica, que se fundamenta no direito natural, imutável e inerente às pessoas, devendo, por isto, serem respeitados por todas as sociedades e culturas.
Sua maior objeção encontra-se na aplicação prática, seu basilar problema circunda o fato de estabelecer o rol destes direitos universais, visto não haver consenso nem ao menos entre os defensores da teoria neste sentido. Neste sentido, o autor Fernandez (apud Baez e Mozetic, 2013, p. 51), censura a utilização da palavra direito na ordem jusnaturalista, visto que no viés técnico-jurídico, esta palavra apenas poderia ser usada para destacar normas estabelecidas no ordenamento jurídico, destituídos deste estado, os direitos naturais compreenderiam apenas valores ou ambições humanas, “que apenas são superiores e anteriores ao direito positivo do ponto de vista ético e moral, mas jamais jurídico”.
Além de que, os direitos provenientes da natureza humana, não embasam um conceito preciso, visto que eles expressam valores que dependeram do ponto de vista do avaliador, o que implica em uma decisão valorativa subjetiva, que poderá variar conforme o entendimento do intérprete, o que afasta a universalidade e a imutabilidade dos direitos naturais. Além do mais, a ideia de que os direitos humanos não precisam estar positivados para produzirem efetividade, peca pela ingenuidade, pois a ausência de expressão destes direitos impossibilita sua cobrança por parte do cidadão, destituindo seus destinatários de mecanismos de efetivação e proteção dos mesmos.
Quanto as teses metafísicas que se fundamentam na ética como forma de defender a universalidade dos direitos humanos fundamentais, sustentam-se na ideia de compreenderem direitos morais, baseados na racionalidade, cuja universalidade é aferida através do contexto histórico e conforme as possibilidades “culturais, sociais, econômicas e políticas de cada sociedade” propiciem sua efetividade, incorporando-os ao seu sistema jurídico interno.
Baez e Mozetic (2013, p. 54), criticam esta teoria com base no fato de que sua universalização dependem de critérios históricos, políticos e sociais, desta forma, aceitar a materialização desta teoria acarreta permitir violações sob o pretexto de as condições do Estado em questão, não estariam oportunizando a efetividade dos direitos humanos. “Veja-se que o fato de a tortura ainda ocorrer em vários países, seja por motivos culturais, seja por motivos políticos, não afasta a situação de que tal prática constitui violação dos direitos humanos fundamentais”, como destacam os referidos autores (2013, p. 54).
Outra tese, diz respeito a implantação universal da Democracia, que se afirma no entendimento que apenas através desde modelo político poderia ser efetivado o mais amplamente possível os direitos humanos. O equívoco encontra-se em afirmar que este seria o único modelo político com capacidade de materializar estes direitos, visto que, neste modelo estatal, também ocorrem diversas violações de direitos.
Outrossim, acreditar que democratizar o mundo  efetivaria a universalização dos direitos humanos e lhes daria aplicabilidade direta e imediata seria ilusório, visto no fato de que outros governos, provenientes de regimes diferentes também materializaram estes direitos. O fato é que não houve um consenso doutrinário que concluísse sobre a proposta ideal para a universalização dos direitos humanos. Ademais conforme Tosi (2002, p. 41) “o projeto dos direitos humanos, como hoje se apresenta, não somente não é, de fato, universal, tampouco pode ser ‘universalizável’, porque precisa reproduzir continuamente a contradição excluídos/incluídos, emancipação/exploração, dominantes/dominados”.
O atual modelo político instalado pela globalização, proporciona mais que qualquer outro modelo, o assentamento da contradição entre os direitos de liberdade e os direitos sociais, e entre democracia política e democracia social. É incontestável que:

[...] a universalização dos direitos humanos não caminha no mesmo sentido da globalização da economia e das finanças mundiais, que está vinculada à lógica do lucro, da acumulação e da concentração de riqueza e desvinculada de qualquer compromisso com a realização do bem-estar social e dos direitos do homem. O processo de globalização significa um retorno – e um retrocesso – à pura defesa dos direitos de liberdade, com a intervenção mínima do Estado. Nessa perspectiva, não há lugar para os direitos econômicos sociais e/ ou de solidariedade da tradição socialista e do cristianismo social; por isso, novas e velhas desigualdades sociais e econômicas estão surgindo no mundo inteiro. (Tosi, 2002, p. 41).

Ocorre, que atualmente, toda e qualquer intervenção de caráter político, ou militar advindas dos Estados dominantes gritam pelo apoio dos Direitos Humanos e das organizações internacionais dominadas, como justificativa pensamentista. A universalização dos direitos humanos embasa-se em um caráter europeu e cristão, o que impedem que sejam estendidas ao restante do mundo, devido as peculiaridades culturais e religiosas de cada Estado, que quando não são contrárias são incompatíveis entre si, as quais necessitam serem respeitadas. Todos os Estados que respeitam suas diferenças principalmente culturais, encontram-se estranhos a esta ideia de universalização.
Desta forma encontram-se entre os doutrinadores dois grandes posicionamentos que compreendem “de um lado, uma leitura que contrapõe o eurocentrismo europeu e ocidental às culturas; ‘outras’, que lutam para preservar a sua alteridade e suas diferenças”, provenientes de uma história e tradição próprias e originais que se diferenciam em tudo uma da outra. De outro lado, tem-se o posicionamento que o processo de expansão ocidental ocorreu de forma tão profunda sobre o mundo que nenhum Estado permaneceu afastado de sua influência, pois a última vez que foi encontrada algo realmente distante desta realidade foi a descoberta dos índios, que ocorreu nos séculos XIV e XV.
Contudo, “essas novas populações foram destruídas, aniquiladas, assimiladas, ‘encobertas’, e o mesmo aconteceu, guardadas as devidas diferenças, com todos os povos e civilizações que entraram em contado com o Ocidente, como destaca Bruit (apud TOSI, 2002, p. 42).

