DIREITO
FUNDAMENTAL À EDUCAÇÃO DE QUALIDADE E O PROBLEMA DO ASSÉDIO SEXUAL NO AMBIENTE
ESCOLAR
FUNDAMENTAL RIGHT TO QUALITY EDUCATION AND THE
PROBLEM OF SEXUAL HARASSMENT IN THE SCHOOL ENVIRONMENT
Autora: Dra. Aline Oliveira Mendes de Medeiros[1]
Resumo: A presente pesquisa
pretende analisar o delito de assédio sexual quando praticado em ambiente
escolar, analisando a aplicação da lei aos casos concretos como um meio de
extrair a efetividade e o desengessamento do sistema judiciário no que tange à
materialização da lei, visando a transformação dos conflitos e o resgate/busca
do estado anti-delitual das escolas. No intuito de verificar uma resposta para
esta temática, formulou-se o seguinte problema de pesquisa: é possível, através
da lei e de sua materialização, resgatar o estado anti-delitual das salas de
aula no que se refere ao delito de assédio sexual? Visando responder ao
problema proposto, o trabalho tem por objetivo geral discutir a aplicabilidade
e potencialidade das normas referentes a matéria como meio de concretizar a
prevenção e a repressão desta modalidade delitiva. E, por objetivos
específicos: a) estudar as legislações vigentes no solo pátrio como mecanismo
de prevenção e repressão desta prática delitiva; b) pesquisar os diversos
entendimentos dos legisladores no que tange ao tema; c) analisar a contribuição
dos magistrados para esta área. O aprofundamento teórico do estudo pauta-se em
pesquisas bibliográficas, consubstanciada na leitura de diversas obras,
apoiando-se em um método dedutivo. Atinente a isso, sabe-se que existem
diversas leis protetivas regendo a matéria, entretanto, esta modalidade
delitiva ainda é comum no ambiente escolar, diante disso, visando dar
efetividade ao direito fundamental e social à educação é que este artigo foi
desenvolvido, consolidado no entendimento doutrinário, legalista e
jurisdicional referente a matéria.
Palavras-chave: Direito fundamental e
social à educação. Dignidade da pessoa humana. Assédio sexual no ambiente
escolar. Professor(a) abusador(a).
Abstract: This
research intends to analyze the crime of sexual harassment when practiced in a
school environment, analyzing the application of the law to concrete cases as a
means of extracting the effectiveness and the loosening of the judicial system
regarding the materialization of the law, aiming at the transformation of
conflicts and the rescue/search of the anti-criminal state of the schools. In
order to verify an answer to this theme, the following research problem was
formulated: is it possible, through the law and its materialization, to rescue
the anti-criminal status of classrooms with regard to the crime of sexual
harassment? Aiming to respond to the proposed problem, the work has as general
objective to discuss the applicability and potentiality of the norms related to
the matter as a means to materialize the prevention and repression of this criminal
modality. And, for specific objectives: a) study the legislation in force in
the homeland as a mechanism for preventing and repressing this criminal
practice; b) research the different understandings of legislators regarding the
subject; c) analyze the contribution of magistrates to this area. The
theoretical deepening of the study is based on bibliographical research, based
on the reading of several works, based on a deductive method. Regarding this,
it is known that there are several protective laws governing the matter,
however, this criminal modality is still common in the school environment,
therefore, in order to give effect to the fundamental and social right to
education, this article was developed, consolidated in doctrinal, legal and
jurisdictional understanding regarding the matter.
Keywords:
Fundamental and social right to education. Dignity of human person. Sexual
harassment in the school environment. Abusing teacher.
1. INTRODUÇÃO
Este estudo analisará a educação
sob o viés de um direito fundamental e social ao cidadão, dando maior enfoque
ao delito de assédio sexual quando ocorrido em ambiente, corredores e áreas
escolares. No primeiro momento este direito será analisado através do olhar de
doutrinadores, baseando-se no entendimento extraído da própria lei, instante em
que a autora transferirá a este manuscrito as principais ideias esculpidas no
caderno legal brasileiro sobre o tema.
Posterior a isto, no segundo
item, este texto será direcionado de forma específica ao Código Penal, como
meio de entender as peculiaridades relacionadas ao delito de assédio sexual,
instante em que as páginas seguintes serão consubstanciadas pelo entendimento
dos principais doutrinadores relacionados ao tema, coniventes com as necessidades
que a sociedade atual impõe.
Por fim, este texto se encerrará
através da análise dos principais julgados relacionados à matéria, como meio de
extrair o entendimento dos magistrados no que tange ao assunto e analisar a
aplicabilidade da lei aos casos práticos, instante em que tudo que foi
estudado, até então, será cristalizado em decisões magistrais, conforme se verá
a seguir.
2. DIREITO
FUNDAMENTAL À EDUCAÇÃO DE QUALIDADE
Os representantes do povo
brasileiro reuniram-se em Assembleia Nacional Constituinte, na data de 05 de
outubro de 1988, visando formar o Estado Democrático de Direito, com o objetivo
de assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, tendo como valores
supremos para a edificação de uma sociedade fraterna, pluralista e sem
preconceitos: a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a
igualdade e a justiça, colocando como base para a construção desta sociedade
almejada, a harmonia social.
Desta feita, efetivou no
preâmbulo constitucional um comprometimento, a nível internacional, com a
solução pacífica dos litígios, visando através desta Carta de Leis originada da
vontade popular, denominada Constituição da República Federativa do Brasil,
construir o Estado Democrático de Direito não apenas através do império do
Direito, mas, também sob o manto da proteção de Deus, demonstrando o desejo de
efetuar um resgate de valores no núcleo social, respeitando os parâmetros das
declarações humanitárias internacionais que visam à união entre as pessoas de
todas as nações, pretendente a implantar o que a Declaração Universal dos
Direitos Humanos de 1948 denomina de “família humana”, concebendo em solo
nacional a valorização da pessoa humana, por sua condição de ser humano.
