O referido estudo possui como temática a análise da promoção dos
direitos humanos fundamentais através da Polícia Militar, sob o enfoque de
efetivar um resgate de valores no âmago social e enraizar uma cultura pró-ativa
através de seus programas educacionais, pretendendo edificar uma sociedade
composta por pessoas pensantes e atuantes, emolduradas na legalidade e humanidade,
bem como, na busca da concretização da moralidade, da eticidade e dos demais
valores estruturantes da Carta Mãe.
Os direitos humanos fundamentais edificaram-se sobre o sangue, as
cinzas, a dor e o sofrimento das vítimas dos campos de concentração Nazista, e
dos demais regimes autoritários aos quais os cidadãos foram expostos no
transcorrer do tempo, sendo torturados, mutilados e mortos, passando a
compreender expressões protetivas em Declarações de Direitos, como meio de
eternizarem-se, para que seu sofrimento não fosse em vão e não caísse na lacuna
do esquecimento, e assim sendo, não retornasse a vida no solo pátrio. No
entanto, a mesma mão que escreveu as leis tirânicas que ceifaram vidas e destruíram
famílias e sociedades inteiras, também, esculpiram em letras douradas os
direitos que as salvaram e resguardaram sua dignidade, posto que, o papel
aceita tudo que lhe é colocado, por isso a necessidade de haver racionalidade e
fiscalização quanto à efetividade dos direitos protetivos do homem.
É por este motivo, que as pessoas precisam ter conhecimento de
seus direitos e dos mecanismos de concretização dos mesmos, sendo imperativo
que tenham discernimento para reagir às ilicitudes e buscar a materialização de
seus direitos, fiscalizando os atos provenientes do poder público e cobrando a consolidação
da lei, evitando que seus direitos passem a compreender letra morta no
cemitério de leis, transformando-se em simples versos, sem materialidade. Afinal,
da formalidade da lei escrita para a materialidade de suas expressões no solo
nacional há uma distância que precisa ser percorrida, para que, então, estes
direitos possam emergir em terrae
brasilis e enraizarem-se em proteção aos cidadãos.
Contudo, para que os indivíduos possam reagir às arbitrariedades e
ilicitudes, é necessário conhecimento jurídico, visto que ninguém busca o que
não sabe e nem efetiva o que não conhece, é por este motivo que a educação
compreende um elemento fundamental na formação e edificação do Estado
Democrático de Direito. Consciente disto é que a instituição militar
alicerçou-se, também, sobre este ramo (educacional), e originou uma diversidade
de programas educativos, visando resgatar valores e enraizar uma cultura de
pessoas pensantes e atuantes, com consciência de seus direitos e deveres como
cidadão, levando aproximação e confiança à sociedade, em uma relação de
cordialidade.
O problema desta pesquisa circunda na análise da efetividade dos
programas educacionais desenvolvidos através da Polícia Militar no que reporta
a promoção dos direitos humanos fundamentais, dentre eles, a prevenção à
criminalidade e a advertência dos riscos relacionados ao uso ilícito de drogas.
O objetivo geral do estudo envolve a aferição dos benefícios sociais dos
programas educativos elaborados pela instituição militar e materializados por
seus agentes da lei, fardados. Já, os objetivos específicos compreendem: a)
efetuar uma análise na capacidade que a educação, transmitida pelo policial
militar possui de transportar valores e enraizar uma nova cultura na sociedade
(legalista, pró-ativa e humanitária); b) sopesar o diferencial que a
instituição militar possui em seus programas; c) avaliar se a absorção do
conhecimento ofertado pelo policial militar em sala de aula é suficiente para
reprimir e coibir as ilicitudes.
A pesquisa é de suma importância por tratar de temas que envolvem
interesse geral, como a segurança pública e a área educacional. Este estudo se
justifica pelo fato de que a questão da segurança pública encontra-se em voga e
o sensacionalismo midiático tem preferido transformar as ocorrências em páginas
vermelhas utilizando-se do sangue das vítimas do que focar na forma de agir dos
agentes da lei fardados e em seu profissionalismo, perpetuando uma sensação de
medo surreal, pois, evidencia a violência acima da criminalidade realmente
existente, manchando de sangue a farda de guerreiros humanos que lutam
diuturnamente pela justiça e pela materialização da lei.
Ou seja, pretende demonstrar o heroísmo humano, que pulsa no peito
do guerreiro fardado, que munido, mais pelo sentimento de patriotismo (honra e
decoro) que pela valorização da população e do Estado, luta com a espada da lei
e com o escudo da justiça para implantar a segurança pública, ao lado de outros
agentes da lei, das demais instituições, que buscam implacavelmente garantir a
segurança e o bem da população, também com a mesma força e garra dos guerreiros
fardados, porém, nas posições e forma que a lei lhes determina.
A pesquisa realizou-se através do método bibliográfico e de
pesquisas de campo, com abordagem quantitativa, utilizando-se do método
indutivo, instante em que a autora visitou as instituições referidas no
decorrer do texto e entrevistou os profissionais em ação, ou seja,
desenvolvendo seus afazeres. Por compreender uma pesquisa de campo, o público
pesquisado abrangeu agentes militares, educandos, professores, pais dos alunos
e cidadãos comuns relacionados aos programas ofertados. A coleta de dados
ocorreu através de entrevistas. Quanto à parte bibliográfica, o material colhido
compreendeu doutrinas de vários autores, e análise dos projetos dos programas
educativos desenvolvidos pela PM.
O manuscrito em comento possui 06 Capítulos. Assim, o primeiro
Capítulo desenvolve-se, através da transcrição da atividade militar em um
Estado Democrático de Direito, destacando a função militar de promover a
segurança pública no viés que a letra da Carta Cidadã designou, abordando o
agente fardado no sentido humanitário e próximo da população, abandonando a
imagem surreal do militar no sentido de agente autoritário, que os regimes
imperiais criaram, onde o mesmo era visto, simplesmente, como o braço forte do
Estado, considerando-o no sentido de um ser humano que trabalha em linha de
frente contra a criminalidade, que é comumente utilizado, como “buchas de canhão”,
ou seja, como arma ou escudo humano contra a marginalidade, exposto a todo o
tipo de agressões, e desprovido de valorização e de proteção em nome da
sociedade e do Estado.
No Segundo Capítulo, a
autora passa a discorrer sobre as diretrizes que a Carta Magna destacou à
instituição militar, através do art. 144 e demais expressões, efetuando um
estudo minucioso na escrita que o constituinte originário dirigiu a todos os
agentes da lei, especialmente no que diz respeito aos militares, como forma de
extrair os entendimentos e diretrizes que o cerne do regramento jurídico
empregou para lapidar os policiais no que reporta à efetivação da segurança
pública no território brasileiro, movendo-os através de seu amor à bandeira e
aos cidadãos, colorindo em verde e amarelo o solo nacional, com base na lei e
na ordem, implantando novamente o sentimento de amor pela pátria, já esquecido
nos corações das pessoas devido a toda abundancia de ilicitudes cometidas
frente aos seus olhos.
No Terceiro Capítulo, embasa-se o impacto social que os adolescentes
causam ao envolverem-se com a delinquência, momento em que foi efetuada uma
pesquisa de campo, através de uma visita ao CASEP (Centro de Atendimento Sócio
educativo Provisório) de Chapecó/SC, onde a autora atuou através de entrevistas
com os jovens ali cerceados, buscando respostas que justificassem suas ações e
meios para readaptá-los à sociedade, instante em que a solução encontrada
apontou para a necessidade do agir preventivo. Acerca do qual, o 2°
BPM/Chapecó/Fron pertencente à 4ª RPM/Fron já deu o primeiro passo em sua
direção criando o programa de Prevenção à Violência Escolar, pretendendo
transmitir valores e conhecimento aos jovens em idade escolar, evitando que os
mesmos adentrem na criminalidade, algemando-se a esta forma de vida, e
prendendo-se nas gélidas grades do sistema carcerário, que mais que recuperar,
vitimizam e destroem.
