Com relação à hermenêutica, pode-se afirmar que a mesma teve origem por meio da teologia, em
razão da busca da interpretação dos textos religiosos, assim sendo, no período
da Idade Antiga entre os cristãos, surgira a Escola de Alexandria, a qual
procurava harmonizar a mensagem bíblica com a teoria grega, bem como, a Escola
de Antioquia, que ao contrário da anterior, prestigiava uma concepção
desmistificada do texto bíblico, por meio de, uma interpretação
histórico-gramatical, com vistas, a preservar o sentido original do texto, como
salienta Palmer (1997).
Já na Idade Média, o elemento histórico e a conferência interna da
Bíblia foram evidenciados, através, de Santo Agostinho, adotando então, as duas
interpretações referidas, (alegórica e literal), conforme se evidenciavam as
exigências dos manuscritos. Porém, São Tomás de Aquino, preferiu o método e a
ideologia de Aristóteles, para a realização de sua interpretação religiosa.
Todavia, é na Idade Moderna que emerge a Hermenêutica, isto é no
século XVII, no sentido de uma teoria autônoma, que teria como objetivo, a
descoberta da correta interpretação dos enunciados, assim para Coreth (1973), a
hermenêutica era vista como a arte da compreensão, ou mesmo a doutrina da boa
interpretação, pelo viés de que, os protestantes almejavam alcançar o caminho
seguro para a obtenção da palavra divina.
Contudo, foi no século XVIII, que a hermenêutica perdeu a unidade
de sentido bíblico, para ser tratada como metodologia filológica, tornando-se
para tanto, um conjunto de regras gerais para a interpretação de textos
literários, então, neste instante sob a influência do iluminismo, a mesma
alcançou também a ciência do Direito, fixando neste momento, suas raízes
interpretativas do sistema normativo jurídico.
Nada obstante, somente no início do século XIX, foi que a mesma,
transcreveu os limites até então inseridos em sua essência, assumindo a
condição de disciplina, que analisando de forma genérica sua compreensão,
findava em interpretar todo o pensamento que fosse transmitido, por meio de
palavras.
Contudo, somente no século XX, foi que a hermenêutica
transmutou-se de forma profunda, onde Martin Heidegger (2009) definiu, que toda
interpretação parte de um pensamento anteriormente concebido, condicionado a
ideologia do intérprete, a qual evidenciaria a dimensão externa, ou o que
denominou, de limite de seu mundo existencial, ou seja, a interpretação parte
de uma compreensão anterior para alcançar um fim mais aprimorado.
Tal hermenêutica ficou conhecida como existencial filosófica ou
ontológica, posto que, a mesma não almejava estabelecer um método ou mesmo uma
teoria científica de interpretação, mas, no entanto, reporta-se, ao
conhecimento da existência humana e do ato de compreender, em si mesmo.
Isto posto, esclarece-se que, na vertente de Marmelstein (2013),
“o direito é, por tanto, uma interpretação. É tudo uma questão de
hermenêutica.” Nesta direção, a interpretação jurídica passa por dois momentos
diversos, nas palavras do referido autor:
Em primeiro lugar, ela envolve uma fase introspectiva, na qual o
jurista, intuitivamente, descobre a solução que, no seu sentir, é a mais justa
para aquele caso. Não há, nesse momento, uma preocupação em ser “racional”, ou
seja, em saber se a solução é tecnicamente viável ou não. É muito mais uma
questão de sentimento (sentença = sentir), do que propriamente de inteligência
ou de conhecimento técnico-jurídico. Nessa fase, a atividade do jurista não é
tão diferente da atividade do leigo, que também, é capaz de intuir qual a
solução mais justa para determinado problema.
Destarte, o que diferencia a função do juiz é o instante em que o
intérprete irá expor racionalmente a sua decisão, como demonstração de que a
solução encontrada é a mais viável juridicamente, com bases em argumentos
procedentes do ordenamento jurídico positivado, ultrapassando por tanto, para
além, de sua opinião.
Este processo ocorre em virtude da argumentação e do discurso
jurídico, que compõe a principal ferramenta de um operador de direito. Assim,
vem à baila o fato de que as relações sociais possibilitam a ocorrência de
múltiplos conflitos, os quais necessitam ser dissipados para estabelecerem a
harmonia social, ensejando o papel ao Estado de moderador na desenvoltura dos
conflitos. Nesta direção Grinover (1982), verificou que o progresso dos meios
técnicos, assim como o aumento das relações sociais, aproxima-se, a um
balizamento cada vez maior, em que se pode existir, em guarida das
interferências de outrem. Nesta direção, Falcão (1997), denota:
[...] Se a atividade ou o simples ato de captação do sentido é a
interpretação, as regras pelas quais ela se opera e o entendimento de suas
estruturas e do seu funcionamento, enfim, o entendimento de seus labirintos é a
hermenêutica.
Por conseguinte, Guerra (2007), destaca sobre a necessidade de
proteger o indivíduo “contra a invasão do próximo, assim como, das
autoridades”. Neste apontamento, Canotilho (1996), refere-se à colisão de
direitos fundamentais, ao momento em que, o exercício de um direito fundamental
por parte de seu titular, se choca com o exercício de direito fundamental de
outro titular. De acordo com o mencionado autor, em citação a Farias (2004), o
mesmo assevera acerca de que:
[...] a resolução do fenômeno da colisão de direitos fundamentais
cabe ao legislador quando o texto constitucional remete à lei
infraconstitucional a possibilidade de restringir direitos fundamentais. Deste
modo, verificada a existência de reserva da lei e fundamentada tacitamente na
Constituição a intervenção legislativa, o legislador poderá resolver a colisão
comprimindo os direitos em jogo, respeitando os requisitos do núcleo essencial
dos direitos envolvidos e a regra da proporcionalidade.
Porém caso a antinomia de direitos não seja resolvida no viés
legislativo, a tarefa deverá ser efetuada por meio da hermenêutica
constitucional, no entanto, cabe salientar que além dos métodos
tradicionalistas, cabe também, valer-se da técnica da ponderação de interesses,
a respeito da qual, Barcellos (2005) estabelece que, a mesma se identifica à
técnica jurídica de resolução de conflitos normativos, que relacionam valores a
até mesmo políticas em tensão, irremovível por meio das hermenêuticas
tradicionais.
Da relação de conflito de direitos existentes nas casuísticas em
concreto, o que mais se vislumbra, perfaz-se, na necessidade de domínio da
técnica de argumentação por parte do juiz, como forma de legitimar suas decisões,
com efeito, tal necessidade somente pode ser suprida, caso o juiz, possua
conhecimento técnico da hermenêutica jurídica, pois, não haveria argumentos
contra o que se negue compreensão. Discorrido o intróito, acerca da necessidade
da hermenêutica para o operador de direito, será explanado de forma específica
e abrangente, acerca da temática, nos próximos itens.
2. A LÓGICA JURÍDICA E A NOVA RETÓRICA EM CONFORMIDADE COM CHAÏM
PERELMAN
Neste tópico, atentar-se-á, ao fato de
que, o raciocínio judiciário, tem por fim, discernir e justificar a solução de
uma controvérsia, na qual, argumentos em diversos sentidos se explanam, em
consonância com o trâmite processual, conduzidos de forma a convencer à
respeito de um compromisso valorativo que possa ser aceito em dado momento, ou
em um respectivo meio.
Durante séculos, quando a busca da solução justa era o valor central que
o juiz deveria levar em conta, e os critérios do justo eram comum ao direito, a
moral e a religião, o direito se caracterizava, principalmente, pela
competência atribuída a certos órgãos para legislar e a outros para julgar e
administrar, assim como, os procedimentos que deviam ser observados em cada
caso. Muitas vezes, aliás, todos os poderes estavam reunidos nas mãos do
soberano, que podia delegar a funcionários a missão de julgar e de administrar,
nos limites definidos pelo mandato que lhe fora outorgado. A argumentação
jurídica era ainda menos especifica, porque não havia necessidade de motivar as
sentenças, as fontes do direito eram imprecisas, o sistema do direito era pouco
elaborado e as decisões da justiça quase não eram levadas ao conhecimento do
público.
No entanto, esta situação modificou-se, totalmente, após a Revolução
Francesa, com a publicação de leis codificadas e a separação do poderes,
trazendo a motivação do juiz para suas sentenças, em conformidade com a
legislação efetiva, mesmo nos casos em que, houvesse obscuridade, silêncio ou
insuficiência legislativa, carregava em sua essência a valoração da segurança
jurídica, dando conformidade entre decisões judiciais e o ordenamento jurídico.
O juiz estava preso ao positivismo jurídico, sendo totalmente submissas
as regras expressas, independentemente de seu senso de justiça ou de sua
vontade. Essa sujeição orientou os teóricos da escola exegese á sistematizar o
direito. Desde o processo de Nuremberg, é notória entre a maioria dos teóricos
do direito, um posicionamento antipositivista, na busca de uma solução que não
seja apenas sistemática, mas social e moralmente aceitável, com base em uma
visão naturalista do direito, através da interpretação da lei, na prática da
lei. Nesse sentido, distinguem-se três fazes na ideologia judiciária, sendo a
primeira, antes da Revolução Francesa, independente de motivação judiciária,
apesar de valorar a justiça das decisões.
Por essa razão a ideia de tratamento igual era limitada para seus
semelhantes, daí então, resultando na importância das regras consuetudinárias, bem
como, seus precedentes, posto que, este modo de analisar subordinava o poder
judiciário ao poder legislativo, em consequência, patrocinava uma direção
estatizante e legalista do direito. Decorrido esse período, adveio, uma reação adversa, a qual passou a
influenciar ao juiz, de forma a motivar suas decisões, dando a cada caso
específico, uma solução equitativa e razoável, sem que com isso, o próprio se
desvencilhasse do sistema jurídico.