Tanto é, que o fundamento da
forma estatal brasileira busca sustentação na cidadania e na dignidade da
pessoa humana (art. 1°, inc. II e III), demonstrando que o constituinte
originário pretendeu mais que a garantia de sobrevivência aos residentes em
terras nacionais, mas a segurança de uma vida com dignidade, e não parou por
aí, pois adiante em suas expressões, o mesmo esculpiu como objetivos essenciais
deste modelo de estado a construção de uma sociedade livre, justa e solidária,
com vistas a promover a erradicação da pobreza, da marginalização e das
desigualdades, de maneira a impulsionar o bem de todos.
Sendo que ainda, o próprio
petrificou em suas cláusulas fundamentais setenta e oito direitos e garantias
basilares norteadores da vida dos residentes neste país (art. 5°), tencionando
materializar direitos como a liberdade, a igualdade e a fraternidade, fazendo o
máximo para garantir uma existência digna aos seus conterrâneos, tanto que no
art. 6° esculpiu como direito social a educação, que em consonância
com seus fundamentos refere-se a uma educação com qualidade e eficiência, com
capacidade a proporcionar uma vida digna.
Isto é, com competência para
libertar os cidadãos da dependência de medidas inclusivas estatais – independência
propriamente dita-, assinando sua carta de alforria das mazelas e
marginalização produzidas pela pobreza e desigualdades sociais, de forma a
extrair-lhes das margens da lei, ou seja, dos becos em que foram jogados
através de tratamento sub-humanos culturais de desenvolvimento, inserindo-os no
mercado de trabalho, de maneira a arrancar-lhes a venda da ignorância que cobre
seus olhos e com isso, encaminha-los, por meio da luz irradiante da sabedoria
conquistada no ambiente escolar, para a fruição de uma vida digna onde o cidadão possa promover todos os seus
direitos e garantias de maneira satisfatória – sem ocasionar dependência.
Aqui a palavra cidadão é grifada
para chamar a atenção sobre ela, vez que, uma pessoa só é considerada cidadã a
partir do instante em que está apta ao exercício e gozo dos seus direitos
cívicos, salienta-se o fato de que um analfabeto
não é apto plenamente a este direito, vez que, é incapaz de entrar com uma ação
popular por conta própria, de ser eleito como representante do povo em eleição
popular e ainda, possui direito relativo a votar, por exemplo.
Nesta seara, a educação compreende
uma forma de inclusão societária, ou seja, um meio de arrebentar as correntes
que prendem os indivíduos aos infortúnios da classe social desprivilegiada,
proporcionando-lhes oportunidades igualitárias de ascensão social, munindo-lhes
de ferramentas isonômicas aos demais cidadãos para que possam enfrentar o
mercado de trabalho de forma a competir em igualdade de condições. Vez que, o
conhecimento compreende o sol que ilumina os dias nublados, pois seus raios
aquecem as mentes humanas de esperanças e prepara-os para as necessidades que
se apresentarem, enquanto a chuva é capaz de apagar o que foi escrito e fazer
com que o conhecimento que não tenha sido adquirido se perda, escoando por
entre os dedos sem serventia alguma.
Não obstante a Constituição
expressar o direito à educação em capítulo definido para os direitos sociais
cabe destaque para o fato de que o art. 5° promulga a vida como direito
fundamental e o art. 1°, inc. III, define a dignidade da pessoa humana como
fundamento e alicerce para a existência dos demais direitos e garantias, visto
que este princípio constitui base para a própria existência do Estado
Democrático de Direito, o que faz da educação um direito fundamental social,
pois apenas munido com saberes intelectuais mínimos/suficientes será possível
usufruir de uma vida digna, através da obtenção de um trabalho de qualidade,
com fruição de um salário compatível para o custeio de uma vida digna que a
Carta Magna promulga a todos.
Coadunado a este entendimento, o
art. 170, caput, e incs. VI e VIII da CF/88 robustece o preceito de
que a ordem econômica brasileira objetiva assegurar uma existência digna aos
seus indivíduos, fundando-se com base na valorização do trabalho humano e da
livre iniciativa, em conformidade com os preceitos da justiça social
proporcionando ferramentas que busquem reduzir as desigualdades sociais, a
nível regional, estadual e federal, abrindo parecer para que todos possam
concorrer com equidade ao exercício pleno do mercado de trabalho.
Depreende de Marmelstein (2013,
p. 17) que os direitos fundamentais embasam normas jurídicas, de cunho
intimamente conectado “a ideia de dignidade da pessoa humana e de limitação de
poder, positivados no plano constitucional de determinado Estado Democrático de
Direito, que por sua importância axiológica, fundamentam e legitimam todo o
ordenamento jurídico”, ou seja, os mesmos caracterizam-se como um sistema de
valores com capacidade para irradiar sua luz em todo o sistema normativo
brasileiro, iluminando sua interpretação ao afetá-la com a proteção dos seus
preceitos.
No entanto, o art. 5°, §2°
esculpe nas linhas da Carta Magna que “os
direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros
decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados
internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”, isto
significa dizer que o rol das cláusulas pétreas “não se esgotam naqueles
direitos reconhecidos no momento constituinte originário, mas estão submetidos
a um processo de expansão”, como esclarece Marmelstein (2012, p. 21), pois o
rol do art. 5° não é taxativo e possibilita a existência de direitos
fundamentais fora do Título II, ou ainda fora da própria Constituição, pois o
que dá a um direito o caráter de essencialidade é seu núcleo protetivo e não
seu posicionamento jurídico, nas palavras do autor (2013, p. 22):
É preciso
fazer um alerta: não se pretende com o conceito acima formulado defender uma
noção meramente formal de direitos fundamentais, no sentido de que somente é
fundamental o direito que esteja expressamente previsto no texto
constitucional. Não se deve confundir norma positivada com norma escrita, já
que existem diversos direitos fundamentais de forma implícita (não escrita),
que decorre do sistema constitucional como um todo, por força do já citado art.
5°, §2°, da Constituição de 88.
Condizente com a essencialidade
da educação é que a Constituição expressou como competência concorrente entre a
União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios a disponibilização de
meios de acesso à mesma (art. 23, inc. V), definindo um capítulo próprio para a
matéria (Capítulo III), estabelecendo no art. 205 que a mesma compreende
direito de todos e dever do Estado e da família, sendo que a sociedade não se
exime desta responsabilidade, instante em que, vê-se responsável por sua
promoção e incentivo, em função de que a educação possui
capacidade de proporcionar o pleno desenvolvimento da pessoa, preparando-a para
o exercício da cidadania e qualificando-a para o mercado de trabalho.
