domingo, 29 de junho de 2014

DOS CRIMES CONTRA A FLORA: UM OLHAR SOB O PRISMA INTERNACIONAL NO QUE TANGE A BIOPIRATARIA DOS BIOMAS NACIONAIS BRASILEIROS

DOS CRIMES CONTRA A FLORA: UM OLHAR SOB O PRISMA INTERNACIONAL NO QUE TANGE A BIOPIRATARIA DOS BIOMAS NACIONAIS BRASILEIROS

 

OF CRIMES AGAINST THE FLORA: A VIEW UNDER THE INTERNATIONAL PRISM REGARDING THE BIOPIRACY OF BRAZILIAN NATIONAL BIOMES

 

Autora: Aline Oliveira Mendes de Medeiros[1]

 

Resumo: O presente estudo diz respeito à análise sobre o delito da Biopirataria, verificando a necessidade de abrigar o entendimento quanto a esta modalidade delitiva, muito em voga no solo pátrio desde sua colonização até a atualidade, acobertando a lei para dar abrigo e valorar os recursos naturais existentes no bioma nacional, tomando posse de conhecimentos e lucros que possam advir do distanciamento desta prática, descortinando a todos quanto ao impacto desta ilicitude em solo brasileiro e de outros países que se enquadrem nesta seara, atentando-se ao fato de que, a derrubada e até extinção de um espécime brasileiro, por exemplo, pode produzir efeito até mesmo em outros países, efeitos estes, que podem ser irreversíveis e atentadores à dignidade do ser humano e debilitação ou dificuldade em usufruir do direito à vida, à saúde, dentre outros. O método utilizado foi o indutivo, efetuado através de pesquisas bibliográficas.

Palavras-chave: biopirataria; patentear; dignidade humana; meio-ambiente; fauna; flora.

 

Abstract: This study concerns the analysis of the crime of Biopiracy, verifying the need to shelter the understanding of this criminal modality, very in vogue in the country since its colonization until today, covering the law to provide shelter and value the natural resources existing in the national biome, taking possession of knowledge and profits that may arise from the distancing of this practice, revealing to everyone the impact of this illegality on Brazilian soil and other countries that fall within this area, bearing in mind the fact that, the felling and even extinction of a Brazilian specimen, for example, can have an effect even in other countries, which can be irreversible and undermine the dignity of the human being and weaken or difficult to enjoy the right to life, to health, among others. The method used was the inductive one, carried out through bibliographical research.

Keywords: biopiracy; patent; human dignity; environment; fauna; flora.

 

1.      INTRODUÇÃO

 

O presente artigo tem por escopo especificar acerca dos crimes ambientais, neste caso em especial, os crimes contra a flora, neste sentido, ao proceder com uma análise acerca das ilicitudes concernentes ao tema, verifica-se que a principal ilegalidade relevante a temática, a nível mundial, reporta-se na denominada Biopirataria.

Neste sentido, estudos concluíram que tal ilegalidade alcança o índice de terceira maior atividade ilícita lucrativa do mundo, encontrando-se atrás apenas do tráfico de drogas e do tráfico de armas, movimentando bilhões de dólares por ano, sendo que nestes dados, o Brasil encontra-se em primeiro lugar como alvo destas irregularidades em função de que o mesmo possui o maior Bioma natural do Planeta, constituindo cerca de 1/3 das reservas naturais mundiais.

Destarte, o crime da Biopirataria constitui na atividade ilícita de enviar, sem a devida autorização, recursos genéticos de origem vegetal ou animal para fora do País. Neste sentido, como meio de analisar o respectivo tema, foram efetuadas pesquisas junto a bibliografias e a legislação brasileira como forma de analisar o posicionamento jurídico acerca do assunto.

Foi, ainda, efetuada uma análise jurisprudencial nos tribunais brasileiros, como meio de averiguar se a lei na prática é eficiente ou não para coibir e reprimir a prática do crime e automaticamente, concretizar um sistema protetivo em relação a natureza e aos seres humanos que dependem do meio ambiente como forma de subsistir, já que bens como as árvores, por exemplo, são indispensáveis para a existência da vida humana na Terra, em função da atividade da fotossíntese que as mesmas desenvolvem, ademais, toda a vida natural possui importância indispensável para a possibilidade de vida humana, pois cada qual exerce uma função de importância no meio ambiente ao qual o ser humano encontra-se inserido.

Por conseguinte, no primeiro momento efetuou-se uma definição de biodiversidade, e em decorrência, do crime de Biopirataria, passando em segundo período para uma análise acerca da importância da proteção ao meio ambiente e a biodiversidade, ou seja, a necessidade de resguardar os biomas naturais, resultando então, na obrigação legal de garantir abrigo a tais bens indispensáveis para a vida do ser humano, concluindo o respectivo manuscrito por meio de uma análise jurisprudencial acerca da temática como meio de verificar a efetividade das respectivas leis, e o posicionamento dos tribunais acerca do presente estudo.

Findo o introito proceder-se-á por meio do primeiro item do manuscrito, ou seja, as especificidades dos biomas naturais e o grau da problemática que a Biopirataria está causando ao meio ambiente como um todo, sem mais delongas, transcreve-se o item abaixo.

 

2.      ASPECTOS REFERENTES AOS BIOMAS NACIONAIS/ CONCEITO DA BIOPIRATARIA

            Em conformidade com o art. 2° da Convenção sobre a Diversidade Biológica, celebrada na Rio 92, define-se a biodiversidade como sendo: “A variabilidade de organismos vivos de todas as origens, compreendendo, entre outros, os ecossistemas terrestres, marinhos e outros ecossistemas aquáticos e os complexos ecológicos de que fazem parte, compreendendo ainda a diversidade dentro de espécies entre espécies e de ecossistemas.”