Tornando, por tanto, a lei mais flexível e as decisões suscetíveis de
intervenção das regras não escritas, representadas pelos tópicos jurídicos e
através dos princípios gerais do direito, o que majora a estima do direito
pretoriano, tornando o juiz auxiliar e complemento do legislador. Como se trata
de motivar as decisões de forma a serem aceitáveis, a argumentação se tornou-se
fator essencial, no sentido específico de demonstrar conforme a interpretação
da lei, a decisão que mais se concilie ao caso concreto.
O raciocínio judicial atual, não permite uma distinção tão notória entre
o direito positivo e o direito natural, quanto ocorria no século XIX, posto
que, o direito positivo atuante, já não coincide com os textos expressos, visto
que, possui o alcance de suas disposições dilatadas ou limitadas pelos
princípios e regras do direito não escrito, embora formalmente válidos vêem sua
eficácia regulamentada, através de outros dispositivos, para conciliar as
divergências existentes, entre a letra expressa nos textos da lei, sua
interpretação e sua aplicação. É notório que os textos conforme estão
expressos, nem sempre refletem a realidade jurídica, conforme dispõe Perelman
(2000):
Quando uma sociedade está profundamente dividida sobre uma questão
particular, e não se quer colidir de frente com uma parte considerável da
população, nas sociedades democráticas em que se desejar que as medidas de
coerção se beneficiem de um amplo consensus é - se obrigado a
recorrer a compromissos fundamentados numa aplicação seletiva da lei, seja
possível, graças ao costume estabelecido, fazer os textos coincidirem com a
realidade.
No mesmo sentido, quando uma prática secular, considerada até então,
satisfatória, for contestada por meio de um dispositivo legal, os juristas buscarão
uma interpretação legal, ao invés de forçar o abandono de uma prática
costumeira e sensata.
Destarte, sempre que uma solução trazer em seu conteúdo o bom senso, a
equidade, ou o interesse geral e a mesma se apresentar como única admissível,
ela tendera a se impor, juridicamente, mesmo que seja necessário buscar socorro
em uma argumentação especiosa para explanar sua conformidade com o ordenamento
jurídico em vigor, isto ocorre porque, a harmonia jurídica, apenas se
estabelece, no momento em que, a solução que se mostre aceitável socialmente,
isto é, que a mesma, seja acompanhada de argumentação jurídica
satisfatoriamente sólida (fictícia).
Esta busca pela argumentação, que ocorre através da doutrina e
jurisprudência é o que patrocina a evolução do direito, por meio da intervenção
do legislador. Nesta direção, toda vez que ocorrer uma incompatibilidade entre
o que a lei aparentemente dispõe e o que a solução de um caso em particular
parece exigir, será estabelecida a solução da de lege lata e
a de lege ferenda, onde que, a minoria se dobra diante de uma
decisão que lhe parece insatisfatória, porém manifestando o contentamento da
maioria social.
No entanto, raramente um tribunal, deixa de encontrar, através, da
técnica jurídica, uma forma de conciliar uma solução aceitável com a fidelidade
legal. Para servir-se deste resultado, o legislador se dispõe a criação de uma
antinomia entre uma disposição positivada e uma regra jurídica não escrita,
limitando então o alcance de seu texto, criando assim, uma lacuna, cuja qual, o
juiz preencherá através de uma regra do direito natural (não escrito).
Essas
atitudes nos remetem a um problema vasto, o da analogia entre a verdade e a
justiça, visto que, a ficção é um momento extremo, onde a preocupação com a
equidade, prevalece frente a verdade, no entanto, não é único caso, onde o
direito atribui relevância à outros valores que não a verdade, ainda que, seja
somente, utilizada em primazia à segurança jurídica.
O próprio sistema jurídico salienta esta corrente, verificável nas
tipificações onde o aparelho jurídico coloca as relações de respeito, amor e
confiança, supostamente existente nos parentes próximos, antes do compromisso
com a verdade real. Visto que, o sistema somente pune a mentira quando se trata
de detrimento de um parente, por tanto, de acordo com o sistema legal, a
mentira só se torna punível, nos casos em que, a testemunha tenha prestado
juramento em dizer a verdade, nesse sentido, ao se tratar de cônjuge, ou
parente em linha reta de uma das partes, não podem ser ajustadas como
testemunhas, por tanto, não incorrerá em ato sancional caso omita, ou minta em
juízo.
Por conseguinte, o próprio ordenamento obriga certas pessoas ao sigilo,
como por exemplo, os casos decorrentes de segredo profissional, sendo assim, um
determinado profissional, podem prevalecer-se desta lei, para recusar a depor
sobre os fatos que tenha tido conhecimento durante o exercício profissional,
porém, o sigilo se limita aos interesses dos doentes ou familiares.
Nesta vertente, a presunção da inocência garante ao réu o direito de
permanecer calado. Ainda nesse enfoque, há situações em que é punível a
imputação verdadeira, por falta de provas. Assim salienta o Código Penal belga
em seu art. 449, que a pessoa que profanar mentiras que atinjam a honra do
indivíduo, ou mesmo que, alegar fatos, cuja verdade, seja necessário comprovar,
será considera culpada. E vai adiante, por mais que exista no momento do delito
provas legal dos fatos imputados, será acatado como culpado por divulgação
dolosa, visto que, agiu com o intuito de prejudicar.
Existem ainda, os casos onde aquele que delatar a verdade será culpado
por denunciação, mesmo que seja, a condenação apenas, no plano moral. Existem
diversos exemplos, em que o nosso sistema prima, por outros valores, que não a
verdade, até mesmo, nos casos em que a decisão se pondere através da ciência
objetiva dos fatos.
Por
esta razão, nos regimes democráticos, os recursos as ficções é mais comum nos
júris, que entre os juízes togados, posto que, os últimos tiveram sua
consciência profissional, formada em conformidade ao espírito de fidelidade
legal. Sendo assim, Perelman (obra citada) enfatiza:
[...] para que exista um Estado de direito é necessário de fato que
aqueles que governam o Estado, e são encarregados de administrar e de julgar em
conformidade com a lei, observem as regras que eles mesmos instituíram. Na
ausência daquilo que os americanos qualificam de due process of
Law, o respeito pelas regras da honesta aplicação da justiça, a
própria ideia de direito pode servir de biombo a todos os excessos de um poder
arbitrário, sendo então considerada, “indispensável para a existência de um
Estado de direito, sendo as sete outras aquelas que se impõem ao legislador
para que o direito possa cumprir sua função de ser a empreitada de ‘submeter o
comportamento humano ao governo das regras’.
Torna-se conclusiva a ideia de que, para a existência de um Estado de
direito, faz-se necessário a existência de um poder judiciário independente, “é
a essa exigência que corresponde a teoria da separação dos poderes, a
inamovibilidade dos juízes e a interdição de constituir tribunais especiais”.
Nesse contexto Perelman (obra citada), destaca:
[...] se o direito é um instrumento flexível e capaz de adaptar-se aos
valores considerados prioritários pelo juiz, não será necessário, em tal
perspectiva, que o juiz decida em função de diretrizes vindas do governo, mas
em função dos valores dominantes na sociedade, sendo sua missão conciliar com
esses valores as leis e as instituições estabelecidas, de modo que ponha em
evidência não apenas a legalidade, mas também o caráter razoável e aceitável de
suas decisões.
O direito se desenvolve em equilíbrio de uma ordem sistemática, ou seja,
a elaboração de uma ordem jurídica coerente, e outra pragmática, sendo ela, a
busca de solução por via do meio que considere justo e razoável. Essa dupla
exigência pode causar desacordos, verificável no fato de que, os juízes de
primeiro grau são mais suscetíveis a equidade da decisão, enquanto que os
juízes da Corte de Cassação são mais propensos a conformidade com o
direito.
Neste sentido, é preciso ter em mente que, as decisões dos conflitos
devem satisfazer três auditórios diferentes, sendo elas, as partes em litígio,
os profissionais de direito, bem como, a opinião pública que se manifesta por
meio da imprensa, ou mesmo, através das reações legislativas.
O juiz, cujo qual, possui a tarefa de apreciar os argumentos
apresentados pelas partes, deve impedir uma deliberação puramente subjetiva,
tarefa à qual se mostra facilitada por meio, da instauração da colegialidade,
proposta a demonstrar uma decisão a partir de premissas supostamente verídicas.
Sendo assim, a lógica jurídica, encontra-se na ideia de adesão, nesse sentido,
o que o advogado procura conseguir é a adesão do juiz aos seus preceitos,
através da argumentação, por acordos preliminares, cujo qual, será mais
favorecido, caso apresente presunções e precedentes em favor do que argumenta,
visto que, se encaminha mais facilmente à ordem legal.
Via de regra é fora do tribunal, na própria sociedade, que se realizam
lentamente as mudanças de opinião que levam a uma transformação dos âmbitos nos
quais se desenrolam os debates judiciários. Os debates políticos e filosóficos,
bem como as construções doutrinais dos juristas, contribuem para essas mudanças
fundamentais, resultantes do continuado esforço de conciliação entre as
exigências do direito e da equidade, entre as necessidades de estabilidade e a
adaptação as situações novas, entre a salvaguarda dos valores e das
instituições. Mais fundamental para a lógica judiciária, estes debates dirão
respeito ao papel do juiz na aplicação e na criação do direito.
Para tanto, o trabalho do juiz é conciliar a lei com a equidade. Pois
tendo foco na lei, o mesmo poderá de forma mais facilitada, estender ou limitar
seu alcance, de maneira que, suas decisões se processem de forma inequívoca e
razoável. Assim, justificado pelo fato de que, o direito nasce no meio social é
que a sociologia do direito demonstra significativa importância, posto que, o
direito não pode ser cumprido de forma realista, ao contrário, deve em
primazia, atender ao interesse social, em relevância ao caráter social, que o
mesmo precisa efetivar.
