No que tange aos crimes infanto-juvenis, para que haja exata compreensão no âmbito jurídico, é necessário abordar mesmo que de forma sucinta a evolução histórica normativa relacionada aos menores, inclusive a carência de proteção normativa dos mesmos, desde os tempos medievais até meados do século XX, sendo assim, salienta-se o fato de que a trajetória dos Direitos normativos juvenis fora marcada pela violência, neste prisma, Mendez[¹] e Fachinetto[²] sobressaem de que é possível dividir esta evolução em três etapas, sendo as mesmas, de caráter penal indiferenciado, protetivo e penal juvenil, as quais serão esmiuçadas para melhor compreensão da evolução social e normativa relacionada aos mesmos. Neste sentido, o jurista Ubaldino Calvento[3]:
“reconhecia a
existência de três escolas no I Congresso Ibero-Americano de Juízes de Menores
realizado na Nicarágua, definindo-as como:
1ª – Doutrina da proteção integral –
partindo dos direitos das crianças, reconhecidos pela ONU, a lei asseguraria a
satisfação de todas as necessidades das pessoas de menor idade, nos seus
aspectos gerais, incluindo-se os pertinentes à saúde, educação, recreação,
profissionalização, etc.
2ª – Doutrina do Direito Penal do Menor
– somente a partir do momento em que o menor pratique ato de delinqüência
interessa ao direito.
3º Doutrina intermédia da situação
irregular – os menores são sujeitos de direito quando se encontrarem em estado
de patologia social, definida legalmente. É a doutrina brasileira..”
Partindo do Código de Hamurábi (1600-1700 a.C), nas
denominadas sociedades tradicionais
não havia significativa distinção entre a fase infantil e a adulta, as escolas
eram frequentadas por todas as idades, verifica-se neste momento
histórico-cultural, que as penas eram desumanas a criança era coisificada,
exemplificativamente, a pena do filho adotivo que desejasse retornar a casa
paterna, era lhe extrair os olhos. Com o advento da Lei das XII Tábuas, o filho
era visto como um objeto, sendo que o pai detinha sobre o filho o poder
capital, permitindo-lhe o comercio, ou a decisão sobre vida ou morte do mesmo.
Na Grécia antiga, os filhos deficientes eram eliminados, inclusive, tanto em
Roma, quanto na Grécia, o pai detinha exclusivo poder sobre a família, sendo
lícito a ele decidir sobre castigos, prisões ou mesmo a exclusão das crianças
ou mulheres do seio familiar.
No
Brasil, a despreocupação com a criança era da mesma proporção, sendo que nas
primeiras embarcações de Portugal, vinham apenas homens e crianças, as quais
eram incumbidas de prestarem serviços durante a viagem, tal como favores de ordem
sexual, nos casos de tempestades, eram a primeira carga lançada ao mar. Com as
Ordenações Felipinas (1603), passa a haver um leve humanismo relacionado ao menor
classificado até os 21 anos de idade, passando, então, a serem utilizados
instrumentos tal como chicotes, paus e ferros nos castigos de manutenção da
educação dos mesmos, sendo que legitimamente, os menores de 7 anos eram
inimputáveis, tendo seus atos equiparados ao dos animais, aos jovens entre 7 e
17, apenas era proibida a pena capital, e aos menores de 17 a 20 anos, havia
uma diminuição de pena em relação aos adultos, conforme critérios como o modo
de execução, as circunstancias do crime, a vítima e a malícia do autor.. No ano
de 1780, na Inglaterra, a criança, podia ser condenada ao enforcamento em mais
de 200 tipos penais. Somente no ano de 1871, que a sociedade passa a
importar-se com a criança, sendo fundada em Nova York, a Sociedade para a
Prevenção da Crueldade Contra as Crianças[4].