Destarte, Saragoussi destaca a existência de três níveis de biodiversidade, quais sejam:

 

(...) ela está presente em 3 níveis diferentes: o genético, o biológico e o ecossistêmico. No nível genético, bastam uns poucos indivíduos ou partes de indivíduos para termos acesso ao que nos interessa, os genes, que podem ser estudados, manipulados, transferidos, utilizados por meio de biotecnologias, etc. No nível biológico, a quantidade de material necessário é maior e temos de lidar com a complexidade dos indivíduos e não somente com seus genes. É nesse nível que se trabalha a conservação ex-situ e, em geral, os usos sustentáveis da biodiversidade. A biodiversidade no nível do ecossistema representa não somente indivíduos neles contidos e suas interações, independentemente de serem ou não da mesma espécie, mas também as interações entre estes indivíduos e o seu suporte (solo, água, atmosfera) e os serviços que este conjunto nos fornece (serviços ambientais). (grifos originais). (apud MORAES DA SILVA, 2005, pag. 143)

 

                Assim sendo, por meio da biodiversidade encontram-se coadunados todos os recursos vivos do planeta, constituindo o patrimônio natural de um país. Desta feita, a importância da biodiversidade foi constatada recentemente, por meio do desenvolvimento da biotecnologia, no sentido de que, quanto maior a diversidade de vida em um país, maior seria a possibilidade de desenvolvimento de produtos, principalmente na esfera farmacêutica, resultando em uma grande fonte de lucros e resultados.

Neste sentido, o Brasil possui a maior extensão de floresta tropical já encontrada, posto que a região amazônica engloba “o equivalente a 1/3 das reservas tropicais úmidas e o maior banco genético do planeta”, em conformidade com dados extraídos da Ong. Ambientalista ADIMA.

Assim, as informações genéticas contidas na diversidade de plantas, animais, bactérias e fungos possuem grande potencial para a fabricação de remédios, cosméticos, alimentos dentre outros, o que congrega em uma valiosa fonte de riquezas, favorecendo a exploração econômica, por meio da mercantilização da natureza, prática esta que possui definição legal, ou seja, denomina-se: biopirataria, consistente no comércio ilegal da biodiversidade, exercício o qual, possui adeptos desde os primórdios, posto que, desde a colonização do país iniciou-se a extração dos recursos naturais do patrimônio brasileiro, porém, a utilização desregrada de tais recursos vem causando comprometimento dos ecossistemas naturais, desencadeando em riscos para a humanidade.

Não obstante, Nohara (2004, pag. 399), destaca que a biopirataria movimenta cerca de U$ 60 bilhões, o que a coloca no auge das atividades ilegais mais lucrativas na atualidade, perdendo apenas para o tráfico de drogas e de armas, nesta direção, a Comissão parlamentar da Biopirataria destaca que no ano de 2003 o Brasil perdeu cerca de U$ 5,5 bilhões por meio do tráfico ilegal de animais e da flora, considerando que o mercado mundial de medicamentos feitos a partir de plantas alcança um patamar de U$ 400 bilhões por ano, destas, aproximadamente 20 mil extratos de plantas nativas saem ilegalmente do território brasileiro, já acerca dos animais este fator multiplica-se, pois, alcança o índice de U$ 20 milhões.

Nesta direção a citada autora define biopirataria como sendo:

 

(...) o envio não autorizado de recursos genéticos de origem vegetal ou animal para fora do País. Compreende a atuação de estrangeiros envolvidos com multinacionais ou instituições cientificas que extraem os conhecimentos das comunidades locais acerca da utilização da biodiversidade, coletam o material, patenteiam-no, sem conceder qualquer participação nos lucros para aqueles que fornecem tanto a matéria-prima como os conhecimentos acumulados por anos, e pior, é possível, ainda, que as comunidades sofram represálias jurídicas na utilização dos mesmos recursos por quebra de patente ou não pagamento de royalties. (2004, pag. 399).

 

Através da Convenção Rio 92, foi assinada a Convenção da Diversidade Biológica (CDB), consistente em um dos principais resultados da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD), a qual propõe a conservação da mesma, por meio da utilização sustentável de seus recursos, determinando que tais recursos não sejam vistos como patrimônio comum da humanidade, incumbindo a cada país detentor de tais recursos, efetivar sua proteção e conservação, de maneira a equilibrar as relações entre países detentores dos recursos tecnológicos, os quais pretendiam ter livre acesso a tais recursos com os países em desenvolvimentos ricos em diversidades biológicas, nesta direção em conformidade com Santili, (2004, pag. 346), “países (...) como o Brasil, México, China, Colômbia, Indonésia, Quênia, Peru, Venezuela, Equador, Índia, Costa Rica, e África do Sul, juntos, representam 70% da diversidade biológica do mundo”.

Neste sentido, Tárrega e Perez (2001, pag. 39), destacam a necessidade da criação desta convenção no sentido de que:

 

A existência desse tipo de convenção facilita a inserção no direito internacional de novos princípios ambientais que acabem por influenciar outras entidades nacionais ou internacionais, podendo ainda se tornar, com o tempo e com a sua observância reiterada, princípios gerais do direito internacional, com vinculação jurídica.