Em uma sociedade democrática o direito deve ser aceito, e não imposto,
como vontade soberana, nesta diretriz, sabendo que o poder não emana da vontade
dívida, mas sim, da nação, é a esta que os mesmos devem se direcionar, ou seja,
devem prestar contas. Por tanto, o juiz
deve expressar o direito em conformidade com a vontade da nação, neste enfoque,
salienta Pirelman (obra citada), para quem:
O papel da lógica formal consiste em tornar a conclusão solidária com as
premissas, mas o papel da lógica jurídica é demonstrar a aceitabilidade das
premissas. Esta resulta da confrontação dos meios de prova, dos argumentos e
dos valores que se defrontam na lide; o juiz deve efetuar a arbitragem deles
para tomar a decisão e motivar o julgamento.
Pode ocorrer que, frente a impossibilidade de motivação de sua decisão,
o juiz se veja obrigado a modificá-la, em outras vezes, ocorrerá o contrário,
pois será a interpretação das regras que será modificada, ocorrendo a alteração
de uma jurisprudência, com base em construções doutrinarias preliminares.
No entanto, há casos em que o juiz apenas poderá manter sua decisão,
recorrendo à ficção, seja na qualificação dos fatos ou mesmo na motivação da
sentença. Porém, este último recurso resulta em um mal estar jurídico,
deflagrando que o sistema é impróprio para resolver todas as exigências
sociais, fazendo-se necessária uma modificação, preferencialmente, legislativa.
A lógica jurídica apresenta-se, não através de uma lógica formal, mas
como uma argumentação que depende do modo de como os operadores de direito,
concebem sua missão e da ideia que possuem do direito e de seu funcionamento
social.
Decorrido acerca da indispensabilidade da lógica jurídica para o sistema
normativo, perceptível se fez, a necessidade de uma interpretação da lei, ou
seja, a fundamentalidade da hermenêutica no sistema positivo em vigor, assim
sendo, decorrer-se-á acerca da hermenêutica tradicional, bem como, suas
particularidades no tópico a seguir.
3. DA HERMENÊUTICA
CLÁSSICA PARA A HERMENÊUTICA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
Na concepção de Marmelstein (obra citada), “na hermenêutica
tradicional, a argumentação jurídica é relativamente fácil”. Neste sentido,
“basta identificar a norma que incidirá sobre o fato e realizar um exercício
básico de lógica formal: dado um fato temporal (FT), deve ser determinada
prestação (P). Dada a não prestação
(NP), deve ser a sanção (S). Tudo muito simples.”
No entanto, passa a serem evidenciadas certas dificuldades, à
partir de que, um caso concreto venha a ensejar diversas interpretações, fato
este, que ocorre com frequência. Para solucionar estas divergências, são
dispostos alguns métodos auxiliares ao intérprete, como a análise gramatical,
ou seja, a interpretação literal, a busca da finalidade social expressa no
texto, isto é, a interpretação teleológica, bem como, a vontade do legislador,
como também, as razões afirmativas da edição da norma, ou seja, a interpretação
histórica, assim como, a análise do sistema normativo em conjunto, isto é,
interpretação sistemática.
Nesta direção, segundo Guerra (2007), a hermenêutica se identifica
com a “teoria dos fundamentos de interpretar”, ou seja:
Se exterioriza como sendo o processo coordenador que ampara e
fornece os trilhos de atuação da atividade da interpretação técnica, que, por sua
vez, consiste na busca prática e investigativa da verdadeira essência de cada
texto que lhe é apresentado, de modo que seja possível retirar o correto
entendimento, conteúdo e significado da norma analisada. A conclusão em cadeia
dos métodos do processo hermenêutico, via interpretação técnica, permite a boa
aplicação do resultado final ao fato pertinente, confirmando-o, moldando-o ou
negando-lhe validade, ou seja, cada agente interpretador, conforme a sua
competência, atribuição ou condição, irá adequar e moldar, aos verdadeiros
ditames das respectivas normas jurídicas interpretadas, os fatos concretos a
ele subjugados.
De acordo com a pluralidade de métodos utilizados na busca da
hermenêutica tradicional, não existem indicações de qual meio seria o mais favorável,
nesta direção, se por meio da análise gramatical do texto encontrar-se,
interpretação desigual de sua finalidade, será de competência do intérprete
escolher qual resultado se acomoda mais a sua ótica, pois que, mesmo
utilizando-se da hermenêutica tradicional, ainda existem possibilidades para
subjetivismos e imprevisibilidades.
Assim sendo, outra discrepância que vem a calhar, é a denominada
antinomia ou conflito de normas, cuja qual ocorre, no momento em que duas ou
mais normas regularizam um mesmo assunto, porém, apresentando consequências
opostas ou mesmo incompatíveis. De acordo com Marmelstein (obra citada), para
estas situações, a solução do conflito, se resolve por via dos critérios
tradicionais respectivamente, hierárquico, cronológico e da especialidade.
Assim sendo, primeiramente o interprete deverá analisar qual norma
possui hierarquia superior, posto que, a mesma, prevalece sobre norma inferior,
neste sentido, na ocorrência de um conflito normativo entre a Constituição e a
lei, a Carta Magna se sobressairá, e assim por diante.
Ocorre, porém, que pode haver conflito entre normas da mesma
hierarquia, para tal preceito, o método cronológico solucionará a casuística,
ou seja, a norma mais recente imperará, em concordância, “a lei posterior revoga
a anterior que com ela seja incompatível,” nas palavras de Marmelstein (obra
citada).
Em decorrência, para o caso do método anterior não funcionar,
sugere-se o critério da especialidade, pelo qual, a lei especial prevalecerá em
simetria a norma geral. Isto expressa, que para o caso de analogia entre uma
norma que trate especificamente de uma situação, a mesma deverá prevalecer
frente a norma geral, que trate do mesmo assunto, porém de modo diverso.
Criticamente Streck (2005), dispõe sobre uma disfuncionalidade
jurídica existente no Brasil, devido a formação jurídica insatisfatória, no
sentido de que, os mesmos, se limitam a um sentido comum teórico, em reprodução
de uma cultura de compêndios, que como Perelman (obra citada) denota,
ficcionalizam o mundo jurídico, em distanciamento da realidade social.
Isto é, estes manuais, fornecem um sentido desagregado de sua
aplicação, criando uma ilusão acerca da possibilidade de obter a vontade
da norma, o espírito
da lei, a vontade
do legislador, a interpretação
correta e até mesmo, o sentido real da norma
jurídica, resultados de um processo de
hermenêutica fundamentar métodos ou técnicas de esclarecimento, interpretar
para Savigny (2005), significa reconstruir o conteúdo da lei, de forma a
encontrar a vontade do legislador.
No transcorrer do tempo, essa ideologia deu lugar
ao pensamento de que, a interpretação se sobrepõe as simples técnicas limitadas
à expressar a vontade da norma, evidenciando então, um momento de oscilação
entre a antiga interpretação, no sentido de que a mesma, balizava em um
processo de aferição da vontade do legislador, modificando-se, para o
entendimento de que, na verdade, a interpretação se expressava com o fim de
buscar a consciência comum da sociedade, por tanto, de todo esse processo,
culminou na teoria subjetiva de interpretação.
De outro lado, a teoria objetiva, conforme Diniz
(2006) se consolidou com base na separação da vontade do legislador, pois que,
nesta direção, ao intérprete incumbe a tarefa de se fixar na vontade da lei,
isto é, à mens legis, pois que,
diante disso, a norma se transmutaria da vontade do legislador expressada em
textos, para uma força objetivada, independente, de seu autor.
Apesar de aparentemente colidentes, estas duas
teorias se coadunam, emergindo de seu núcleo o desenvolvimento de técnicas e
métodos interpretativos, que resultam no pensamento dogmático da hermenêutica.
Nesta diretriz, Ráo (1999), assevera:
[...] a hermenêutica tem por objetivo investigar
e coordenar por modo sistemático os princípios científicos e leis decorrentes,
que disciplinam a apuração do conteúdo, do sentido e dos fins das normas
jurídicas e a restauração do conceito orgânico de direito, para o efeito de sua
aplicação; a interpretação, por meio de regras e processos especiais, procura
realizar, praticamente, estes princípios e estas leis científicas; a aplicação
das normas jurídicas consiste na técnica de adaptação dos preceitos nelas
contidos e assim interpretados, às situações de fato que lhes subordinam.
À vista disso, Maximiliano (1998), bem como
Guerra (2007), aponta para o sentido de que, as leis positivadas, são
elaboradas em caráter geral, isto é, fixam regras, alicerçam princípios,
assentam normas, de forma objetiva e clara. Assim sendo, a interpretação possui
em sua técnica, o meio de alcançar os fins almejados.
Por conseguinte, sob a orientação de princípios e
regras, se expandiu e melhorou no limite do desenvolvimento social, e eclodiu
por meio do desenvolvimento doutrinário. Ou seja, a arte limitou seu
desenvolvimento à ciência geral do Direito, demarcado, através da Sociologia.
No entanto, a Hermenêutica, evidencia um método processual de interpretação, posto
que, nenhuma regra poderia regular sua própria regulamentação.
Nada obstante, os pilares da hermenêutica
clássica sofreram profundo abalo por meio do pós-positivismo, assim como, a
teoria dos direitos fundamentais, em razão de que, a partir do momento em que
se consente a aplicação direta e imediata dos direitos fundamentais,
automaticamente, vincula ao jurista que suas decisões sejam sempre argumentadas
com base na Constituição, consequentemente, a mesma torna-se o principal
fundamento da argumentação jurídica.
