quarta-feira, 12 de outubro de 2016

A PROMOÇÃO DO MEIO AMBIENTE COMO FORMA DE GARANTIR O DIREITO À VIDA


ALINE OLIVEIRA MENDES DE MEDEIROS[1]

Resumo: A presente pesquisa pretende analisar a proposta da sustentabilidade como forma de preservar e promover a restauração ambiental parte-se do princípio do respeito a uma vida digna, e com isto, sugere-se uma abertura no manto protetivo da dignidade humana, onde a mesma passe a proteger a todas as formas de vida e não apenas a do homem. No intuito de se verificar uma resposta para a degradação ambiental e plantar no solo pátrio a conscientização do homem quanto a essencialidade do meio ambiente, formulou-se o seguinte problema de pesquisa: É possível promover uma abertura na visão doutrinária, pautada no respeito pelo meio ambiente, e alargar o sentido jurídico da dignidade humana passando a embasar em seu núcleo todas as formas de vida em geral? Visando responder ao problema proposto, o trabalho tem por objetivo geral discutir a possibilidade da dignidade humana guardar em si todas as formas de vida, devido a relação de causa e efeito que existe entre a vida e o meio ambiente, e diante disto auferir da comunidade social e jurídica a devida proteção e restauração que o meio ambiente necessita, como meio de salvar as espécies ameaçadas de extinção e evitar o desfalecimento de todo o planeta, promovendo a sustentabilidade. E por objetivos específicos: a) discutir amplamente sobre a transmutação da dignidade humana que da visão totalmente antropológica, propôs uma abertura para a visão socioambiental; b)  Retratar brevemente acerca da crise ambiental que se instala e suas conseqüências para a qualidade de vida em geral; c) propor a alargamento do núcleo da dignidade humana, para colocar em si, a proteção de todas as espécies de vida, efetivando o fundamento do Estado Democrático de Direito que é a vida digna. O aprofundamento teórico do estudo pautou-se em pesquisas bibliográfica, consubstanciada na leitura de diversas obras, apoiando-se em um método dedutivo.
Palavras chave: Meio Ambiente; Dignidade Humana; Extensão ao Direito à Vida; Constituição verde.

INTRODUÇÃO
O presente manuscrito pretende fazer uma referência sobre a vulnerabilidade socioambiental, destacando o posicionamento doutrinário acerca do tema, e efetuando uma reflexão acerca da crise que se instala no Planeta por meio da ação do homem.
Em primeiro momento será definido acerca do meio ambiente como um direito fundamental, tanto que é considerado como uma extensão ao direito à vida, já que ambos relacionam-se em uma relação de causa e efeito, onde o estado de um reflete diretamente no estado do outro, cabe destaque para o fato de que os recursos naturais são essenciais para a vida humana, afinal, não há como sobreviver sem água potável, sem solo fértil para a plantação, sem o ar puro e etc.
Neste contexto, será retratada sobre a crise ambiental que o homem desencadeou no meio ambiente, verificável nos furacões cada vez mais comuns, no desgelo das geleiras, nas enchentes devastadoras, nas regiões áridas cada vez maiores e mais corriqueiras, enfim em uma série de resultados negativos que este bem tem devolvido para a sociedade, de maneira a conscientizar os indivíduos de que suas ações estão produzindo conseqüências e que estas estão cada vez mais imprevisíveis, resultando em milhares de pessoas mortas, ou desabrigadas, extinguindo espécies de animas e de plantas, e causando a modificação da vida humana.
A autora finaliza este artigo propondo a efetivação do respeito e da restauração ambiental através da sustentabilidade, respeitando todas as espécies de vida, como se as mesmas fossem detentoras de dignidade, devido à relação de interdependência que existe entre o pulsar da vida e o bem-estar do meio ambiente, porquanto a vida humana apenas é possível se contar com a disponibilidade dos recursos naturais, os quais o próprio homem tem destruído desmedidamente, encaminhando-se para o fim da espécie humana na Terra.