Enquanto o art. 206 elenca os
princípios norteadores do ensino, que se referem “a igualdade de condições para
o acesso e permanência na escola”, dando liberdade para que os alunos aprendam,
ensinem, pesquisem e divulguem seu pensamento, arte e saber, defendendo o
pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, incluindo o direito a educação
gratuita e de qualidade a todos os seres humanos em solo brasileiro, e
garantindo a valorização dos profissionais relacionados a área, adequando o
ensino de forma democrática as necessidades encontradas.
Diante disso, os artigos que
legalizam a matéria em ordem constitucional abrangem até o art. 214, o qual
dispõe sobre o estabelecimento através de lei, do plano nacional da educação,
com pretensão de:
[...] articular o sistema nacional de educação em regime de colaboração
e definir diretrizes, objetivos, metas e estratégias de implementação para
assegurar a manutenção e desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis,
etapas e modalidades por meio de ações integradas dos poderes públicos das
diferentes esferas federativas que conduzam a: I - erradicação do
analfabetismo; II - universalização do atendimento escolar; III - melhoria
da qualidade do ensino; IV - formação para o trabalho; V - promoção
humanística, científica e tecnológica do País; VI - estabelecimento de meta
de aplicação de recursos públicos em educação como proporção do produto interno
bruto. (Grifos da autora).
Ademais, robustece esta ideia o
art. 227, ao reforçar a concepção de que é dever da família, do Estado e da
sociedade assegurar a educação aos cidadãos, elencando em seus incisos medidas
de cunho programático tendentes a disponibilizar este direito, as crianças, adolescentes,
jovens e adultos com o fim de proporcionar dignidade aos indivíduos em
conformidade ao caminho que a Carta Magna direciona aos seus cidadãos.
Não obstante, a Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional (Lei n° 9.394/1996), passou a viger no solo pátrio
como forma de disciplinar os meios como a educação será disponibilizada, desta
maneira em seu art. 1° ela traz a definição da educação, ao descrever que a
mesma “abrange os processos formativos que se
desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas
instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da
sociedade civil e nas manifestações culturais”.
No art. 2° a
educação vem expressa, em conformidade com os raios de luz irradiados pela
Constituição, como dever do Estado e da família, com existência “inspirada nos
princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana”, pretendente ao
“pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e
sua qualificação para o trabalho” e o art. 3° elenca como um dos seus
princípios a garantia de um padrão de qualidade (inc. IX), enquanto o art. 4°
elabora como dever do Estado no que tange a educação pública garantir “padrões
mínimos de qualidade de ensino, definidos como a variedade e quantidade
mínimas, por aluno, de insumos indispensáveis ao desenvolvimento do processo de
ensino-aprendizagem”, (inc. IX), enquanto no que refere-se ao ensino privado o
art. 7° o define como de exercício livre desde que cumpra com os padrões de
qualidade impostos pelo Poder Público (inc. II), sendo que a
característica qualidade vem expressa em pelo menos seis dos
artigos descritos nesta lei, demonstrando a sua conformidade com as diretrizes
estabelecidas pela Carta de Leis, em cujos seus 92 artigos esmiúça a questão do
ensino formal e informal, bem como, os seus métodos de implantação em
território nacional.
Sobre o tema Russel (2014, p. 31)
destaca que uma criança não nasce boa ou ruim, “ela nasce simplesmente com
reflexos e uns poucos instintos; a partir daí, pela ação do meio, os hábitos se
formam, podendo vir a ser saudáveis ou mórbidos”, para o Autor (2014, p. 32)
“antes de pensar em como educar, é bom deixar claro que tipo de resultado desejamos
obter”, é preciso saber em que direção deseja-se mover a humanidade, visto que
algumas características são positivas nos seres humanos, o inverso de outras e
cabe ao ambiente: familiar, social e escolar encontrar estas características
nos jovens e aguça-las para que as positivas se desenvolvam plenamente restringindo
as contraproducentes.
Em conformidade, Russel (2014, p.
52) diz que, as pessoas são espelhos que exteriorizam o reflexo dos seus
sentimentos, por isto, uma pessoa bem-educada irradiará boas intenções e produzirá
atitudes compatíveis, enquanto o contrário não se perfaz. O Autor, ainda,
sugere (2014, p. 53) que:
[...]
ninguém aprenda a obedecer e ninguém aprenda a mandar. Não quero dizer, é
claro, que não devam existir líderes nos empreendimentos cooperativos; mas
apenas que sua autoridade deve ser como a do capitão de um time de futebol,
aceita voluntariamente com o intuito de alcançar um propósito comum. Nossos
propósitos devem ser nossos, e não o resultado de uma autoridade externa, e
nossos propósitos não devem nunca ser impostos coercitivamente aos outros.
A educação precisa trabalhar na
abertura da mente humana (2014, p. 61), libertando a criança da ideia de
confinamento que o berço criou em suas primeiras experiências no ambiente
terrestre, iniciando em seus primeiros passos através da educação moral cedida
pelos pais e familiares, pois “todo medo significa escravidão” (2014, p. 98),
porém a coragem não deve ser ensinada de maneira similar a brutalidade, visto
que “se a única coisa que um homem sabe fazer é lutar, sua vontade de poder vai
fazê-lo apreciar a batalha. Mas se ele tiver outros tipos de habilidades, irá
encontrar essa satisfação de outro jeito”.
Desde o berço a criança
encontra-se em uma espécie de prisão, em que ela, por vezes, gostaria de estar
com os pais ou brincando e não pode, então, corre o risco de não aprender a
refletir por si própria, acostumando-se a obedecer ao invés de pensar por si
mesma, moldando-se ao lugar em que se encontra por estar abrigada,
construindo-se uma pessoa “deitada eternamente em berço esplendido”, isto é,
acomodada a situação em que fora colocada, ao não que ouve, ao olhar repressor
que recebe.