No
ano de 1889, o Brasil passa a exercer um controle social intrafamiliar, criando
o Instituto de Proteção e Assistência á Infância do Rio de Janeiro. Com a
independência em 1822, o País formula novas legislações como a Constituição
Federal de 1824 e o Código a pena não poderia ultrapassar 17 anos de
recolhimento, e seria cumprida em casa de correção diferente das de adultos. No
final do século XIX, inicia-se no Brasil o Período Republicano, trazendo
consigo o Código Penal dos Estados Unidos do Brasil de 1890, que diferencia-se
do código anterior inovando em seu Art. 27, onde dispunha a inimputabilidade
para os 9 anos e aos jovens entre 9 e 14 anos aplicar-se-ia a inimputabilidade
relativa, onde apenas seriam condenados, se o magistrado entendesse que havia discernimento
da parte.
No
inicio do século XX, diversas normas internacionais foram sendo criadas, tais
como “A Declaração de Genebra de
1924, na qual se urge pela necessidade de proporcionar à criança uma proteção
especial; a Declaração Universal de Direitos do Homem de 1948; o Pacto de São
José da Costa Rica de 1960 e, em especial a Declaração Universal de Direitos da
Criança de 1959, famosa por difundir a política do ‘The Best Interessed of the
Children’ ”.[5] Que traz como efeito ao Brasil, a edição da Lei 4.242,
de 05 de janeiro de 1921, que em seu Art.3°, §17 aumenta-se a inimputabilidade
para os 14 anos, independente de fatores de discernimento, sendo reafirmada
pelo Art. 27, § 1 do Decreto 22.213, de 14 de dezembro de 1922.
Nesse
momento, em 29 de junho a 1 de julho de 1911, ocorre em Paris, o Congresso
Internacional de Menores, e a declaração de Gênova de Direitos da Criança,
vestida pela Liga das Nações em 1924. Impulsionado, o Brasil cria o Decreto
17.943-A, designado Código de Menores do
Brasil ou Código Mello Mattos, onde reafirma a inimputabilidade do menor de
14 anos e o maior de 14 anos e menor de 18 teria procedimento penal especial.
Em 1940 surge o Código Penal,
estabelecendo até os 18 anos como inimputáveis penalmente, elencadas em seu
Art. 23. Em consonância com Hungria[6] e a tese de Lombroso[7], verifica-se que
infância é a principal responsável pelo desenvolvimento psicológico do ser
humano, por tanto este período é de fundamental importância na construção do
caráter do menor, é a este momento que se deve a formação da pessoa, e sendo
assim, a declinação do menor a criminalidade ou não, se deve ao meio precário
onde estes vivem, a educação que recebem, a orientação familiar que auferem, e
no momento em que a sociedade e a família falham, cabe ao Estado garantir um
tratamento adequado ao menor, através de métodos pedagógicos.
Derivado
da ineficácia deste sistema legal surgiu em 1951, o Estatuto Social da Infância
e da Juventude, trazendo em si, um sistema humanitário devido a influência Internacional
do período pós-guerra. Em 1964, o Governo Militar cria a PNBEM (Política
Nacional do Bem Estar do Menor), que culmina na criação da FUNABEM (Fundação
Estadual do Bem Estar do Menor), órgão destinado ao controle social da
criminalidade e da marginalidade infantil, com objetivo substitutivo do SAM. No
ano de 1967, a Lei Estadual 1.534, criou a FEBEM destinada ao estado de
Guanabara, cuja finalidade era prestar atendimentos aos menores em situação
irregular, prevenindo marginalidades e o promovendo ao meio social. Por sua vez,
com o mesmo intuito protetivo, o estado do Rio de Janeiro criou a FLUBEM, que
com a fusão destes dois estados compuseram-se também as instituições, passando
a denominar-se FEEM. Imediatamente, no ano de 1979 ao novo Código de Menores de 1979, que adotou a doutrina da “situação
irregular” e trouxe o adolescente como elemento de tutela do Estado, dando
legitimidade a intervenção estatal para os casos de menores que estivessem em
situação irregular, tal como abandonados, expostos ou marginalizados, então
eram retirados de suas famílias e mantidos junto aos menores infratores, onde
recebiam a terapia da internação, cuja medida era privar-lhe a liberdade sem
prazo determinado, que se incumbia de legitimar uma política de controle
social, vigilância e repressão. Segundo Saraiva[8], o sistema FEBEM era
constituído por 80% de jovens inocentes, ou seja, o sistema encarcerava menores
inocentes, numa inversão da norma, pois ao invés de proteger as crianças o
Estado simplesmente as retirava do convívio social.