1.      O MEIO AMBIENTE EM EXTENSÃO AO DIREITO À DIGNIDADE HUMANA
É imprescindível descortinar a sociedade sobre a fundamentalidade do meio ambiente, trata-se de uma questão de justiça para com este bem, que não pode ir além das respostas climáticas que tem dado ao homem. Ademais o desvalor que os indivíduos tem atribuído ao meio ambiente compreende uma negação ao Estado Democrático de Direito, posto que vai contra todas as recomendações legais que a Carta Magna conferiu para a proteção deste bem, conforme destaca Nussbaum (2008, p. 87), fato este incabível devido força vinculante que emana deste caderno de leis.
Nada obstante, ao efetuar uma análise histórica acerca do tratamento deste bem, será perceptível que os indivíduos nunca deram o valor que lhes era inerente, ao contrário, pois utilizaram todos os elementos e recursos possíveis e de forma desregrada, visando unicamente fins lucrativos, desencadeando um consumismo dissoluto por meio do Capitalismo, destruindo os recursos naturais a qualquer custo.
Neste enlace, ao analisar a visão Kantiana acerca deste assunto será perceptível que os homens possuíam uma obrigação subsidiária, simples e indireta, instante em que a vida humana de forma geral nunca seria vista como detentora de dignidade, posto que os animais eram respeitados apenas civilmente, em uma espécie de dever moral de não maltratar, neste momento histórico a dignidade era um atributo unicamente do homem que freqüentasse a polis, porquanto, nem a mulher, nem as crianças eram detentoras de dignidade, pois para que o fossem era necessário certas características, entre elas ser sujeito masculino, e abastado financeiramente, dentre outras.
Porém, com o transcorrer do tempo, a civilização, de mãos dadas com o direito, evoluiu desencadeando inúmeras mudanças devido a acontecimentos históricos, a mulher passou a ter direito ao voto, as crianças passaram a serem respeitadas legalmente, e mais recentemente, autores como Sarlet e Fensterseifer (2011, p. 49) pretendem atribuir a dignidade aos seres vivos, munidos da bandeira da igualdade (2ª dimensão de direito) e do respeito por este bem (3ª dimensão de direito), indispensável para a existência da vida.

[...] qualidade integrante e irrenunciável da própria condição humana, pode (e deve) ser reconhecida, respeitada, promovida e protegida, não podendo, contudo (no sentido ora empregado) ser criada, concedida ou retirada (embora possa ser violada), já que existe em cada ser humano como algo que lhe é inerente. Ainda nesta linha de entendimento, houve até mesmo quem afirmasse que a dignidade representa ‘valor absoluto de cada ser humano que, não sendo indispensável, é insubstituível’. (Sarlet, 2006, p. 42).