No Quarto Capítulo, a autora efetuou uma avaliação nos desafios
que os cidadãos enfrentam ao procurar materializar os direitos humanos fundamentais,
instante em que é demonstrando o projeto do programa EDHUCA: Educação em
Direitos Humanos e Cidadania Ativa, criado pelo 15° Batalhão de Polícia Militar
de Caçador/SC, mas que ainda não foi efetivado, por falta de incentivos
pecuniários e de apoio estatal, cujo qual, visa levar conhecimentos jurídicos
para o povo, partindo dos jovens em idade escolar para os demais conterrâneos,
motivado pelo imperativo que a população possui de conhecer a lei e de saber
como proteger-se contra as ilicitudes, partindo do sentido de que é sabendo
como manejar o escudo da lei e a espada da justiça que se aprende a fiscalizar
e a reagir frente às arbitrariedades e ilicitudes de toda espécie dos quais a
sociedade é vítima.
No transcorrer do caminho, depara-se com o Quinto Capítulo, o qual
faz expressão do direito humano fundamental referente ao meio ambiente,
enfatizando sua essencialidade como bem de extensão à vida humana. Neste
instante, é apresentado o programa Protetor Ambiental, de origem Catarinense,
dando enfoque à ação da 2° Batalhão de Polícia Militar Ambiental de Chapecó/SC,
onde foi efetuada uma pesquisa de campo como forma de extrair a efetividade do
programa, momento em que a autora se juntou a corporação e efetuou entrevistas
aos integrantes do programa (policiais militares, alunos e etc.), obtendo os
pormenores referentes ao mesmo.
Salientando que a Polícia Militar Ambiental é um ramo da árvore da
Polícia Militar, tal como o Corpo de Bombeiros Militar, cabe destacar que a
mesma tem permanecido longe dos holofotes das cidades e seu trabalho tem
passado despercebido ao olhar desatento dos cidadãos comuns e por isto não tem
recebido os créditos e o respeito que merece, feito uma sombra que escurece o
solo pátrio, é o desconhecimento da população quanto ao valor e a necessidade
da ação da PMA, este dessaber deve-se ao fato de que a atividade policial
militar ambiental prepondera-se sobre a área ambiental, e seu atuar edifica-se
na região agreste do solo pátrio, no entanto, nem por isto merece desprestígio,
visto agir em proteção e recuperação de um bem essencial à vida humana, sendo capital
que seu trabalho seja desmistificado e que as luzes do saber se abram aos olhos
das pessoas, extraindo-as do véu da ignorância, e desabrochando-as para a
valorização do trabalho humano militar ambiental, acerca do qual será
desenvolvido em capítulo próprio.
Por corolário, o Sexto Capítulo, fechou com chave de ouro este
manuscrito, por meio da abordagem ao programa Proerd, que por sua capacidade de
efetividade foi implantado em todo o solo nacional. O mesmo é proveniente de
Los Angeles, onde se denominava D.A.R.E. Todavia, como forma de analisar sua
eficácia, a autora entrou em contato com instituições militares de quatro
Estados brasileiros, instante em que foram realizadas entrevistas com
instrutores, professores das escolas, alunos e pais envolvidos no programa dos
Estados do Rio Grande do Sul, Bahia, Rio Grande do Norte e de Santa Catarina,
sobre as quais será transcrito no desenrolar do Capítulo em epígrafe.
De antemão, é possível adiantar que este programa atua sobre a
premissa de que a educação é dada pela família e pela sociedade, pois, acredita
que a criança ao adentrar no âmbito escolar já possui sua personalidade formada
por seu círculo de convívio, assim, o Proerd labora apenas dando continuidade ao
que, em tese, já foi construído pela família, isto é, ele pretende regar e
adubar as sementes dos valores que já foram plantados na terra fértil que é o
cérebro da criança, levando conhecimento para as mesmas, como meio de avigorar
os valores já incorporados por elas, visto que trabalhar em uma pessoa desviada
dos valores sociais é uma tarefa muito mais árdua que, reforçá-los no infante.
Porém, mesmo a criança que foi criada através de uma educação
adversa é trabalhada nesta atividade militar, posto que, a ação do policial
militar proerdiano atua desde a mais tenra idade sobre o infante, laborando
sobre o mesmo, como se ele fosse uma folha em branco e nele estivesse sendo
esculpidas as primeiras letras em prata e dourado, transformando-o através da
transmissão e estímulo de valores, instigando seu senso crítico, no entanto,
sua alforria da educação equivocada através da qual foi criado é mais difícil
que no caso de uma criança bem encaminhada.
Afinal, a capacidade de assimilação e de incorporação de uma
criança com valores já estabelecidos é diferente daquela em que é preciso
começar do nada, principalmente, devido ao fato de que a ação da família e de
outros conviventes com a criança é essencial para o seu desenvolvimento sadio e
íntegro, por este motivo, este programa busca unir esforços entre a comunidade militar,
escolar, familiar e social (de modo geral), pois educar, construir, resgatar e
introduzir valores é uma tarefa que diz respeito a todos e precisa ser efetuada
desde o berço, até sua formação adulta, como pretende fazer, não só este, mas
todos os demais programas instituídos pela Polícia Militar e Polícia Militar
Ambiental.
CAPÍTULO I
A SEGURANÇA PÚBLICA SOBRE O ENFOQUE DE UM ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO
1.1
Uma Apreciação ao Estado Democrático de
Direito
Posterior à promulgação da Constituição
Federal de 1988, se tornou popular a expressão Estado Democrático de Direito,
todavia, apesar da difusão deste modelo estatal, pouco foi aprofundado sobre
sua materialidade e eficácia. O que se sabe é que o poder absoluto passa a se
retrair frente ao domínio dos direitos individuais e coletivos, com vistas a
manter uma sociedade justa e igualitária. A lei passa a ser soberana limitando
tanto a atividade estatal quanto individual, dando afirmativa aos direitos
públicos, conforme afirma Tácito (1986 p. 97/98).
Destaca Montesquieu (apud BRANDÃO,
1987, p. 17) que a tendência do indivíduo a viver em sociedade é natural, e
para isto, o homem abdica de sua liberdade individual acatando a soberania
estatal. No entendimento de Rousseau (2012, p. 27), “a força fez os primeiros
escravos e sua covardia os perpetuou”, expressão esta que indica a necessidade
de os cidadãos buscarem seus direitos e fiscalizarem os atos do poder público
para que a arbitrariedade e as ilicitudes não predominem. Desta forma, a
limitação efetuada pelo Estado é própria da convivência em sociedade,
caracterizada pela predominância da lei, denominando-se Estado de Direito. Por
este motivo é que a lei estabelece limitação não apenas ao cidadão, mas também
ao Estado, cujo qual invocou para si o princípio da autoridade e da jurisdição,
objetivando efetivar a lei e garantir a ordem pública, conforme destaca Brandão
(1987, p. 17), tencionando evitar o exercício arbitrário das próprias razões.
Conforme os preceitos esculpidos no
Caderno Constitucional, não basta o simples uso da força, é necessário que haja
legitimidade na ação, desta feita para que o Estado de Direito seja Democrático
é preciso que a força seja proveniente do povo e que sua vontade seja soberana,
abrindo precedentes para uma convivência social harmônica, assim “o manto da
autoridade cobre todos os atos provenientes do Estado com a finalidade de
preservar o direito público em meio à pugna dos interesses e litígios
individuais”, nas palavras de Brandão (1987, p. 17).
Salienta-se sobre a importância que
possui a relação entre a autoridade e a ordem, constatada em dois instantes,
compreendendo “a ordem como organização e ordem como mandato”, no entanto,
existem diferentes tipos de ordens e formas de mantê-la, porém é no sentido da
ordem como mandato, tencionando manter a ordem como organização, que emerge o conceito de autoridade, véu que envolve
os atos estatais e efetua a promulgação das leis, cujas quais, não teriam
validade ou eficácia se não tivessem “uma força coercitiva que lhe estivesse
agregada”.
Esta força coercitiva que provem do
Estado denomina-se polícia, e detém
legitimidade de ação através do poder de polícia, aqui empregado no sentido de
associações institucionais estatais que objetivam a ordem pública. Ou seja, a polícia em sua organização concretiza o
poder de coerção do Estado, e compreende um conjunto de indivíduos atuantes
para manter a ordem, prevenir e reprimir as rupturas da lei. Em vista disso assevera
Lopes (2009, p. 25), que “o modelo de relação própria ao poder não deve ser
procurado” através de violência, mas sim por meio do governo, através das
políticas públicas estratégicas.