 

No mesmo sentido tais autores destacam (2001, pag. 35):

 

Ao se analisar a origem da CDB, um dos aspectos que mais chamam a atenção é a transformação do caráter do documento produzido. No início, esperava-se um documento conservacionista abrangente, versando sobre parques e reservas e encarando a biodiversidade como patrimônio da humanidade, concepção que legitima o livre acesso ao patrimônio ambiental dos países. No entanto, em virtude da estratégia dos países ricos em biodiversidade, sendo todos, na grande maioria, países subdesenvolvidos, novos pontos foram inseridos nas negociações, como o custo das medidas dos países, transferência de tecnologia, partilha dos benefícios advindos do uso comercial dos recursos naturais e a criação da ideia de biodiversidade como preocupação comum da humanidade, que tem como base o reconhecimento da soberania dos países sobre seus recursos naturais. Os países do Sul aproveitaram-se do fato de que sua participação na convenção era realmente decisiva para barganhar posições e inserir novos temas de seus interesses, fazendo com que a Convenção de Biodiversidade, que nascera uma convenção conservacionista global (...) a partir de 1991, fosse transformada em um acordo global sobre desenvolvimento sustentável.

 

Desta feita, a CNUMAD, realizada em junho de 1992 no Rio de Janeiro, consiste em um compromisso legal, constituindo o primeiro acordo mundial acerca da conservação e uso da biodiversidade de forma sustentável, visando coibir a ilegalidade da biopirataria, a mesma entrou em vigor em 1993, e foi ratificada por 188 países, no entanto, a mesma apenas foi promulgada em março de 1998, assim sendo, mesmo decorrida uma década de sua ratificação, não se verifica qualquer alteração acerca da prática da biopirataria, verifica-se o contrário, pois percebe-se que, a cada instante mais crescem o número de países que se apropriam indevidamente, por meio da concessão de patentes,  de produtos ou processos elaborados com matéria prima encontrada no Brasil, por exemplo, o que denota a necessidade da criação de mecanismos legais como meio de proteger a devastação da flora e dos animais silvestres.

Deste modo, através do artigo 2° da respectiva Convenção encontra-se o parâmetro para a criação da legislação interna de cada Estado-parte, cuja mesma baseia-se em três objetivos, quais sejam, a conservação e a utilização sustentável da biodiversidade e a repartição equilibrada e justa de seus benefícios, sua aplicação deve estar pautada em três princípios, os quais consistem na soberania de seus países sobre seus recursos naturais, repartição justa e equilibrada de seus benefícios do empreendimento e a participação das comunidades tradicionais.

Já no art. 3° a referida destaca a necessidade de haver soberania dos Estados sobre seus recursos biológicos, conferindo que a conservação e a proteção da biodiversidade é preocupação comum da humanidade, de maneira internacional de forma cooperativa entre os Estados e as organizações não governamentais para garantir a conservação e a utilização de forma sustentável da biodiversidade.

Assim, no ano de 2010, ocorreu a 10ª Conferência das Partes, cuja mesma foi declarada pelas Nações Unidas, como o ano da Biodiversidade, de maneira a reconhecer a importância do tema e salientar ao mundo que atue em sua defesa. Tal encontro culminou com a elaboração do Protocolo ABS, cujo qual, garante a proteção internacional da biodiversidade de todos os países, que apenas poderão ser explorados após o pagamento e autorização dos royalites.

Nesta direção Santili (obra citada) destaca que:

 

(...) quando a atividade envolve conhecimentos, inovações e práticas de povos indígenas e populações tradicionais, a CDB estabelece a necessidade de que a sua aplicação se dê mediante aprovação e a participação de seus detentores e a repartição, com estes, dos benefícios. Assim, a fiel observância aos princípios da CDB implica tanto a consulta aos países de origem dos recursos genéticos e conhecimentos tradicionais associados como expressão de sua soberania em face de outros países – quanto à consulta aos povos e populações tradicionais detentores dos recursos genéticos situados em seus territórios e dos conhecimentos tradicionais a eles associados. (pag. (2004, 71-72).

 

Diante disso, entende-se como inaceitável que tais países ultrapassem a legalidade, apossando-se desregradamente de recursos culturais de um povo, consistindo em evidente violação aos direitos humanos, cujos quais, Moraes (2002, pag. 02), define como sendo “(...) uma das previsões absolutamente necessárias a todas as Constituições, no sentido de consagrar o respeito à dignidade humana, garantir a limitação de poder e visar ao pleno desenvolvimento da personalidade humana”, tornando a inércia frente a problemática inaceitável, conforme transcorrer-se-á por meio do próximo tópico.

 

3.      NECESSIDADE DE PROTEÇÃO À BIODIVERSIDADE BRASILEIRA CONTRA A BIOPIRATARIA

            Ocorre, no entanto, que sob o olhar capitalista que predomina no Brasil, o crescimento econômico ainda é o maior propósito a ser alcançado. Assim a biodiversidade não é tratada com vistas a sustentabilidade, mas pura e simplesmente sob o prisma lucrativo, posto que a humanidade mesmo em comum acordo acerca da necessidade de proteger e preservar os recursos naturais, permanece focalizada no mercado, sob a sistemática capitalista, em conformidade com Araujo e Tybusch (2007, pag. 77), no sentido de que, “a atual economia de mercado contribui para a desigualdade social e, da mesma forma, para o desequilíbrio ambiental. O meio ambiente não é mera peça mercadológica, se faz necessária uma mudança de paradigma urgente”.

