O raciocínio judiciário, objetiva entender
e justificar a solução de uma controvérsia, posto que no tramite processual
diversos argumentos se encontram e se contradizem, precisando o juiz decidir
sobre o estabelecimento de um ou de outro, assim:
Durante séculos, quando a busca da solução justa era o valor central que
o juiz deveria levar em conta, e os critérios do justo eram comum ao direito, a
moral e a religião, o direito se caracterizava, principalmente, pela
competência atribuída a certos órgãos para legislar e a outros para julgar e
administrar, assim como, os procedimentos que deviam ser observados em cada
caso. Muitas vezes, aliás, todos os poderes estavam reunidos nas mãos do soberano,
que podia delegar a funcionários a missão de julgar e de administrar, nos
limites definidos pelo mandato que lhe fora outorgado. A argumentação jurídica
era ainda menos especifica, porque não havia necessidade de motivar as
sentenças, as fontes do direito eram imprecisas, o sistema do direito era pouco
elaborado e as decisões da justiça quase não eram levadas ao conhecimento do
público.
No entanto, esta situação modificou-se totalmente, após a Revolução
Francesa, com a publicação de leis codificadas e a separação dos poderes,
trazendo a motivação do juiz para suas sentenças, sendo legitimada sempre que
houvesse obscuridade, silêncio ou insuficiência legislativa, carregando em sua
essência a valoração da segurança jurídica, dando conformidade entre decisões
judiciais e o ordenamento jurídico.
Antes disso, porém, o juiz estava preso ao positivismo jurídico, sendo
totalmente submisso às regras expressas, independentemente de seu senso de
justiça ou de sua vontade. Essa sujeição orientou os teóricos da escola exegese
á sistematizar o direito.
Desde o julgamento de Nuremberg, ficou notório que a maioria dos teóricos
do direito, aderiu a um posicionamento anti-positivista, na busca de uma
solução que não fosse apenas sistemática, mas social e moralmente aceitável,
com base em uma visão naturalista do direito, através da interpretação da lei
em cada caso concreto.
Por consequente, distinguem-se três fases na ideologia judiciária, sendo
que a primeira ocorreu antes da Revolução Francesa e era independente de
motivação judiciária, apesar de valorar a justiça das decisões, dava
importância para as regras consuetudinárias e seus precedentes, momento em que
o judiciário atuava de forma subordinada ao legislativo, em um puro
positivismo.
A segunda fase trouxe uma reação adversa, onde o juiz era influenciado e
podia motivar suas decisões, analisando a cada caso em específico e tendo
liberdade para decidir de maneira equânime e razoável, sem que com isso, se
desvencilhasse do sistema jurídico.
Trazendo a flexibilidade legal, proferindo decisões suscetíveis de
intervenção de regras não escritas, representadas pelos tópicos jurídicos e por
princípios gerais do direito, majorando a estima do direito pretoriano,
tornando o juiz auxiliar e complemento do legislador. Como se tratava de motivação
decisional, a argumentação se tornou fator essencial para demonstrar, através da
interpretação da lei, a decisão mais indicada ao caso concreto.
A terceira fase compreende a forma de raciocínio jurídico atual, cuja
qual, não permite uma distinção tão evidente entre o direito positivo e o
direito natural, como anteriormente. Em
virtude de que, o direito positivo já não se baseia somente em textos expressos,
dilatando seu alcance através de princípios e regras do direito não escrito,
como meio de solucionar as divergências, lacunas e obscuridade da lei para a
aplicação ao caso em espécie. É notório que os textos em sua literalidade, nem
sempre refletem a realidade jurídica, conforme dispõe Perelman (2000):
Quando uma sociedade está profundamente dividida sobre uma questão
particular, e não se quer colidir de frente com uma parte considerável da
população, nas sociedades democráticas em que se desejar que as medidas de
coerção se beneficiem de um amplo consensus é - se obrigado a
recorrer a compromissos fundamentados numa aplicação seletiva da lei, seja
possível, graças ao costume estabelecido, fazer os textos coincidirem com a
realidade.
Neste enfoque, quando uma prática secular, até então, satisfatória, for
contestada por meio de um dispositivo legal, os juristas buscarão uma
interpretação legal e harmônica, ao invés de forçar o abandono desta prática. Destarte,
sempre que uma solução, trazer em seu conteúdo o bom senso, a equidade ou o
interesse geral e demonstrar sua admissibilidade, ela irá se impor juridicamente,
mesmo que para isto, seja necessário buscar socorro em uma argumentação
especiosa. Isto ocorre porque a harmonia jurídica, apenas se estabelece no
momento em que a solução que se mostre aceitável no núcleo social, vindo a ser
acompanhada por argumentação jurídica sólida.