Ou seja, a dignidade humana abarca uma característica nata, própria e inerente do ser humano, em uma observação mais profunda, como descrito anteriormente, seria possível afirmar que nem mesmo a mulher ou as crianças eram sujeitos que disponha de dignidade, fato este perceptível através da exclusão legal e social a qual estes eram submetidos, posto que, compreendiam na verdade, objeto pertencente ao homem que era quem trabalhava e por isto mandava tanto na casa quanto na mulher e nos filhos, os quais eram considerados verdadeiros objetos carentes de direitos e de garantias legais e até mesmo de vontade própria.
Porém, com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, não restou mais dúvidas quanto ao fato de as pessoas serem consideradas igualmente em direitos e obrigações, tanto que este direito entrou em vigor sob as vestes de cláusula pétrea (art. 5°) e esta forma de Estado buscou fundamento para sua existência na dignidade humana (art. 1, III).
Neste ínterim, para Nussbaum, o direito dos animais vai além da visão Kantiana, pois justiça vai além do que é certo ou errado, é uma questão de ética, de moral, de cultura, de época histórica, em razão de que o direito se molda conforme as necessidades humanas, e como o homem se transforma, remodelam-se também os direitos, tanto que ele é mutável de cultura para cultura e de Estado para Estado. Para Nussbaum (2008, p. 92), falta em alguns doutrinadores a visão dos seres vivos em geral como sujeitos de direitos, considerando-os em sua interação com o homem, visto que vivem no mesmo ambiente e em harmonia e dependência um com o outro, porquanto, fazem parte de um único sistema (2008, p. 92/95).
Destarte, este autor (2008, p. 101) visa encontrar um meio de efetivar a justiça em seu mais amplo sentido, pois na base nuclear de um Estado Democrático de Direito, a justiça é seu fim maior, de maneira que todo o ser vivo passa a ser detentor de dignidade e por isto, deve ser observado e respeitado em seu mais amplo sentido, posto que como pedra edificante desta forma estatal, ela enseja que toda a forma de vida seja abrigada em seu manto e como ser detentor de dignidade este deve ser respeitado indiferente de suas características, pois não são apenas os seres racionais que embasam seu núcleo, mas os mentalmente incapazes também, aqui poderiam ser inseridos a natureza e os animais, já que não possuem raciocínio lógico, mas possuem vida.
Nesta abordagem, defendida por Sarlet e Fensterseifer (2011, p. 56) cada ser é respeitado conforme suas características, não sendo permitido que nenhuma criatura viva seja utilizada como meio, visto que “cada espécie tem uma forma diferente de vida e diferentes propósitos” que se justificam e se harmonizam em virtude de que cada vida possui “propósitos múltiplos e heterogêneos” (2008, p. 102).
Este entendimento jurídico e ético “não atribui nenhuma importância a números altos por si só; seu foco reside no bem-estar das criaturas existentes e nos danos que lhes é causado quando suas potencialidades são frustradas” defende o autor (2008, p. 104). Outrossim, na concepção de dignidade proveniente de Kant (apud FEIJÓ, 2008, p. 128/129), verifica-se que tudo que não tiver preço, automaticamente passa a ser um sujeito detentor de dignidade, desta forma como atribuir preço à própria vida? Como atribuir um preço a água potável? Neste sentido, poder-se-ia viver sem água? Seria possível a existência de vida se não houvesse mais solo fértil? Como conferir um preço ao ar puro? E as árvores que possibilitam a qualidade deste ar? Cada espécie de animal ou planta que se extingue produz um resultado sobre o Planeta que se volta contra o homem através das mudanças climáticas, através do aquecimento global, enfim, constata-se uma urgência em modificar este caminho até então traçado, o qual ainda não produziu todos os resultados das ações já desenvolvidas, destarte:

No reino dos fins tudo tem um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem um preço, pode-se por em vez dela qualquer outra como equivalente; mas quando uma coisa está acima de todo o preço, e, portanto, não permite equivalente, então ela tem dignidade. Kant (apud FEIJÓ, 2008, p. 128/129).

Nada obstante, em conformidade com Mirandola (2008, p. 129), a dignidade humana não compreende algo acabado, visto que é conquistada na medida em que o ser humano constrói a si próprio, através do tempo e do espaço como se mostrou através da análise histórica efetuada, quando nos primórdios nem a mulher, nem as crianças eram sujeitos detentores de dignidade.
Por defluência Jonas (apud Mirandola, 2008, p.131) , enfatiza acerca de necessidade de respeito que o homem deve ter para com seu entorno, responsabilizando-se por suas ações desenvolvidas contra a natureza, que interferem na qualidade de vida não apenas das presentes, mas das futuras gerações, agindo com responsabilidade através da sustentabilidade, posto que “é no presente que se prepara, se prevê e se protege o futuro da espécie humana e seus descendentes assim como o ambiente em que eles viverão. A responsabilidade para ele emana da liberdade e torna-se um dever do homem”.

Na realidade, Jonas nos propõe uma ética que nega o homem como único fim em sim mesmo e que afirma a necessidade desse homem ter uma nova orientação normativa. Essa ética solicita a consideração dos efeitos das gerações em escala global. A filosofia de Hans Jonas propõe, então, uma reflexão ética sobre a relação do ser humano com a natureza englobando nestas os animais não-humanos e defende no temor o estabelecimento dos limites da ação do homem. A atitude ética aconselhável seria a precaução, o que não significa fechar-se a novas investigações. (apud Mirandola, 2008, p.131).