De outra forma, sobrevém o fato de que, os
parlamentares participantes do processo constituinte, representavam interesses
de grupos com ideologias diferentes, então, para alcançar a aprovação de suas
normas, os mesmos, optaram por utilizar termos amplos, e imprecisos, concedendo
ao Judiciário e aos legisladores a tarefa de solucionar os previsíveis
conflitos que adviriam de tais procedimentos de ambiguidades, visto que,
definir conceitos de igualdade, dignidade da pessoa humana, ou mesmo liberdade,
são tarefas difíceis, pois que cada pessoa possui uma opinião diferente,
conforme fatores como a cultura, o tempo ou mesmo o espaço em que residam,
posto que, como assevera Dorf (2006), para definir o conceito das frases vagas
do constituinte, os juízes devem verificar além da Constituição.
Anteriormente, quando a ordem
jurídico-constitucional não emanava compromisso com os valores éticos, estas
questões eram solucionadas na esfera legislativa, por meio do Parlamento,
incumbindo ao Judiciário, simplesmente, acatar as decisões proferidas por meio
do Congresso Nacional.
Não obstante, posteriormente ao instante em que a
Carta Maior passou a congregar valores humanitários, essa questão, também,
passou a ser motivo de competência jurídica, através da jurisdição
constitucional, esclarecidas no núcleo do Poder Judiciário, que em última
instancia é o zelador da guarda da Constituição Federal, como frisa Marmelstein
(obra citada), na vertente de que, até mesmo as leis infraconstitucionais são
influenciadas por meio destes valores, em decorrência de sua eficácia
irradiante, ou seja, sua dimensão objetiva, que demanda que toda a
interpretação jurídica considere a força normativa destes direitos.
Neste curso, acrescenta-se outra peculiaridade
dos direitos fundamentais, que emerge devido ao pressuposto da colisão das
normas constitucionais, evidenciadas em normas de hierarquia idênticas,
publicadas ao mesmo tempo, e com o mesmo grau de abstração, que na casuística
em concreto, apresentam consequências jurídicas opostas.
Deste modo, os conhecidos critérios de solução da
antinomia como o hierárquico, cronológico e da especialidade (clássicos), não
bastam para solucionar o conflito ora evidenciado, demandando a necessidade de
novas técnicas jurídicas solucionadoras das divergências, em harmônica com a
realidade constitucional, uma vez que, a hermenêutica clássica não apresenta
nenhum meio de elucidação de tais antinomias, que se evidencia em razão da
positivação de valores e princípios e da credibilidade da força normativa da
Constituição.
Diante disso, o pós positivismo, por meio da
teoria dos princípios e outros instrumentos de argumentação, compõem-se de
meios capazes de fornecer ferramentas solucionadoras de tais colisões, mesmo
que, como disposto por Marmelstein (obra citada), “em detrimento da
objetividade plena e da previsibilidade absoluta da decisão jurídica”.
Neste rumo, expressa Grau (1997) que, a
interpretação do direito, se define em concretizar a lei, ou seja, o intérprete
fornece a norma, por meio dos elementos que extrai do texto, em conjunto com os
elementos fornecidos pelo caso em questão, em concordância, afirma Perez Luño
(2005), para o qual, a norma deixa de ser pressuposto, adquirindo o status de
resultado de um processo hermenêutico, dando ao intérprete a possibilidade de
criação do próprio direito.
Não obstante, Cademartori (2006), expressa como
nova filosofia de conhecimento do direito, com o objetivo de harmonizar as
relações entre o direito, a moral e a política, através da qual a estrutura
rígida das normas, abre espaço para uma reconstrução do conteúdo jurídico
normativo, posto que, a própria, parte da prerrogativa de que, as normas
constitucionais, com características abertas, principiológicas e limitadas a
realidade vigente, não se balizam a um sentido único e objetivo, que
tradicionalmente pretendem lhe incumbir.
Então, a nova hermenêutica tem vistas a efetivar
a Constituição, em amparo aos direitos fundamentais, com a perspectiva de
cumprimento de seu papel social, em virtude que, este modelo de interpretação
facilita ao intérprete um agir questionador, por meio do qual, efetivava sua
construção, através dos recursos de linguagem e do sentido normativo,
sobressalta-se, a teoria da argumentação jurídica, cuja qual, atua nos campos
de interpretação, produção e aplicação do direito, com o intuito de encontrar a
identificação ideológica do pilar argumentativo, em conformidade com Atienza
(2006), ou seja, a mesma parte da premissa de que, a solução da problemática
seria interpretar a norma, no sentido de partir do problema em direção a norma.
No entanto, esta teoria encontra contraposição em
doutrinadores como Canotilho (obra citada), bem como Savigny (obra citada) para
os quais, a interpretação deve seguir no sentido contrário, ou seja, da norma
para o problema, por via de um método que Canotilho (obra citada) denomina,
hermenêutico-concretizador, que direciona para o início da leitura da norma, à
partir da compreensão do intérprete, no sentido da sua concretização, desta
forma, à partir de seu texto encaminha-se para a construção de uma norma
jurídica concreta.
Determinado o intróito conceitual, neste
instante, passar-se-á a abordar a interpretação constitucional com base nos
valores dos direitos fundamentais.
4. HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
Conforme expresso, o estudo da hermenêutica constitucional,
apresenta-se, como necessários devido a prerrogativa de compreensão e
interpretação dos direitos fundamentais na casuística em concreto, uma vez que,
a hermenêutica não pode ser entendida como a ciência, técnica, ou método de
interpretação jurídica, visto que, a mesma deverá ser analisada sob o enfoque
constitucional, visando garantir concretude, efetividade e o exercício dos
direitos fundamentais, assimiladas a partir da principiologia e a
sistematicidade jurídico-constitucionais, isto é, a linguagem e a interpretação
passam a ser a forma de produção das normas, conforme expressa Streck (obra
citada).
Nada obstante, o processo constitucional é considerado o caminho
orientador da formação do direito, fundamentado por meio da validade, eficácia
e legitimidade do ordenamento jurídico identificado na constituição, neste
sentido, Cattoni de Oliveira (2004), dispõe, “(...) as normas e os princípios constitucionais
que se referem ao exercício das funções jurisdicionais, se consideradas na sua
complexidade, concedem ao intérprete a determinação de um verdadeiro e próprio
esquema geral de processo.”
Em concretização aos direitos fundamentais, predispõe-se, de uma
interpretação que supere o caráter formalista, em vistas de que, na direção de
Carvalho Netto (2003), o fato é que os direitos fundamentais promovem a
inclusão social, no entanto, os próprios, também, produzem exclusões
fundamentais, desafiando por tanto, a necessidade de analisar a Constituição
sob a ótica de um processo permanente, e por tanto mutável, em direção a
afirmação da cidadania, em virtude aponta Streck (obra citada):
O equívoco do pensamento dogmático do direito é
pensar que um conjunto de enunciados explicativos acerca do direito, postos à
disposição da comunidade jurídica, é suficiente para compreender o direito. Na
verdade, quanto mais o pensamento dogmático tenta explicar o direito mediante
conceptualizações, mais ele o estará escondendo, porque, ao tentar explicá-lo
por meio de conceitos universalizantes (e, portanto, pontos fixos fundantes de
sentido), o pensamento dogmático do direito impede o aparecer da singularidade.
Consoante, o referido autor, indaga-se a respeito
de quem estaria legitimado para realizar a devida interpretação das normas
jurídicas, cujo Ráo (obra citada), aponta para “os experts doutrinários
(interpretação particular), os juízes (interpretação judicial) e os legisladores
(interpretação legislativa, legal ou autentica)”, conforme citação de Guerra
(obra citada).
No entanto, as correntes doutrinárias se divergem
nesse sentido, havendo quem defenda que apenas os experts doutrinários, seriam
os únicos legitimados propriamente para proceder com a interpretação, neste
curso apresenta Leal (2004), para o qual, o juiz não constrói o direito, mas
apenas age como concretizador na forma constitucionalmente assegurada.
Para Haberle (1997), ao dispor acerca da visão
restritiva (sociedade fechada), o próprio destaca que, a interpretação é
efetuada por todos que vivem a norma (sociedade aberta), independente, de suas
interpretações serem feitas livres de cunhos valorativos pessoais (paixões ou
tendências), e sob a observação do conjunto processual hermenêutico, ou mesmo,
se os próprios seriam ou não legitimados para aplicá-las à casuística em
concreto, denominados de intérpretes constitucionais em sentido lato, cujas
atuações se constituem como pré-intérpretes, desta maneira, no que refere-se,
a interpretação constitucional o mesmo
denota:
Propõe-se, pois, a seguinte tese: no processo de
interpretação constitucional serão potencialmente vinculados todos os órgãos
estatais, todas as potências públicas, todos os cidadãos e grupos, não sendo
possível estabelecer-se um elemento cerrado ou fixado com numerus clausus de intérpretes da Constituição.
Interpretação constitucional tem sido, até agora,
conscientemente, coisa de uma sociedade fechada. Dela tomam parte apenas os
intérpretes jurídicos ‘vinculados as corporações’ (...) e aqueles particulares
formais do processo constitucional. A interpretação constitucional é, em
realidade, mais um elemento da sociedade aberta. Todas as potências públicas,
participantes materiais do processo social, estão nela envolvidas, sendo ela, a
um só tempo, elemento resultante da sociedade aberta e um elemento formador ou
constituinte dessa sociedade (...). Os critérios de interpretação
constitucional hão de ser tanto mais abertos quanto mais pluralista for a
sociedade. (Grifo do autor).
Em continuação a explanação do referido autor, todo indivíduo que
vive limitado por uma norma, torna-se direta ou indiretamente seu intérprete,
em razão de que, o destinatário da norma constitui um participante ativo deste
processo, já que, esta função não cabe apenas aos intérpretes jurídicos da
Constituição, dado que, os próprios não possuem um monopólio com relação à
mesma. Nesta trajetória, Guerra (obra citada), destaca:
Em especial nos Estados democráticos, não deve existir vedação a práxis de interpretação exercida por
qualquer cidadão. O cuidado que se deve ter é com o resultado dessas
interpretações “leigas”, ou seja, a conclusão de interpretação de norma
jurídica eivada de paixões e tendências ou realizada fora dos bons métodos
hermenêuticos não poderá prevalecer em detrimento da conclusão técnica, oriunda
da imparcialidade e realizada conforme os processos hermenêuticos. A doutrina
dominante defende a restrição do número daqueles autorizados a interpretar as
normas jurídicas, para, destarte, garantir uma aplicabilidade mais justa,
técnica e harmônica das interpretações aos fatos, resultando proteção tanto no
ordenamento jurídico quanto à ordem social. (Grifo do original).