Diante disso, elucida Russel
(2014, p. 105) que, é por isto que o Estado nos mune com a espada do direito e
a balança da justiça, pois, a espada serve para lutar para que o direito se
efetive e a balança para contrapesar sobre o que deve ser lutado.
A forma de ver uma pessoa e a
educação que lhe é aplicada, compreende um caminho para a construção de um ser
humano bom, e de unidade a unidade, construir uma sociedade de indivíduos bons,
pois, como é sabido, a melhoria das pessoas resulta na melhoria da sociedade,
já que ela é feita de pessoas que refletem em suas atitudes e pensamentos a
educação que receberam e que souberam assimilar.
Neste enfoque, “dê ao homem os
tipos certos de habilidade e ele será virtuoso; dê a ele os tipos errados, ou
nenhum tipo, e ele será perverso”, ensina Russel (2014, p. 112). Com base neste
entendimento, foca-se na possibilidade de efetuar um resgate e realizar uma
construção de valores no núcleo social por meio da educação, acreditando-se que
é ela, o principal alvo do Estado, da sociedade e da família, e é nela que deve
concentrar-se as principais estratégias pretendentes a melhoria social.
Diante disto é imperativo que o
ambiente escolar seja propício ao desenvolvimento destes valores,
principalmente por parte do(a) professor(a), devido ao fato de que seu trabalho
possui a responsabilidade de realizar a abertura do caminho que será traçado
pelo aluno, e não há como um ambiente hostil e ilícito desenvolver bons frutos,
visto que a árvore envenenada só produz maus frutos, cujos quais além de não
alimentar, contaminam: a pessoa, o ambiente e o seu redor -sociedade.
Ademais, nem capacidade para
fazer sombra uma árvore envenenada possui, pois será certo que seus ramos irão
secar e suas folhas cair, impregnando o ambiente com seus vícios,
impossibilitando que um aluno sadio permaneça seguro em seu solo. Munido com
este entendimento e protegido pelo escudo da lei é que este estudo retratará a
problemática do assédio sexual no ambiente escolar, desenvolvido com mais
propriedade no próximo item.
3. DELIMITANDO
O CRIME DE ASSÉDIO SEXUAL
O Código penal define como delito
de assédio sexual o ato de constranger alguém com a intenção “de obter vantagem
ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior
hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função”,
cominando pena de detenção de um a dois anos, definindo majorante de 1/3 no §2°
para os casos em que a vítima seja menor de 18 anos. Este delito foi tipificado
através da Lei n° 10.224/2001, portanto, este crime apenas se aplica aos fatos
cometidos depois da data em que a mesma entrou em vigor (15/05/2001).
A conduta refere-se ao
“constrangimento (indevido) de subordinado com o intuito de obter favores
sexuais”, como ensina Bitencourt (2012, p. 2789). Na tipificação deste delito o
legislador foi além do proteger a liberdade sexual, pois o próprio
cobriu com o manto da legalidade três bens jurídicos, sendo eles: “(1) a liberdade
sexual de homem e da mulher, indiferentemente; (2) a honra e
a dignidade sexuais são igualmente protegidas por esse
dispositivo; e, por fim, (3) a dignidade das relações
trabalhista-funcionais”.
O núcleo do tipo circunda o
verbo constranger, o qual na conjunção em epígrafe significa
“coagir, obrigar a vítima a fazer ou deixar de fazer alguma coisa com o intuito
de obter vantagem ou favorecimento sexual”, nesta modalidade não se enquadram o
emprego de violência ou grave ameaça, posto que a utilização destas ferramentas
configura delito mais grave que se consuma na modalidade estupro.
O iter crimines caracteriza com o abuso pelo agente de sua “condição
de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício do emprego, cargo
ou função para intimidar, importunar, embaraçar a vítima e, com isso, obter
vantagem de natureza sexual de seu subordinado”, a vítima ante ao temor das
represálias cede aos favores de cunho sexual do seu superior. Por sua vez, o
assédio pode materializar-se verbalmente, por gestos ou por escrito, como
relaciona Capez (2012, p. 778).
Configura-se o delito, também,
como destaca Gonçalves (2012, p. 534), através do assédio constrangedor, ou
ainda, por meio do prometimento de vantagens para a vítima, como por exemplo, promoção
no trabalho ou aumento salarial caso a vítima aceite submeter-se aos desejos
sexuais do patrão, ou através de ameaças, como por exemplo, “não aceite sair
comigo e eu te despeço”.
Nos casos do ambiente escolar, perfaz-se
por meio de constrangimentos efetuados pelo professor através de piadas, por
via de oferecer aumento de nota, ofertar as respostas para as provas, proporcionar
situações através dos colegas de maneira a coagir a pessoa (homem ou mulher) a
submeter-se. Enfim, o professor ou professora, proporciona vantagens no
ambiente escolar em troca de satisfação sexual, ou ainda atua de maneira
inversa, através de ameaças e situações planejadas, visa o cometimento do
denominando bullying, instante em que, vitimizara a pessoa à
violências psicológicas, reduzindo sua nota e desestimulando seu empenho em
sala de aula até que alcance sua satisfação de ordem sexual.
Nas palavras de Gonçalves (2012,
p. 534) são ainda, exemplos da consumação delitiva os casos “se não aceitar
sair comigo, não obterá férias no mês que pretende”, ou, no caso de professor
dizer que não dará a nota máxima à aluna que a ela faz jus, o que, entretanto,
não acarretará sua reprovação”.
Enfim, os exemplos são inúmeros,
pois a prática desde delito é comum, tanto nas salas de aula quanto no ambiente
laboral, no entanto, falta denunciação deste crime, o que, muitas vezes,
ocorre, pelo medo de perder o emprego ou devido ao receio das circunstâncias
que o ato geraria nos corredores da faculdade (as represálias), em razão do
fato de a vítima compreender o lado mais frágil da situação, que coadunado a
exposição que o delito desencadeia, resulta no silêncio mordaz dela.
