domingo, 2 de abril de 2017

Parte IV: A promoção dos Direitos Humanos Fundamentais através da Polícia Militar

UNIDADE IV
DESAFIO DA EDUCAÇÃO PARA A PROMOÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS ATRAVÉS DA POLÍCIA MILITAR POR MEIO DO PROGRAMA EDHUCA: EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS E CIDADANIA ATIVA

4.0  Afirmativa Histórica da Educação
Há um limite na inteligência de cada ser, desencadeando na necessidade de comunicação entre os indivíduos como meio de trocar informação e aumentar o conhecimento. Historicamente, sabe-se que o diálogo foi reconhecido através de Sócrates, por meio da técnica de perguntar e responder (maiêutica), como meio de buscar a verdade, ou seja, os primeiros resquícios da educação surgiram por intermédio do diálogo.
A arte do diálogo permite a troca de informações e o confronto de ideias que arrebentam na necessidade de mergulhar na fonte do conhecimento, na busca insaciável por mais informação. Posterior a isto, emerge Platão que abre caminho para o ensino da ética na política através do diálogo, este visto como o “espaço à educação expresso pela relação intersubjetiva e estrutura do pensamento”, ao dialogar o indivíduo estará educando-se através do outro e educando-o, saciando-se através do conhecimento, como afirma Melo Neto (2011, p. 19).
O termo educação possui dupla concepção, entendendo-se como “desenvolvimento das possibilidades interiores do homem, onde o educador apenas as exteriorizava (nativismo), ou consideravam-na como conhecimento humano adquirido pela experiência (empirismo)” como define Muniz (2002 p. 7). A educação provém do grego paidagógen ou do latim educare, que se refere a algo inerente as relações humanas e sociais, ou seja, “um fenômeno de produção e apropriação da cultura”, conforme a percepção do referido autor (2011, p. 19). A educação pode operar-se de forma espontânea, ou através de meios reflexivos e sistemáticos, instante que irá ocorrer por meio de técnicas apropriadas visando o rendimento educacional. Como meio de compreender o aspecto educativo é que foi efetuada uma viagem histórica, buscando a afirmativa deste direito social fundamental.
Inicialmente, foram reconhecidos em Platão, os pilares da Paideia, que expressava a edificação da Arete, definida como capacidade de pensamento e reflexão sobre a virtude do indivíduo grego. Neste instante, a educação buscava caminhos para levar a virtude aos gregos (para os Homero, e para os Hesíodo)[1]. No século IV a.C. , a educação foi dominada pelos sofistas, que se baseavam na formação do espírito, possuía caráter individualista, atuando de duas maneiras, quais sejam, através da “transmissão de um saber que tenha dimensão enciclopédica geral, e por meio da formação do espírito em seus diversos campos”, esta dualidade permaneceu viva no núcleo educacional até a atualidade.
Neste momento histórico, Protágoras, sofista, alicerçado por Platão, apresentou a educação formal, utilizando em sua didática mais que a estrutura do entendimento ou da linguagem, mas a mais diversa totalidade de métodos (ensinando através da música, teatro, poesia, dialética e etc.), instigando o nascimento da educação política. Neste percurso o exercício da argumentação toma forma, conquistando adeptos entre os gregos, onde o diálogo apresenta um caminho para a argumentação e a construção de novas definições.