            Na mesma direção alerta Leff (2002, pag.56), no sentido de que a superexploração dos ecossistemas, “desencadeou uma força destrutiva que em seus efeitos sinérgicos e acumulativos gera as mudanças globais que ameaçam a estabilidade e sustentabilidade do planeta: a destruição da biodiversidade, a rarefação da camada estratosférica de ozônio, o aquecimento global.” Gerando um impacto de grande alcance na economia mundial, de maneira generalizada e incontrolável, com gravidade maior que qualquer crise já evidenciada, trata-se de números alarmantes e progresssivos, como enfatiza Galindo Leal (Câmara, 2005, pag. 5 e 12 ), in verbis:

 

         (...) os fragmentos remanescentes da Mata Atlântica original continuam a deteriorar-se devido à retirada de lenha, ao corte ilegal de madeira, à captura ilegal de plantas e animais e à introdução de espécies exóticas. Além disso, a construção de represas para a produção de energia hidrelétrica contribuiu substancialmente para a perda de hábitats e para mudanças ecológicas na região. Apesar da devastação ecológica e social provocada pela construção de represas, amplamente reconhecida, vários projetos hidrelétricos continuam sendo implementados.

(...)Além disso, nos últimos quatro séculos, as atividades do homem, desencadearam na extinção de aproximadamente 250 espécies de pássaros, anfíbios, mamíferos, e répteis. Essa informação sobe para cerca de 2 mil, contando as extinções ocorridas antes do século XVII.

 

Como reflexo desta busca desenfreada por crescimento econômico, depara-se com a extinção em massa de espécies. Em busca de coibir tais ilegalidades foi criado a Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres (RNCTAS), cujo em seu primeiro relatório nacional acerca do Comércio Ilegal da Fauna Silvestre, relata os animais mais procurados no mercado internacional, destes pode-se citar, as aranhas que são comercializadas por até cinco mil dólares por unidade, algumas espécies de besouros que chegam a atingir o valor de oito mil dólares por unidade, e a jararaca-ilhoa, a qual é considerada o animal mais caro do mercado negro alcançando o valor de vinte mil dólares a unidade.

Neste rol de ilicitude, pode-se compreender a bioprospecção, que refere-se a criação de produtos comercializáveis a partir de especificidades encontradas na genética de plantas ou animais, neste sentido destaca Santili (2004, pag 200), acerca da definição do termo: “Tipicamente, a atividade de bioprospecção envolve a coleta de material biológico e o acesso aos seus recursos genéticos em busca de novos compostos bioquímicos cujos princípios ativos possam ser aproveitados para a produção de novos produtos farmacêuticos, químicos e alimentares.”

Nesta direção, Shiva (2001, pag. 27-28), chama a atenção para o fato de que o modelo de colonização do País deu o passo inicial a este processo de colonização e exploração, por tanto esta prática de criminalidade, apenas consiste em um progresso do que já havia sendo feito deste os primórdios, ou seja:

 

(...) no coração da “descoberta” de Colombo estava o tratamento da pirataria como um direito natural do colonizador, necessário para a salvação do colonizado. No coração do tratado de GATT e suas leis de patentes está o tratamento da biopirataria como um direito natural das grandes empresas ocidentais, necessário para o “desenvolvimento” das Comunidades de Terceiro Mundo.

A biopirataria é a descoberta de Colombo 500 anos depois de Colombo. As patentes ainda são o meio de proteger essa pirataria da riqueza dos povos não-ocidentais como um direito das potências ocidentais. Por meio das patentes e da engenharia genética, novas colônias estão sendo estabelecidas. A terra, as florestas, os rios, os oceanos e a atmosfera têm sido todos colonizados, depauperados e poluídos. O capital agora tem que procurar novas colônias a serem invadidas e exploradas, para dar continuidade a seu processo de acumulação.

 

            Em conformidade, o economista Rifkin (1999, pag. 52) refere-se a este biocolonialismo, como sinônimo de biopirataria, visto que a historicidade do país baseia-se na “usurpação das riquezas biológicas nativas em benefício do colonizador”, pois, as maiores exploradoras voltavam-se “à tarefa de encontrar novas fontes biológicas de alimentos, fibras, pigmentos e medicamentos quanto à de encontrar ouro, prata e outros metais preciosos”.

Percebe-se que o intuito da biopirataria consiste em explorar por meio de um agente desenvolvido, - aqui compreendido: um país, instituição científica ou uma empresa-, os recursos da biodiversidade de maneira ilegal, efetuando pesquisas e análises de como utilizar este produto, posteriormente efetuando patentes, usufruindo lucros financeiros palpáveis, sem que com isso, proceda com a repartição dos lucros com o país ou local de origem do produto. Neste enfoque, Lavorato (2005), adverte:

 

[...] em várias regiões da Amazônia, pesquisadores estrangeiros desembarcam com vistos de turistas, entram na floresta, muitas vezes, infiltrando-se em comunidades tradicionais ou em áreas indígenas. Estudam diferentes espécies vegetais ou animais com interesse para as indústrias de remédios ou de cosméticos, coletam exemplares e descobrem, com o auxílio dos povos habitantes da floresta, seus usos e aplicações. Após obterem informações valiosas, voltam para seus países e utilizam as espécies e os conhecimentos das populações nativas para isolarem os princípios ativos. Ao ser descoberto o princípio ativo, registram uma patente, que lhes dá o direito de receber um valor a cada vez que aquele produto for comercializado. Vendem o produto para o mundo todo e até mesmo para o próprio país de origem, cujas comunidades tradicionais já tinham o conhecimento da sua utilização.