Visto que, vê-se comumente, que a
própria faculdade faz todo o possível para acobertar o caso devido a impressão
ruim que o conhecimento geral da ocorrência do crime resulta na coletividade,
fatores que dificultam “o rompimento do silêncio que a sociedade levanta ao
redor do cárcere” no entender de Bitencourt (2013, p. 428).
É comum os casos em que o professor
reduz a nota da vítima e até mesmo manda alunos seguirem-na para vigiar seus
passos, pretendendo oprimi-la para evitar a denúncia, ou ainda, busca saber de
detalhes íntimos de sua vida pessoal, para utilizar como exemplos em sala de
aula como meio de vitimizá-la, reduzi-la publicamente, obrigando-a, a ceder aos
seus desejos, extraindo-lhes os meios de defesa, até que possa consumar o ato
da vitória – o abuso sexual, público e cego aos olhos que fingem não ver.
O elemento que impulsiona o
agente a agir é “o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual”, como
ensina Nucci (2008, p. 889), por vantagem entende-se ganho ou
proveito e por favorecimento extrai-se benefício ou agrado, de
outra forma, a ameaça deve ser contundente, ou seja, deve ter capacidade de
retirar a tranquilidade da vítima, posto que “A fragilidade da ameaça, porque
inconsistente o gesto do autor ou por conta do tom de gracejo do superior, não
é capaz de configurar o delito”. Outrossim, conforme o autor (2008, p. 889) não
se exige que a ameaça seja injusta:
[...]
basta que o agente, prevalecendo-se de seu poder de mando, constranja a vítima,
através de gestos ameaçadores, com finalidade de obter favor sexual. Se o
fizer, invocando ameaça justa - ex.: preterir o empregado na próxima promoção,
o que iria mesmo ocorrer, porque outro funcionário, mais bem preparado, está a
sua frente -, o crime está identicamente concretizado. O cerne e infundir temor
ao empregado, pouco interessando se há justiça ou injustiça na ameaça velada,
transmitida pelo superior para conseguir favorecimento sexual.
Salienta-se, que este estudo
discorda da opinião do renomado autor, vez que, qualquer espécie de ameaça que
seja praticada em ambiente escolar pretendente a satisfação sexual aqui é vista
como configuradora do tipo penal, pois a sala de aula é um local de respeito e
aprendizado, não condizente com um ambiente em que uma pessoa esteja à mercê de
sofrer qualquer tipo de violência psicológica visando qualquer fim.
De outra sorte, para a
configuração do delito, é preciso que o agente seja superior hierárquico, deste
modo esta modalidade criminal não se configura se provier de colegas de aula ou
de trabalho, ou de subalterno. Visto que o termo ascendência, define a superioridade e a preponderância, isto é,
refere-se ao maior poder de mando, que detém um sujeito com relação ao outro,
ainda destaca o autor (2008, p. 890) que “o objeto material do crime é a pessoa
que sofre o constrangimento. O objeto jurídico e a liberdade sexual.”
Portanto, os alunos que forem
constrangidos aos jogos em que o professor busque estimular a obtenção do favor
sexual desejado, encontrar-se-iam desamparados deste tipo delitivo, podendo
encontrar amparo em outra possível tipificação, uma que se enquadre em violência psicológica ou outra
praticada, para não dizer que o legislador pecou ao se omitir quanto as
possibilidades de ocorrências do delito.
Ademais, a existência deste tipo
criminal encontra respaldo na proteção da honra pessoal do indivíduo, a qual
detém valor jurídico incalculável, e por isso, urge por ser respeitada. Por
isso, encontrando-se interligada ao princípio da dignidade da pessoa humana,
como uma só carne, com caráter absoluto, atrelada aos valores da personalidade
humana de maneira sui generis. Razão desta proteção dever-se ao ser
humano em decorrência da sua condição de pessoa humana, não importando a sua
conduta social, ou seja, este delito joga suas vestes protetivas também, sobre
a prostituta ou prostituto, pois não protege por distinções - a não ser a evidenciada, isto é, aquela em
que o indivíduo sofre as represálias somente para facilitar a ocorrência do
delito contra outra pessoa, correndo o risco de enquadrar-se na modalidade cúmplice,
por estar inserido no meio da prática delitiva e sofrer as ameaças, porém, sem
fim de ordem sexual.
Adiante, o sujeito ativo pode ser
qualquer pessoa, tanto homem como mulher (hetero, homossexual, lésbica ou
bissexual), visto que a expressão alguém contida na letra do
tipo penal admite que qualquer pessoa cometa o delito, e se enquadre em sua
modalidade delitiva, estando somente condicionado ao fato de que a prática deva
relacionar-se com hierarquia funcional ou descendência, diante disto, “o
inverso não é verdadeiro, isto é, o subordinado ou o subalterno não pode ser
sujeito ativo do crime de assédio sexual; falta-lhe a condição especial exigida
pelo tipo, que emoldura um crime próprio”, conforme leciona Bitencourt (2012,
p. 2791). Há a necessidade de haver vínculo de subordinação na relação entre o
assediante e o assediado, sob pena de a conduta ser considerada atípica.
Nucci (2009, p. 31) destaca que o
legislador pretendeu proteger especialmente os menores de idade, submetidos às
quatro paredes de um ambiente laboral, e com isto, desguarnecidos das defesas
que teria em um ambiente público. Este delito se configura, conforme Capez
(2012, p. 779), com a prática de qualquer ato de assédio sexual, não importando
se o agente obteve o fim desejado de favorecer-se sexualmente ou não, a efetiva
obtenção do favorecimento sexual compreende simples exaurimento do crime.
4. A
PROBLEMÁTICA DO ASSÉDIO SEXUAL NO AMBIENTE ESCOLAR UM OLHAR SOB A ÓTICA
JURISPRUDENCIAL
De acordo com Platão a função
primordial do Estado é a educadora, ademais V. Hugo destaca que abrir escolas
compreende o mesmo que fechar cadeias (apud Santos (1949, p. 17),
afinal a educação embasa um processo onde o indivíduo é formado, a mesma
abrange o fogo que purifica a mente humana, emoldurando o seu físico, psíquico,
intelectual e moral, “por isso cremos que as portas das prisões, um dia se
abrirão pela educação, como se abriram as algemas dos loucos em Pinel”,
afinal mens sana in corpore sano, posto que a palavra reflete o
orvalho que fertiliza a alma, desde que haja o que alimentar nela.