Na argumentação, a educação ocorria sempre que eram apresentados conceitos definidos, isto é, pré-sabidos, que passavam pelo questionamento do mestre por meio da ironia, instante em que a maiêutica entrava em ação através de questionamentos aos discípulos que davam luz à verdade (conhecimentos), distanciando-se do juízo de opinião, para abraçar o juízo crítico e racional, através da dialética, efetuando uma crítica contra tudo que estivesse pré-colocado (Estado, poesia, legislação e etc.), como recorda Melo Neto (2011, p. 27), de forma a assumir a dúvida e abandonar a certeza prévia. Sócrates pretendia questionar enquanto Protágoras buscava afirmar, desta maneira um método complementava o outro (2011, p. 29).
O diálogo é visto como uma forma de encantar e convencer. No entanto, “a educação, para o sofista, se confunde com o adestramento, voltado para iludir as naturezas fortes enquanto que promove o poder dos fracos. Esse adestramento se inicia tal qual animal, na infância”, atuando de forma opositora à filosofia da educação socrática, conforme expressa o autor (2011, p. 32).  Neste momento, a educação é utilizada como forma de controle e exercício de soberania, tornando-se um privilégio de alguns poucos indivíduos. A educação sofista, conforme destaca Muniz (2002, p.15) era considerada como um instrumento de poder, atuando de forma individualista e subjetivista, direcionada ao indivíduo, o qual detinha valor conforme o poder que possuía. No entanto, Sócrates, rompe com esta ideia, preocupando-se com o ser humano em seu aspecto grupal, de forma solidária (2002, p. 17).
Logo, “a procura do saber é o desafio para Platão e é, exatamente, na ausência do saber onde se encontra a grandeza socrática” (2011, p. 39). Todavia, neste momento o Estado toma para si a responsabilidade pela educação, passando, então, a nutrir e direcionar o homem por meio da mesma, atuando desde a infância, passando a edificar o próprio Estado em suas nuances, buscando readequar os cidadãos em sua conduta ética e moral, fazendo desta forma de ação o principal elemento da política.
Platão comparou o mundo sensível a uma caverna subterrânea, onde apenas são detentores do conhecimento aqueles que conseguem libertar-se das sombras da ignorância e procurar a luz do saber, soltando as algemas da ignorância, em troca de um mundo inteligível (de conhecimentos), no entanto, é um processo longo e doloroso, mas seus frutos são incomparáveis (2002, p. 18/19), pois faz com que o homem desperte “para o mundo das ideias”, conforme o esforço de cada um.
Já Aristóteles, interpretou a educação como fruto do Estado, enfatizando que cabia a este ente o seu controle, como forma de criar cidadãos nos moldes que lhe era conveniente, como destaca Muniz (2002, p. 21/22). Mais tarde, emergiu Rousseau (1712/1778), que buscou a valorização do ser humano em seu estado natural. Chegando a Habermas, consta-se a busca pelo alicerce da análise crítica, baseado na razão, buscando a técnica e a emancipação do homem, que se encontrava aprisionado pela forma educacional pré-estabelecida, visando libertar da ignorância e da inconsciência por meio da Escola de Frankfurt. Hebermas visa uma ação comunicativa, baseada no diálogo.