Ademais, o ser humano buscou a
convivência social motivado por mudanças culturais e em busca de garantir sua
sobrevivência, formando um contrato social, no qual a multidão se reuniu em um
corpo, onde cada indivíduo compõe um membro seu, e como componente
indissociável deste, visam proteger uns aos outros, impulsionados pela própria
necessidade de manter a unidade, como assenta Rousseau (2012, p. 44/45). Desta
maneira, cada membro do grupo se abstém de sua liberdade individual, para
englobar uma liberdade grupal, formalizada por regras de convivência, pretendendo
limitar o poder Estatal e garantir a conservação social. Conforme explana
Ekmekdjian (apud MORAES, 2013, p. 2), “o homem, para poder viver em
companhia de outros homens, deve ceder parte de sua liberdade primitiva que
possibilitará a vida em sociedade”. Segundo ele:
Essas parcelas de liberdades
individuais cedidas por seus membros, ao ingressar em uma sociedade, se
unificam, transformando-se em poder, o qual é exercido por representantes do
grupo. Dessa forma, o poder e a liberdade são fenômenos sociais contraditórios,
que tendem a anular-se reciprocamente, merecendo por parte do direito uma
regulamentação, de forma a impedir tanto a anarquia quanto a arbitrariedade.
Na concepção de Marmelstein (2013, p.
10), é necessário que toda a atividade que englobe a área jurídica (inclusive a
ação Policial Militar), seja fortemente envolvida por um conteúdo humanitário,
com vistas a evitar que o direito venha a ser usado como justificativa para
arbitrariedades e anarquias, como ocorreu com o Nazismo, devido ao fato de que
“a mesma tinta utilizada para escrever uma Declaração de Direitos pode ser
usada para escrever as leis do Nazismo”, cabendo à sociedade efetuar o exame
das leis e dos atos públicos e a reivindicação de seus direitos fundamentais,
conforme legitima a Carta Magna.
A fiscalização dos atos públicos
justifica-se em impedir que o Estado torne-se opressivo, evitando a ascensão do
autoritarismo por meio do abuso da burocracia, através da qual o ente estatal
desarma tanto os sujeitos quanto os setores da sociedade, em virtude de que o
Estado passa a se responsabilizar em demasia sobre as necessidades e anseios
dos cidadãos fazendo “proliferar os órgãos de serviço público”, causando
morosidade e retardamento no que tange a efetivação dos direitos do indivíduo,
tonando as leis simples versos desprovidos de efetividade. Fato este que
desencadeia na busca pela desburocratização através da criação de meios
informais de solução das necessidades sociais, com base na privatização dos
serviços públicos, como leciona Lazzarini (1986, p. 106).
Este fato justifica uma ação de
proximidade entre a Polícia Militar e a comunidade social, com vistas a
construir uma relação de respeito e cordialidade entre o sujeito ativo da
promoção da lei (polícia) e o sujeito passivo desta conexão (sociedade), em uma
relação de consideração mútua em que a primazia consiste na efetivação dos
direitos humanos fundamentais, visto que da formalidade da lei escrita a sua
materialização em terrae brasilis
existe um caminho árduo, o qual esta instituição incumbe-se por efetuar. Ademais
esta burocracia, cognominada tecnicismo
jurídico, “tem empurrado nossas autoridades a uma prática sequente,
desenfreada e insana de produção de leis”, porquanto o ordenamento jurídico
nacional encontra-se cada vez mais vasto, visto que quase tudo está expresso em
lei ou com um projeto de lei em andamento, porém a prática é outra, em razão de
que, apesar da diversidade de leis existentes, este Estado compreende uma das
nações mais injustas, “por quê? Porque temos leis demais e processo de
menos”, como expressa Soares (2003, p. 95).
As leis não possuem eficácia por si
própria, pois, para poderem expressar seus efeitos é necessária sua
reivindicação através de um processo,
é neste ponto que inicia umas das principais deficiências deste Estado, a
jurisdição, devido ao fato de o sistema processual ser arcaico, ineficiente e
incapaz de suprir a demanda existente, com profissionais carentes de
habilitação e inconscientes de seu dever como funcionário público. Conforme o
referido autor (2003, p. 96) “por melhor e mais bem intencionada que seja uma
lei, para que haja a sua efetiva aplicação, é necessária a existência de um
processo. E quanto mais simples, objetivo e racional for este processo, mais
eficientemente a lei será aplicada” é por este motivo que o indivíduo não pode
ficar dependente do judiciário, devendo, por este motivo, respeitar as leis e
seus semelhantes, sem que haja necessidade de coação para tanto.
Trazendo para o plano de atuação
militar, verifica-se que o policial encontra-se constantemente inibindo
ilegalidades, porém, em virtude da morosidade estatal, o meliante, antes mesmo
de ser julgado, acaba retornando a convivência social e reincidindo no crime,
guiado pela sensação de impunidade que impera na sociedade, efetuando um ciclo
vicioso de impenitência, gerando a sensação de medo que se alastra na
comunidade e transmite a ideia errônea de desvalor da polícia. Cabe salientar
que “o papel aceita tudo. (...) logo o legislador, mesmo representando uma
suposta vontade da maioria, pode ser tão opressor quanto o maior dos tiranos”,
portanto havendo uma integração entre a sociedade e os órgãos públicos, tanto a
arbitrariedade, quanto a morosidade estatal poderão ser suprimidas.
Destaca Barroso (apud
MARMELSTEIN, 2013, p. 10) que emerge a necessidade de legalizar e humanizar as
ações humanas, com base no princípio da dignidade humana, visando promover e
efetivar os escritos constitucionais, proporcionando um convívio social digno, priorizando
o bem comum por parte de todos os entes, assim como dos indivíduos para com
seus semelhantes. Porém, isto não obriga a polícia a agir conforme o bem comum, posto que esta ideia abre precedentes para o
policial trabalhar de acordo com seu julgamento de melhor conveniência, fato
este afastado em razão de que a ação policial é estritamente legal, não podendo o agente militar agir fora do que
esta prescreve, sob pena de abuso de autoridade. Desta feita, “a ideia de
Estado é inseparável da ideia de Polícia e o fundamento da ação de polícia é o
poder de polícia”, pois a ação policial apenas será arbitrária quando estiver
divorciada do Estado Democrático de Direito, como insere Lazzarini (1986, p.
23).
É nesta acepção que Sarlet (apud
MARMELSTEIN, 2013, p. 16) destaca que “onde não houver respeito pela vida e
pela integridade física e moral do ser humano, onde as condições mínimas para
uma existência digna não forem asseguradas, onde não houver uma limitação de
poder”, ou seja, “onde a liberdade, a autonomia, a igualdade em direitos e
dignidade e os direitos fundamentais não forem reconhecidos e assegurados, não
haverá espaço para a dignidade humana”. Sem dignidade o ser humano é rebaixado
ao status de coisa, sendo desabonado
de sua condição humana, fato este incabível em um Estado Democrático de Direito.
Desta feita, como meio de regulamentar
a vida social e promover a efetivação de garantias como a dignidade humana é
que emerge a Carta Cidadã, que além de organizar a sistemática estatal e os
poderes que os engloba, acolhe os direitos fundamentais e sociais
imprescindíveis aos homens, designando-os indistintamente aos seus cidadãos. Em
concordância com Jesus (2011, p. 53) constata-se que o Estado Democrático[1], também, constitui um
Estado de Direito[2],
lugar em que a lei é o principal meio de padronização das relações sociais,
“onde o princípio de legitimação da sociedade política se assenta.” Esta
concepção advém da “luta contra o monarca, seu poder absoluto e dos privilégios
do clero, da nobreza e das corporações,” e possui inspiração nos valores
liberais-burgueses (2011, p. 53), idealizando o homem como um valor em si mesmo
e envolto pelo manto da dignidade humana, princípio fundamentador da CF/1988 (art.
1°, § 3°).
Outrossim,
“em um Estado bem governado há poucas punições, não porque se concedem
muitas graças, mas porque há poucos criminosos,” como destaca Rousseau (2012,
p. 71), quanto maior a quantidade de crimes, menor a efetividade da lei. Destaca
o referido autor (2012, p. 75-97), que a base da Democracia consiste no fato de
que “o povo submetido às leis deve ser-lhes o autor”, por isto a lei que rege o
povo deve provir do mesmo. Isto é, “todo povo encerra em si alguma causa que o
regulamenta de maneira particular e torna sua legislação adequada somente para
ele”, ou seja, as leis compreendem o reflexo de seu povo.