 

            Decorre, porém, que o século XX trouxe um palpável avanço tecnológico, desencadeando em mazelas ambientais imensuráveis, ainda baseados na cultura desregrada que predomina no Planeta, posto que, até o ano de 1972 a exploração ocorria de maneira desregrada, sem qualquer política ou atitude sustentável com relação ao meio natural, no entanto, através da Declaração de Estocolmo, reconhecida como Relatório de Brundtland, foi lançado o conceito de desenvolvimento sustentável, observando uma forte preocupação com um crescimento sustentável, visando o crescimento e progresso pautado em uma ordem sustentável, como relaciona Sachs (2009, pag. 52-53):

 

(...), a conservação da biodiversidade não pode ser equacionada com a opção do não uso dos recursos naturais precípuos. Por importante que seja, a instituição das reservas naturais é apenas um dos instrumentos das estratégias de conservação. O conceito de reservas de biodiversidade da UNESCO-MAB nasceu da compreensão de que a conservação da biodiversidade deve estar em harmonia com as necessidades dos povos do ecossistema (M.Gadgil, R.Guha). De modo geral, o objetivo deveria ser o do estabelecimento de um aproveitamento racional e ecologicamente sustentável da natureza em benefício das populações locais, levando-as a incorporar a preocupação com a conservação da biodiversidade aos seus próprios interesses, como um componente de estratégia de desenvolvimento.

 

Destarte, verifica-se na casuística em espécie que os países detentores da biodiversidade, mesmo encontrando-se sobre o núcleo protetivo destas convenções, acordos e leis, ainda encontram-se em situação de exploração frente aos países desenvolvidos e detentores da biotecnologia, posto que esta singela base de legislações, parecem ineficazes frente a casos concretos, assim sendo, no próximo tópico será efetuada uma análise legal da problemática em questão com vistas a verificar sua eficácia em garantia de proteção aos países em desenvolvimento, como se mostra a seguir.

 

4.      INSTRUMENTOS DE PROTEÇÃO DA FLORA/BIODIVERSIDADE BRASILEIRA

            No que tange a temática percebe-se que a Constituição Federal de 1988 revelou-se inovadora em muitos aspectos, um deles, merecedor de destaque, foi sem dúvida a inclusão, inédita, de dispositivos destinados à proteção e preservação ambiental.

            Afora as dezenas de citações ao longo do texto, o Capítulo VI, sendo sua totalidade dada pelo art. 225, estabelece como atribuição do Poder Público ao garantir o direito de todos a um meio ambiente equilibrado: a) definir os espaços territoriais a serem protegidos; b) exigir estudo prévio de impacto ambiental causado por atividade econômica; c) controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias potencialmente nocivos; d) promover a educação ambiental; e) proteger a fauna e a flora.

 

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.

§ 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas; 

II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético; 

III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;

IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade; 

V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;

VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente;

VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.

§ 2º - Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei.

§ 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

§ 4º - A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.

§ 5º - São indisponíveis as terras devolutas ou arrecadadas pelos Estados, por ações discriminatórias, necessárias à proteção dos ecossistemas naturais.

§ 6º - As usinas que operem com reator nuclear deverão ter sua localização definida em lei federal, sem o que não poderão ser instaladas.

 

            O texto legal supracitado, em seu parágrafo terceiro, demonstra uma das inovações da carta constitucional ao estabelecer sanções penais não apenas a pessoa física promotora do dano, mas também, a pessoa jurídica, visto que a mesma passa a ser passiva de sanção penal, sem que, com isso gere conflito com o disposto pelo art. 5°, XLV, no sentido de que: “nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido”.

Não se separa, no plano lógico, a figura de um diretor de empresa, da política da mesma, não havendo assim, o isolamento do condenado em relação aos reflexos e o desígnio de sua conduta, pois no que tange a objetividade empresarial, verifica-se claramente, que a possibilidade de lucro e retorno de valores ao agente físico é seu maior desígnio.  Ademais, a nível infraconstitucional, a biodiversidade é tutelada de forma distribuída, através da proteção da flora (Lei 4.771/65), da fauna (Lei 6.902/81), além da lei de crimes ambientais (Lei 9.605/98), cujas mesmas destacar-se-á de forma ampla no decorrer deste item.

Assim, consolidadora da legislação penal ambiental, a lei n° 9.605 de 12.2.1998, vem para tipificar os crimes ambientais, versando acerca de infrações administrativas, dispondo sobre o processo penal e acerca da cooperação internacional em prol da conservação do meio ambiente, e de um desenvolvimento sustentável.

Não obstante, no tocante a biopirataria, os artigos 46, 50-A e 52 da referida lei estabelecem penalidades a quem, de algum modo infringir os dispositivos legais, que visam inibir a prática de atos lesivos a flora brasileira.

 

Art. 46. Receber ou adquirir, para fins comerciais ou industriais, madeira, lenha, carvão e outros produtos de origem vegetal, sem exigir a exibição de licença do vendedor, outorgada pela autoridade competente, e sem munir-se da via que deverá acompanhar o produto até final beneficiamento:

Pena - detenção, de seis meses a um ano, e multa.

Parágrafo único. Incorre nas mesmas penas quem vende, expõe à venda, tem em depósito, transporta ou guarda madeira, lenha, carvão e outros produtos de origem vegetal, sem licença válida para todo o tempo da viagem ou do armazenamento, outorgada pela autoridade competente.

 

Além desta penalidade, existem outras, que de forma indireta são aplicáveis a alguns casos envolvendo a biopirataria, apesar desta, não estar sendo compreendida na Lei de Crimes Ambientais, posto que, a mesma apresenta-se fragmentada acerca da conferência de proteção e garantia de efetividade na casuística em espécie das diversas criminalidades que apresentam-se ao legislador, posto que, com o desenvolvimento da tecnologia, os crimes ambientais seguiram este mesmo parâmetro de progressividade, parâmetro este, que a legislação não vem conseguindo alcançar, encontrando-se por tanto, carecedora de legislação e ainda mais de efetividade, ademais cita-se o artigo 50-A, da respectiva lei, in verbis:

 

 Art. 50-A. Desmatar, explorar economicamente ou degradar floresta, plantada ou nativa, em terras de domínio público ou devolutas, sem autorização do órgão competente: 

Pena - reclusão de 2 (dois) a 4 (quatro) anos e multa.        

