terça-feira, 17 de março de 2015

COMENTÁRIOS ACERCA DA NOTA PROMISSÓRIA CONFORME DOUTRINA DE ROSA JUNIOR




Originou-se na Idade Media, através da cautio que compreendia um documento emitido por banqueiro, em reconhecimento de dívida contraída junto ao mercador em uma determinada cidade e prometendo pagar o valor em outra cidade. Devido ao fato de terem originado de operação de câmbio, a letra promissória e a letra de câmbio, são denominadas cambial.

No direito brasileiro, o Código Comercial brasileiro de 1850, embasou regulamentação mais detalhada acerca deste título, que correspondiam uma promessa ou obrigação de pagar uma quantia certa e com prazo fixo à pessoa determinada ou ao portador, à ordem ou sem ela, sendo assinados por comerciantes, estando sujeitas a protesto, somente se nelas contivesse com endosso. Posteriormente, através os arts. 54 e55 do Decreto n° 2.044/1908, por meio de revogação do Código Comercial, passou a disciplinar a matéria. Atualmente ela é regulada através do Decreto n° 57.663/66 – Lei Uniforme de Genebra.

A Nota Promissória compreende um título de crédito abstrato, formal, através do qual um indivíduo, denominado emitente, faz outro indivíduo, designado beneficiário, uma promessa pura e simples de pagamento de quantia determinada, à vista ou a prazo, em seu favor ou de outrem sob sua ordem, nas condições dela constantes.

Compreende um título abstrato devido ao fato de que a lei não determina as causas para sua emissão, podendo decorrer de qualquer causa, e corresponde a um documento formal, porque só produzirá os efeitos determinados se estiver em consonância com as determinações legais. A nota promissória precisa embasar promessa pura e simples de pagamento porque as obrigações cambiarias não podem ter a sua eficácia subordinada a evento futuro e incerto, porque prejudicaria a circulação do título, que corresponde a função precípua de sua criação.

As assinaturas constantes da nota promissória consubstanciam promessas de pagamento, que demarcam a sua natureza jurídica. A emissão da nota promissória decorre de uma declaração unilateral de vontade e não de contrato. A nota promissória contém apenas dois sujeitos, o emitente, que a subscreve e faz a promessa de pagamento, e o beneficiário, em favor de quem é feita a mencionada promessa. Salienta-se que o emitente faz uma promessa de pagamento a uma pessoa indeterminada, que será quem estiver portando o título no momento do vencimento, visto que a função da nota promissória é a negociabilidade, isto é, nasce para circular e não para ficar imóvel entre as partes originárias.

Quanto aos Requisitos essenciais da Nota Promissória: o título que faltar alguns dos requisitos essenciais elencados no art. 75 da LUG, assim como os requisitos exigidos pelo direito comum, sob pena de não produzir efeito como nota promissória, isto é, o documento não será nulo ou inexistente, apenas ineficaz como nota promissória, podendo ser completado antes do protesto ou da ação cambiária. Já no art. 76, alínea 2ª da respectiva lei, encontra-se os requisitos não essenciais que compreendem o vencimento, o lugar de emissão e o lugar do pagamento.

São requisitos essenciais:

1.       Denominação – o título deve conter a denominação nota promissória escrita no texto do documento e na língua de sua redação.
2.       Promessa incondicional de pagar quantia determinada- este documento consiste em uma promessa de pagamento, fator este que é requisito intrínseco do documento, sendo a mesma pura e simples.
3.       Nome do Beneficiário: nome da pessoa a quem ou à ordem de quem deve ser paga, não se admitindo nota promissória ao portador.
4.       Data da emissão: deve constar devido sua importância jurídica.
5.       Assinatura do emitente: para que o documento possa produzir efeitos como nota promissória, pois traduz o reconhecimento da dívida.


ROSA JUNIOR, Luiz Emygdio Franco da. Títulos de Crédito. 7 ed. ver. atual. – Rio de Janeiro: Renovar, 2011.

domingo, 1 de março de 2015

A DEMOCRACIA SOB A PERSPECTIVA DE UM DIREITO DA TEORIA DA QUARTA DIMENSÃO



A DEMOCRACIA SOB A PERSPECTIVA DE UM DIREITO DA TEORIA DA QUARTA DIMENSÃO


Aline Oliveira Mendes de Medeiros Franceschina[1]

RESUMO

O presente artigo tem por objetivo apresentar a teoria da quarta dimensão do Direito, qual seja a Democracia, como sistema político ideal para a materialização e eficácia dos direitos fundamentais aos seres humanos de forma indistinta, em virtude de seu modelo político, que permite um contato direto e imediato com a sociedade, por meio de garantias constitucionais: sufrágio universal permite ao povo eleger seus representantes; ação civil pública permite à sociedade uma direta forma de expressão com o Estado; ação civil pública; mandato de injunção; mandato de segurança; ação direta de inconstitucionalidade; entre inúmeras outras prerrogativas, garantidas por este modelo como forma de proteção à repressão estatal e meio de efetivação de direitos. O método utilizado foi o de pesquisas bibliográficas. O estudo baseou-se em afirmativa histórica sobre os direitos fundamentais, de maneira a expressar as principais mudanças ocorridas no decorrer do tempo, incluindo, assim, a passagem do Estado Absoluto de Direito para o atual modelo de Estado Democrático de Direito, que é considerado, pelo respectivo texto, como padrão para todos os países, com vistas na efetivação da dignidade da pessoa humana, conforme será exposto.

Palavras-chave: Estado democrático de direito; Direitos fundamentais; Dimensões ou gerações de direito; Democracia; Dignidade da pessoa humana.

ABSTRACT

This paper aims to present the theory of the fourth dimension of law, namely democracy, as being ideal for the realization and effectiveness of the fundamental human rights without distinction on account of his political model political syste which allows a direct and immediate contact with society through constitutionality guarantees, such as universal suffrage, which allows the people to elect their representatives as well as civil action, which allows the company, a direct form of expression with the state, as well as other measures, the civil action, the mandate of injunction, mandate safety, direct action of unconstitutionality, among numerous other privileges secured by this model as a way of protecting state repression and effective means of rights. Thus, the method used was the literature searches. The study was based on a historical statement on fundamental rights in order to express the main changes over time, as well, including the passage of absolute state of law, for the current model democratic state, whose it is deemed, by its text, as the standard for all countries, aiming at realization of the dignity of the human person, as will be discussed through the manuscript under discussion.