Por consequência, o Direito compreende
um instrumento conformador e limitador do Estado, fazendo com que a atividade
estatal apenas possa se desenvolver caso esteja em conformidade com os
preceitos estabelecidos pela ordem jurídica, garantindo aos cidadãos mecanismos
de defesa, como os direitos humanos e os direitos fundamentais. Neste enfoque,
Moraes (2013, p. 1) destaca que, os direitos fundamentais tiveram origem
através da fusão de várias fontes, “desde tradições arraigadas nas diversas civilizações,
até a conjugação dos pensamentos filosófico-jurídicos, das ideias surgidas com
o cristianismo e com o direito natural”, logo, possuindo em comum o objetivo de
limitar e controlar o abuso do Estado e das autoridades públicas, bem como
consagrar os princípios basilares da ordem estatal.
Por corolário, a teoria dos direitos
fundamentais compreende uma temática mais antiga que a do próprio
constitucionalismo[3],
posto que, a Constituição Federal apenas consagrou um “rol mínimo de direitos
humanos em um documento escrito derivado diretamente da soberana vontade
popular”. Desta forma, conforme Marmelstein (2013, p. 15) declarar um direito
como fundamental não constitui mera teoria, ao contrário, a expressão destes
direitos sem que tenham materialidade compreende uma lacuna, uma negação à
expressão da Carta Política e ao Estado de Direito, devido ao fato de que o status de um direito como fundamental
lhe designa algumas características, in verbis:
a) Possuem aplicação imediata, por força do art.
5°, § 1° da Constituição de 88, e, portanto, não precisam de regulamentação
para ser efetivados, pois são diretamente vinculantes e plenamente exigíveis;
b) São cláusulas pétreas, por força do art.
60, §4°, inc. IV, da Constituição de 88, e, por isso, não podem ser abolidos
nem mesmo por meio de emenda constitucional;
c)
Possuem hierarquia constitucional,
de modo que, se determinada lei dificultar ou impedir, de modo desproporcional,
a efetivação de um direito fundamental, essa lei poderá ter sua aplicação
afastada por inconstitucionalidade. (Grifos do original).
Nesse sentido, Dallari (apud
JESUS, p. 54/55) define que o Estado Democrático de Direito, arquiteta-se sobre
três pontos, sendo “a supremacia da vontade popular, a preservação da liberdade
e a igualdade de direitos”. Neste sentido, Jesus (2011, p. 55) esclarece:
[...] o Estado Democrático de Direito
preconizado pela Constituição brasileira, reúne os princípios do Estado
Democrático e do Estado de Direito, não como simples reunião formal de seus
elementos, mas porque releva um conceito novo que os supera, na medida em que
incorpora um comprovante revolucionário de transformação de status quo.
Ou seja, por meio da junção destes dois
conceitos, a Carta Magna, cria um novo paradigma, com vistas na realização
social, materializando seus direitos, através de “instrumentos que oferece a
cidadania e que possibilita concretizar as exigências de um Estado de justiça
social”, pautado na dignidade humana, conforme enfatiza Jesus (2011, p. 55). Nesta
ideia de Estado Democrático de Direito, a lei deve possuir superveniência,
tanto no aspecto formal (substantivo, que
compreendem as leis que criam, definem e regulamentam as relações jurídicas),
quanto no aspecto material (adjetivo,
que embasam as leis que regulam o modo de operar as relações ou os direitos),
em vista de que se aplicam para influenciar o meio social, transformando-o, ou
seja, moldando-lhe para estabelecer a ordem pública.
Por sua vez, a ideia de ordem pública
resulta de “um conjunto de princípio de ordem superior, políticos, econômicos,
morais e algumas vezes religiosos, aos quais, uma sociedade considera
estritamente vinculada a existência e conservação da organização social
estabelecida”, conforme expressa Lazzarini (1986, p 7), compreendendo um estado
oposto à desordem, concepção esta, que envolve a noção de segurança pública,
posto que é a segurança social e individual que está dentro do núcleo de ordem
pública e não o contrário. Por decorrência, a segurança pública engloba o estado antidelitual, como resultado da
observância da lei, sendo promovida através das organizações policiais em ações
preventivas e repressivas, atuando como limitadora da atividade individual
promovendo a materialização do Estado de Direito, de forma a assegurar sua
existência, e a convivência pacífica de seus cidadãos.
Normalmente o primeiro contato entre um
cidadão e um órgão da área jurídica se dá através da ocorrência policial, ou
seja, ocorre entre o cidadão e a PM, o que faz deste órgão uma extensão da
Carta Magna que atua diretamente sobre o cidadão, formando uma conexão direta
entre Estado e sociedade, remetendo à corporação militar a responsabilidade de
agir através dos princípios da legalidade e da humanidade ao promover a
segurança pública, e, reportando ao povo um comportamento educado com relação
ao policial militar em virtude deste compreender um agente da lei que opera em
favor do Estado e dos direitos dos indivíduos, em uma relação, onde, ambas as
partes se sujeitem à ordem jurídica vigente, sob pena de ilicitude.
Assim, se o poder decorre da sociedade
e as leis emanam deste poder, não há justificativa para o cometimento de
ilicitudes e o desrespeito da ordem jurídica, ou de seus órgãos. Por
conseguinte, conforme define Guerra (2007, p. 3) a Democracia pauta-se no
reconhecimento dos valores sociais do trabalho e da livre-iniciativa, de
estimar a cidadania e a dignidade humana, consolidando “a construção de uma
sociedade livre, justa e solidária (... posto que) é na Constituição que
repousa a segurança dos cidadãos e da paz social”.
Todavia, vivenciar um Estado
Democrático de Direito, inclui respeitar a supremacia formal e material dos
direitos fundamentais, realçando sua normatividade, maximizando seus efeitos no
núcleo social, em virtude de que os mesmos englobam um sistema de valores, com
eficácia para orientar a interpretação das normas jurídicas, e das ações
policiais. Por aplicar-se diretamente sobre a sociedade, é que o trabalho
militar encontra relevo, ou seja, em função de que sua missão compreende a
preservação da ordem pública, instante em que respeitar e proteger o cidadão
encerra por ser mais que o desempenho de uma atividade, mas um dever para com a
ordem jurídica vigente e em relação ao respeito à pátria. Por consequência,
efetivar e acatar os preceitos Constitucionais compreende o valor soberano de
um policial, posto que, de acordo com Cerqueira (2001, p. 17) “longe de serem
percebidos como estorvo ou impedimento à atividade operacional, os preceitos
éticos devem ser incorporados à própria tecnologia policial, isto é, entendidos
como ferramentas essenciais para a atividade do policiamento e da
investigação”.
Se todos são iguais perante a lei e
assim merecedores de respeito por seus direitos, este “todos” ao qual o caput do art. 5°, da Carta Magna se refere,
aplica-se também ao policial militar, exigindo, uma ação de cooperação e
respeito mútuo entre a ação policial e o agir da comunidade, promovendo
integração e cordialidade entre as partes. Neste sentido, destaca Dornelles
(2001, p. 15) que “cabe aqueles que acreditam em uma sociedade baseada nos
princípios da justiça social, da equidade e da solidariedade entre os seres
humanos, lutar para formar uma nova consciência com base nos princípios
emancipadores dos direitos humanos”. Compete aos cidadãos entenderem que a base
da ação policial compreende a CF/88 e a lei, ou seja, a polícia serve a lei, “à
ordem constitucional e aos fins da justiça” (2001, p. 27).
Cientes das limitações e necessidades
impostas à polícia é que o cidadão deverá reportar-se ao militar e este à
comunidade com respeito e ética, em razão de que o agente da lei também é um
cidadão, e como tal é digno de respeito, possuindo os mesmos direitos e
garantias que um cidadão comum, fortificado pelo fato de que o mesmo trabalha
em função da lei, arriscando sua integridade física e psíquica em prol da
sociedade, afinal em instante algum a farda do policial militar ou as armas
utilizadas como ferramentas para a elaboração de seu trabalho desumanizam este
ser humano. Uma vez destacado sobre o enfoque que o Estado Democrático de
Direito incumbe à atividade militar, será necessário analisar o approach que a
Constituição determinou à Segurança Pública, expressa no próximo item.