Igualmente, a ética defendida por Jonas pauta-se na responsabilidade, como meio de preservar a integralidade interplanetária frente aos abusos, atuando com preocupação com o futuro, buscando projetar seu agir de forma a diminuir os atos degradantes, atuando de maneira comprometida e prudente para com o meio ambiente, digno de ser respeitado por sua vulnerabilidade e importância fundamental para a vida humana.
Por derradeiro, desde a data de 1978 o direito já procura abrigar os animais, conforme se percebe através da Declaração dos Direitos dos Animais, publicada pela UNESCO, neste mesmo ano, que expressa no art. 10 a dignidade animal, apesar de não conceituá-la, destacando que nenhum animal deve ser utilizado como meio, abrindo precedente para que os doutrinadores ampliem suas visões.  Fato este que demonstra que negar o direito à dignidade aos animais compreenderia um retrocesso em matéria jurídica ambiental fato este incabível conforme as páginas do Caderno Constitucional.
De outra forma, no entendimento de Kant, os animais não mereciam dignidade, porém, também não estariam diminuídos exatamente ao status de coisa, pois possuiriam uma certa hierarquia superior ao status de coisa e inferior para ser considerado digno, encontrando-se em meio termo, momento em que o doutrinador pedia atenção e bondade no tratamento relacionado aos animais não-humanos, neste sentido, Feijó (2008, p. 134/135) questiona “não seria esse cuidado, atenção e bondade uma forma de respeito para com os animais não-humanos?” Não seria esta uma abertura para uma visão mais humanitária?
Expressamente nunca foi negado aos seres humanos em todas as suas formas o respeito que lhes era inerente, apenas um respaldo maior foi se afirmado no transcursar do tempo, conforme as necessidades e reivindicações efetuadas.
Neste enfoque, diversos doutrinadores defendem esta visão sociológica de conferir dignidade a todos os seres humanos, porém, “dois critérios vêm se destacando nas distintas posições: o critério da sensibilidade e o da integridade que auxilia na fundamentação dos Direitos dos Animais” (apud Feijó, 2008, p. 135/141).

Para Rollin, a dignidade animal reside no fato de o animal ter uma função, e poder exercê-la conforme sua natureza. Essa dignidade relativa estaria relacionada ao fato de o animal poder atuar de acordo com seus interesses, que podem mudar de indivíduo para indivíduo com a alteração de sua natureza ambiental.
Destarte:
Como se pode constatar que os animais não-humanos são passíveis de respeito por seu valor intrínseco, por sua aceitação em uma comunidade moral e por sua dignidade que os leva a serem respeitados. Regam crê que a dignidade animal é algo absoluto apenas pelo fato de o animal ser um mamífero de um ano ou mais de idade. Singer acredita no fato de um animal ser um ser moral pode apresentar sensibilidade, mas aceita certa hierarquia entre os animais humanos e não-humanos não defendendo, por isso, a dignidade como algo absoluto, e sim algo relativo, dependendo das circunstancias. Rollin busca o bem-estar animal e defende que a dignidade animal consiste em estes seres terem seus interesses satisfeitos. Como os interesses podem ser distintos de um indivíduo para outro, a dignidade torna-se relativa ao indivíduo em questão. (apud Feijó, 2008, p. 142).

Para que se possa transcender o âmbito de ingerência da dignidade humana, a mesma precisa deixar de ser vista sob o enfoque objetivo, sendo ampliada com base no respeito e nos preceitos que o Estado Democrático de Direito lhes confere. Assim, “o conceito subjetivo de dignidade pode ser atrelado ao animal não-humano, entendendo-o como partícipe da biosfera, como ser passível de respeito pelo papel que exerce nesse sistema global devendo ter sua integridade respeitada e defendida”, conforme destaca Milaré (2011, p. 1032).
Esta teoria abarca a natureza de forma geral, propondo banir os atos degradantes contra o meio ambiente de forma a preservar a vida em si, pois ao lado do meio ambiente caminha a vida, aliançados através do respeito e da harmonia, em uma relação de causa e efeito, pois como seres humanos, todos são dotados de valor intrínseco.

2.      A CRISE AMBIENTAL
Indiferente do posicionamento que se tome acerca de pressupor uma dignidade ao meio ambiente ou não, o inquestionável é que a temática ambiental consiste em um assunto empolgante, ou como diria Milaré (2011, p. 1032), “não seria apavorante”? Ocorre que, os habitantes do globo terrestre, na mesma proporção em que o crescimento econômico se espalha, ocupam-se de um consumismo desregrado e imoderado, absorvendo de forma incontrolável os recursos naturais, pondo em risco a sobrevivência humana, urgindo a necessidade de um saneamento, e de uma administração inteligente dos recursos, principalmente, os naturais.
Por tanto Milaré (2011, P. 1032) indaga sobre o tratamento dispensado ao meio ambiente, questionando se a proteção conferida ao mesmo é suficiente ou não para garantir a sobrevivência das espécies humanas, conferindo preservação e restauração para este bem, em resposta verificou-se que:

[...] se for buscada nos levantamentos científicos e nos alertas oriundos de reconhecidas instituições e dos grandes conclaves levados a efeito pela Comunidade das Nações, evidencia sinais de verdadeira crise, isto é, de uma casa suja, insalubre e desarrumada, carente de uma faxina urgente.