Keywords: Rule of law; Fundamental rights; Generations of law or dimensions; Democracy; Dignity of the human person.

CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS

O presente estudo tem por escopo abordar a teoria da quarta dimensão dos direitos fundamentais, ou seja, a teoria que define a democracia como sistema político ideal para a completa efetivação dos direitos fundamentais na sociedade.

50 Por conseguinte, propõe-se, por intermédio desta teoria, fundamentar a compatibilidade entre este modelo político e sua função de concretização do bem comum, com vistas na efetivação dos direitos inerentes ao ser humano, alicerçado pelo princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, em razão de que este princípio ideológico e político-constitucional não se baseia em simples viver, mas sim em viver com dignidade, tendo ao menos um mínimo existencial de direitos protegidos e efetivados.

O objetivo proposto neste trabalho será realizado pelo método de pesquisas bibliográficas, de maneira a discorrer acerca dos principais tópicos que concernem à temática, sob o prisma dos mais prestigiados doutrinadores, de forma a fundamentar a teoria da democracia, como modelo para alcançar a materialização e efetivação dos direitos fundamentais.

Nesse sentido, será efetuada abordagem histórica dos direitos fundamentais, com vistas a visualizar as mudanças que ocorreram na sociedade, estas foram obtidas por meio de transformações ideológicas e culturais, de maneira a embasar a conclusão de que as leis acompanham o desenvolvimento da sociedade, isto é, são as leis que estão à disposição das pessoas, e não estas que estão à disposição das leis. Ou seja, o ordenamento jurídico apenas existe como meio de garantir e efetivar os direitos indispensáveis à convivência do ser humano em sociedade.

Feita a análise histórica acerca dos direitos fundamentais, abordar-se-á a questão do Estado Absoluto de Direito e sua gradativa conversão para Estado Democrático de Direito, com vistas a demonstrar a necessidade do ser humano de evoluir e modificar sua existência, por meio de novas ideologias e concepções de direitos que necessitavam ser protegidos por um Estado garantidor. Consequentemente, ao longo desta transmutação de necessidades, ideologias e culturas, emergiu o que a doutrina denomina geração ou dimensão de direitos, ou seja, conforme a realidade e a necessidade da época em que se encontravam os seres humanos afloravam a imprescindibilidade de novas garantias jurídicas, cujo propósito consistia na proteção e garantia de uma vida digna.

Desta forma, surgiram, com a teoria original de Karel Vasak, as denominadas gerações de direitos, que, originalmente, compreendiam três gerações, porém, no decorrer do tempo, a doutrina entrou em discordância no que diz respeito ao termo geração, sob a premissa de que poderia estar sendo interpretado de forma equivocada, denominando-se, assim, dimensão de direitos. Esta questão será exposta de forma mais específica no item 4 do respectivo trabalho.

A modificação do termo denominativo não foi à única transformação que ocorreu no transcorrer do tempo, visto que, devido ao fato de a sociedade ter evoluído, com ela, também, modificaram-se as prerrogativas dos seres humanos, resultando no que alguns doutrinadores sustentam como as novas gerações ou dimensões de direitos. Bonavides (2004) abarca uma possível quarta geração, na qual se encontra a Democracia; neste sentido o referido autor, em conformidade 51 com outros autores renomados, sustenta ainda a existência de quinta, sexta e até mesmo de uma sétima dimensão de direitos.

No entanto, o peculiar trabalho ater-se-á apenas às teorias que retratam até a quinta geração, as quais são defendidas pela maioria da doutrina, com enfoque especial à questão da democracia (quarta geração), posto que nesta geração reside o objetivo principal do referido documento.

Na conclusão, serão apresentados os argumentos favoráveis ao sistema democrático de direito, considerando tal sistema político como modelo ideal de concretização da Carta Maior, portanto, o conjunto Ideal para garantir o melhor convívio social e a efetivação dos direitos inerentes aos seres humanos.

AFIRMAÇÃO HISTÓRICA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Na concepção de Sarlet (2009), em citação a Stern, o reconhecimento histórico dos direitos fundamentais ocorreu em três etapas, in verbis:

(...) a) uma pré-história, que se estende até o século XVI; b) uma fase intermediária, que corresponde ao período de elaboração da doutrina jus naturalista e da afirmação dos direitos naturais do homem; c) a fase de constitucionalização, iniciada em 1776, com as sucessivas declarações de direitos dos novos Estados americanos. (Grifos do original).

Neste sentido, complementa Moraes (2013), os direitos individuais do homem tiveram origem no terceiro milênio a.C., no antigo Egito e Mesopotâmia, onde eram configurados mecanismos individuais de proteção relacionados ao Estado. O pioneiro em consagrar expressamente “um rol de direitos comuns a todos os homens” foi o Código de Hamurabi.

Destarte, em 500 a.C., Buda, por sua vez, difundiu os direitos do homem, por via de sua influência religiosa. Posteriormente eclodiram na Grécia diversos estudos coordenados, a respeito da necessidade de igualdade e liberdade entre os homens, com enfoque na democracia direta de Péricles, que, em 441 a.C., pela obra Antígona, em expressão às ideologias sofistas e estoicas, faz emergir a crença de “um direito natural anterior e superior às leis escritas”, denominado Jusnaturalismo, conforme denota Moraes (2013). Nesse entendimento segue Sófocles, defendendo a existência de prerrogativas não escritas e imutáveis, inerentes a todos os homens.

No entanto, foi em virtude do Direito romano que teve afirmação a tutela dos direitos individuais contra os arbítrios estatais, por via da Lei das doze tábuas. A este respeito, congrega Marmelstein (2013) que “a noção de direitos do homem é tão antiga quanto à própria sociedade”, visto que tal ideologia se mostrou presente desde os primórdios em todas as culturas, seja em maior ou em menor intensidade.