As críticas habermasianas se voltam à objetividade e à verdade do conhecimento, indicando que a razão instrumental positiva reduz o conceito de Razão a procedimentos metódicos e lógico-formais. Também, a razão positivista não é aplicada à moral e à prática, aspectos presentes na razão dialógico-comunicativa. (Melo Neto, 2011, p. 72).

A razão comunicativa, por sua vez, busca o consenso através do diálogo, instante em que a verdade será encontrada dentro do diálogo conforme o melhor argumento, rejeitando falsos determinismos, a mesma “resgata o diálogo exigido na esfera social da cultura”, questionando valores e normas, restabelecendo a razão[2] instrumental (que visa atender os interesses da classe dominante, aprisionando a sociedade em seus moldes), como expressa Melo Neto (2011, p. 70).
Habermas busca desenvolver o sentido investigativo dos cidadãos, construindo a Teoria Crítica, que visa transformar a razão instrumental, restabelecendo uma relação otimista com a esfera pública, onde as pessoas poderão decidir seu agir livremente, a qual tomaria forma por meio de um progresso técnico, desencadeando na emancipação social com relação às formas de dominação, suscitando nas pessoas seu raciocínio crítico no que tange às leis ou tradições que lhes são impostas, tencionando “a ação formulada como instrumental e como agir comunicativo”, a ação instrumental refere-se à forma de implantação da educação e o agir comunicativo refere-se ao entendimento adquirido (2011, p. 98).
Seguindo o percurso afirmativo, deparamo-nos com Paulo Freire que vê na educação a libertação humana, reconhecendo o valor da razão instrumental por suas técnicas e importância. Para o autor, o homem difere-se dos demais seres por sua capacidade de discernir e dialogar, posto que o indivíduo, não se encontra preso no tempo, ao contrário, ele se modifica, herda, incorpora, banha-se, temporaliza-se nele, isto é, atua criando e recriando integrando-se as condições que lhes são impostas e atua sobre as mesmas, objetivando seu bem-estar, dominando a história (tempo) e a cultura (espaço).
Freire desiste do método de domesticação, apostando na metodologia de conscientização, que se reporta a uma postura crítica, a qual não pode expressar-se através da força, pelo medo ou coerção, mas sim, por intermédio da “educação que proporcione a reflexão do seu próprio poder”, como destaca Melo Neto (2011, p. 107). A denominada consciência crítica possibilita a efetivação de uma educação dialógica e ativa, com vistas na promoção da responsabilidade social e política, materializando-se no despir de respostas prontas e vestindo-se de senso crítico, negando-se a transferir responsabilidades ou a aceitar posições quietistas.
Caminho onde o “o diálogo se torna a concretização do próprio exercício para a liberdade”, um diálogo que exprime mais que palavras, mas que externa ações, como interpreta o referido autor (2011, p. 108/109). Afinal, o diálogo compreende tanto o ponto de partida, quanto o ponto de chegada ao que se refere à promoção e recuperação da igualdade, promovendo a democratização popular, construindo a identidade do oprimido e posicionando-o munido pela espada da libertação da ignorância. Para Freire, a educação encontra-se impedida de transformar-se em silenciosa anuência da opressão, proclamando a necessidade da superação desta situação de exclusão instituída secularmente.
O autor abandona o método educacional individual para um solidário, promovendo a “construção de um ser humano transformador”, rompendo com os estigmas antigos, formando uma educação dialógica, problematizadora e libertadora. No entender do referido autor (apud MELO NETO, 2011, p. 114), a existência justamente por ser humana, não pode calar-se, muito menos nutrir-se de falsas palavras, mas sim, municiar-se de verdades transformadoras e agir em busca da concretização das mesmas, visto que, “existir, humanamente, é pronunciar o mundo, é modificá-lo”.
Exige-se então a alfabetização e a conscientização, como um exercício para a liberdade do oprimido, superando os novos valores. Neste autor, “a teoria e a prática pedagógicas da ação cultural voltam-se, essencialmente, para a questão da democracia”, buscando excluir as formas de opressão, dando dignidade aos seres humanos, e força para que os mesmos reconstruam sua existência (2011, p. 125).

[...] o diálogo (...) apresentando-se de forma maiêutico-socrática, por meio de uma pedagogia freireana que exercite a superação da opressão ou pela ação comunicacional habermasiana, pode iniciar o exercício de uma nova racionalidade, definida pela reflexão crítica sobre a realidade, visando à ação transformadora. (Melo Neto, 2011, p. 127).

Este desenvolvimento racional desencadeou no enraizamento de uma ciência crítica no solo da sociedade, findando na emancipação do cidadão, fixando-se na “integração a ciência social empírica e da hermenêutica”, (2011, p. 127) é desta maneira que o diálogo apresenta-se como elemento construtor da educação, contribuindo para a superação da opressão estatal, em um andar humano a caminho da liberdade.