De acordo com Ráo (obra citada), para a aferição da interpretação
o agente deverá percorrer por cinco fases, quais sejam o diagnóstico de fato,
do qual, se pretende definir e descrever o fato em análise, reduzindo-o a
termo, de acordo com a linguagem e os significados comuns gramaticais, ou seja,
neste instante consideram-se todos os elementos instrutores e probantes
relacionados ao caso, como dispõe Guerra (obra citada).
Como segunda fase
encontra-se, o diagnóstico jurídico ou a qualificação jurídica, de quem se
retira a pesquisa, assim como, a identificação das normas jurídicas definidoras
do fato posto à baila na fase anterior; por terceiro, tem-se as críticas
formais e substanciais, cuja primeira, expressa-se por meio da investigação da
autenticidade e fidelidade do contento e dos processos relacionados a cada
norma jurídica circundada.
No entanto, como critica substancial, afirma-se acerca da
validade, eficácia e vigência das normas jurídicas envolvidas; por quarta fase,
deparar-se-á com os processos hermenêuticos, que nada mais são que, o
atendimento das fases anteriores, de forma a realizar a metodologia e a
formalidade da interpretação das normas legais; bem como, como quinta e última
fase, encontrar-se-á, a aplicação teórica e/ ou prática da conclusão de fato,
ou seja, aqui o agente declarará ou imporá o resultado extraído do trabalho
hermenêutico para o caso em concretude.
Isto posto, requer-se a efetivação de um apontamento acerca dos
processos hermenêuticos, assim como, o dever de fundamentar, a reserva de
consistência e a finalidade dos princípios de interpretação, expostos no item a
seguir.
5. PROCESSOS HERMENÊUTICOS: DEVER DE FUNDAMENTAR, A RESERVA DE
CONSISTÊNCIA E A FINALIDADE DOS PRINCÍPIOS DE INTERPRETAÇÃO
Expresso encontra-se o fato de que, qualquer norma jurídica está
condicionada a interpretação, mesmo aquela de conteúdo reconhecido, visto que,
dúvidas podem vir a existir conforme os casos em concreto e a evolução social,
nada obstante, que o intérprete se depare com textos imprecisos, contraditórios
e até mesmo obscuros, e somente a interpretação poderá solucionar a casuística,
em razão de que, na própria definição de interpretação, discorrida por
Bonavides (1996), o próprio enfatiza, que a mesma seria o remédio para as
imperfeições das normas.
Isto é, uma forma de reconstruir o conteúdo da lei, de maneira a
restituir o sentido do texto defeituoso, refere-se a uma operação lógica de
características técnicas, utilizado para a investigação do verdadeiro significado
da norma em pauta.
No mesmo sentido, abarcar-se-á a Constituição, pois apesar de a
mesma possuir “origem política e, não, jurídica, ou seja, sua vigência reside
nela própria e o grau de sua eficácia correlaciona-se com a realidade vivida
pelo Estado e pelos ‘fatores reais do poder’”, como observa Guerra (obra
citada), a mesma também preceitua de interpretação e aplicação, já que, suas
regras guardam em si, efeitos jurídicos. Acerca disso, Guerra (obra citada),
destaca no sentido de que:
[...]urge ser cuidadoso o intérprete de norma constitucional
formal no sentido, também, de não considerar com extremo rigor o fator jurídico
dessa norma, sob pena de extirpar a sua natureza política em tal grau que
inviabilizará sua fonte de axiologia principiológica diretora, emanada das
ideologias acolhidas, que guardam e propulsionam o ordenamento jurídico. A boa
interpretação constitucional não pode descartar da norma superior o fator
político e nem o fator jurídico. Destarte, cabe ao agente interpretador ponderar
e equilibrar o seu trabalho nesses dois campos.
O interpretador deve analisar o conteúdo normativo da norma, bem
como, precisa, delimitar tanto o seu alcance, quanto a sua coercitividade.
Segundo Rudolf Smend, em citação de Guerra (obra citada), a Constituição seria
um conjunto de normas superiores, que emanam um sentido único e universal,
assim, Bonavides (obra citada), atribui que o novo método interpretativo
(científico - espiral), deverá possuir esta visão de conjunto, ou seja, agir
com a premissa de que a interpretação da Constituição deve ser verificada como
um todo, isto é, com a captação de seu sentido geral e com visão à totalidade
do conjunto jurídico, ao contrário do modo como classicamente os juristas
estavam procedendo.
De acordo, Guerra (obra citada) assevera, acerca da necessidade de
analisarem os dispositivos jurídicos com base nos casos em concretos, de forma
que será necessário o uso de vários métodos interpretativos, cujos quais, não
se excluem, ao contrário, sem complementam de forma a produzirem uma
interpretação única, de maneira coerente e justa.
Conforme o mencionado autor, independente da pretensão objetivada,
a atividade da interpretação deverá ser guiada pelo fator teleológico, em conjunto
com o valor hierárquico que preceitua as normas constitucionais, em relação às
infraconstitucionais, em suas palavras, “os processos hermenêuticos
correspondem a métodos científicos de interpretação de normas jurídicas, sendo
que, cada um deles produz seu próprio resultado interpretativo”, no entanto, de
acordo com a teoria majoritária, “cada qual completa ou aprimora o resultado
interpretativo obtido pelo outro”.
Assim sendo, destacam-se três processos como fundamentais para a
interpretação, o filológico, o lógico e o histórico, de maneira que, como dito,
um aprimora os resultados do outro, ocorre, porém, que entre os doutrinadores,
os métodos explanados não são dominantes, podendo ocorrer fusões,
desmembramentos ou mesmo misturas de tais elementos.
Convém salientar que, nem todos os cânones são gerais, pois
existem, também, aqueles que são específicos, como a influência sociológica, a
leitura dogmática, efeitos dos resultados dos processos hermenêuticos, método
voluntarista da Teoria Pura do Direito, princípio da proporcionalidade, bem
como, a observância dos preceitos implícitos.
A interpretação cumpre o propósito de encontrar o resultado
constitucionalmente correto, por meio de um procedimento racional e limitável,
de modo a fundamentar este raciocínio com os mesmos princípios caracterizadores
dos procedimentos, com o intuito de expressar certeza e credibilidade à
interpretação casuística, assim, os métodos tradicionais (gerais) de
interpretação são insuficientes para interpretar as normas abertas, como
destaca Hesse (1992).
Tal operação é orientada e limitada pela norma, isto é, vinculada
a mesma, onde se encontrará numa relação de influência mútua, o programa
normativo, ou seja, o texto expresso, com o âmbito normativo, isto é, a
concretude da realidade presente na norma, de forma a esclarecer a decisão de
maneira mais convincente possível.
Ou seja, o processo de concretização depende da interpretação da
norma, considerando a pré-compreensão do intérprete e o respeito da questão
concreta, o que denota a impossibilidade de um método interpretativo autônomo,
ou seja, o problema determina-se pelo objeto da interpretação, deste modo,
através da Carta Magna e pelo próprio problema em pauta, neste sentido, na
acepção de Guerra (obra citada), a interpretação possui um caráter sistemático
que vai mais além da orientação sistemática relativa a interpretação do texto
da norma, embora mantenha relação direta com o mesmo.”
Assim, Marmelstein (obra citada), destaca no sentido de que, as
decisões judiciais, independentemente do método a ser utilizado, sempre estarão
suscetíveis ao fator emotivo e ideológico do juiz, posto que, o mesmo, é um ser
humano, e não uma máquina, porém, a sensibilidade do juiz, para o referido
autor, não se trataria de um aspecto negativo, mas um meio que humaniza a
atividade jurisdicional, desde que, manejada com sabedoria.
“A sentença judicial jamais deixará de ser um sentir, e o sentimento de
fazer justiça nunca deve deixar de circular nas veias de qualquer ser humano.”
Dorf (2006), no entanto assevera para a necessidade de saber mesclar o
subjetivismo inafastável, do objetivismo necessário em garantia da razão
jurídica, em concordância Barroso (obra citada), afirma sobre que a
impossibilidade de atingir a objetividade, não diminui a necessidade de buscar
a objetividade possível. Nas palavras de Marmelstein (obra citada), “uma coisa
é reconhecer os limites da objetividade humana, e outra, bem diferente, é
abandonar o esforço de melhorá-la.”
Na afirmativa de Streck (obra citada), conforme aumentam as
demandas dos direitos fundamental e consoante que o constitucionalismo, com
base em preceitos e princípios invade o espaço circunspeto a regulamentação
legislativa, aumenta a necessidade de serem estabelecidos limites ao “poder
hermenêutico” dos juízes, a esse respeito, Sarmento (2006) declara:
[...] muitos juízes, deslumbrados diante dos princípios e da
possibilidade de, através deles, buscarem justiça- ou o que entendam por
justiça-, passaram a negligenciar do seu dever de fundamentar racionalmente os
seus julgamentos. Esta ‘euforia’ com os princípios abriu um espaço muito maior
para o decisionismo judicial. Um decisionismo travestido sob as vestes do
politicamente correto, orgulhoso com os seus jargões grandiloquentes e com a
sua retórica inflamada, mas sempre um decisionismo. Os princípios
constitucionais, neste quadro, converteram-se em verdadeiras ‘varinhas de
condão’: com eles, o julgador de plantão consegue fazer quase tudo que quiser.