§ 1o Não é crime a conduta praticada quando necessária à subsistência imediata pessoal do agente ou de sua família.

 § 2o Se a área explorada for superior a 1.000 ha (mil hectares), a pena será aumentada de 1 (um) ano por milhar de hectare.

Art. 52. Penetrar em Unidades de Conservação conduzindo substâncias ou instrumentos próprios para caça ou para exploração de produtos ou subprodutos florestais, sem licença da autoridade competente:

Pena - detenção, de seis meses a um ano, e multa.

 

Denota-se que, em eficácia a garantia de proteção ao meio ambiente, aquele que violar as disposições legais referentes à proteção deste bem jurídico, encontra-se sujeito à ser responsabilizado nas três esferas: cível, administrativa e penal. Vale destacar novamente o Artigo 225, em seu §3º da CF/88, cujo mesmo, preceitua que nas condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, sujeitam-se os infratores, sejam pessoas jurídicas ou físicas, às sanções penais e administrativas, independentemente de reparar os danos causados.

Nesse sentido, a razão desta junção de esferas protetivas ao meio ambiente, decorre de sua natureza fundamental ao ser humano, posto que em conformidade com Alexy (2008, pag. 100), um direito fundamental é todo aquele inerente ao ser humano, ou seja, que transcende a legislação, aquele que compreende o ser humano, como um ser de direitos e garantias, com validade supraconstitucional, de nível universal, isto é, aquele direito que é indelegável e irrenunciável vez que, no que reporta-se ao caso, vê-se necessária a manutenção do meio ambiente para que possa ocorrer a perpetuação e a própria possibilidade da vida humana na Terra.

Deste modo, é límpido o entendimento que a simples aplicação de pena privativa de liberdade, não traz garantias sólidas a este direito, pois, a penalização do indivíduo não atinge a mesma proporção do ato criminoso, porque na esfera ambiental, não tem como delimitar uma única vítima, por se tratar de direito difuso, o que enseja a necessidade de penalizar-se, também, por via de multa.

Diante da importância da proteção do meio ambiente, o legislador compreendendo tamanha dimensão, buscou institutos adequados quando criou a Lei 9.605/98, para tratar da responsabilidade penal ambiental. Sendo que a transação penal e a suspensão condicional do processo, já usadas em nosso ordenamento jurídico, enquadraram-se como adequadas, para serem aplicadas nos crimes ambientais.

Esta Lei transformou a suspensão condicional do processo, bem como, a transação penal em instrumentos utilizados para efetivar a proteção ambiental, trazendo impactos na autoria singular e coletiva, pois, trata-se de uma forma pela qual a pessoa jurídica não consegue se eximir de sua responsabilidade no que concerne aos delitos ambientais, seja alegando o princípio da bagatela ou outro meio provável.

            Já que, com a criação da Lei de Crimes Ambientais, ocorreu a modernização no modelo de instituição de penas para garantir a efetividade deste direito fundamental, atendendo os ditames do Princípio do Desenvolvimento Sustentável, da Prevenção e Reparação do dano.

            Sendo que o maior interesse do direito ambiental é a preservação e recuperação das condições ambientais, para mantença dos recursos e biomas nacionais, medida esta voltada para garantir este direito fundamental, no caso nossa sobrevivência, além de outros como, a saúde e a qualidade de vida adequada –dignidade humana.

            Em que pese às garantias trazidas por essa Lei, esta não consegue sanar todos os problemas direcionados ao meio ambiente. Uma das problemáticas que tal medida não considera, explicitamente, é a biopirataria como crime ambiental, deste modo, não enquadrando a tal fato sanções específicas – deixa este delito abandonado as margens da lei, abandonando o judiciário à mercê de bases principiológicas, consuetudinárias, equidade e etc., possibilitando divergências e prováveis abrandamentos.

Estando esta, abandonada as margens da lei, verifica-se que este descompromisso com o assunto a deixa atoa, desguarnecida de abrigo, estando desacolhida constata-se a facilidade de que outros países se apossem desta lacuna, para ofuscar seus interesses e perpetuarem este crime, oculto aos olhos da lei.

De outro modo, uma outra forma protetiva congrega a Lei n° 9.279, de 14 de maio de 1996, conhecida como a Lei das Patentes, cuja mesma auxilia na repressão a biopirataria, objetivando em conformidade com o art. 1°, caput da respectiva lei, regular direitos e obrigações relativos à propriedade industrial”, ou seja, a mesma consiste em definir diretrizes como meio de reconhecimento e garantia de proteção as propriedades industriais, tal lei promulgou mais regras e burocracia no processo de reconhecimento de patentes, porém, passou a estabelecer uma gama de proteção e zelo maiores daquilo que já foi patenteado.

Além destas, destaca-se também, a Lei 11.105 de 24 de março de 2005, definida como a Lei da Biossegurança, cuja mesma abarcou temas recentes, de destaque social, os assuntos principais tratados na respectiva Lei engloba os organismos geneticamente modificados (transgênicos) e à pesquisa com células tronco. A referida lei foi a responsável pela origem do Conselho Nacional da Biossegurança e de uma Comissão Técnica Nacional de Biossegurança, como forma de regulamentar e fiscalizar os processos científicos em desenvolvimento.