Diante disto, a educação deve ser
iniciada desde a mais tenra idade, pois “é mais fácil dirigir uma tendência
natural do que corrigir uma organização defeituosa”, como elucida Santos (1949,
p. 25), razão disso é que, “a selvageria produz a selvageria, e a doçura a
doçura”, porque uma pessoa nada mais é, do que o espelho da educação que
recebeu e dificilmente será possível preencher em um adulto todos as lacunas,
ausências, deixadas em uma criança devido a educação negligente.
Neste ínterim, “o vinho conserva
sempre o cheiro da primeira vasilha que o conteve. Assim, os sinais de uma
mocidade estragada permanecerá na alma até o fim dos seus dias”, no entender de
Santos (1949, p. 85) e isto faz da educação um processo contínuo de preparação
e adaptação do indivíduo às necessidades sociais. É por este fato que, a
educação proporcionada pelos pais é basilar, pois são eles quem constroem os
alicerces onde será edificado o cidadão, afinal “urge cuidar da planta desde a
semente, antes que nos surja desvirtuada”, não há como esperar uma generosa
retribuição social de uma população ensinada através de uma educação
deficiente, é por isto que o Estado deve interferir no âmbito escolar
corrigindo todas as mazelas, preferencialmente, em uma ação preventiva, em
razão da economia que gera o ato de gastar/investir em escolas à gastar com
cadeias/manutenção do sistema carcerário (agentes, serventuários, armas,
uniformes, etc.) e com isto alcançará mais eficiência.
Outrossim, destaca Ferri (apud SANTOS, 1949,
p. 90) que “para a defesa social contra a criminalidade, assim como para a
elevação moral das populações, o menor progresso nas reformas da prevenção
social é cem vezes mais útil e fecundo que a publicação de todo um código penal”,
conforme seu entendimento “enquanto o homem quiser combater o crime na pessoa
do criminoso, jamais o crime desaparecerá da face da terra. Esperar a eclosão
do crime para curar o criminoso é concorrer para o aumento da criminalidade
(... visto que) quanto mais científica se torna a polícia de repressão tanto
mais técnico se torna o crime”. Não é a pessoa que reúne em si todos os
atributos de uma pessoa honesta, estes atributos são resultados de uma educação
bem-sucedida, o crime não se enquadra na pessoa em si, ele enraíza-se no sistema
deficitário.
Razão esta que possibilita dizer
que, seria mais fácil sufocar o germe da criminalidade através da educação do
que via repressão policial. Ora, sendo a educação tão importante, não há como
sustentar a possibilidade de ocorrências delitivas dentro do âmago educacional,
evento este que desencadeia no fato de que o cometimento de delitos desta
espécie penal em salas de aula jurídicas compreende a maior aberração já vista
pelos olhos do homem, no entanto, eles ocorrem comumente.
Delitos como o assédio
sexual no ambiente escolar jurídico já se tornou habitual, a prática
de bullying nos corredores escolares jurídicos, é tão
rotineira que já se denomina prática, porém, para a construção de
um sujeito de valores é imperativa a ação do professor, diante disto, como
aceitar que em faculdades particulares ou públicas, ocorra este tipo de delito
no âmbito escolar, diante dos olhos do olhar público? Não há como aceitar, é
preciso haver mobilização social, é necessário reagir juridicamente, seja qual
for a área ou nível escolar que se refira.
É com este entendimento que os
magistrados se encontram com suas mesas abarrotadas de documentos que denunciam
a ocorrência deste tipo delitivo, a título de exemplo, este estudo analisou os
casos designados ao Superior Tribunal de Justiça, onde, no caso do Resp 201001940461,
a Ministra Eliana Calmon relatou na segunda turma, no ano de 2013, o caso em
que um professor foi condenado por improbidade administrativa, visando a
punição, coibição e afastamento de condutas com caráter incompatível com os
princípios da administração pública por seus agentes, e por assédio sexual, em
decorrência de ele praticar a conduta delitiva contra alunos de seis e sete
anos de idade, em sala de aula.
Diante dos fatos a relatora se
pronunciou afirmando que “a repugnante
prática de atentado violento ao pudor, praticado por professor municipal,
em sala de aula, contra crianças de 6 (seis) e 7 (sete) anos de idade, não
são apenas crimes, mas também se enquadram em 'atos atentatórios aos
princípios da administração pública', conforme previsto no art. 11 da LIA, em
razão de sua evidente imoralidade”, ou seja, neste instante este delito
infringiu além das normas penais e da moral humana, pois atacou, também, a
coisa pública, se tornando imperativo o seu afastamento do ambiente escolar.
EMEN: ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA.
ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. PROFESSOR MUNICIPAL. ALUNAS MENORES.
VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC NÃO CARACTERIZADA. VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. ART. 11 DA LEI 8.429/1992. ENQUADRAMENTO. INDEPENDÊNCIA
DAS ESFERAS. ELEMENTO SUBJETIVO. DOLO GENÉRICO. 1. Não ocorre ofensa ao art.
535, II, do CPC, se o Tribunal de origem decide, fundamentadamente, as questões
essenciais ao julgamento da lide. 2. O ilícito previsto no art. 11 da Lei
8.249/1992 dispensa a prova de dano, segundo a jurisprudência do STJ. 3. Não se
enquadra como ofensa aos princípios da administração pública (art. 11 da LIA) a
mera irregularidade, não revestida do elemento subjetivo convincente (dolo
genérico). 4. É possível a responsabilização do agente público, no âmbito do
art. 11 da Lei 8.429/1992, ainda que este responda pelos mesmos fatos nas
demais searas, em consideração à autonomia da responsabilidade jurídica por
atos de improbidade administrativa em relação as demais esferas. Precedentes
envolvendo assédio sexual e moral. 5. A repugnante prática de
atentado violento ao pudor, praticado por professor municipal, em sala de
aula, contra crianças de 6 (seis) e 7 (sete) anos de idade, não são apenas
crimes, mas também se enquadram em 'atos atentatórios aos princípios da
administração pública', conforme previsto no art. 11 da LIA, em razão de sua
evidente imoralidade. 6. A Lei 8.429/1992 objetiva coibir, punir e/ou afastar
da atividade pública os agentes que demonstrem caráter incompatível com a
natureza da atividade desenvolvida. 7. Esse tipo de ato, para configurar-se
como ato de improbidade exige a demonstração do elemento subjetivo, a título de
dolo lato sensu ou genérico, presente na hipótese. 8. Recurso especial provido.