52 Por consequência, salienta Moraes (obra citada) que a certificação dos direitos fundamentais sofreu influência direta do Cristianismo, que trouxe preceitos indispensáveis para a asseveração da dignidade da pessoa humana, tal como a igualdade entre os homens, independente de sexo, raça ou credo.

Desta forma, elucida Comparato (2010) que “tudo gira, assim, em torno do homem e de sua eminente posição no mundo”, pois a dignidade da pessoa humana tomou forma, primeiramente por meio da religião, seguida da filosofia e findando-se pela ciência.

Neste enfoque, por intermédio da fé monoteísta, a religião justificou a superioridade do ser humano, uma vez que, nesta concepção, tudo fora criado por Deus (expressão da Bíblia) “único e transcendente”, o qual cedeu poder ao homem, para que predominasse sobre tudo que existe na Terra (Gênesis 1, 26).

Posteriormente, a tese acerca da hierarquia do homem tornou-se justificável com a ascensão da ideia de racionalidade humana, difundida por poetas e filósofos gregos, que consideravam tal característica como atributo exclusivamente humano. No campo científico, esta valoração se justificou com a descoberta do processo evolutivo dos seres vivos, já que “a própria dinâmica da evolução vital se organiza em função do homem”, conforme expressa Comparato (obra citada).

No que concerne à consolidação histórica, durante a Idade Média, diversos documentos foram redigidos reconhecendo os direitos fundamentais como predominantes frente ao poder estatal, conforme discorre Moraes (obra supracitada).

A partir do século XVIII, ocorreu desenvolvimento contundente acerca das declarações de direitos fundamentais, em que se acentuarão, como importantes referências históricas, países como a Inglaterra, com a Magna Charta Libertatum, consentida por João Sem-Terra, em 15 de junho de 1215. Sobre ela, destaca Marmelstein (obra supramencionada) que originalmente redigida em latim, apenas a classe privilegiada dominava tal linguajar, logo, tal documento teve pouca utilidade para a população carente.

Ainda na vertente histórica, encontrar-se-á, como referência, a Petition of Right, de 1628, que consagrou a liberdade de agir, bem como o Habeas Corpus, de 1679, cuja definição oficial, segundo Comparato (2010), consistia em “uma lei para melhor garantir a liberdade do súdito e para prevenção das prisões no ultramar”. Foi instituída para regulamentar a Petition of Right, de maneira a conferir significativas modificações ao instituto, com o objetivo de efetivar melhorias em sua eficácia jurídica.

Moraes (obra citada) enumera como marcos histórico: o Bill of Rights, de 1689, que trouxe diversas restrições ao poder estatal, no entanto, em contrapartida, promulgou expressamente a negação da liberdade religiosa; o Act of Settlement, de 12 de junho de 1701, que se consolidou como uma normativa reafirmadora “do princípio da legalidade e da responsabilização política dos agentes públicos”; a Declaração de Direitos da Virgínia, de 16 de junho de 1776, proclamando o direito à vida, à liberdade e à propriedade; a Declaração de Independên- 53 cia dos Estados Unidos da América, de 4 de julho de 1776, elaborada por Thomas Jefferson, frisando a limitação do poder estatal; e a Constituição dos Estados Unidos, de 17 de setembro de 1787, que estabeleceu a separação dos poderes estatais e os direito humanos fundamentais, com o fim de limitar o poder estatal.

No entanto, foi a França a consagradora, de forma indiscutível, dos direitos fundamentais, por meio da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em 26 de agosto de1789, que veio a positivar os direitos naturais disponíveis a todos os homens, indistintamente.

De forma ampla, estes são os pontos históricos indispensáveis para um estudo acerca da efetivação dos direitos fundamentais, sendo sucedidos, porém, por inúmeras outras afirmações importantes, as quais não serão abordadas de forma específica no presente estudo, pois não se enquadram no artigo de forma contributiva. Assim, segue-se como significativo momento histórico que consistiu na transmutação do Estado Absolutista para o Estado Democrático de Direito.

DO ABSOLUTISMO AO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

Em relação ao sistema absolutista, segundo entendimento de Bodin (1992), a soberania neste momento histórico se traduzia em um poder absoluto e perpétuo, ocupado pelo rei, porque consistia na necessidade de uma base rígida e inalterável de poder político. No entanto, Hobbes (2003) preleciona que os contratos, sem a força, não possuem poder de coerção suficiente para transmitir segurança ao ser humano; desta maneira, o Estado precisaria principalmente do elemento coercitivo para garantir a expressão de seus dizeres.

Destarte, o Absolutismo, resultado de mudanças europeias, apresentava-se como o sistema político ideal para proteger o homem de si mesmo, modelo este que predominou no Antigo Regime, entre os séculos XV e XVIII, legalizando ao Estado soberania indiscriminada, já que, em suas mãos, concentravam-se os três poderes.

Neste sentido, Hobbes (2003) dispõe que “enquanto cada homem detiver seu direito de fazer tudo que queira, a condição de guerra será constante para todos”, tendo-se em vista que, para o ele, o homem seria essencialmente mau e egoísta, com ambição crescente por poder, a qual apenas cessaria com sua morte, encontrando-se, dessa forma, a justificativa da necessidade de um poder soberano, comparado pelo autor ao Leviatã, o monstro marinho mencionado pela Bíblia, o qual somente Deus controlaria.

Estatui Hobbes (apud MARMELSTEIN, 2013) que “o soberano deveria possuir um poder absoluto, sem qualquer limitação jurídica ou política. Nada que o soberano fizesse poderia ser considerado injusto (...), o soberano podia tudo e somente prestava contas a Deus”.