Desta forma este autor define o Planeta Terra como sendo sujo e desorganizado, quase que inabitável devido às ações desregradas da sociedade, que aos poucos lhe suga a vida e automaticamente seu próprio meio de sobrevivência.
Por este motivo é que o mesmo salienta que “preservar e restabelecer o equilíbrio ecológico é questão de vida ou morte” (2011, p. 1032). De acordo com estimativa efetuada por estudiosos ambientalistas, em dois séculos foi extinta uma espécie de animal ou planta por ano, isso relacionado ao ano de 1500 a 1850, porém, na década de 90, este índice aumentou para uma espécie por dia.
Devido a este fato é imperativo descortinar a sociedade sobre a necessidade de preservação e restauração do meio ambiente, de modo a restabelecer o equilíbrio ecológico, visto que isto consiste em uma questão de suma relevância, pois “os riscos globais, a extinção de espécies de animais e vegetais, assim como a satisfação de novas necessidades em termos de qualidade de vida, deixam claro que o fenômeno biológico e suas manifestações pelo Planeta estão perigosamente alterados”, como declara Milaré (2011, p. 1032).
Acentua-se que as consequências deste desrespeito são imprevisíveis, visto que o homem desde os primórdios se instalou como um parasita sobre a Terra, consumindo tudo a sua volta de maneira incoerente e irresponsável, conforme se denota Serres:

Na sua própria vida e através das suas práticas, o parasita confunde correntemente o uso e o abuso; exerce os direitos que a si mesmo se atribui, lesando o seu hospedeiro, algumas vezes sem interesse para si e poderia destruí-lo sem disso se aperceber. Nem o uso nem a troca têm valor para ele, porque desde logo se apropria das coisas, podendo até dizer-se que as rouba, assedia-as e devora-as. Sempre abusivo, o parasita. (1990, p. 63/65).


Frisa-se que as leis e as medidas protetivas conferidas ao meio ambiente são ineficazes para a desproporcional devastação e desrespeito que o ser humano lhe adjudicou, o que para Serres (1990, p. 95) demonstra uma incoerência, pois o homem, definido como ser racional, encaminha-se para seu próprio fim, por meio de seu parasitismo, e, por consequência:

Resta-nos pensar num novo equilíbrio, delicado, entre esses dois conjuntos de equilíbrios. O verbo pensar, próximo de compensar, não conhece que eu saiba outra origem para além dessa justamente pesada. É a isso que hoje chamamos pensamento. Eis o direito mais geral para os sistemas mais globais.