Outra decisão desta mesma Corte
(STJ- segunda turma), no Resp 201101187221, também prolatada em 2013 atuou com
mais severidade no que tange a pratica delitiva de assédio sexual ocorrida em ambiente
escolar do ensino público, pois o Ministro Humberto Martins proferiu,
expressamente, a condenação à perda do cargo por improbidade administrativa ao
criminoso, atuando de maneira lúcida com vistas a clarificar a sociedade, assim
que a própria tomasse conhecimento da decisão, pois visou punir o criminoso de
forma pública, como meio de demonstrar a aversão, pelo Tribunal, do tipo penal
em espécie, ao destacar que esta pratica criminógena ofende diretamente a
dignidade da pessoa humana, “subverte os valores fundamentais da sociedade e
corrói sua estrutura”, dando juízo de desprezo ao ato condenado jurídico e
moralmente.
EMEN: PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA. ASSÉDIO DE PROFESSOR DA REDE PÚBLICA. PROVA
TESTEMUNHAL SUFICIENTE. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA.
AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 282/STF. MATÉRIA CONSTITUCIONAL.
COMPETÊNCIA DA EXCELSA CORTE. DOLO DO AGENTE. ATO ÍMPROBO. CARACTERIZAÇÃO. 1.
Cinge-se a questão dos autos a possibilidade de prática de assédio
sexual como sendo ato de improbidade administrativa previsto no caput do
art. 11 da Lei n. 8.429/1992, praticado por professor da rede pública
de ensino, o qual fora condenado pelas instâncias ordinárias à perda da função
pública. 2. A tese inerente à atipicidade da conduta em razão da inexistência
de nexo causal entre o ato e a atividade de educador exercida pelo Professo não
foi abordada pelo Corte de origem, o que atrai a incidência da Súmula 282 do
STF. 3. O recorrente também tratou de questão constitucional, qual seja, a
dignidade da pessoa humana, matéria que refoge da competência desta Corte
Superior, sob pena de usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal. 4.
É firme a orientação no sentido da imprescindibilidade de dolo nos atos de
improbidade administrativa por violação a princípio, conforme previstos no
caput do art. 11 da Lei n. 8.429/1992 - o que foi claramente demonstrado no
caso dos autos, porquanto o professor atuou com dolo no sentido de
assediar suas alunas e obter vantagem indevida em função do cargo que ocupava,
o que subverte os valores fundamentais da sociedade e corrói sua estrutura. 5.
O recurso não pode ser conhecido em relação à alínea "c" do
permissivo constitucional, porquanto o recorrente não demonstrou
suficientemente a divergência, o que atrai, por analogia, a incidência da
Súmula 284/STF. Recurso especial conhecido em parte e improvido.
Outra decisão, desta vez
proferida em 2011 através da quarta turma, do órgão julgador TRF1, em que atuou
como relator o desembargador federal Mário César Ribeiro, diz respeito a
negação por unanimidade de provimento de recurso de alegações finais contra
decisão que condenou um professor da Universidade Federal de Roraima por
assédio sexual, com fulcro no fato de que o réu “valendo
da relação de ascendência inerente ao exercício do cargo de professor da
Universidade Federal de Roraima, constrangeu alunas propondo-lhes tratamento
diferenciado, com a intenção de obter favorecimento sexual”, o que
serve como evidencia de que a pratica delitiva não se configura apenas em
escolas públicas, mas em universidades, também, conforme se vê:
PENAL. PROCESSUAL PENAL. ALEGAÇÕES FINAIS. DILIGÊNCIAS. REABERTURA DE
PRAZO. ASSÉDIO SEXUAL. 1. A reabertura de prazo para apresentação de
alegações finais, após cumprimento de diligência, não as tornam extemporâneas
ou eivadas de nulidade, posto que não evidenciado qualquer prejuízo ao direito
de defesa dos acusados. 2. Suficientemente demonstrados nos autos o cometimento
do crime previsto no artigo 216-A, do Código Penal, posto que o réu, valendo da
relação de ascendência inerente ao exercício do cargo de professor da
Universidade Federal de Roraima, constrangeu alunas propondo-lhes tratamento
diferenciado, com a intenção de obter favorecimento sexual. 3. Recurso de
apelação improvido.
Diante disso, um Estado Democrático
de Direito, alicerçado em fundamentos como a dignidade da pessoa humana, não há
como ser compassivo com este tipo de ocorrência delitiva, e não é diferente o
entendimento do Coronel Edivar[1] (2012, s/p) ao definir que a
característica essencial do ser humano é a “sua capacidade de sentir compaixão
pelo sofrimento alheio”, do contrário as pessoas seriam dispensáveis, e deste
modo, “desprovidos de razão para existência” é este o sentido figurado da
democracia, que em suas palavras compreende “a liberdade de associação, de
expressão, sem privilégios de classe, sem distinções e preconceitos. É
justiça sem justiçamento. É tratar diferente os desiguais. É punir os culpados
e absolver os não culpados, já que quem comete crime não é inocente”.
Deste modo, este estudo analisou
a Declaração de Princípios Básicos de Justiça Relativos às Vítimas da
Criminalidade e do Abuso do Poder, a qual sensibilizada pela dor, perda e
prejuízos que não apenas as vítimas, mas também, os familiares, os
testemunhantes e as demais pessoas sofrem com a prática de delitos e em razão
do abuso do poder, afirmou em seu 1° artigo o imperativo de adoção a nível
internacional, “de medidas que visem garantir o reconhecimento universal e dos
direitos das vítimas da criminalidade e de abuso de poder”, encorajando as
nações a desenvolverem ferramentas atuantes neste objetivo (2°), adotando a
referida declaração como meio de unir esforços atinentes a este aspecto
delitivo.