Nessa perspectiva, não somente não há mais um ‘outro’, mas as próprias categorias e os conceitos utilizados pelos povos não ocidentais passam a se contrapor ao Ocidente e reivindicar sua identidade, são encontrados e retirados do arsenal conceitual do Ocidente. Liberdade, igualdade, direito dos indivíduos, tolerância, democracia, socialismo, revolução, são conceitos estranhos as tradições culturais desses povos, e só existem na tradição ocidental. Típico é o caso dos movimentos revolucionários dos países colonizados (como China e o Vietnã), que enviaram suas elites à Europa para estudar, onde aprenderam a utilizar ‘contra’ os colonizadores as teorias socialistas e revolucionárias elaboradas pela metrópole. (Tosi, 2002, p. 42/43).

O trabalho é complexo, pois apesar de ter surgido no Ocidente, a doutrina dos direitos humanos expalhou-se por todo o planeta, o que pode ser verificado não somente pelas assinaturas dos documentos internacionais por quase a totalidade dos Estados, mas também, pelo surgimento de um movimento mundial pela promoção e efetivação dos direitos humanos, que compreende uma espécie de ‘sociedade civil’, organizadas mundialmente na busca por esta universalização.
Contudo, o respeito por estes direitos e garantias está longe de efetivar-se como algo universal em todas as culturas e civilizações e por isto esta questão permanece de forma aberta, tanto no ponto de vista teórico quanto prático. É por este motivo que Tosi (2002, p.45) destaca que “a questão dos direitos humanos (...) funciona como uma ideia reguladora, um horizonte que nunca poderá ser alcançado porque está sempre mais além, mas sem o qual, não saberíamos sequer para onde ir”.
Ademais, as tentativas efetuadas pela ONU de promover o desenvolvimento e a paz universal não aferiu resultados palpáveis. Pois, “em lugar de caminhar em direção a uma autoridade ao mesmo tempo inter e supranacional, quase como um governo mundial, não prosperaram, e o mundo está – de fato embora não de direito – administrado, como sempre foi, pelas grandes potências mundiais”, sendo liderados pelos Estados Unidos da América, que com o fim do comunismo, implantaram uma política imperial, efetivando uma hegemonia sobre o restante das nações e reagindo quando se sentem ameaçados em seus interesses elementares, como afirma Tosi (2002, p. 43).
A intenção de edificar uma ‘nova ordem mundial’ que facilite aos organismos internacionais, bem como as grandes potências a promoção e defesa dos direitos humanos, através de uma política de centralização, com intervenção humanitária, que ultrapasse a soberania dos Estados e possa reagir de forma armada se necessário, não detém de credibilidade, visto que o Ocidente parece estar utilizando-se da retórica dos direitos humanos, como forma de encobrir seus interesses estratégicos e impor às nações sua hegemonia política e econômica.

5.      DEFINIÇÕES CONCLUSIVAS
O respectivo artigo referiu-se à universalização dos direitos humanos fundamentais, efetuando um explanado histórico sobre o surgimento das gerações destes direitos, e de suas peculiaridades, bem como passando a discorrer sobre o uso banalizado destas expressões e seus significados jurídicos.
Posterior a isto, o manuscrito reportou-se sobre as teorias universalistas destes direitos, dando enfoque a três em especial, compreendendo a teoria da universalidade metafísica que se fundamentam no direito jusnatural, a teoria metafísica que se fundamenta na ética e a teoria Ocidental, destacando seus elementos nucleares e os motivos pelos quais as mesmas ainda não foram implantadas.
A conclusão a que se chegou é que querendo ou não a universalização destes direitos é algo inevitável, como se percebe no fato de que a maioria dos países já assinou as declarações de direitos humanos existentes, porém, as nações não pretendem perder suas peculiaridades provenientes de sua história e cultura.
Ademais esta universalização não se encontra bem fundamentada aparentando compreender mais uma estratégia para implantar uma hegemonia política do que um modelo ideal de efetivação de direitos da pessoa humana, posto que os direitos da pessoa humana urgem por serem implantados, no entanto, o direito às diferenças também englobam este núcleo jurídico e precisam ser respeitados.

REFERÊNCIAS
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BAEZ, Narciso L. X; LEAL, Rogério G; MEZZAROBA, Orides. –São Paulo: Conceito Editorial, 2010.
COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos.7 ed. ver. atual. – São Paulo: Saraiva, 2010.
MARMELSTEIN, George.  Curso de Direitos Fundamentais. 4ª ed. – São Paulo: Atlas, 2013.
MENDES, Gilmar F; BRANCO, Paulo G. Curso de Direito Constitucional. 7 ed. rev. atual. –São Paulo: Saraiva, 2012.
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SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade (da Pessoa) Humana e Direitos Fundamentais na Constituição de 1988. 10 ed. ver. atual. e ampl. – Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2015.


TOSI, Giuseppe. História e atualidade dos direitos do homem. In: NEVES, Paulo Sérgio da Costa; RIQUE, Célia D. G.; FREITAS, Fábio F.B (org.). Polícia e Democracia: desafio à educação em direitos humanos. Recife: Bagaço, 2002.