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Em prosseguimento, Maquiavel (2007) defendia a legitimidade de qualquer meio para que o soberano, em defesa dos negócios públicos, se mantivesse no poder, fosse por meio de lei ou em virtude da força; para ele, não havia limites no que concerne aos alcances de seus objetivos, in verbis:

Quem num mundo cheio de perversos pretende seguir em tudo os princípios da bondade, caminha para a própria perdição. Daí se conclui que o príncipe desejoso de manter-se no poder tem de aprender os meios de não ser bom e a fazer uso ou não deles, conforme as necessidades.

Para Marmelstein (obra citada), o corolário destes dois pensadores era que deveria haver um “Estado forte (Leviatã), absoluto, sem limites e sem escrúpulos, onde o soberano poderia cometer as maiores atrocidades para se manter no poder (...), posto que a vontade do soberano estaria acima de qualquer concepção jurídica”. Assim, entre os Estados Absolutistas, destacam-se Portugal, França, Inglaterra e Itália.

Salienta-se que foram dois os eventos históricos que contribuíram para a ruína do absolutismo, a Revolução Gloriosa, 1688-1689, ocorrida na Inglaterra, e a Revolução Francesa, em 1689, tendo como ideário o Iluminismo.

Um dos pioneiros a questionar este sistema foi Johannes Althusius, em sua obra intitulada Política, mencionado por Marmelstein (obra citada), na qual o autor questiona o poder absoluto e desenfreado do rei; para o questionador “todo o poder está atado às leis, aos direitos e à equidade”. Tal ideia, originária de 1603, somente foi rediscutida em 1690, por Locke, por meio de seu Segundo tratado sobre o governo (2003):

O único modo legítimo pelo qual alguém abre mão de sua liberdade natural e assume os laços da vida civil consiste no acordo com outras pessoas para se juntar e unir-se em comunidade, para viverem com segurança, conforto e paz umas com as outras, com a garantia de gozar de suas posses, e de maior proteção contra quem não faça parte dela.

Nessa acepção, Locke (obra citada) defendia que as pessoas se uniam de maneira voluntária com o fim de viverem em sociedade, relegando, então, sua liberdade inerente para a comunidade ao aquiescerem em respeitar as leis, que seriam pactuadas por todos os membros da sociedade, emergindo, nesse momento, a base teórica para o Estado Democrático de Direito.

Locke (obra citada) acreditava na indispensabilidade da separação de poderes, em decorrência de que “poderia ser tentação excessiva para a fraqueza humana a possibilidade de tomar conta do poder, de modo que os mesmos que detenham a missão de elaborar leis, também, tenham nas mãos o poder de executá-las”.

Destarte, o magistrado Charles-Louis de Secondat, popularmente denomi- 55 nado Barão de Montesquieu (apud MARMELSTEIN, 2013), dispõe que “todo homem que tem poder é tentado a abusar dele”, então, “para que não se possa abusar do poder é preciso que, pela disposição das coisas, o poder freie o poder”. Nesse sentido:

Quando na mesma pessoa ou no mesmo corpo de magistratura o poder legislativo está reunido ao poder executivo, não existe liberdade, pois se pode temer que o mesmo monarca ou o mesmo senado, apenas, estabeleçam leis tirânicas para executá-las tiranicamente (...). Não haverá também liberdade se o poder de julgar não estiver separado do poder legislativo e executivo. Se estivesse ligado ao poder legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário, pois o juiz seria o legislador. Se estivesse ligado ao poder executivo, o juiz poderia ter a força de um opressor.

Para tanto, Marmelstein (obra citada) acentua a sincronia existente entre a técnica da separação do poder e os direitos fundamentais, intrínsecos na formação do Estado democrático de Direito. Nessa orientação, citar-se-á o art. 16 da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, que preleciona a imprescritibilidade da existência do reconhecimento dos direitos fundamentais, bem como a necessidade da separação dos poderes, para que possa existir verdadeira Constituição.

Em decorrência, subentende-se que, para um país ser democrático, necessita da existência de mecanismos de controle da opressão estatal; assim, este método político, mesmo na atualidade, se torna perfeitamente eficaz, visto que boas partes dos países ocidentais adotam tal sistema, em que o povo elege seus governantes, que se obrigam a prestar obediência às leis, também provindas da sociedade, tendo suas funções estatais subdivididas em diferentes órgãos, quais sejam, Legislativo, Executivo e Judiciário.

Conforme se pôde constatar, “os direitos fundamentais foram criados, como instrumentos de limitação do poder estatal” como dispõe Marmelstein (obra citada), assim, “eles surgiram como barreira ou escudo de proteção dos cidadãos contra a intromissão indevida do Estado, em sua vida privada e contra o abuso de poder”.

Dessa forma, a finalidade do Estado é a busca efetiva do bem comum, e o governo provém do povo e trabalha em função deste; nesse contexto, este modelo político (a Democracia) é o único sistema que permite alterações sociais, sem a necessidade de violência, como bem coloca Marmelstein (supracitado), consentindo em um modelo a ser seguido por todos os países, cujos ideais buscados são eficazes para a concretização da Constituição na sociedade e assim ao convívio harmônico dos seres humanos. Porém, convém salientar que, como o governo é efetuado por homens, existe a possibilidade de que venham a ocorrer

56 desvios de conduta neste sistema, passando uma ideia equivocada de ineficácia deste modelo político, ideia esta que será descortinada no decorrer do trabalho.

Então, transcorrido este percurso histórico, segue-se para as dimensões do direito, transpostas no tópico a seguir.