Tal questão encontra-se em tamanho descompasso que a própria igreja tem celebrado o respeito ao meio ambiente, nada obstante, Strong (Secretário-Geral do Rio 92), declarara que em um enfoque ambiental a Terra encontra-se próxima ao ponto de não haver retorno, pois se fosse compará-la a uma empresa a mesma “estaria à beira da falência, pois dilapida seu capital, que são os recursos naturais, como se eles fossem eternos. O poder de autopurificação do Planeta está chegando ao fim”, como expressa Milaré (2011, p. 1033).
Extraiu-se da Declaração Rio +5, que foi feita como meio de analisar os resultados da degradação humana, que as ações de prevenção e restauração que vinham sendo propostas até então, não foram nem ao menos postas em prática, fato este que tem sido observado pelo prisma da irreversibilidade da degradação efetuada contra o Planeta, interferindo no ciclo de vida de todos os seres vivos, modificando completamente suas existências.
E o maior problema evidenciado é que “nós não temos outro sistema para substituí-la (a Terra). Precisamos restringir nossas atividades destrutivas, pois, se não encontrarmos um novo patamar civilizatório, dentro de pouco tempo a Terra poderá viver sem nós”, como enfatiza Mikhail, ex-presidente da União Soviética (apud Milaré, p. 1034).
Por defluência através da Declaração Rio + 20, realizada em setembro de 2002, evidenciou-se que a sociedade está consumindo não apenas sua parcela, mas a porção de meio ambiente pertencente às gerações futuras, de forma a exaurir o capital natural, pondo em risco seu habitat, pois por meio do Relatório Planeta Vivo 2002, concluiu-se que cada habitante estava consumindo cerce de 20% acima da competência de suporte e reposição da Terra.
Já neste mesmo relatório, porém no ano de 2010, foi perceptível que desde o ano de 1996 a demanda por recursos naturais duplicou o que resulta na necessidade de “um planeta e meio para sustentar” as atividades do homem, como leciona Milaré (2011, p. 1035), o que leva a acreditar que em 20 anos precisaria de outro planeta para suprir toda a exigência da sociedade pelos recursos naturais, isso considerando o consumismo no nível em que se encontra.
Se fosse comparada a demanda social e a capacidade de recuperação do planeta, constatar-se-ia que a saúde do mesmo encontrar-se-ia em colapso, exigindo medidas protetivas urgentes, pois as atitudes humanas estão encaminhando a vida para seu fim.

Não pode haver dúvida que o Planeta está gravemente enfermo e com suas veias abertas. Se a doença chama-se degradação ambiental, é preciso concluir que ela não é apenas superficial: os males são profundos e atingem as entranhas mesmas da Terra. Essa doença é, ao mesmo tempo, epidêmica, enquanto se alastra por toda parte; e é endêmica, porquanto está como que enraizada no modelo de civilização em uso, na sociedade de consumo e na enorme demanda que exercemos sobre os sistemas vivos, ameaçados de exaustão. (Milaré, 2011, p. 1035).

Fato este que faz com que Serres proponha a execução de um contrato natural entre homem e natureza em uma relação de mútuo respeito:

O que implica acrescentar ao contrato exclusivamente social a celebração de um contrato natural de simbiose e de reciprocidade em que a nossa relação com as coisas permitiria o domínio e a possessão pela escuta admirativa, a reciprocidade, a contemplação e o respeito, em que o conhecimento não suporia já a propriedade, nem a ação o domínio, nem estes os seus resultados ou condições estertorarias. Um contrato de armistício na guerra objetivo, um contrato de simbiose: o simbiota admite o direito do hospedeiro, enquanto o parasita - o nosso atual estatuto - condena à morte aquele que pilha e o habita sem ter consciência de que, a prazo, se condena a si mesmo ao desaparecimento. (1990, p. 65/66).


Situação que faz com que Sarlet e Fensterseifer (2011, p. 62/63) indaguem profundamente acerca desta visão antropológica e individualista da dignidade humana, em confronto com os valores ecológicos que emergem no âmago social, reivindicando uma nova concepção ética em respeito à vida.
Reclamam os autores que a dignidade humana não compreende um atributo conferido apenas as pessoas, mas à vida, pleiteando possibilidades de que ela seja conferida para além do ser humano, atribuindo valor aos seres por serem detentores de vida, respeitando suas peculiaridades, apregoando direitos protetivos a estes bens vivos, devido a sua essencialidade para a existência da vida humana.
Qualquer concepção que dirija a dignidade apenas as pessoas pode ser criticada como no mínimo excessivamente antropocêntrica, visto que a racionalidade do homem em pouco lhe tem auxiliado, em razão de que o mesmo encaminha-se para seu fim, ao desrespeitar o meio ambiente e não aparenta ter consciência disto.
 Além de que, o objetivo maior não se encera apenas na salvação do homem, mas de todas as formas de vida terrestre, apregoando um valor ético-jurídico fundamental, mesmo que esta valoração seja dada a toda espécie de vida humana por simples exigência para a possibilidade de haver vida, e para além, uma vida com dignidade!