Vez que, a atuação delitiva do
professor, não deixa de configurar uma espécie de abuso de poder, abuso do
cargo que exerce (no caso do serventuário público - abuso da função pública), e
com isso, abuso da própria sociedade que confia nele e do aluno que paga o seu
salário através da mensalidade.
Tal Caderno de Lei descreve em
seu art. 4° uma solicitação para que os seus Estados membros adeptos a ele, materializem
medidas concretas visando a prevenção e repressão da criminalidade e do abuso
do poder em seus solos, com o intuito de reduzir a vitimização e ocorrência
criminal. Em um atuar conjunto entre as nações e seus cidadãos, buscando a
adaptabilidade da sociedade às leis vigentes, provendo o respeito pelo
ordenamento jurídico. Instante em que o art. 5° promove a união de esforços
entre os Estados pretendendo organizar estratégias conjuntas de ações,
auxiliando-se uns aos outros, disponibilizando recursos para que as vítimas
reajam as opressões e para que os demais cidadãos fiscalizem a aplicabilidade
da lei e a materializem em seus solos, visando auferir resultados à nível
internacional. Por vítima a declaração em epígrafe distingue:
Entendem-se
por "vítimas" as pessoas que, individual ou coletivamente tenham
sofrido um prejuízo, nomeadamente um atentado à sua integridade física e um
sofrimento de ordem moral, uma perda material, ou um grave atentado aos seus
direitos fundamentais, como consequência de atos ou de omissões violadores das
leis em vigor num Estado membro, incluindo as que proíbem o abuso de poder.
No significado de vítima, a
declaração inclui seus familiares mais próximos, posto que o termo abrange toda
a pessoa que direta ou indiretamente tenha sofrido alguma lesão juridicamente
relevante (moral, física, intelectual, etc.), sem que haja distinções de
qualquer natureza, como a própria Carta Magna preleciona.
A Declaração recomenda tratamento
compassivo e respeitoso com relação às vítimas, dando-lhes livre acesso as
instâncias judiciárias e até mesmo, impulsionando-as a tomarem atitudes de
liberdade frente a vitimização, como meio de usufruir de seus direitos a
reparação que o ordenamento jurídico lhes confere.
Descreve em suas linhas, a
necessidade de reforçar e criar novos mecanismos judiciários e administrativos
efetivadores da reparação do dano às vítimas, com capacidade suficiente para
suprir a demanda existente, de maneira a prestar a elas assistência conforme
seus anseios, “tomando medidas para minimizar, tanto quanto possível, as
dificuldades encontradas pelas vítimas, proteger a sua vida privada e garantir
a sua segurança, bem como a da sua família e a das suas testemunhas,
preservando-as de manobras de intimidação e de represálias”, obrigando aos
autores dos delitos a reparação e restituição equitativa conforme os prejuízos
que as vítimas tenham sofrido, enfim, a legislação protetiva é ampla, porém, o
judiciário brasileiro tem pecado pela inaplicabilidade da lei.
Ademais, da formalidade da lei
escrita existe um árduo caminho que precisa ser percorrido para que haja
justiça, eficácia e aplicabilidade dela, sob pena de construir um cemitério
jurídico, abarrotado de letra morta que existe apenas para preencher papel em
branco, sem contar com aplicabilidade ou efetividade concreta. Lei escrita
preenche lacuna, mas não atenua a prática delitiva por si mesma.
Conscientes disto é que os
magistrados estão buscando a concretização da lei, no entanto, o sistema ainda
está lento e ineficaz para suprir as necessidades e transmitir confiabilidade
aos cidadãos, para que estes, ao serem alvos de um delito da espécie de assédio
sexual no ambiente escolar, possam procurar a solução do conflito na esfera
judicial, ao invés de desistir das aulas e pedir transferência para outra
faculdade como habitualmente ocorre, alongando as filas psiquiátricas e
engessando os braços do judiciário, que não pode solucionar a causa por não
tê-la em mãos e já não as recebe por não demonstrar confiança.
5. CONCLUSÃO
Este artigo estudou as
ocorrências de assédio sexual no ambiente escolar, delimitando em primeiro
momento sobre as peculiaridades a respeito do direito fundamental social à
educação, expondo o pensamento de renomados doutrinadores acerca da matéria e
esmiuçando o entendimento legiferante, através da interpretação da lei
referente a matéria.
Em segundo instante o estudo
deste manuscrito dissecou a tipificação delitiva do assédio sexual, buscando
todas as suas peculiaridades descritas em lei e seus entendimentos doutrinários,
subtraindo o fato de que esta modalidade delitiva pode ser efetuada por
qualquer pessoa (homem ou mulher) contra qualquer ser humano (homem ou mulher),
bastando que haja vínculo de subordinação entre a vítima e o autor, bem como,
entendeu-se que o ato não precisa ser consumado, visto não precisar haver a
satisfação sexual do autor, bastando que haja o mero constrangimento da vítima
na busca pela consumação do ato.
Por corolário, foi feito buscas
jurisprudenciais de maneira a extrair o entendimento dos magistrados no que se
refere aos casos delitivos, sempre procurando demonstrar o valor que o tema
possui para com a sociedade, em razão da essencialidade da educação para a
construção de valores nos seres humanos e para a própria construção da pessoa
humana, afinal, sendo a educação basilar em qualquer forma estatal, também,
terá a mesma importância os meios que são empregados para concretizá-la e o
agente proporcionador desde direito. Nisto circundou este manuscrito, na busca
pelo sentido doutrinário, legal e prático dos magistérios sobre este delito,
com enfoque na proteção que é direcionada as vítimas e na valoração/crédito
dada ao tema.
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RUSSEL, Bertrand. Sobre a educação. Tradução
Renato Prelorentzou. I ed. – São Paulo: Editora Unesp, 2014.
[1]
Advogada; Pós-Graduada em Direito do Trabalho e Previdenciário; Autora do Blog
Direito em Estudo; Autora do livro A Promoção dos Direitos Humanos Fundamentais
Através da Polícia Militar. E-mail: linny.mendes@hotmail.com.