Ademais, é a busca da argumentação satisfatória, que ocorre através da
doutrina e jurisprudência, que efetua a evolução do direito. Nesta direção,
toda vez que ocorrer uma incompatibilidade entre o que a lei aparentemente
dispõe e o que a solução de um caso em particular parece exigir, será
estabelecida a solução de lege lata e a de lege
ferenda, onde que, a minoria se dobra diante de uma decisão que lhe parece
insatisfatória, porém manifestando o contentamento da maioria social.
No entanto, raramente um tribunal deixa de harmonizar a solução para a
casuística com a determinação da norma legal, isto se denomina técnica jurídica.
Ocorre quando o legislador origina uma antinomia entre uma disposição
positivada e uma regra jurídica não escrita, limitando então o alcance de seu
texto, originando uma lacuna na lei, cuja qual, o juiz preencherá através de
uma regra do direito natural (não escrito).
Essas atitudes nos remetem a um problema vasto, o da analogia entre a
verdade e a justiça, visto que, a ficção é um momento extremo, onde a
preocupação com a equidade prevalece frente à verdade, no entanto, não é único
caso, onde o direito atribui relevância a outros valores que não a verdade,
ainda que, seja somente, utilizada em primazia à segurança jurídica.
O próprio sistema jurídico salienta esta corrente, verificável nas
tipificações onde o aparelho jurídico coloca as relações de respeito, amor e
confiança, supostamente existente nos parentes próximos, antes do compromisso
com a verdade real. Visto que, o sistema somente pune a mentira quando se trata
de detrimento de um parente, por tanto, de acordo com o sistema legal, a
mentira só se torna punível, nos casos em que, a testemunha tenha prestado
juramento em dizer a verdade, nesse sentido, ao se tratar de cônjuge, ou
parente em linha reta de uma das partes, não podem ser ajustadas como
testemunhas, por tanto, não incorrerá em ato sancional caso omita, ou minta em
juízo.
Por conseguinte, o próprio ordenamento obriga certas pessoas ao sigilo,
como por exemplo, os casos decorrentes de segredo profissional, sendo assim, um
determinado profissional, podem prevalecer-se desta lei, para recusar a depor
sobre os fatos que tenha tido conhecimento durante o exercício profissional,
porém, o sigilo se limita aos interesses dos doentes ou familiares.
Nesta vertente, a presunção da inocência garante ao réu o direito de
permanecer calado. Ainda nesse enfoque, há situações em que é punível a
imputação verdadeira, por falta de provas. Assim salienta o Código Penal belga
em seu art. 449, que a pessoa que profanar mentiras que atinjam a honra do
indivíduo, ou mesmo que, alegar fatos, cuja verdade, seja necessário comprovar,
será considera culpada. E vai adiante, por mais que exista no momento do delito
provas legal dos fatos imputados, será acatado como culpado por divulgação
dolosa, visto que, agiu com o intuito de prejudicar.
Existem ainda, os casos onde aquele que delatar a verdade será culpado
por denunciação, mesmo que seja, a condenação apenas, no plano moral. Existem
diversos exemplos, em que o nosso sistema prima, por outros valores, que não a
verdade, até mesmo, nos casos em que a decisão se pondere através da ciência
objetiva dos fatos.
Por
esta razão, nos regimes democráticos, os recursos as ficções é mais comum nos
júris, que entre os juízes togados, posto que, os últimos tiveram sua
consciência profissional, formada em conformidade ao espírito de fidelidade
legal. Sendo assim, Perelman (obra citada) enfatiza:
[...] para que exista um Estado de direito é necessário de fato que
aqueles que governam o Estado, e são encarregados de administrar e de julgar em
conformidade com a lei, observem as regras que eles mesmos instituíram. Na
ausência daquilo que os americanos qualificam de due process of
Law, o respeito pelas regras da honesta aplicação da justiça, a
própria ideia de direito pode servir de biombo a todos os excessos de um poder
arbitrário, sendo então considerada, “indispensável para a existência de um
Estado de direito, sendo as sete outras aquelas que se impõem ao legislador
para que o direito possa cumprir sua função de ser a empreitada de ‘submeter o
comportamento humano ao governo das regras’.
Torna-se conclusiva a ideia de que, para a existência de um Estado de
direito, faz-se necessário a existência de um poder judiciário independente, “é
a essa exigência que corresponde a teoria da separação dos poderes, a
inamovibilidade dos juízes e a interdição de constituir tribunais especiais”.