Ademais, em 07 de novembro de 2003 foi criado a CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da Biopirataria, como meio de investigar O Tráfico De Animais E Plantas Silvestres da Fauna e da Flora Brasileiras (CPITRAFI), posteriormente dando continuidade a estas investigações ocorreu em 2006 a CPIBIOPI destinada ao Tráfico de Animais e Plantas Silvestres Brasileiras, a Exploração e Comércio Ilegal de Madeira e a Biopirataria no Brasil, cuja mesma objetivava, em conformidade com o Relatório da Comissão Parlamentar:

 

(...) rever as normas constantes da MP. 2186-01; tipificar como crime a apropriação dos conhecimentos tradicionais de comunidades locais; e finalizar a tramitação do Projeto de Lei n.7.211/02 que prevê tipo penal de biopirataria, assegurando que ele seja apenado com sanções severas, e que se permita aos operadores da fiscalização dispor de todas as ferramentas investigativas necessárias.

 

            Destarte, salienta-se que desde 2002, se pretende tipificar o delito biopirataria, no entanto, esta pretensão transcorrera em silencio, pois até a data de hoje, não ocorrera.

De outra forma, como meio de combater a biopirataria, o governo mundial uniu-se por meio da criação do CITES- Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Fauna e da Flora Selvagens em Perigo de Extinção- de modo a fiscalizar e combater o tráfico internacional principalmente de espécies em extinção.

Atualmente 130 países fazem parte desta convenção, o Brasil faz parte deste a data de 1975, por meio do Decreto n° 76.623. Coaduna-se nesta Convenção, as especificidades do art. 29 da Lei de Crimes contra a Fauna, cujo mesmo preceitua: “Aquele que matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida, pode sofrer pena de detenção de seis meses a um ano, e multa.”

Desta feita, por meio do Artigo 30, Dos crimes contra fauna e do Art. 34 encontra-se a definição de pena de detenção de um ano a três anos ou multa, ou ambas as penas, cumulativamente, para pesca de espécies de peixes que necessitem de preservação, também, para o sujeito que transporte, comercialize, ou de qualquer modo se beneficie, ou industrialize os espécimes proveniente da coleta, apanha e pesca proibida, caso a pesca se efetue mediante o emprego de explosivos ou substâncias que em contato com a água produzam efeito semelhante, substâncias tóxicas, ou outro meio proibido pela autoridade competente, a pena será de reclusão de um ano a cinco anos, como descrito no artigo 35 da lei de crimes contra fauna. Tal lei objetiva proteger os espécimes naturais.

Neste sentido, o órgão fiscalizador e normatizador do comércio de animais silvestres compreendem-se através do IBAMA, por meio da Portaria n° 117 de 15 de outubro de 1997, cuja mesma regulariza a atividade do comércio de animais silvestres, com base nas seguintes diretrizes:

 

(...) protocolar requerimento ao Superintendente do IBAMA no Estado onde intenciona implantar o empreendimento, apresentar os documentos especificado na portaria, descritos abaixo:

a) preenchimento e assinatura do formulário padrão do IBAMA de Cadastro Técnico Federal de Atividades Potencialmente Poluidoras ou Utilizadoras de Recursos Naturais e seus anexos;

b) apresentar cópia autenticada e atualizada do Estatuto ou Contrato Social, Cadastro Geral do Contribuinte do Ministério da Fazenda – CGC-MF, CPF e Identidade do dirigente;

c) declaração de aquisição de animais vivos, abatidos, partes e produtos e subprodutos, quando for o caso, somente de Criadouros Comerciais, Comerciantes ou Indústrias/Beneficiamento registrados junto ao IBAMA. (esse documento poderá ser uma carta do próprio fornecedor); e,

e) recolhimento do Documento de Arrecadação de Receitas – DR do IBAMA. O comerciante de animais vivos da fauna silvestre brasileira deverá apresentar também os croquis detalhado das instalações onde os animais serão mantidos até sua comercialização, dados sobre alimentação, fornecimento de água, questões de higiene e sanitária dos animais e dos recintos, bem como sua localização, para procedimentos de vistoria.

A documentação deverá ser analisada primeiramente pela área técnica conectada ao setor de fauna da Superintendência e estando, em conformidade com o estabelecido, efetuando-se a homologação através da Diretoria de Ecossistemas – DIREC ou por meio da Superintendência, com delegação de competência, e o registro será outorgado ao interessado, por meio da expedição de certificado de registro pela Diretoria de Controle e Fiscalização – DIRCOF ou pela Superintendência, com delegação de competência.

 

Ainda neste sentido protetivo atuante, encontra-se expresso na Constituição a possibilidade de estar entrando por meio de uma Ação Popular ou uma Ação Civil Pública visando a proteção do meio ambiente. Verifica-se que o Brasil possui diversas legislações atuantes no combate aos crimes contra o meio ambiente como a Biopirataria, porém, necessita saber se tais positivações são eficazes na prática em espécie, verificação esta, que será buscada no próximo item, por meio de uma breve análise jurisprudencial.

 

5.      UMA ANÁLISE JURISPRUDENCIAL ACERCA DO TEMA

É notório que há a intenção de ser instituída uma repressão em relação à biopirataria. Tal repressão há de ser feita conforme a Lei própria – lei vigente no país- determina. Entretanto, é neste ponto que reside a grande problemática em torno da temática, posto que, para uma efetiva repressão, tem-se a necessidade de que haja uma norma reguladora, ou seja, uma Lei específica que tipifique a biopirataria.

            Reside nesta vírgula do assunto, o entendimento dos magistrados que consiste no fato de que, em grande parte dos casos há a absolvição dos acusados, justamente pela falta de norma incriminadora. Desta feita, a Lei 9.605 de 1998, foi elaborada como uma tentativa de regular tais condutas que pudessem incidir e vir a reger tais crimes, senão vejamos: “O artigo 50-A diz o seguinte: “Desmatar, explorar economicamente ou degradar floresta, plantada ou nativa, em terras de domínio público ou devolutas, sem autorização do órgão competente: Pena - reclusão de 2 (dois) a 4 (quatro) anos e multa.”