Dimensões do direito: efetividade e conteúdo

No que reporta aos direitos fundamentais, Marmelstein (obra citada) defende que eles compreendem valores “que acompanham a evolução cultural da própria sociedade. Desse modo, é natural que o conteúdo ético dos direitos fundamentais também se modifique ao longo do tempo”, nesse sentido também se posiciona Bobbio (2004). Por conseguinte, no que se refere às dimensões dos direitos, Karel Vasak desenvolveu uma teoria que culminou na aceitação internacional, inclusive no Brasil, sendo proferida por decisões do STF, como forma de fundamentar seus raciocínios. Tal teoria foi elaborada em homenagem à Revolução Francesa, na qual cada princípio fundamenta uma cor da bandeira da França, sendo denominada teoria das gerações de direito. Neste sentido, Marmelstein (devidamente citado), salienta:

a)         A primeira geração dos direitos seria a dos direitos civis e políticos, fundamentados na liberdade (liberté), que tiveram origem com as revoluções burguesas;

b)        A segunda geração, por sua vez, seria a dos direitos econômicos, sociais e culturais, baseados na igualdade (égalité), impulsionada pela Revolução Industrial e pelos problemas sociais por elas causados;

c)         Por fim, a última geração seria a dos direitos de solidariedade, em especial, o direito ao desenvolvimento, a paz e ao meio ambiente, coroando a tríade com a fraternidade (fraternité), que ganhou força após a Segunda Guerra Mundial, especialmente, após a Declaração Universal de Direitos Humanos, de 1948.

Neste escopo, Cunha Junior (apud MARMELSTEIN 2013) orienta que “as gerações dos direitos revelam a ordem cronológica do reconhecimento e afirmação dos direitos fundamentais, que se proclamam gradualmente na proporção das carências dos seres humanos, nascidas em função de mudanças nas condições sociais”. Desta forma, a priori, destaca-se breve comentário acerca da terminologia utilizada, para, então, fazer especificação acerca de cada geração. Ao que deslinda Marmelstein (obra citada), in verbis:

A expressão geração de direitos tem sofrido várias críticas por meio da doutrina nacional e estrangeira, pois o uso do termo geração pode dar a falsa impressão de substituição gradativa de uma geração por outra, o que é um erro, já que, por exemplo, os direitos da liberdade não desaparecem ou não deveriam desaparecer quando surgem os direitos sociais e assim por diante. Na verdade, todo o Estado Democrático de Direito 57 é alicerçado nos direitos de primeira geração, de modo que seria inconcebível que eles cedessem lugar aos de segunda geração. O processo é de acumulação e não de sujeição. (Grifos do original).

Assim, Perez-Luño (apud MARMELSTEIN, 2013) acrescenta:

Vale advertir que as gerações de direitos humanos não representam um processo meramente cronológico e linear. No curso de sua trajetória, produzem-se constantes avanços, retrocessos e contradições. De outro lado, as gerações de direitos humanos não implicam na substituição global de um catálogo de direitos por outro, já que em algumas ocasiões surgem novos direitos como resposta a novas necessidades históricas; outras vezes, exigem o redimensionamento ou redefinição de direitos anteriores para adaptá-los aos novos contextos em que devem ser aplicados.

Por consequência, em decorrência desta discrepância terminológica, Guerra Filho (1999), Sarlet (2009), Bonavides (2004), entre outros doutrinadores, aderiram ao termo dimensões em lugar de gerações. Ademais, incorre em erro, também, aquele que procurar classificar determinados direitos, como se eles fizessem parte de apenas uma dimensão, posto que o correto seria analisá-los, sob todas as perspectivas, devido ao fato de que eles se complementam de forma indivisível e interdependente.

Nas palavras de Marmelstein (obra citada), “não há qualquer hierarquia entre essas dimensões. Na verdade, elas fazem parte de uma mesma realidade dinâmica. Essa é a única forma de salvar a teoria das dimensões dos direitos fundamentais”. Em conformidade, assevera Sarlet (obra citada), para o qual:

Com efeito, não há como negar que o reconhecimento progressivo de novos direitos fundamentais tem o caráter de um processo cumulativo, de complementaridade, e não de alternância, de tal sorte que o uso da expressão “gerações” pode ensejar a falsa impressão da substituição gradativa de uma geração por outra, razão pela qual há quem prefira o termo “dimensões” dos direitos fundamentais. (Grifos do original).

Em extensão, Marmelstein (obra citada) salienta a importância de se considerar esses direitos como valores “indivisíveis e interdependentes”, de maneira que “de nada adianta a liberdade, sem que sejam concedidas as condições materiais e espirituais mínimas para a fruição desse direito”. Desta forma, os respectivos autores não verificam possibilidades em se “falar em liberdade, sem um mínimo de igualdade, nem de igualdade sem as liberdades básicas”. A busca pela efetivação desses direitos deve ser abarcada em conjunto, dado que um possui tanta importância quanto o outro, a ponto de complementarem-se. Nessa direção, considera Bonavides (obra citada):

58 Se hoje esses direitos parecem já pacificados na codificação política, em verdade se moveram em cada país constitucional num processo dinâmico e ascendente, entrecortado não raro de eventuais recuos, conforme a natureza do respectivo modelo de sociedade, mas permitindo visualizar a cada passo uma trajetória, que parte com frequência de mero reconhecimento formal, para concretizações parciais e progressivas, até ganhar a máxima amplitude nos quadros consensuais de efetivação democrática de poder.

Findo este aspecto, segue-se para as dimensões, de forma individualizada, como maneira de apresentar um entendimento mais abrangente acerca da matéria.

Teoria da primeira, segunda e terceira dimensões de direito

Influenciados pela forte opressão estatal vivenciada pela sociedade, os direitos protegidos nas declarações pioneiras seguiam o pensamento iluminista.

Portanto, neste momento histórico, foi reconhecido o direito da liberdade, bem como os direitos políticos, objetivando materializar a democracia, pela participação do povo na iniciativa de decisões políticas, por intermédio do voto, do direito a filiação partidária, entre outros. Com efeito, Bobbio (2004) define tais direitos como direitos individuais, de natureza civil e política, cujo objetivo consiste na proteção da sociedade de opressões estatais, por via da tutela das liberdades públicas.

Nesse enfoque, Canotilho (apud MARMELSTEIN, 2013) denota na área jurídica objetiva que os direitos civis e políticos (direitos de liberdade) teriam competência negativa aos poderes públicos, uma vez que proíbem a intervenção do Estado, no âmbito jurídico individual, em respeito à dignidade da pessoa humana. Esses direitos se estendem a todos os seres humanos, indistintamente, pelo simples fato de serem inerentes a pessoa humana, sem que, para fazer parte dessa tutela, a pessoa precise de caráter especial, e são reconhecidos como direitos da primeira geração.