Nesse contexto Perelman (obra citada), destaca:
[...] se o direito é um instrumento flexível e capaz de adaptar-se aos
valores considerados prioritários pelo juiz, não será necessário, em tal
perspectiva, que o juiz decida em função de diretrizes vindas do governo, mas
em função dos valores dominantes na sociedade, sendo sua missão conciliar com
esses valores as leis e as instituições estabelecidas, de modo que ponha em
evidência não apenas a legalidade, mas também o caráter razoável e aceitável de
suas decisões.
O direito se desenvolve em equilíbrio de uma ordem sistemática, ou seja,
a elaboração de uma ordem jurídica coerente, e outra pragmática, sendo ela, a
busca de solução por via do meio que considere justo e razoável. Essa dupla
exigência pode causar desacordos, verificável no fato de que, os juízes de
primeiro grau são mais suscetíveis a equidade da decisão, enquanto que os
juízes da Corte de Cassação são mais propensos a conformidade com o
direito.
Neste sentido, é preciso ter em mente que, as decisões dos conflitos
devem satisfazer três auditórios diferentes, sendo elas, as partes em litígio,
os profissionais de direito, bem como, a opinião pública que se manifesta por
meio da imprensa, ou mesmo, através das reações legislativas.
O juiz, cujo qual, possui a tarefa de apreciar os argumentos
apresentados pelas partes, deve impedir uma deliberação puramente subjetiva,
tarefa à qual se mostra facilitada por meio, da instauração da colegialidade,
proposta a demonstrar uma decisão a partir de premissas supostamente verídicas.
Sendo assim, a lógica jurídica, encontra-se na ideia de adesão, nesse sentido,
o que o advogado procura conseguir é a adesão do juiz aos seus preceitos,
através da argumentação, por acordos preliminares, cujo qual, será mais
favorecido, caso apresente presunções e precedentes em favor do que argumenta,
visto que, se encaminha mais facilmente à ordem legal.
Via de regra é fora do tribunal, na própria sociedade, que se realizam
lentamente as mudanças de opinião que levam a uma transformação dos âmbitos nos
quais se desenrolam os debates judiciários. Os debates políticos e filosóficos,
bem como as construções doutrinais dos juristas, contribuem para essas mudanças
fundamentais, resultantes do continuado esforço de conciliação entre as
exigências do direito e da equidade, entre as necessidades de estabilidade e a
adaptação as situações novas, entre a salvaguarda dos valores e das
instituições. Mais fundamental para a lógica judiciária, estes debates dirão
respeito ao papel do juiz na aplicação e na criação do direito.
Para tanto, o trabalho do juiz é conciliar a lei com a equidade. Pois
tendo foco na lei, o mesmo poderá de forma mais facilitada, estender ou limitar
seu alcance, de maneira que, suas decisões se processem de forma inequívoca e
razoável. Assim, justificado pelo fato de que, o direito nasce no meio social é
que a sociologia do direito demonstra significativa importância, posto que, o
direito não pode ser cumprido de forma realista, ao contrário, deve em
primazia, atender ao interesse social, em relevância ao caráter social, que o
mesmo precisa efetivar.
Em uma sociedade democrática o direito deve ser aceito, e não imposto,
como vontade soberana, nesta diretriz, sabendo que o poder não emana da vontade
dívida, mas sim, da nação, é a esta que os mesmos devem se direcionar, ou seja,
devem prestar contas. Por tanto, o juiz
deve expressar o direito em conformidade com a vontade da nação, neste enfoque,
salienta Pirelman (obra citada), para quem:
O papel da lógica formal consiste em tornar a conclusão solidária com as
premissas, mas o papel da lógica jurídica é demonstrar a aceitabilidade das
premissas. Esta resulta da confrontação dos meios de prova, dos argumentos e
dos valores que se defrontam na lide; o juiz deve efetuar a arbitragem deles
para tomar a decisão e motivar o julgamento.
Pode ocorrer que, frente a impossibilidade de motivação de sua decisão,
o juiz se veja obrigado a modificá-la, em outras vezes, ocorrerá o contrário,
pois será a interpretação das regras que será modificada, ocorrendo a alteração
de uma jurisprudência, com base em construções doutrinarias preliminares.
No entanto, há casos em que o juiz apenas poderá manter sua decisão,
recorrendo à ficção, seja na qualificação dos fatos ou mesmo na motivação da
sentença. Porém, este último recurso resulta em um mal estar jurídico,
deflagrando que o sistema é impróprio para resolver todas as exigências sociais,
fazendo-se necessária uma modificação, preferencialmente, legislativa.
A lógica jurídica apresenta-se, não através de uma lógica formal, mas
como uma argumentação que depende do modo de como os operadores de direito,
concebem sua missão e da ideia que possuem do direito e de seu funcionamento
social.