            Neste diapasão, vê-se na jurisprudência o entendimento posto em prática:

 

PENAL. PROCESSUAL PENAL. ART. 50-A DA LEI 9.605/98. AUSÊNCIA DE DOLO. ABSOLVIÇÃO. Ausência de dolo. Aplica-se o princípio do in dubio pro reo que tem fundamentação no princípio constitucional da presunção de inocência, segundo o qual o acusado deverá ser absolvido quando a acusação não prove, inequivocamente, o dolo. As provas colhidas nos autos não demonstram que o acusado agiu com a intenção de praticar crime.(TRF-1 - ACR: 1990 PA 0001990-43.2010.4.01.3902, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL TOURINHO NETO, Data de Julgamento: 25/03/2013, TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: e-DJF1 p.1208 de 12/04/2013).

 

Ou seja, este caso em específico resultou em absolvição, por ausência de dolo, ou seja, vontade de praticar o delito, verifica-se que o dano não fora de grande impacto ambiental, a questão que cabe indagar é a seguinte: fora efetuado um estudo acerca do impacto do delito em questão? Visto que um delito praticado em um país, no que refere-se ao meio ambiente, possui raízes que podem alcançar a estrutura de outros países, inclusive, resultando em um dano de percentual internacional verificado sob a ótica desfocada de um local sem lei.

Em continuidade do estudo, Maia afirma (2014): “Apesar de algumas problemáticas, a Lei 9.605/98 busca punir qualquer indivíduo que desrespeite o meio ambiente, incluindo pessoa física ou jurídica, que venha a cometer alguma infração, a qual pratique agressão ao bem ambiental juridicamente protegido, considerando qualquer que seja esse ato cometido.”

Quanto ao desejo do legislador em proteger o meio ambiente, não há o que discutir-se, porém, quanto aos meios cabe alguns respaldos, ou seja, procura-se focar o fato de o mesmo ter se omitido com relação a tipificação da modalidade delitiva biopirataria – método de se apropriar de conhecimentos, habilidades e recursos de outros países, como se seus os fossem e deixá-los sem o devido reconhecimento pecuniário e intelectual ou outros cabíveis.

Atenta-se, também, para a maleabilidade que tem havido com relação ao assunto, verificável através das quatro paredes de uma sala de transação penal, o instante em que o promotor efetua consideráveis diminuições na penalidade de multa, sem alegações palpáveis, quando deveria considerar o fato de que o agente que aplicou a multa esteve no local em questão e acompanhou o delito de perto, sendo então, apto a decidir as possibilidade do multado de conseguir pagar ou não uma multa de R$1.000,00 (mil reais), por exemplo.

Este caso, enfocando um exemplo de um delito ambiental de maus tratos, o qual em equidade poderia se enquadrar em um caso de biopirataria, vez que o animal é visto pelo status de coisa, de objeto descartável e prestando-se ou não para um experimento ou modelo laboratorial vê-se desguarnecido da mesma forma de seus direitos como ser humano.

Portanto, é clara a necessidade de que haja a elaboração de norma específica que criminalize e penalize a biopirataria, posto que a efetuação de fiscalização e repressão por leis similares encontra-se desprovida da eficácia jurídica necessária para o bom desenvolvimento de um país rico em fauna e flora como é o caso do Brasil.

 

6.      CONCLUSÃO

Por meio do respectivo manuscrito, verificou-se que o modelo de colonização sofrido pelo Brasil trouxe consequências atuais, formando no núcleo social uma cultura exploradora, e desprovida de racionalização protetiva, em consequência, por meio da sistemática capitalista que se instaurou, os lucros financeiros, abarcaram toda a ideologia popular, assim, a junção destas duas sistemáticas (colonização pautada na exploração e capitalismo desregrado) está causando problemas imensuráveis no âmago social.

Dentre eles, encontrou-se como de grande relevo a questão da Biopirataria, que está causando a extinção de milhares de espécimes, modificando todo um sistema natural, danificando a ordem natural do meio ambiente, trazendo consequências adversas ao ser humano que permanece inerte a criminalidade e a conscientização da necessidade de um meio ambiente sadio para garantia de sua própria sobrevivência, e ainda, desatentos – os brasileiros- aos lucros que tais métodos poderiam trazer para o solo brasileiro.

Salienta-se no entanto, que sob o prisma legal, o País encontra uma forte gama de leis, porém, todas carentes de efetividade, posto que, o que mais se necessita seria a conscientização e a fiscalização da criminalidade, ademais, a legislação brasileira carece de uma lei específica contra o crime da Biopirataria, o que ocasiona em lacunas profunda na lei, nas quais o brasileiro declina e não consegue ver a dimensão e importância da questão, motivo pelo qual, a maioria das decisões dos juristas pendem pela absolvição.

O que transmite a ideia de que tal situação possui maior interesse internacional, que nacional, posto que, verificou-se, ser muito maior o empenho e a procura pelo conhecimento e patenteação sobre espécies brasileiras no âmbito internacional, que no domínio nacional, em manter e interessar-se pelas riquezas naturais do seus país, sabido que, este não é o único país que passa pela mesma problemática e necessidade de ter as vendas que ocultam os olhos dos seus habitantes soltas.

 

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[1] Advogada; Pós-graduada em Direito do Trabalho e Previdenciário; Autora do Blog Direito em Estudo; Autora do livro A Promoção dos Direitos Humanos Fundamentais Através da Polícia Militar.