Desta feita, o excesso de liberdade da primeira dimensão resultou em desequilíbrio social, que urgiu por reparação, por meio da queda do Estado Liberal e do nascimento do Estado-providência, para os franceses, e do Estado do Bem-Estar Social (Welfere State), para os americanos, modelo no qual o Estado, ainda inserido no paradigma capitalista, compromete-se a promover igualdade social e a garantir as condições básicas para uma vida com dignidade. Nascem, então, os direitos de segunda dimensão, isto é, os direitos sociais, culturais e econômicos, ou seja, são os direitos da igualdade entre os homens. Ocorre, porém, que, como bem sustenta, Marmelstein (obra citada):

Apesar do espírito humanitário que inspirou as declarações liberais de direito e do grande salto que foi dado na direção da limitação do poder estatal e da participação do povo nos negócios públicos, o certo é que essas declarações não protegiam a todos. Muitos setores da sociedade, 59 sobretudo os mais carentes, ainda não estavam totalmente satisfeitos apenas com essa liberdade de “faz de conta”. Eles queriam mais. A igualdade meramente formal, da boca para fora, que não saía do papel, era o mesmo que nada. Por isso, eles pretendiam e reivindicaram também um pouco mais de igualdade e inclusão social.

Esse momento histórico contou com o apoio, inclusive, da Igreja Católica, que até então se mantinha neutra, por meio da encíclica Rerum novarum, do Papa Leão XIII, em 15 de maio de 1891, documento este que criticava as condições sociais dos trabalhadores e pedia o reconhecimento dos direitos trabalhistas.

Nesse instante, guiado pelas condições de fragilidade do trabalhador e pelo clamor social, o legislador criou direitos mínimos à classe, com estabelecimento delimites na atuação do empregador, tais como o direito a um salário mínimo, o direito de greve, entre outros.

Em concordância, Fabre (2003), destaca:

(...) ao longo da evolução do espírito democrático, os Estados modernos compreenderam que o valor dos direitos do homem decorre antes de sua eficácia, que de sua idealidade e que o importante é transformar seu dever-ser num dever-fazer aplicado e obedecido. Mas o preço a pagar por essa transformação é pesado: o Estado-Providência transforma-se, numa sociedade que prevê seguridade e é regido pelo “direito da necessidade” (...).

Destarte, Sarmento (2006) instrui em favor do reconhecimento de condições básicas dos indivíduos, pois que, sem esta prerrogativa, a liberdade se torna fórmula vazia, visto que a liberdade apenas se efetiva, por meio da autonomia de agir e de viver de acordo com suas expectativas.

Para tanto, os direitos culturais, sociais e econômicos se tornam essenciais por parte do Estado, como garantia de uma vida digna. Esses direitos foram efetivados primeiramente, pela Constituição do México em 1917 e pela Constituição de Weimar de 1919, “fornecendo bases jurídicas para o reconhecimento da igualdade econômica e social como diretriz imposta constitucionalmente”, nas palavras de Marmelstein (obra citada).

Semelhante a isso, em continuação a explanação do referido autor, movido pela crise da quebra da Bolsa de Valores de New York, de 1929, o Presidente Franklin Delano Roosevelt desenvolveu o programa político denominado New Deal, cujas diretrizes reivindicavam maior intervenção estatal na economia e no investimento público em políticas sociais, tais medidas englobavam a legalização de diversos direitos sociais mínimos, como o seguro-desemprego, os pisos salariais, etc.

Ocorre que, devido ao fato de a Constituição Americana ser eminentemente liberal, excluindo os direitos sociais de seu rol de prerrogativas, a não ser na cláusula de garantia do direito de igualdade, as assertivas acerca dos direitos sociais mínimos, neste país, foram implementadas em nível notavelmente menos

60 intenso que nos demais estados ocidentais.

De outra forma, no Brasil, por meio da Constituição de 1934, ocorria o primeiro passo na direção da formação do Estado do bem-estar social, sendo seguida de maneira mais abrangente, pela Constituição de 1946, abordando diversos direitos sociais, do mesmo modo que os direitos relacionados à proteção dos trabalhadores. No que tange ao assunto, enfatiza Marmelstein (obra citada):

Os direitos de primeira geração tinham como finalidade, sobretudo, possibilitar a limitação do poder estatal e permitir a participação do povo nos negócios públicos. Já os direitos de segunda geração (...). Impõem diretrizes, deveres e tarefas a serem realizadas pelo Estado, no intuito de possibilitar aos seres humanos melhores qualidade de vida e um nível razoável de dignidade como pressuposto do próprio exercício de liberdade. Nessa acepção, os direitos fundamentais de segunda geração funcionam como uma alavanca ou uma catapulta capaz de proporcionar o desenvolvimento do ser humano, fornecendo-lhe as condições básicas de gozar, de forma efetiva, a tão necessária liberdade.

Em conformidade, Bonavides (obra citada) dispõe que os direitos de segunda dimensão tiveram “eficácia duvidosa, em virtude de sua própria natureza de direitos, que exigem do Estado determinadas prestações materiais, nem sempre resgatáveis por exiguidade, carência ou limitação essencial de meios e recursos”.

Desta forma, no fim da Segunda Guerra Mundial, originou-se um movimento mundial em favor da valoração de direitos inerentes à dignidade da pessoa humana, no sentido de que seriam valores universais.

Como resultados, surgem diversos tratados internacionais proclamando a efetivação desses valores, em busca de um padrão ético global. É nesse momento que surgem os direitos da terceira geração, “fruto do sentimento de solidariedade mundial, que brotou como reação aos abusos praticados durante o regime nazista”, acentua Marmelstein (obra citada). Nessa geração, busca-se a proteção do gênero humano, e não apenas do indivíduo abstrato. Nesse sentido, assevera Bonavides (obra citada):

Dotados de altíssimo teor de humanismo e universalidade, os direitos de terceira geração tendem a cristalizar-se no fim do século XX, enquanto direitos que não se destinam especificamente à proteção dos interesses de um indivíduo, de um grupo ou de um determinado Estado. Tem primeiro por destinatário, o gênero humano, mesmo, num momento expressivo de sua afirmação, como valor supremo em termos de existencialidade concreta.