1.2 Segurança Pública na Órbita da Constituição
Federal
A sociedade encontra-se em um momento
de notável transição, cujos sistemas estão sendo profundamente questionados,
porém, como denota Fabretti (2014, p. 1) “o novo ainda está em formação,
indefinido, e há ainda um longo caminho a ser percorrido”. Com isso,
verifica-se que a segurança tornou-se um marketing
utilizado para promover campanhas políticas, como destaca Osborne (apud JESUS, 2011, p. 58), constituindo
uma promessa futura e incerta, porém, o povo passou a exigir mais que uma
expectativa de direito, demandando sua materialização no plano físico. A
segurança é tratada em todos os âmbitos, seja social, jurídico, político ou
científico, compreendendo o objetivo nuclear do Estado, e a maior aspiração da
comunidade e, em decorrência, um dos produtos essenciais do comércio que lucra
através da transmissão de informação desfocada e tendenciosa, visando somente à
obtenção de benesse, bem como, através, da disponibilização de segurança
privada, aproveitando-se da sensação de medo e impunidade que a própria mídia
cria com o auxílio da morosidade do sistema criminal, conforme afirma Bastos
(1996, p. 84).
Portanto, segundo Lopes (2009, p.27) “a
vida segura é um alvo, é a emblemática de uma caricatura e do modelo semântico
da realidade que temos assimilado, acompanhado da necessidade do banimento do
sentimento de fragilidade e da impotência diante da insegurança, associada ao
descontrole, ao risco e ao dano”, ou seja, viver com segurança é algo que
constitui motivo de orgulho, tamanha é a proporção da insegurança que se
instala na sociedade. Em virtude desta sensação de insegurança e impunidade é
que a instituição policial militar acaba sendo imotivadamente desprestigiada. A
efetividade da segurança se expressa através de um sistema composto por vários
órgãos, assim, se um destes órgãos falha, acaba atrapalhando a ação de todos os
demais, isto consoante com a morosidade que resulta deste tramitar e da
lentidão própria do sistema judiciário, os quais resultam nas sombras que vedam
os olhos do homem ignorante desencadeando, em seu entendimento, o sentimento de
insegurança e de desprestígio do trabalho militar.
Em virtude disso é que a Constituição
Federal de 1988 inaugurou um capítulo inédito (Título V: Da Defesa do Estado e
Das Instituições Democráticas, Capítulo III: Da Segurança Pública), destacando
o art. 144, para o tema da “Segurança Pública”, tão em voga, em face do aumento,
aparentemente avassalador da
violência e da criminalidade. Pertinente ao assunto cabe salientar que o art.
142 da CF carrega expressão das Forças Armadas, as quais são “constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela
Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas
com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente
da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes
constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”, as
mesmas também são declaradas como militares, no entanto, este trabalho pretende
abordar apenas os relacionados ao art. 144, pertencentes aos Estados, Distrito
Federal e Territórios.
Enfatizam os críticos que a segurança
pública conforme expressa pelo constituinte originário, serve somente para
preservar uma ordem preestabelecida, mantendo o status quo, momento em que deveria estar voltada para a preservação
da cidadania. Ponto este controverso, posto que as diversas disposições
constitucionais servem como manto legitimador da ação policial, com vistas a
transformar o núcleo social, pautados nos princípios constitucionais de
promover a efetivação dos direitos humanos e dentro deste, a ordem pública,
efetuando um resgate de valores de forma preventiva e repressiva. Considerada
como um direito humano fundamental, a segurança consiste em uma ação e efeito
de sentir-se livre de perigos, em conformidade com Silva (2006, p. 100), e dá legitimidade
para que as organizações ajam visando afastar qualquer mal que possa causar
dano a ordem pública, prejudicando a vida, a liberdade ou os direitos de
propriedade de cada indivíduo.
A par disso, Fabretti (2014, p. 9)
destaca que a sociedade encontra-se obcecada por segurança, fato este
verificável nas diversas circunstâncias precedidas pela expressão ‘segurança’,
como meio de expressar uma minimização de riscos em conformidade com uma
singular situação, tal como ‘segurança social’, ‘segurança econômica’,
‘segurança pública’, ‘segurança alimentar’, e etc. Para o autor, “parece que
quanto mais se busca a segurança, paradoxalmente, mais cresce a insegurança”,
pois não é o perigo em si (materializado) que predomina, mas sim, a sensação
psicológica do medo. De acordo com Jesus (2011, p. 56/57) esta sensação ocorre
em função “da expectativa do perigo e da iminência do risco”, que extraem do
cidadão qualquer possibilidade de raciocino lógico, que não seja a busca
incessante por segurança, o homem contemporâneo encaminha-se para um viver
exclusivo para a segurança.
É neste sentido que Bastos (1996, p.
13) enfatiza que “não é a pedra que está na alma, mas sua forma”, isto é, maior
que a verdadeira insegurança é o medo da criminalidade. Na mesma direção, Luhmann
(apud FABRETTI, 2014, p. 41) destaca
que “não há comportamento sem risco, e consequentemente, não há segurança
absoluta”, porém, esta obsessão por segurança, não condiz com a realidade.
Ocorre que o tormento da sociedade não se refere à criminalidade, mas na mera
sensação de medo, e pode ser definida como insegurança
subjetiva, visto que consiste em uma impressão de insegurança, em um medo
surreal, imaginário, que o cidadão possui de ser vítima de uma situação típica
e antijurídica, movido pelo desconhecimento, sendo diferente da insegurança objetiva, que abarca o risco
real, aquele que de fato existe e pode ser calculado por especialistas.
A segurança passou a ser “um bem
disponível no mercado”, sendo privatizada pelo capitalismo objetivando o
aferimento de lucros, como destaca Fabretti (2014, p. 30), fato este que
poderia ser extinto, pela simples valorização da ação policial, através da
aproximação, auxílio e respeito entre a comunidade e a corporação militar. Ademais,
tal como aponta o hino nacional os cidadãos continuam “deitados eternamente em
berço esplêndido” a espera de que seus direitos materializem-se
automaticamente.
[...] se perguntarmos a qualquer pessoa, até mesmo para empresários, o
que ela tem a ver com a educação, não todos, mas grande parte, dirá que isso é
um problema do ministro, do secretário. Nossa história foi cunhada com essa
lógica, porque não foram cidadãos que vieram para construir o país. Quem chegou
foi à corte portuguesa, o Estado e, em torno deste Estado, se constituiu um arremedo
de sociedade civil sempre dependente. (SENNA, apud JESUS, 2011, p. 62).
Por decorrência, o cidadão se abstém de
se engajar na tarefa de efetivar seus direitos, remetendo o dever para as instituições
públicas, demonstrando inércia e acomodação frente as suas próprias
necessidades, procurando simplesmente “achar culpados” para a situação em que
se encontra. Esta abstenção vai de encontro ao que foi previsto na Constituição
Federal, já que o caput do art.144, ao mesmo tempo em que afirma que a
segurança pública é um “dever” do Estado, complementa a afirmação ao
considerá-la como “direito e responsabilidade de todos”, o que pressupõe a
efetiva participação da sociedade civil organizada. Lazzarini (1986, p. 59),
salienta que efetivar a segurança absoluta é uma ideia utópica, posto que,
fazer tal afirmação consiste no mesmo que garantir todo e qualquer indivíduo
preventivamente contra o perigo, assim, fica implícito que não há segurança
incondicional e nem garantia irrestrita.
Fato este que implica na necessidade de
criação de políticas públicas que considerem mais do que simplesmente a
criminalidade e a violência, mas que aprecie os fatores sociais desencadeantes
deste estado delitual, objetivando atuar preventivamente, formando indivíduos
conscientes e ressocializando os que tenham se marginalizado, como, por
exemplo, através da educação. Dado que, a segurança é um fator determinante do
Estado Democrático de Direito, tanto que a CF/88 a deliberou desde o preâmbulo até
o final de suas disposições, definindo como valores supremos da sociedade e
objetivos da República o exercício dos direitos sociais e individuais, como do
direito à justiça, à segurança, ao
bem-estar, à liberdade, ao desenvolvimento e a igualdade, fundados na harmonia
social, defesa da paz, solução pacífica dos conflitos, sendo, por isto,
inquestionável a necessidade da ação policial (arts. 1°, 3° e 4°).
O Caderno de Leis Constitucionais
compreende 250 artigos e 98 disposições transitórias, destes, inúmeros
dispositivos e princípios trazem em sua letra, implícita ou explicitamente, a
garantia da segurança pública, seguindo a tendência internacional de valorizar
a pessoa humana. Utiliza-se como exemplo o art. 3°, inc. II que garante o
desenvolvimento nacional, fato este que implica na manutenção e preservação da
ordem, tanto social quanto jurídica, para que o País possa prosperar.