Para tanto, no que concerne aos direitos constitucionais, exige-se
o dever de aumentar a carga argumentativa dos juízes, decorrente do dever
constitucional de motivar os atos judiciais, como explana Barcellos (2006),
para quem, “o dever de motivar não decorre apenas de uma regra formal contida
no texto constitucional (art. 93, IX) ou de uma exigência do direito das
partes. Ele está vinculado a própria necessidade republicana de justificação
das decisões do Poder Público.”
Assim sendo, “quando o juiz emprega a técnica da ponderação, essa
necessidade é potencializada: se há uma variedade de soluções possíveis nesses
casos, é preciso mostrar o motivo de se escolher uma delas em detrimento das
demais.” Visto que deverá haver transparência e objetividade na argumentação de
modo que transmita a sociedade, qualidade nas decisões judiciais, e
automaticamente crédito nas decisões proferidas.
De outra forma, de acordo com Guerra (obra citada), “a
interpretação tópica orienta-se e limita-se pela norma, mas apesar disso, conta
com a presença de certos princípios diretores da interpretação suscetíveis de
adicionar a esta uma dose de racionalidade e de previsibilidade.”
Isso ocorre por meio dos princípios de interpretação da
Constituição, sendo eles, o princípio da unidade da Constituição,
posteriormente, o princípio da concordância pratica da correção funcional, do
efeito integrador e da força normativa da própria, as possibilidades de
interpretação estão limitadas as possibilidades tópicas do campo
constitucional, “a existência desse limite é pressuposto da função racionalizadora,
estabilizadora e limitadora do poder que lhe corresponde a Constituição.”
Ainda nesta direção, “o método concretizante não se fixa apenas
nos parâmetros oferecidos pelos métodos tradicionais de interpretação, vai mais
além, inserindo outros elementos, tais como a pré-compreensão e o âmbito
normativo”, considerando o texto normativo como limite de sua interpretação.
Para Canotilho (obra citada), este método possui um alcance maior,
posto que, o mesmo procura alcançar a dimensão do alcance das normas constitucionais,
com referência de que as mesmas são compostas por regras e princípios, cujos
últimos possuem atenção maior na ordem jurídica vigente. Nesta acepção, dispõe
Guerra (obra citada), in verbis:
Numa Constituição escrita, considerada como ordem jurídica
fundamental do Estado e da sociedade, pressupõe-se, como ponto de partido
normativo da tarefa de concretização-aplicação das normas constitucionais: a
consideração de norma como elemento primário do processo interpretativo; a
mediação (captação, obtenção) do conteúdo (significado, sentido, intensão)
semântico da Constituição, como tarefa primeira da hermenêutica
jurídico-constitucional; e independentemente do sentido que se der ao elemento
literal, o processo concretizador da norma constitucional começa com a
atribuição de um significado aos enunciados linguísticos do texto
constitucional.
Embora sendo o texto constitucional o primeiro elemento do
processo de interpretação-concretização constitucional, ele não contém já a
decisão do problema a resolver. É necessário tomar em conta que a letra da lei
não dispensa a averiguação do seu conteúdo semântico e que a norma
constitucional não se identifica com o texto, bem como, que a delimitação do
âmbito normativo, feita através, da atribuição de um significado a norma, deve
ter em atenção elementos de concretização relacionados com o problema a ser
solucionado.
Convém esclarecer as dimensões da norma, isto é, o conteúdo
normativo, que se baseia no, “componente linguístico da norma, que consiste no
resultado de um processo parcial de concretização pautado, sobretudo, na
interpretação do texto normativo”, da mesma maneira que, a dimensão do domínio
ou setor normativo, ou melhor, “o componente real, empírico, fático da norma
que resulta de um segundo processo parcial de concretização baseado na análise
dos elementos empíricos (dados da realidade recortados pela norma)”.
Isto posto, verifica-se que a norma é a coadunação entre o
programa e o domínio normativo, direcionando para uma concretização material,
composto por meio de um limite de ordenação, expresso em enunciados
linguísticos e por um âmbito de dados reais, cujo efeito da mesma resulta na
normatividade, em um processo de concretização. Outros elementos consideráveis
na delimitação da norma seriam a sistemática do texto normativo, a genética do
texto, como também, a história do texto.
Assim necessário se faz, elaborar uma análise do programa
normativo em conjunto do domínio normativo, em razão de que, o primeiro age
como um filtro do domínio, ou seja, o mesmo é responsável pela separação dos
fatos com efeitos normativos, dos fatos que não pertençam a este setor, esta
ação denominada como função positiva do programa normativo, cujo qual, também
possui uma função negativa, a qual reporta a “prevalência dos elementos de
concretização referidos ao texto,” para as situações de conflitos entre
elementos interpretativos.
Recapitulando, “o âmbito da liberdade de interpretação do
aplicador-concretizador das normas constitucionais tem o texto da norma como
limite.” Neste sentido, “o programa normativo é também o elemento fundamental
do espaço de seleção de fatos constitutivos do domínio normativo.” Assim
disposto, a normatividade somente é aferida no momento em que, se encontra
aplicada ao caso em concreto, por meio da criação de uma disciplina
regulamentadora, através de, uma sentença judicial, ou mesmo, a prática de atos
individuais por meio das autoridades. De outra forma, incide de forma atual e
imediata, por meio de sua transmutação para norma decisão.
Ainda na direção de Guerra (obra citada), “as normas
constitucionais referentes aos direitos fundamentais, demandam ainda mais
atenção por parte do intérprete, tendo em vista que, elas consubstanciam um
núcleo de direitos que ocupam um lugar privilegiado dentro dessa orientação.”
Neste curso, em suas palavras, em citação a Haberle (obra citada) o mesmo
estabelece:
No Estado constitucional-democrático, o cidadão é intérprete da
Constituição. Por isso, tornam-se relevantes as cautelas adotadas com o
objetivo de garantir a liberdade: a política de garantia dos direitos
fundamentais de caráter positivo, a liberdade de opinião, a
constitucionalização da sociedade. A democracia do cidadão, aproxima-se mais da
ideia que concebe a democracia, a partir dos direitos fundamentais e não a
partir da concepção, segundo a qual, o povo soberano, limita-se a assumir o
lugar do monarca. Para Peter Haberle, a liberdade fundamental (pluralismo), e
não povo, converte-se em ponto de referência para a Constituição democrática.
Diante disso, remete-se a necessidade de utilizar tanto os métodos
de interpretação clássicos quanto os novos, devido ao fato de que, interpretar
a Carta Magna é concretizá-la, e tal atividade, baseia-se nos princípios
interpretativos, especialmente, as que se referem a direitos fundamentais,
atribuindo-lhe uma condição de autoridade e de prestígio, já que possui como
escopo conferir um significado a norma, de forma que elimine conflitos e
harmonize a unidade do sistema.
Então, a nova hermenêutica se propõe a aperfeiçoar e conferir
sentido a norma de forma criativa, baseada em princípios direcionadores que
apregoam a ponderação para as situações conflitantes, bem como, também, certos
componentes fundamentais, in verbis:
a) As
pré-compreensões que conformam e projetam o “mundo”;
b) A
tradição ou configuração histórico-cultural objeto da interpretação, que
participa do dialogo resistindo às projeções do sujeito;
c) Instrumentos
metodológicos;
d) A
imaginação produtiva, sem a qual a projeção de pré-compreensões resultaria em
simples reiteração.
Assim definido, Haberle (obra citada) destaca, a necessidade de o
juiz ser consistente e convincente ao expor suas decisões, é o que se denomina,
de dever ou reserva de consistência, a qual possui algumas implicações práticas
consideráveis, como exemplo:
a)
Expressar todos os motivos
determinantes de suas decisões, inclusive os emotivos;
b)
Apregoa a dilatação da
possibilidade de compartir dos variáveis segmentos sociais que venham a estar
interessados no julgamento, como forma de legitimar e democratizar o processo
de concretização constitucional, posto que, quanto maior a participação da
sociedade, maior será a probabilidade de acerto decisório;
c)
Impõe ao juiz buscar razões
para suas decisões além das prerrogativas jurídicas, até mesmo em outras
ciências, inclusive demandando informações de entidades públicas ou privadas;
d)
Exige análise profunda
acerca das vantagens e desvantagens que ocasionará (princípio da
proporcionalidade), já que uma decisão precipitada pode causar mais malefícios
que benefícios;
e)
Compele ao dever de
coerência, expresso na obrigação do magistrado em demonstrar os argumentos de
convencimento da referida decisão, em demonstração de que a mesma se mostre a
mais correta.
Com o objetivo de oferecer
critérios objetivos para a aferição da interpretação dos direitos fundamentais
na casuística em concreto, as doutrinas em conjunto com a jurisprudência
desenvolveram princípios de interpretação, que viabilizam o encontro de
soluções justas e adequadas, o fato, porém, é que estes métodos, ainda permitem
a ocorrência de subjetividades ou mesmo
arbitrariedades, mas seu alvo objetiva na forma de apresentar ao juristas uma
ordem de valores emergente do núcleo constitucional, e não de valores pessoais.
Ou seja, a atividade dos
princípios constitucionais se expressa por meio de auxílio na aferição de
respostas racionais, baseadas nas premissas constitucionais, bem como,
possibilitar maior transparência e objetividade na argumentação e no processo
de decisão, proporcionando a máxima legitimidade à argumentação judicial, como
esclarece Marmelstein (obra citada), assim, passar-se-á a expressão do próximo
item.
6. VINCULAÇÃO DOS PRINCÍPIOS NA INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL
Preceituam-se variadas diretrizes aperfeiçoadas pelos juristas
como forma de facilitar e orientar a atividade hermenêutica. Há, porém, alguns
princípios que são próprios do direito constitucional, como o princípio da
supremacia da Constituição, princípio da unidade da Constituição, princípio da
interpretação conforme a Constituição, princípio da máxima efetividade das
normas constitucionais, princípio da concordância pratica, assim como, o
princípio da proporcionalidade, de modo amplo, tais princípios já foram
evidenciados no decorrer do texto. Como por exemplo, já fora abordado que as
normas constitucionais são da mesma hierarquia jurídica, de forma que, não
permite haver declaração de inconstitucionalidade de normas constitucionais,
com a exceção de emendas que violem cláusulas pétreas.