Nesta direção, por meio da Declaração dos Direitos Humanos de 1948, emergiu nova ordem mundial, por sua vez, comprometida com os direitos fundamentais, inspirando a aprovação de vários outros tratados de suma importân- 61 cia, tais como o Pacto de São José da Costa Rica e o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, sociais e culturais, que abordam inúmeras diretrizes a serem observadas pelos Estados que o firmaram, entre os quais o Brasil.

Da mesma forma, foram formados Tribunais Internacionais de Direitos Humanos, com o intuito de garantir a observância dos tratados internacionais, reforçando a ideia de que o desrespeito aos direitos fundamentais fere a humanidade de forma universal, de acordo com Marmelstein (obra citada).

Por consequência, a Constituição brasileira de 1988emergiu em sintonia com tal geração, posto que elencasse quase todos os direitos fundamentais da terceira geração em seu texto. Porém, o doutrinador Sarlet (obra citada), preleciona uma crítica a esta geração, in verbis:

Com efeito, cuida-se, no mais das vezes, da reivindicação de novas liberdades fundamentais, cujo reconhecimento se impõe em face dos impactos da sociedade industrial e técnica deste final de século. Na sua essência e pela sua estrutura jurídica de direitos de cunho excludente e negativo, atuando como direitos de caráter preponderantemente defensivo poderiam enquadrar-se, na verdade, na categoria dos direitos de primeira dimensão, evidenciando, assim, a permanente atualidade dos direitos de liberdade, ainda que com nova roupagem e adaptados às exigências do homem contemporâneo.

Neste aporte, Bonavides (obra citada) sustenta que, para a efetivação dos direitos de solidariedade e fraternidade, requerem-se novas técnicas por parte do Estado, de garantia e proteção de caráter universal, pois que o princípio da solidariedade se expressa no dever do Estado, em particular, de considerar em suas decisões o bem comum a todos os outros Estados e de seus cidadãos, bem como o auxílio recíproco para a superação de dificuldades que outros Estados venham a sofrer coordenação sistemática da política econômica.

Neste sentido, se faz necessária a consideração do Planeta dividido por nações desenvolvidas e subdesenvolvidas, de maneira a materializar, em escala maior ou menor, a necessidade de intervenção das garantias fundamentais em cada área. Assim, como resultado da evolução dos direitos fundamentais, a busca pela efetivação da dignidade humana se fez constante na história; para tanto, o sistema normativo deve se adaptar às constantes mudanças sociais e culturais da sociedade, sendo, nesse caso, natural que outros valores se agreguem aos valores já existentes, assim como estes sejam constantemente atualizados, com vistas a refletirem a mentalidade e as necessidades atuais da sociedade.

Por conseguinte, salienta Marmelstein (obra aludida):

(...) daí falar-se em novas gerações além daquelas três imaginadas por Karel Vasak. Já se fala em direitos da quarta, quinta, sexta e até sétima gerações, que vão surgindo com a globalização, com os avanços tecno62 lógicos (cibernética), e com a descoberta da genética (bioética).

Ocorre, porém, que, como a temática principal do respectivo trabalho, restringe-se à teoria da quarta geração, isto é, no direito ao pluralismo político, ela será explicada em tópico próprio, de forma a efetuar um destaque maior e específico à Democracia; nesse sentido, o texto passará a explanar amplamente a teoria da quinta geração de direitos.

Assim, como direito da quinta geração, em concordância com alguns doutrinadores, tal como Bonavides (obra citada), tem-se o direito à paz, retirado pelo respectivo autor dos direitos da terceira geração, devido a sua importância, colocando-o em um patamar de destaque, para que os seres humanos se conscientizem da necessidade e abrangência de seu tema, ou seja, “a dignidade jurídica da paz deriva do reconhecimento universal que se lhe deve enquanto pressuposto qualitativo da convivência humana, elemento de conservação da espécie, reino de segurança dos direitos”.

Isso posto, passa-se para o direito à forma democrática de governo, abordada pela teoria da quarta geração, a qual é o modelo universal e ideal para a sociedade.

Teoria da quarta dimensão: Estado democrático de direito

Os direitos fundamentais têm gerado polêmica entre as doutrinas, em vistas de conduzirem em seu âmago o direito ao pluralismo. Nesse sentido, Sarlet (obra citada) assevera que “na sua essência, todas as demandas na esfera dos direitos fundamentais gravitam, direta ou indiretamente, em torno dos tradicionais e perenes valores da vida, liberdade, igualdade e fraternidade (solidariedade), tendo, na sua base, o princípio maior da dignidade da pessoa”.

Em conformidade, Bonavides (obra aludida) considera a globalização política, que resultou na universalidade dos direitos fundamentais, como o fator originário da quarta dimensão. Em sua concepção, três são os direitos abrangidos por tal teoria: o direito à democracia, direito ao pluralismo e o direito à informação.

Da mesma forma, ao considerar-se a titularidade de cada direito, é possível afirmar que os direitos de primeira geração competem ao indivíduo; os da segunda reportam-se à sociedade como um todo; os da terceira dimensão referem-se à comunidade; e os da quarta geração pertencem ao gênero humano, porque dependem da internacionalização desse direito, bem como da soma de esforços internacionais em garantia da efetivação deles. Tais direitos encontram-se promulgados na Constituição brasileira, sob os Títulos I e II.

A partir da análise efetuada, se torna perceptível a interdependência das gerações de direitos, de maneira, como explicitado anteriormente, que uma complementa a outra, sob pena de, na ausência de alguma delas, ser instaurado regime autoritário; assim, conceitua Bonavides (obra apontada):

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(...) a Humanidade parece caminhar a todo vapor após ter dado o seu primeiro e largo passo. Os direitos de quarta geração não somente culmina a objetividade dos direitos das duas gerações antecedentes, como absorvem – sem, todavia, removê-la – a subjetividade dos direitos individuais, a saber, os direitos de primeira geração. Tais direitos sobrevivem, e não apenas sobrevivem, senão ficam opulentados em sua dimensão principal, objetiva e axiológica, podendo, doravante, irradiar-se com a mais súbita eficácia normativa a todos os direitos da sociedade e do ordenamento jurídico (...). (Grifos do original).