Encontra-se, também, no texto do art. 4°, inc. VI e VII o direito internacional
de defesa da paz e a busca pela solução pacífica dos conflitos, e adiante no
art. 5°, caput, cláusula pétrea da
Carta Política, verifica-se a garantia aos cidadãos da inviolabilidade do
direito à vida, à liberdade, à propriedade e à segurança, e para que estes
direitos ganhem vida no solo pátrio é essencial a ação policial militar.
Em sua dimensão positiva (Status
Civitas - capacidade que o cidadão
possui de exigir do Estado uma prestação), encontra-se o art. 6° definindo
os direitos sociais, envolvendo em seu teor o direito à segurança, abarcando
uma junção de ações entre o Estado e a sociedade, uma vez que a segurança é
elementar para a efetivação dos demais direitos e garantias, visto que não há
como viver em sociedade se não houver segurança, como denota Branco (2012, p.
200). Neste sentido, Bonavides (2006, p. 577-641) elucida sobre a inovação que
a Carta Magna trouxe ao cenário brasileiro ao definir os direitos fundamentais
como cláusulas pétreas, cobrindo os mesmos com proteção suprema e força
vinculante, vedando qualquer forma de supressão a eles, restando inegável a
necessidade tanto do Estado quanto da sociedade por segurança. Assim, Franco e
Genghini[4] definem segurança pública
como sendo:
[...] o afastamento, por meio das organizações próprias, de todo o
perigo, ou de todo o mal que possa afetar a ordem pública em prejuízo da vida,
da liberdade ou dos direitos de propriedade do cidadão, limitando as liberdades
individuais, estabelecendo que a liberdade de cada cidadão mesmo em fazer
aquilo que a lei não lhe veda, não pode ir além da liberdade assegurada aos
demais, ofendendo-a.
Neste enfoque, Fabretti (2014, p. 79)
enfatiza sobre a distorção que o homem médio efetua sobre os direitos humanos,
baseando-se na ideia de que os delinquentes são uma classe distinta dos demais
cidadãos, equiparando-os a objeto, sem vínculos, condenando-os ao isolamento,
como se os mesmos brotassem da rua ou da favela e devido a isto, fossem
desmerecedores do status de cidadão,
desumanizando-os, negando-lhe um rosto, fazendo emergir no núcleo social a
intolerância e a valorização de práticas ilegais, violentas e arbitrárias,
ideia esta incompatível com a atual forma estatal e com o agir policial.
De outro lado, há quem se apegue de
forma desmedida ao discurso desses direitos, como um meio de burlar o sistema
judiciário e conferir proteção demasiada ao criminoso, falhando na prestação da
segurança, sobrecarregando o sistema judiciário e o policial que atua na
comunidade, agindo como se tais prerrogativas fossem apenas destinadas aos
delinquentes, negando ao policial um âmbito protetivo e a segurança de se
sentir acolhido pela lei, considerando-o como um mero agente promovedor da
ordem, desconsiderando seu status de
ser humano. É por isto que deve haver um equilíbrio no manuseio das
prerrogativas constitucionais, embasado em princípios como o da necessidade, da
proporcionalidade, e da vedação do excesso efetuando um sopesamento de valores,
respeitando os direitos inalienáveis de todo o cidadão, indistintamente, como
prevê a Carta Cidadã. De outra forma, Canotilho (apud FABRETTI, 2014, p.
113), destaca a relação entre os direitos fundamentais e a segurança pública, in
verbis:
A previsão do art. 5° se relaciona com (...) a função de defesa ou de liberdade, que é a defesa da pessoa humana
e da dignidade frente os poderes do Estado; A previsão do art. 6° se vincula à
(...) função da prestação social, o
que significa o direito do particular a obter algo através do Estado. (...) Por
fim, ao art. 144 é possível relacionar (...) a função de proteção perante terceiros. Esses direitos impõem um
‘dever ao Estado’ no sentido de ‘proteger’ perante ‘terceiros’ os titulares de
direitos fundamentais. Nesse sentido o Estado tem o direito de proteger a vida
perante eventuais agressões.
Ocorre que a segurança pública não pode
ser almejada através do uso da força, visto que “os criminosos estão perdidos
na multidão, incógnitos em redutos densamente habitados”, como afirma Silva
(2006, p. 13), encontrando abrigo “nos ‘guetos’ protegidos fisicamente pelo seu
poder de fogo e mobilidade e escudados num sistema de complacências locais” e
exteriores, fato este que desencadeia na necessidade de aproximação entre a
comunidade e a polícia, utilizando-se de um agir estratégico como meio de conter
e reparar a criminalidade.
Este agir de integração e proximidade
entre a organização policial e a sociedade poderia auxiliar na agilidade da
efetivação das ocorrências, ademais, com o apoio da comunidade, a polícia
possuiria uma porcentagem maior de êxito em seus resultados, efetivando uma
polícia cidadã, em razão de que, sua atividade compreende “uma das mais
jurídicas dentre todas as desempenhadas pelo Estado contemporâneo”, como afirma
Oliveira (2014, p. XI). Com base nesta imediação e integração é que se propõe
uma polícia protetora e promovedora dos direitos humanos fundamentais, conforme
será transcrito no próximo item.
1.3 A Polícia Militar no viés Protetor e Promovedor dos Direitos Humanos
Fundamentais
Como assegura Jesus (2011, p. 160)
sendo a Polícia Militar um órgão governamental, a mesma encontra-se obrigada a
respeitar e promover os direitos humanos, visto que é a efetivação de tais
direitos que proporciona a civilização humana, sob este prisma, quanto maior a
materialidade de tais direitos, mais elevado será o nível desta civilização. É
por este motivo que o Estado deve engajar-se em materializá-los, porque mais
importantes que a letra da lei é a sua consubstanciação, pois conforme a
expressão de Bobbio (apud JESUS,
2011, p. 161) “uma coisa é proclamar o direito, outra, é desfrutá-lo
efetivamente”. Não há outro motivo para a declaração de um direito que não seja
sua corporificação no núcleo prático.
Atenta-se para o fato de que, sem o
reconhecimento e concretização dos direitos humanos fundamentais, não há
democracia, razão que justifica a preocupação em concretizar todo o rol jurídico
esculpido no Caderno Constitucional, como meio de salvaguardar os direitos
conquistados ainda em 1789, através da Declaração Universal de Direitos
Humanos, que baseou suas expressões na constituição da família humana,
alicerçadas sobre os princípios da liberdade[5], igualdade[6] e fraternidade[7].
Ademais, conforme Castilho (2011, p.
11), a personalidade humana conserva em si traços de brutalidade, provenientes
de seu extinto animal e para combater este indício a civilização utiliza-se da
educação, por este motivo é que “um dos fatores mais importantes dos últimos
séculos, no sentido de refinar o comportamento do homem, em sociedade, foram os
direitos humanos”, expressão esta que abrange todos os direitos do homem
relacionados com a dignidade da pessoa humana, objetivando a garantia de um
mínimo existencial. Do mesmo modo, Mendes (2012, p. 879 e 883) destaca que os
direitos fundamentais, além de proteção contra a intervenção, possuem postulado
de garantia, ou seja, proíbem não apenas o excesso, mas também a insuficiência.
Fonte: 12° Batalhão de Polícia Militar
de Balneário Camboriú/SC, comemoração do Dia do Soldado (25/08/2015).
Comandante Tenente-Coronel Evaldo Hoffmann.
A
Constituição brasileira de 1988 atribuiu significado ímpar aos direitos
fundamentais. Já a colocação do catálogo dos direitos fundamentais no início do
texto constitucional denota a intenção do constituinte de emprestar-lhes
significado especial. A amplitude conferida ao texto, que se desdobra em
setenta e oito incisos e quatro parágrafos (art. 5º), reforça a impressão sobre
a posição de destaque que o constituinte quis outorgar a esses direitos. A
ideia de que os direitos individuais devem ter eficácia imediata (art. 5º, §
1º) ressalta a vinculação direta dos órgãos estatais a esses direitos e o seu
dever de guardar-lhes estrita observância. Mendes (2012, p. 879 e 883).