O
Estado representava um regime autoritário atuando de forma a violar e
restringir os direitos humanos, caracterizada pela discriminação racial e de
gênero, regredindo o menor a coisificação, a objeto de repressão, baseados em
preconceitos e estereótipos. Como meio de manutenção, este sistema era
organizado de modo a controlar e oprimir as entidades associativas e os
movimentos sociais, o Estado se incumbia de convencer a população e os próprios
menores de que eles próprios eram os responsáveis por sua condição de
irregularidade, sem considerar as circunstancias de desigualdades sociais e da
cultura déspota econômica que se instaurou, situação a qual o Estado se referia
pejorativamente de menorismo. Descréditos, da doutrina da situação irregular,
cada vez mais a doutrina da proteção integral, apoiada pela ONU, recebia
adeptos, conscientes da necessidade de uma jurisdição que respeitasse e protegesse
os direitos humanos e a dignidade da pessoa humana.
Nesta
acepção, Leite, citado no artigo de Andre Viana Custódio orienta que em analise
ao sistema do Código de Menores de 1979 é possível afirmar que todo o jovem de
classe humilde, era considerado em “situação irregular”, o que tornava objeto
de tutela do estado e não sujeito de direitos, e automaticamente, tornava
legitima a ação do Estado através do Juiz de Menores, para incluí-lo no regime
de assistência adotado pelo mesmo. Em 1984, Francisco de Assis Toledo, trouxe
com sua doutrina a Reforma Penal de 1984,
através da Lei 7.209/84. Este desenvolvimento histórico é seguido pela criação
da Constituição Federal de 1988, onde em seu artigo 5 ° garante os direitos, a
vida, liberdade, a igualdade. E em 1990, surge a Lei 8.069/90, denominado
Estatuto da Criança e do Adolescente, pondo fim a teoria da situação irregular,
a fase protetiva dos menores. Em suas normativas a CF/88, trouxe em seu art.
227, caput, que é dever da sociedade, do Estado e da família o asseguramento de
direitos como a vida, a saúde, a alimentação, entre outros alem da proteção
biológica, psicológica e social. O ECA tem como premissa o jovem como sujeito
de direitos e obrigações, sendo então responsável pelos atos que praticar,
sendo ressocializada através de medidas protetivas contidas no estatuto.
Em 1990, através do Decreto n° 15.950, a FEEM,
passou a designar- se de Fundação Recanto, devido ao ECA ter mudado a
nomenclatura de “menor” para criança e adolescente, que por sua vez em 1995,
mudou sua terminologia para FIA/RJ. “Em
1993 e 1996 surgem, respectivamente, a Lei nº 8.742/93 – Lei Orgânica da
Assistência Social (LOAS) e a Lei nº 9394/96 – Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDB), nas quais se fundamentam os principais instrumentos de
efetividade do ECA: Os Conselhos de Direito da Criança e do Adolescente, os
Conselhos Tutelares e os Setoriais de Políticas Públicas”[9].
Nesta
lógica é perceptível que a política social aplicada aos jovens, sucessivamente
fora da pior espécie, consecutivamente estando coisificados e denegridos ao
cárcere privado, e coibidos de sua liberdade existencial, o que derivou na
atual legislação protetiva do Estado, que vê a criança e o adolescente como
cidadão de pleno direito, visando uma proteção prioritária a estes jovens,
provindo da CF, Art. 227, caput, que defende o Princípio da Prioridade, e
Melhor Interesse, devido ao fato de que os mesmos estão em desenvolvimento de
sua personalidade e caráter, reconhecendo que em primazia estes jovens são
vitimas de um sistema, sem que se ceda à ideia de impunidade juvenil.