A dignidade humana, para além de ser também um valor constitucional, configura-se como – juntamente com o respeito e a proteção da vida – o princípio de maior hierarquia da CF/88 e de todas as demais ordens jurídicas que a reconheceram. A dignidade da pessoa humana apresenta-se, além disso, como a pedra basilar da edificação constitucional do Estado (Social, Democrático e Ambiental) de Direito brasileiro, na medida em que, aderindo a uma trajetória consolidada especialmente a partir do II Pós-Guerra e inspirada fortemente na visão humanista de Kant e tantos outros, o constituinte reconheceu que é o Estado que existe em função da pessoa humana, e não o contrário, já que o ser humano constitui a finalidade precípua, e não meio de atividade estatal, o que, diga-se de passagem, demarca a equiparação de forças na relação Estado-cidadão, em vista da proteção e afirmação existencial desse último, especialmente no que tange à tutela e proteção dos seus direitos fundamentais. (Sarlet, Fensterseifer, 2011, p. 95).

Com isso enfoca-se na necessidade de efetivação dos direitos fundamentais, atuando por meio de uma dimensão social, agindo de maneira a não restringir a dignidade humana em uma dimensão puramente biológica ou física, devido ao fato de ela contemplar a qualidade de vida em sua forma mais abrangente.
Inclusive atuando no meio ambiente onde a vida se desenvolve, assegurando à sociedade um padrão de vida com qualidade, equilíbrio e segurança ambiental, garantindo a concretização de um padrão digno de viver.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O respectivo artigo retratou acerca da vulnerabilidade do meio ambiente nas mãos do homem, destacando alguns pontos críticos, e procurando evidenciar a sociedade para o trágico fim em que a mesma se encaminha.
Em um primeiro momento, foi proposto designar a dignidade humana para todas as formas de vida, devido a sua relação de interdependência, e devido à característica peculiar do meio ambiente como extensão à vida.
Neste percurso, foi defendido o alargamento do manto protetivo da dignidade para todas as formas de vida em circunstancia da crise que o Planeta Terra se encontra, em função do consumismo imoderado e do capitalismo inconseqüente que circundou e edificou-se na sociedade.
Propondo restabelecer e promover o equilíbrio ecológico e a sadia qualidade de vida, enrobustecendo a idéia de proporcionar um respeito maior pelo meio ambiente justificado na impossibilidade de vida humana sem a existência de um padrão mínimo de recursos naturais é que se agarra a questão do crescimento sustentável, e da busca pelo equilíbrio no que tange a fruição dos recursos provenientes do meio ambiente.
De outra sorte, a discussão se encerra de forma ampla, propondo uma abertura ideológica em que o manto protetivo da dignidade humana passe a abraçar a vida no geral, devido a sua fundamentalidade e interdependência sistêmica, pois o homem não vive sozinho, ele precisa de outros seres que o complementem e possibilitem sua existência.
De outro ângulo o Planeta Terra sobrevive sem o homem, porém, o homem ainda não encontrou outro planeta que lhe dispusesse as características necessárias para sua sobrevivência, por isto é que a problemática não se molda ao homem, mas este é quem tem que se moldar a ela e contorná-la, recuperando e provendo o respeito pelo meio ambiente.

REFERÊNCIAS
FEIJÓ, Anamaria Gonçalves dos Santos. A dignidade e o animal não humano. In: MOLINARO, Carlos Alberto; MEDEIROS, Fernanda Luiza Fontoura de; SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. A dignidade da vida e os direitos fundamentais para além dos humanos. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2008.
MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente: A gestão ambiental em foco. Doutrina. Jurisprudência. Glossário. 7. ed.São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.
NUSSBAUM, Martha C. Para além de ‘compaixão e humanidade’- justiça para animais não humanos. In: MOLINARO, Carlos Alberto; MEDEIROS, Fernanda Luiza Fontoura de; SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago (ORG.). A dignidade da vida e os direitos fundamentais para além dos humanos. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2008.
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 4. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006.
_______; Tiago FENSTERSEIFER. Direito Constitucional Ambiental: estudos sobre a Constituição, os direitos fundamentais e a proteção do Ambiente. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.
_________ .Princípios do Direito Ambiental. São Paulo: Saraiva, 2014.
SERRES, Michel. O contrato natural. Trad. Serafim Ferreira. Portugal: Editions François Bourin, 1990.



[1] Advogada; Graduada em Direito; Autora do Blog Direito em Estudo; Articulista assídua em diversas revistas jurídicas; Pesquisadora na área de direito ambiental, penal e previdenciário.