Mendes adverte ainda que o constituinte
originário reconheceu aos direitos fundamentais o caráter de identificar e dar
continuidade à Constituição, considerando ilegítima qualquer interferência na
sua manifestação (art. 60, §1° da CF), sendo por isso considerado como direitos
subjetivos e elementos fundamentais na ordem constitucional objetiva. Sob o
prisma de direitos subjetivos, estas garantias concedem “aos seus titulares a
possibilidade de impor os seus interesses em face dos órgãos obrigados”, ou
seja, dão exigibilidade ao cidadão em face estatal, desta feita, destaca Mendes
(2012, p.884) que:
Na
sua dimensão como elemento fundamental da ordem constitucional objetiva, os
direitos fundamentais — tanto aqueles que não asseguram, primariamente, um
direito subjetivo quanto àqueles outros, concebidos como garantias individuais
— formam a base do ordenamento jurídico de um Estado de Direito democrático.
Por
decorrência estas garantias compreendem a base de um Estado Democrático de
Direito e o alicerce da Constituição, portanto, negar aplicação e observância a
elas, equivale a negar-se ao Estado de Direito, incorrendo em anarquia e
ilicitude, portanto, sendo a polícia um órgão estatal, a própria encontra-se
obrigada a respeitar e a promover as normas constitucionais que o Estado lhe
atribuiu. Ciente disso, é que a missão policial, visa à aproximação social,
buscando reconhecimento e respeito mútuo. Assim, afirmar a existência deste
modelo estatal, alude assumir que as decisões tomadas em seu âmbito compreendem
expressões da vontade popular, visto que é no povo e para o povo que o Estado
se edifica, desta forma, salienta LLack (2008, p. 52/53) que estas decisões
tomam a forma de leis, que são envolvidas no manto da Constituição, passando a
ter observância obrigatória. E conclui:
De
nada adianta um Estado com leis outorgadas por um ditador, sem qualquer
participação popular. E um Estado de direito, mas não democrático. Da mesma
maneira, de nada adianta as decisões serem tomadas democraticamente, mas não
serem posteriormente cumpridas; seria um Estado apenas democrático.
A consolidação dos
preceitos contidos no Caderno Constitucional apenas será possível se houver
integração e respeito entre os órgãos públicos e os cidadãos, pois, conforme suas
expressões, não apenas os direitos são distribuídos indistintamente, mas os
deveres também, e, conviver em sociedade implica reconhecer as obrigações
cívicas de agir de forma digna e promotora, consciente de que a polícia como
agente protetor e promovedor dos direitos que é, urge por reconhecimento e
valorização social.
1.4 A Polícia Militar em Efetivação da Dignidade da
Pessoa Humana
Devido ao caráter abrangente
do termo, encontrar um significado comum entre os doutrinadores para o termo
dignidade humana compreende uma tarefa árdua, visto que seu conceito refere-se
a contornos vagos e imprecisos, individualizado por sua imprecisão, porosidade
e sua característica polissêmica. Desta feita, expressa Sarlet (2006, p. 40)
que:
Uma das principais dificuldades, todavia – e aqui recolhemos a
lição de Michael Sichs – reside no fato de que no caso da dignidade da pessoa,
não se cuida de aspectos mais ou menos específicos da pessoa humana
(integridade física, intimidade, vida, propriedade, etc.), mas, sim, de uma
qualidade tida como inerente a todo o ser humano, de tal sorte que a dignidade
– como já restou evidenciado – passou a ser habitualmente definida como
constituindo o valor próprio que identifica o ser humano como tal, definição
esta que, todavia, acaba por não contribuir muito para uma compreensão
satisfatória do que efetivamente é o âmbito de proteção da dignidade, na sua
condição jurídico normativa.
Porém, mesmo que não seja
possível estabelecer um rol taxativo de violações da dignidade da pessoa
humana, esta garantia constitui algo real, posto que em inúmeras situações é
possível constatar sua agressão, por este motivo é que alguns doutrinadores
asseguram ser mais fácil explicitar o que a própria não é, do que é, não sendo
possível estabelecer uma definição precisa para esta garantia. Ademais, a falta
de um conceito fixo deste termo, encontra justificativa no pluralismo e na
diversidade de valores manifestada pelo Estado Democrático de Direito, razão
pela qual, o conteúdo desta disposição encontra-se em constante transformação e
desenvolvimento.
Ao expressar a dignidade da
pessoa humana no núcleo constitucional a Constituição criou um mínimo
existencial de direitos que são destinados às pessoas, garantindo acima do
direito a um mínimo vital, ou de simples sobrevivência, mas o direito a uma
vida digna. Neste sentido, agregar a esta garantia um conteúdo
jurídico-normativo, reivindica dos órgãos públicos, uma invariável
concretização e fixação de cunho constitucional, conforme denota Sarlet (2006,
p. 41) é por este motivo que a dignidade vai se expressando através das
decisões jurisprudenciais. Neste sentido, Kant (apud FEIJÓ, 2008, p. 128/129)
destaca:
No reino dos fins tudo tem um preço ou uma dignidade. Quando uma
coisa tem um preço, pode-se por em vez dela qualquer outra como equivalente;
mas quando uma coisa está acima de todo o
preço, e, portanto, não permite equivalente, então ela tem dignidade.
(Grifo da autora).
Neste ínterim, a dignidade
compreende qualidade intrínseca do ser humano, sendo irrenunciável e
inalienável, representando o elemento que qualifica o indivíduo como ser humano
e deste não pode ser desvinculado, e que conforme seu posicionamento
constitucional (art. 1°, inc. III), define-se como pedra basilar na edificação
do Estado Democrático de Direito, solidificando todas as expressões legais que
tenham relação direta consigo.
Esta, portanto, compreendida como qualidade integrante e
irrenunciável da própria condição humana, pode (e deve) ser reconhecida,
respeitada, promovida e protegida, não podendo, contudo (no sentido ora
empregado) ser criada, concedida ou retirada (embora possa ser violada), já que
existe em cada ser humano como algo que lhe é inerente. Ainda nesta linha de
entendimento, houve até mesmo quem afirmasse que a dignidade representa ‘valor
absoluto de cada ser humano, que, não sendo indispensável, é insubstituível’.
(Sarlet, 2006, p. 41).
O fato é que a
dignidade não existe apenas onde é abrigada pelo Direito e na proporção em que
este a reconhece, já que em análise ao seu núcleo protetivo, extrai-se que a
mesma é anterior e acima da expressão da lei, porém, o Direito engloba um meio
imperativo para seu amparo e efetivação. Salienta-se que esta garantia não está
sujeita a circunstâncias palpáveis, por ser inerente à pessoa humana, sendo
inconcebível sob qualquer situação que um indivíduo venha a ser desconsiderado
de sua dignidade, sob pena, de coisificação do ser humano, fato este
inaceitável em um Estado Democrático de Direito.
Nesta mesma linha, situa-se a doutrina de Gunter Durig, (...), -
onde que – a dignidade da pessoa humana consiste no fato de que ‘cada ser
humano é humano por força de seu espírito, que o distingue da natureza
impessoal e que o capacita para, com base em sua própria decisão, tornar-se
consciente de si mesmo, de autodeterminar sua conduta, bem como o de formar sua
existência e o meio que o circunda. (Sarlet, 2006, p. 44).
A luz do que promulga a
Declaração Universal de Direitos da ONU, no seu art. 1° extrai-se que “todos os
seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. Dotados de razão
e consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade”,
ou seja, o elemento nuclear da expressão da dignidade da pessoa humana localiza-se
na autonomia e na garantia de autodeterminação do ser humano, indiferente de
suas peculiaridades. Assim, conforme Nussbaum (2008, p. 88) a dignidade
engloba:
[...] qualidade integrante e irrenunciável da própria condição
humana, pode (e deve) ser reconhecida, respeitada, promovida e protegida, não
podendo, contudo (no sentido ora empregado) ser criada, concedida ou retirada
(embora possa ser violada), já que existe em cada ser humano como algo que lhe
é inerente. Ainda nesta linha de entendimento, houve até mesmo quem afirmasse
que a dignidade representa ‘valor absoluto de cada ser humano, que, não sendo
indispensável, é insubstituível’.