Da mesma forma, ficou evidenciado que os direitos fundamentais
possuem supremacia formal e material, e por tanto aproveitam de uma
normatividade potencializada, delimitada como, princípio da supremacia dos
direitos fundamentais.
Ademais, fora abordado que os direitos fundamentais podem ensejar
pretensões subjetivas, exigíveis judicialmente, efetivando-se por meio do Poder
Judiciário, na interpretação de normas definidoras de direitos fundamentais,
com o intuito de solucionar de forma eficaz o direito em questão, defendido
pelo princípio da máxima efetividade.
Em decorrência, denotara-se que os direitos fundamentais
representam uma ordem objetiva de valores, com capacidade de influenciar a
interpretação de todo o sistema jurídico, defendido através do princípio da
interpretação conforme os direitos fundamentais. De forma geral pode-se dizer
que:
Por meio do princípio da supremacia da Constituição, verifica-se
que as normas constitucionais possuem supremacia formal e material; através do
princípio da unidade constitucional, possível se faz a interpretação de que
todas as normas constitucionais possuem hierarquia jurídica igualitária; por
intermédio do princípio da presunção de constitucionalidade das leis, denota-se
que as leis presumem-se constitucionais.
Então, mediante o princípio da interpretação conforme a
constituição, tem-se que as leis devem ser interpretadas de acordo com os
valores constitucionais; recorrendo ao princípio da máxima efetividade, atêm-se
ao fato de que, toda interpretação jurídica deverá proporcionar a máxima
efetividade da constituição; consoante com o princípio da concordância pratica,
verifica-se que nos casos de colisões de valores constitucionais, deve-se
procurar harmonizá-los, sacrificando-os o mínimo possível;
Desta maneira, em concordância com o princípio da
proporcionalidade, percebe-se que as restrições aos direitos fundamentais devem
ser adequadas, necessárias e proporcionais em sentido estrito; segundo o
princípio da proteção ao núcleo essencial, extrai-se que as restrições aos
direitos fundamentais não podem afetar o núcleo essencial da norma; em
conformidade com o princípio da proibição de abuso de direitos fundamentais,
abstrai-se que os direitos fundamentais não podem servir para justificar a
violação de outros direitos igualmente importantes, como bem expressou
Marmelstein (obra citada).
Dito isso, passar-se-á a expressar no próximo tópico acerca do
princípio da proporcionalidade, como solucionador dos conflitos jurídicos
constitucionais.
7. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE COMO SOLUCIONADOR DE CONFLITOS
De acordo com Guerra (obra citada), a interpretação das normas
constitucionais é uma tarefa complexa, devido as particularidades de suas
normas, bem como, sua abertura que além de permitir, exige atualizações, assim
como, a linguagem sintética e por vezes lacunosas, além da amplitude dos termos
utilizados, também no que refere-se, a presença de princípios, da mesma maneira
que, as múltiplas opções de sentido político nela contida.
Como bem abordado, a hermenêutica clássica não constitui meio
suficiente para obtenção do verdadeiro conteúdo do texto constitucional, cujo
sentido da referida norma a cada instante mais se destaca em um Estado
Democrático de Direito. Neste sentido o próprio destaca, “a necessidade de uma
nova hermenêutica voltada para a realidade social e menos mecânica e
formalista, torna-se cada vez mais clara diante das deficiências do emprego
isolado dos métodos tradicionais,” cuja qual objetiva a concretização da norma,
em conformidade com as necessidades inerentes da sociedade dinâmica e complexa,
isto é, valorando a realidade social, no entanto, em conjunto com isso,
mantendo o foco na cientificidade.
Como significativas mudanças na Nova Hermenêutica encontram-se a
ampliação do rol dos intérpretes da Constituição, como já explanado
anteriormente, do mesmo modo que, a identificação das pré-compreensões do
intérprete, em auxílio da criatividade interpretativa, dispersando a reiteração
das decisões, porém, atuando na medida em que a moldura do texto legal lhe
atribui.
Em sua concepção, “essa abertura criativa do intérprete
possibilita inovações que, se bem articuladas, podem provocar arejamento e
renovação na interpretação dos direitos fundamentais.” Afinal, este novo método
atua de forma positiva na interpretação dos direitos fundamentais, devido ao
fato de que, leva em consideração a realidade social expressa por meio do
âmbito normativo.
Assim, observa Marmelstein (obra citada), para o qual “embora os
direitos fundamentais tenham status constitucional, tem-se aceito que a norma
infraconstitucional pode ser utilizada para restringir ou limitar o seu
conteúdo, especialmente quando há autorização constitucional (reserva legal).”
Ocorre que, os direitos
fundamentais são passíveis de limitações seja por meio do Constituinte
originário na própria Constituição ou mesmo, no momento em que não haja
previsão constitucional, desde que sua limitação seja proporcional para
proteção ou preservação de outro valor constitucional.
Neste sentido, a diferença que distingue um direito fundamental
com reserva legal, ou seja, aquele cuja limitação, foi expressamente autorizada
pela constituinte originário e um direito fundamental sem reserva legal, isto
é, que não tenha previsão expressa de regulamentação legal, é que a lei que
define um direito fundamental com reserva legal, não necessita passar por um
processo de aprovação tão rigoroso, posto que, os direitos fundamentais sem
reserva legal, carecem de justificativa mais contundente para serem restringidos.
Ressalta-se, porém, que as restrições aos direitos fundamentais
são comuns, então, como meio de verificação da legalidade de restrição de uma
lei ou atos administrativos de um fundamental, o método utilizado é o princípio
da proporcionalidade, por isso este princípio também é conhecido por meio de
“limites dos limites”, o objetivo deste princípio é estabelecer que nenhuma
restrição aos direitos fundamentais, abranja dimensões desproporcionais. Em
acordo se posiciona o Tribunal Constitucional alemão, citada através do
referido autor:
Esse princípio [da proporcionalidade], que é provido de dignidade
constitucional, resulta da própria essência dos direitos fundamentais, que,
como expressão da pretensão jurídica geral da liberdade do cidadão frente ao
Estado, só podem ser limitados pelo poder público quando isso for
imprescindível para proteção de interesses públicos.
Convém salientar que a proporcionalidade aqui evidenciada, não é
utilizada como sinônimo de razoabilidade, como em outras doutrinas ou mesmo em
decisões do STF, visto que, “verificar a proporcionalidade de uma medida que
restringe determinado direito fundamental não é tão somente analisar se a
medida é razoável, trata-se na verdade, de algo mais sofisticado e objetivo.”
Em concordância silva (2002), destaca:
A regra da proporcionalidade no controle das leis restritivas de
direitos fundamentais surgiu por desenvolvimento jurisprudencial do Tribunal
Constitucional alemão e não é uma simples pauta que, vagamente, sugere que os
atos estatais devem ser razoáveis, nem uma simples análise de relação meio-fim.
Na forma desenvolvida pela jurisprudência constitucional alemã, tem ela uma
estrutura racionalmente definida, com subelementos independentes – a análise da
adequação, da necessidade e da proporcionalidade, com elementos independentes
–, que são aplicados em uma ordem pré-definida, e que conferem à regra da
proporcionalidade a individualidade que a diferencia, claramente, da mera
exigência da razoabilidade.
Então, a doutrina, influenciada por meio da Corte Constitucional
alemã, tem destacado três dimensões destes princípios, de forma sucessiva,
visto que, apenas será aceitável a limitação de um direito, se estes três
requisitos estiverem sido satisfeitos, isto é, a adequação; necessidade ou
vedação do excesso e de insuficiência; proporcionalidade em sentido estrito.
Nesta lógica, Sarmento (1999) dispõe:
A resolução dos conflitos entre princípios constitucionais requer
uma análise da situação concreta em que emergiu o conflito. O equacionamento
das tensões principiológicas só pode ser compreendido a luz das variáveis
fáticas do caso, as quais indicarão ao intérprete o peso específico que deve
ser atribuído a cada cânone constitucional em confronto. E a técnica e decisão
que, sem perder de vista os aspectos normativos do problema, atribui especial
relevância as suas dimensões fáticas, é o método de ponderação de bens. (...) o
método de ponderação de bens está intimamente ligado ao princípio da
hermenêutica constitucional da ‘concordância pratica’, o qual, na dicção de
Canotilho, ‘impõe a coordenação e combinação dos bens jurídicos em conflito ou
em concorrência de forma a evitar o sacrifício (total) de uns em relação aos
outros.
Nesta coerência, Canotilho (obra citada) estabelece que em analise
a colisão de direitos fundamentais, perceptível se faz o entendimento de que,
as normas dos direitos fundamentais atuam de forma imperativa, que devem ser
concretizadas em harmonia com o texto jurídico, assim como, com a situação
fática, no entanto, inexiste um padrão ou mesmo critério solucionadores de
antinomias, valendo-se por tanto da ponderação e harmonização como bases
principiológicas, no entanto, tal critério não invalida a utilização e outros
métodos na aferição da interpretação, tal como, o princípio da concordância
prática, e a ideia do melhor equilíbrio possível entre direitos colidentes.
Neste sentido Guerra (obra citada), indaga sobre a possibilidade
ou não de o princípio da proporcionalidade ter legitimidade para contrariar
norma expressa, e automaticamente, afasta sua aplicação. Em resposta Sarmento
(obra citada), preconiza, sobre o fato de que, a questão divide a doutrina,
posto que, doutrinadores como José Carlos Barbosa Moreira, Nelson Nery, Junior
e Vicente Greco Filho, estão incluídos no rol daqueles que admitem tal
ponderação, no entanto, do lado oposto encontra-se doutrinadores como Luís
Roberto Barroso.