Em continuação:

São direitos de quarta geração o direito à democracia, o direito à informação e o direito ao pluralismo. Deles depende a concretização da sociedade aberta do futuro, em sua dimensão de máxima universalidade, para a qual parece o mundo inclinar-se no plano de todas as relações de convivência. A democracia positivada, enquanto direito de quarta geração, há de ser, de necessidade, uma democracia direta. Materialmente possível graças aos avanços da tecnologia de comunicação, e legitimamente sustentável graças à informação correta e às aberturas pluralistas do sistema. Desse modo, há de ser também uma democracia isenta já das contaminações da mídia manipuladora, já do hermetismo


da exclusão, de índole autocrática e unitarista, familiar aos monopólios do poder. Tudo isso, obviamente, se a informação e o pluralismo vingarem por igual, como direitos paralelos e coadjutores da democracia; esta, porém, enquanto direito do gênero humano, projetado e concretizado no último grau de sua evolução conceitual (...).

Desse modo, a democracia seria mais que uma adequação teórica, um meio ideal para resgatar e efetivar o poder da população, tornando possível a aproximação entre o titular do poder e o poder, de forma que as garantias fundamentais tivessem possibilidades de emergirem e atuarem de forma eficaz; conforme Bonavides (obra aludida), o homem constituiria “a presença moral da cidadania... Enfim, os direitos de quarta dimensão compreendiam o futuro da cidadania e o porvir da liberdade de todos os povos. Tão somente com eles será possível a globalização política”.

Então, necessária se faz a junção de um Estado Social de direito a um Estado Democrático de Direito, em razão de que esta junção, entre modelos anteriormente vivenciados (Socialismo, com sua igualdade, e Liberalismo, com a sua liberdade), formaria um estado perfeito, com base na democracia e na cidadania, tornando-se essencial na efetividade das garantias já encontradas, as quais se tornariam objetivas, concretas, positivadas na Constituição, isto é, pragmáticas na esfera política do Estado Democrático de Direito. Como bem observa Ihering

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(2001), in verbis:

O direito concreto não só recebe vida e energia do direito abstrato, mas também, a ele as devolve. A essência do direito consiste na sua realização prática. Uma norma jurídica que nunca tenha alcançado essa realização, ou que a tenha perdido, já não faz jus a esse nome.

Desta forma, apesar de o conceito de democracia ser impreciso, visto que emerge de uma concepção social, positivada na Constituição, cada vez mais se reflete culminando no sistema político ideal, posto que permita o pluralismo de ideias, oportunizando abraçar crescentes demandas sociais, bem como favorecer a criação de espaço de participação e de decisões coletivas, com âmbito aberto para reivindicações, em razão de seu caráter dinâmico e dialético.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por meio do exposto, pode-se concluir que a Democracia realmente é o sistema político ideal para a sociedade, por ser a única que foi eleita pelo povo, e possui a finalidade de garantir o bem comum e uma vida digna a todos os seres humanos de forma indistinta. Além disso, permite a ampla participação da popular, por meio de suas garantias e prerrogativas, que a própria Lei Constitucional traz em seu texto.

Ocorre que, por ser materializada por seres humanos, existe a possibilidade de que não a operem conforme os ditames deste sistema, incorrendo em abusos, tal como a corrupção; porém, as participações populares, por meio de garantias, previamente expressas pelo constituinte originário, permitem a reprimenda destes representantes e sua possível retirada do parlamento.

Em virtude de seus direitos, como o sufrágio universal, a população elege seus representantes. Portanto, cabe à sociedade escolher de forma inequívoca seus governantes, se conscientizando do poder que possuem e das consequências que seus votos resultarão em toda a população do país; ainda cabe a ela exigir do Legislativo a positivação de direitos que venham a ser necessários, como ocorreu, recentemente, com a lei que admitiu o casamento homossexual, em diversos países, também no Brasil, e a lei do aborto de bebê anencéfalo, também recepcionada pelo Brasil.

Neste sentido, as globalizações desenfreadas, com o desenvolvimento da biotecnologia, e inúmeras outras questões geram necessidades no transcorrer do tempo; a própria população possui legalidade de exigir do sistema político posição e positivação de suas necessidades, uma vez que a democracia é o modelo que mais permite a participação do cidadão em suas garantias, também por isso é a ordem que mais possui garantias e deveres constitucionais em prol da dignidade da pessoa humana e do direito à vida com um mínimo existencial.

Ela se enquadra em um modelo correto e direcionado de forma direta e 65 imediata à população, que tem o dever de agir conforme o sistema e escolher de forma consciente seus representantes, inclusive reagindo frente às transgressões deles e exigindo a efetivação de suas necessidades, por via da positivação e, automaticamente, da efetivação de seus direitos humanos fundamentais.

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GUERRA FILHO, Willis Santiago. Introdução ao direito processual constitucional. Porto Alegre: Síntese, 1999.

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MARMELSTEIN, George. Curso de direitos fundamentais. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2013.

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SARMENTO, Daniel. Livres e iguais: estudos de direito constitucional. São Paulo: Lumen Juris, 2006.

SASRLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 10. ed. rev., atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009.

Data de recebimento: 21/12/2013

Data da aprovação: 23/05/2014

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[1] Graduanda em Direito pela Unoesc/Chapecó; Autora do blog Direito em Estudo; Pesquisadora da área de Direitos Fundamentais, Políticas Públicas, área Militar e Ambiental. Correspondência para/Correspondence to: Rua Pedro Balerini, n. 981-E, Vila Páscoa, Bairro Efapi, Chapecó/ SC, 89809-882. E-mail: linny.mendes@hotmail.com e aline.mendes.de.medeiros@gmail.com.