Ressalta-se que este
manuscrito não pretende equiparar os seres humanos, mas sim, definir “a
intrínseca ligação entre as noções de liberdade e dignidade” (2006, p. 45), em
razão de que “a liberdade, o reconhecimento e a garantia de direitos de
liberdade (e dos direitos fundamentais de modo geral) constituem uma das
principais (senão a principal) exigências da dignidade da pessoa humana”, de
acordo com o entendimento de Sarlet (2006, p. 45/46), ciente disso é que
Aparisi (2004, p. 16) destaca:
La dignidad humana ha sido también
reconocida, a nivel constitucional, como un principio fundamental. En este
sentido, la Constitución española, en su artículo 10.1, sostiene que “la
dignidad de la persona, los derechos inviolables que le son inherentes…son
fundamento del orden político y de la paz social”. Para Jiménez de Parga, se
trata del principio fundamental último del ordenamiento jurídico español. [8]
Por este motivo, a dignidade
da pessoa humana embasa em si o limite e a liberdade da ação do Estado e da
sociedade, em virtude de possuir uma dimensão defensiva e outra prestacional,
pois como condição limitante, a mesma não pode ser negada e como imposição
estatal a própria reclama que este ente gerencie seus atos, resguardando e
promovendo-a aos cidadãos. Por meio do reconhecimento de sua dimensão cultural
e prestacional não significa considerá-la simplesmente como uma prestação
estatal, visto que a dignidade da pessoa humana não compreende simples atributo
ou valor nato do ser humano, mas sim uma condição delimitada para a realização
das prestações estabelecidas pela Carta Política. Ao promover um direito o
Estado deve estar consciente de que este não pode ser materializado de forma
insuficiente, indigna, conforme expressa Dworkin (1999, p. 307).
Destaca o referido autor
(1999, p. 307) que ao entender a dignidade sob o aspecto de limite e tarefa,
verifica-se que a própria possui um âmbito ativo e outro passivo,
interconectados de maneira que engloba um valor intrínseco da qualidade humana,
assim, mesmo aquele que perdeu o discernimento da própria dignidade, faz jus a
dispô-la, devido ao fato de que o ser humano não pode ser utilizado como
instrumento para fins alheios. Por defluência, em concordância com Kant (apud SARLET (2006, p. 52) certifica-se
que o homem compreende um fim em si mesmo estando, portanto, impedido de servir
arbitrariamente a esta ou aquela vontade, é por este motivo que tanto o Estado
quanto à sociedade encontram legitimidade para suas ações na lei, não podendo
agir contra o que esta recomenda. Ademais:
Como es sabido, Kant distingue claramente
entre “valor” y “dignidad”. Concibe la “dignidad” como un valor intrínseco de
la persona moral, la cual no admite equivalentes. La dignidad no debe ser
confundida con ninguna cosa, con ninguna mercancía, dado que no se trata de
nada útil ni intercambiable o provechoso. Lo que puede ser reemplazado y
sustituido no posee dignidad, sino precio. Cuando a una persona se le pone
precio se la trata como a una mercancía. “Persona es el sujeto cuyas acciones
son imputables (…) Una cosa es algo que no es susceptible de imputación”. De
ahí que la ética, según Kant, llegue sólo hasta “los límites de los deberes
recíprocos de los hombres”[9]. (DORANDO, 2010, p. 41/49).
Munida pelo sentimento de humanidade que rondava
o solo nacional é que o Estatuto dos Militares (Lei n°6.880/1980) esculpiu no
art. 28, inc. III que “o
sentimento do dever, o pundonor militar e o decoro da classe impõem, a cada um
dos integrantes das Forças Armadas, conduta moral e profissional
irrepreensíveis”,cabendo a eles observar os preceitos da ética militar, como,
por exemplo, o respeito pela dignidade da pessoa humana, e o Estatuto dos
Policiais Militares do Estado de Santa Catarina (Lei n° 6.218/1983), insculpiu em
verde e amarelo, o art. 29 dispondo que “o
sentimento do dever, o pundonor policial-militar e decoro da classe impõe a
cada um dos integrantes da Policia Militar, conduta moral e profissional
irrepreensível”, obrigando-os a respeitarem os preceitos da ética-militar, que
no inciso III insere o respeito pela dignidade da pessoa humana. Observa-se que
a primeira lei é de 1980 enquanto a segunda refere-se à 1983, portanto,
verifica-se que a legislação militar abriu precedentes para que a Constituição
de 1988 se fundamentasse na base da dignidade da pessoa humana.
Ex Posits, não restam dúvidas quanto ao preparo
e o enquadramento da atividade policial militar para efetivar e garantir os
preceitos do Estado Democrático de Direito, constatável na disciplina que o
policial militar sofre para adequar-se à função militar, bem como nas
regulamentações que o regem sob os fundamentos democráticos de direito.
[1]Estado
Democrático de Direito: Instituído pela CF/88 compreende, “aquele, (...) que
conta e mesmo define a partir das relações de poder estendidas a todos os
indivíduos, com um espaço político permanente de interlocução, demarcado por
regras e procedimentos claros, que efetivamente assegurem o atendimento às
demandas públicas da maior parte da população, eleitas pela própria sociedade
(...)”. Leal, Rogerio Gesta. Teoria do
Estado. Cidadania e poder político na modernidade. 2ª Ed. ver. eampl. Porto
Alegre. Livraria do Advogado, 2001.
[2]Estado de
Direito: define uma posição de hierarquia nas regras jurídicas, objetivando limitar
e definir o Estado através do Direito, ou seja, compreende um poder limitador
estatal. JESUS, José Lauri Bueno de. Polícia Militar & Direitos Humanos. 1
ed. 4 reimp. Curitiba: Juruá, 2011.
[3]O Direito
Constitucional é um ramo do direito público, destacado por ser fundamental à
organização e ao funcionamento do Estado, à articulação dos elementos primários
do mesmo e ao estabelecimento das bases da estrutura política. Tem, pois, por
objeto a constituição de suas instituições e órgãos, o modo de aquisição e
limitação do poder, através, inclusive, da previsão de diversos direitos e
garantias fundamentais. MORAES, Alexandre. Direitos Humanos Fundamentais:
Teoria Geral.10 ed. São Paulo, Atlas, 2013. (2013, p. 1)
[4] Extraído do sítio Jus Militaris.
Disponível em http://www.jusmilitaris.com.br/novo/. Acesso em 20/08/2015.
[5]Direito de Liberdade: constituem a defesa do
indivíduo diante do poder do Estado, e
definem as situações em que o Estado deve se abster de interferir em
determinados aspectos da vida individual e social. São as chamadas liberdades
públicas negativas ou direitos negativos, porque trazem em si o conceito de não
interferência do Estado. CASTILHO, Ricardo. Direitos
Humanos. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 21.
[6]Direito de Igualdade:“são
os direitos econômicos, sociais e culturais, que exigem uma prestação positiva
do Estado. São as liberdades positivas, reais ou concretas. Nessa esfera, não
se exige do Estado uma abstenção como se verifica numa atitude negativa, mas a
ação do Estado com o intuito de alcançar o bem comum. CASTILHO, Ricardo. Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva,
2011, p. 21.
[7]Direito de Fraternidade:constituem-se
basicamente de direitos difusos e coletivos. Em regra, revelam preocupações com
temas como meio ambiente, defesa do consumidor, proteção da infância e da
juventude e outras questões surgidas a partir do desenvolvimento industrial e
tecnológico, como autodeterminação informativa e direitos relacionados à
informática de modo geral”. CASTILHO, Ricardo. Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 21.
[8]Tradução
Livre: A dignidade humana também tem sido reconhecida a nível constitucional,
como um princípio fundamental. Nesse sentido, a Constituição espanhola, o
artigo 10.1 diz que "a dignidade da pessoa e os direitos invioláveis que
lhe são inerentes ... são fundamentais para a ordem política e para a paz
social." Para Jiménez de Parga, é o princípio fundamental da última lei
espanhola.
[9]Trad. Livre: Como é sabido, Kant distingue claramente entre o
"valor" e "dignidade". Concebe a "dignidade" como
um valor intrínseco da pessoa, que não suporta equivalentes. Dignidade não deve
ser confundida com qualquer coisa, com não se trata de um bem, já que não há nada
de útil ou permutável ou rentável. O que pode ser substituído não possui
dignidade, mas preço. Quando uma pessoa possui um preço ela é tratada como uma
mercadoria. "A pessoa é o sujeito cujas ações são atribuíveis (...) Uma
coisa é algo que não é suscetível imputação ". Daí a ética Kant, de que
esta apenas existe para "os limites dos deveres recíprocos de homens
".