Na predicação de Guerra (obra citada), “os princípios
constitucionais representam o fio-condutor da hermenêutica jurídica, dirigindo
o trabalho do interprete em consonância com os valores e interesses por eles
abrigados.”
Em retomada a posição de Sarmento (obra citada), aborda-se o fato
de que, por meio da estrutura aberta e flexível dos princípios constitucionais,
em comum acordo coma complexidade das questões apresentadas atualmente ao
judiciário, verifica-se a imprescindibilidade do método da ponderação de
interesses, a sua utilização para tanto, se torna indispensável para a solução
dos casos de conflitos.
Neste sentido, contar-se-á com o apoio de Santos (1997), para o
qual, a ideologia de o juiz complementar a atividade legislativa tratar-se-ia
de um pensamento ilusório, visto que “a lei não é um direito em si mesma.” Ou
seja, a lei é somente um critério de aferição jurídica. Isto é, “o Legislador
cria a lei e o juiz, ao julgar, regula a situação concreta com o direito que
busca no critério apresentado.”
Desta forma, nem sempre o critério será representado pela lei,
posto que, outras por imposição da própria lei ou mesmo determinações do juiz
podem surgir. Assim, “o que importa na jurisdição é a função de regular a
situação concreta, nada mais.”
Na concepção de Marmelstein (obra citada), o princípio da
proporcionalidade, por sua vez se divide em subprincípios, cujos quais serão
esmiuçados a seguir.
8. O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE SUBDIVIDIDO EM SUBPRINCÍPIOS
O primeiro elemento a ser expresso será o subprincípio da adequação, decorrente do mesmo, se
subtrai uma relação de pertinência (meio e fim) com capacidade justificativa
para a restrição de um direito, esta relação de pertinência, por vezes é
apreciada de modo simples, decorrente de uma análise objetiva da situação, no
entanto, noutras vezes, este método se opera de forma complexa, devido à falta
da ligação racional entre o meio e o fim que não se apresenta naquele momento.
Assim, nestas hipóteses apenas a experiência concreta da norma
demonstrará se a mesma se mostrou eficaz para os efeitos desejados. Para estes
casos, o ideal seria deixar a critério do legislador, em manutenção a escolha
estatal, enquanto a mesma não se apresente ineficaz de forma concreta, momento
em que o Judiciário poderá reconhecer sua inconstitucionalidade, movido pela
desobediência do princípio da proporcionalidade.
Ressalta-se que, a adequação, contém a exigência de que, uma
medida limitadora de direitos fundamentais, para ser considerada como válida
precisa estar revestida de prestação a uma constitucionalidade legítima, isto
significa, que se seu objetivo visar finalidade inconstitucional, a mesma não
terá validade.
Assim, convém salientar, que sempre que o juiz estiver decidindo
uma situação em que envolva um conflito de direitos fundamentais, o próprio
deverá ter como premissa, o princípio da proporcionalidade, como mecanismo de
aferição e balizamento das decisões.
Em concordância com o subprincípio da necessidade (vedação do excesso), encontra-se inserida a ideia de
que, a medida deve ser estritamente necessária. Nesta linha de raciocínio
Marmelstein (obra citada), utiliza-se da decisão do Supremo Tribunal Federal,
como ilustração do referido método, “no sentido de que o uso de algemas, na
condução dos presos, embora por si só, não constitua constrangimento ilegal,
deve ser realizado de forma proporcional, não abusiva, no intuito de não afetar
desnecessariamente a integridade moral do ser humano.” Nesta acepção, cita-se
um trecho da referida decisão:
O uso legítimo de algemas não é arbitrário, sendo de natureza
excepcional, a ser adotado nos casos e com as finalidades de impedir, prevenir
ou dificultar a fuga ou a reação indevida do preso, desde que haja fundada
suspeita ou justificado receio de que tanto venha ocorrer, e para evitar
agressão do preso contra os próprios policiais, contra terceiros ou contra si
mesmo. O emprego dessa medida tem como balizamento jurídico necessário, os
princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.
Assim, este elemento serve, também, como meio de impedir exageros
na implementação dos direitos sociais. Isto posto, partir-se-á para o elemento
da necessidade como critério da vedação da insuficiência, ou seja,
autoriza o Estado para que haja eficazmente em proteção aos direitos
fundamentais, sem atuar em excesso ou pecar por insuficiência, a própria
decorre do dever de proteção e promoção já citados, de forma que “o poder
público deve adotar medidas suficientes para impedir ou para reprimir as
violações dos direitos fundamentais.”
Na explanação de Sarlet, citado por Marmelstein (obra citada),
decorre que, “a violação da proibição da insuficiência, portanto, encontra-se
habitualmente representada por uma omissão (ainda que parcial) do poder
público, no que diz com o cumprimento de um imperativo constitucional, no caso,
um imperativo de tutela ou dever de proteção.”
Nesta questão, verifica-se
que a necessidade de proteção suficiente se materializa mesmo nas hipóteses de
“mandamentos de criminalização” expressos pelo constituinte originário, em
expressão de normas que determinam a criminalização de condutas.
Como exemplos citam-se conforme o mencionado autor, os seguintes
incisos retirados do art. 5º, da Constituição Federal de 1988: “XLI- a lei
punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades
fundamentais; XLII- a prática do racismo constitui crime inafiançável e
imprescritível, sujeito a pena de reclusão, nos termos da lei.” Dentre outros,
neste curso o Min. Gilmar Mendes, se manifestou em sua decisão no STF, da
seguinte forma:
Em todas essas normas é possível identificar um mandado de
criminalização expresso, tendo em vista os bens e valores envolvidos. Em
verdade, tais disposições traduzem uma outra dimensão dos direitos
fundamentais, decorrente de sua feição objetiva na ordem constitucional. Tal
concepção legítima a ideia de que o Estado se obriga não apenas a observar os
direitos de qualquer indivíduo em face das investidas do Poder Público (direito
fundamental enquanto direito de proteção ou de defesa...), mas também a
garantir os direitos fundamentais contra agressão propiciada por terceiros.
A forma como esse dever será satisfeito constitui, muitas vezes,
tarefa dos órgãos estatais, que dispõe de alguma liberdade de conformação. Não
raras vezes, a ordem constitucional identifica o dever de proteção e define a
forma de sua realização.
Os mandados constitucionais de criminalização, portanto, impõe ao
legislador, para o seu devido cumprimento, o dever de observância do princípio
da proporcionalidade como proibição de excesso e como proibição de proteção
insuficiente.
Se é certo, por um lado, que a Constituição confere ao legislador
uma margem discricionária para a avaliação, valoração e conformação quanto as
medidas eficazes e suficientes para a proteção do bem jurídico penal, e por
outro, que a mesma Constituição também impõe ao legislador os limites ao dever
de respeito do princípio da proporcionalidade, é possível concluir pela viabilidade
da fiscalização judicial da constitucionalidade dessa atividade legislativa. O
Tribunal está incumbido de examinar se o legislador considerou suficientemente
os fatos e prognoses e se utilizou de sua margem de ação de forma adequada para
a proteção suficiente dos bens jurídicos fundamentais.
Conclui-se a cerca deste subprincípio que, nas situações
excepcionais em que se verifique de forma comprovável que a proteção a direito
fundamental ocorreu de forma insuficiente, mostra-se cabível o controle constitucional,
como forma de correção da inconstitucionalidade aí evidenciada.
Por fim, atem-se a proporcionalidade
em sentido estrito (técnica da ponderação), “a proporcionalidade exige uma
análise das vantagens e das desvantagens que a medida trará”, como forma de
proceder a esta análise, faz-se necessário realizar um exercício de
balanceamento ou ponderação, por meio do qual, o jurista deverá relacionar
todos os interesses em pauta, com o intuito de encontrar uma solução
constitucionalmente adequada, baseada em argumentação coerente, consistente e
convincente. Neste sentido Jane Pereira (2006), aponta:
A ponderação pode ser conceituada como a operação hermenêutica
pela qual são contrabalançados bens ou interesses constitucionalmente
protegidos que se apresentam em conflito em situações concretas, a fim de
determinar, à luz das circunstancias do caso, qual deles possui o maior peso e
deve prevalecer [...]. A ponderação, como técnica de decisão, identifica-se com
a proporcionalidade em sentido estrito, que determina que se coloque em questão
os ônus e as vantagens que defluem da tutela total ou parcial de cada um dos
bens jurídicos em conflito [...] A grande virtude da ponderação consiste na
transparência que esse método pode conferir ao processo de decisão.
Como se evidência, o princípio da proporcionalidade opera além da
verificação da validade material de atos do Poder Legislativo ou do Poder
Executivo, que balizam os direitos fundamentais, operando, também, no sentido
de verificar a própria legitimidade da decisão judicial, atuando como
verdadeiro limite da atividade jurisdicional, nesse sentido, sempre que o juiz
concretizar um direito fundamental, o mesmo deverá estar consciente de que sua
decisão deverá ser revestida de caráter “adequado, necessário (não excessiva, e
suficiente), e proporcional em sentido estrito.” Operando de tal forma a norma
estará protegida pela garantia da legalidade.
9. DEFINIÇÕES CONCLUSIVAS
Em conclusão preceitua que a hermenêutica clássica não basta para
a correta interpretação dos direitos fundamentais, de modo que urge a
necessidade de buscar auxílio em novos critérios de averiguação da norma, cujos
quais, servem como baliza para a aferição da legalidade.
Por conseguinte, para a
aferição da constitucionalidade de uma norma, estes critérios tem como base, o
princípio da proporcionalidade, que por sua vez, acarreta na observância de
subprincípios, de forma a encaminhar a decisão do juiz para a mais eficaz
possível, bem como, devidamente argumentada, para que a mesma se torne efetiva
no núcleo social.
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