4.2  Educação no viés de um Direito Fundamental: Um Enfoque aos Arts. 205 até 214 da Carta Cidadã de 1988
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 ficou reconhecida como a Constituição Cidadã em função de que esculpe em letras douradas de suas páginas 250 artigos que embasam a mais ampla expressão de proteção aos direitos e garantias do cidadão já existentes, abraçando os indivíduos com seu manto protetivo, dando-lhes um escudo guardião das arbitrariedades e ilicitudes e uma espada da justiça para que possam promover seus direitos e garantias. Suas diretrizes se irradiam por todo o Estado, direcionando seus cidadãos através de sua luz, de forma a extraí-los das trevas da ignorância e da ilegalidade, edificando o Estado Democrático de Direito, sob o iluminar de sua proteção e sabedoria.
A legislação constitucional educacional brasileira emergiu somente na Constituição Imperial de 1824 e trouxe no art. 179, (composto por 35 incisos), n° 32 que a instrução primária seria gratuita a todos os cidadãos, porém, este direito apenas pertencia à letra do artigo, posto que na prática as minorias compreendidas pelos negros, índios e mulheres eram excluídos desta garantia, porém conforme afirmou Silva (apud MUNIZ, 2002, p. 80) a respectiva foi pioneira mundialmente em positivar os direitos educacionais do homem, o que demonstra sua preocupação com a justiça humana.
Em seguida, a Constituição de 1891, deu continuidade a legalização do ensino, trazendo, também a gratuidade da instrução, estabelecendo às constituições estaduais suas diretrizes, conforme se nota no art. 65, n° 2º. Adiante, a Carta Magna de 1934, elencou no art. 179 a educação como elemento para a formação da personalidade, determinando no art. 150 “a”, a gratuidade e a obrigatoriedade de frequência ao ensino primário, gravando diretrizes para a educação nacional. Já no Caderno de Leis de 1937, mesmo sendo ditatorial em sua forma e conteúdo, trouxe no artigo 130 a educação como sendo gratuita, solidária e obrigatória, bem como, estabeleceu no art. 125 o dever primordial dos pais em ministrá-las incumbindo ao Estado somente o dever de contribuir e complementar as deficiências da educação particular.
Em andamento, a Constituição de 1946, robusta através do artigo 166, o princípio da solidariedade no que tange ao direito educacional, introduzindo-o em seu âmago, e, proclamando pela primeira vez, o direito à vida, substituindo o antigo termo subsistência. Neste percurso, na Carta Magna de 1967, foi esculpido no artigo 168, caput, a educação de forma estruturada, instante em que os direitos econômicos e sociais foram divididos em dois títulos, sendo um sobre a ordem econômica e o outro sobre a educação, a família e a cultura, enfatizando o manto da solidariedade como envolvente do direito educacional. Já na Constituição de 1969, houve uma repressão à expressão constitucional da educação.
Neste andar, emergiu a Carta Cidadã de 1988, que trouxe um Capítulo para designar este direito (Capítulo III – arts. 205 ao 214), estabelecendo os objetivos gerais sobre o sistema educacional brasileiro, proclamando seus titulares, e, enfatizando a solidariedade como elemento norteador, definindo a família, à sociedade e ao Estado de forma conjunta sua promoção e incentivo. Descrevendo, também, no caput do artigo 5° e nos incisos do art. 6° a proteção do direito à educação.
No que reporta ao art. 205 da Constituição de 1988, Maliska (2013, p. 204) define que “falar em educação é, reconhecer o papel indispensável dos fatores sociais na formação do indivíduo”. Ademais, a educação é formada pela esfera intelectual e moral conjuntamente, afinal o conhecimento seria nulo, caso o indivíduo não fosse detentor de valores, pois conforme sabido, a mesma mão que escreveu a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (ano de 1789), que marcou o reconhecimento dos direitos da pessoa humana, também, esculpiu as Leis Nazistas, além de que, sabe-se que o papel aceita tudo que lhe for colocado, porém, é a pessoa humana quem é possuidora de saber suficiente para decidir o que é benéfico e necessário para o convívio social.
Conforme o referido autor (2013, p. 204) a educação seria mais que uma formação, pois consistiria em uma “condição formadora necessária ao próprio desenvolvimento natural”, logo, a educação sob o prisma de direito de todos implica em mais que assegurar o desenvolvimento da leitura, da escrita ou do cálculo, por precisar edificar, os valores morais, as funções mentais e a aquisição do conhecimento necessário para exercer as funções da vida social. Convém salientar que é na sociedade que a educação é desenvolvida, portanto, seu papel é fundamental para o desenvolvimento deste direito, visto que, uma educação de qualidade deve considerar as especificidades da região onde a pessoa reside.
Ademais, com relação ao trabalho dos pais em educar os filhos, a Constituição grava em seu Caderno de Leis os arts. 205, 208 §3°, 227 e 229, proclamando o dever jurídico destes com a educação de seus filhos, coadunado com a participação estatal, evidenciando a importância da participação de todos no que reporta a promoção deste direito aos cidadãos, visto atuar no pleno desenvolvimento da pessoa de maneira a formar pessoas com autonomia intelectual e moral.

Segundo nos ensina Konrad Hesse, a democracia é ‘um assunto de cidadãos emancipados, informados, não de uma massa de ignorantes, apática, dirigida apenas por emoções e desejos irracionais que, por governantes bem intencionados ou mal intencionados, sobre a questão do seu próprio destino, é deixada na obscuridade’. Desta forma, são diversos os aspectos que envolvem o papel da Educação em um Estado democrático. Poder-se-ia dizer que a educação (i) é um instrumento permanente de aperfeiçoamento humanístico da sociedade; (ii) promove a autonomia do indivíduo; (iii) promove a visão (...) das pessoas. (Ela deve possuir a função de superar os preconceitos e ilicitudes sociais); (iv) promove o sentido de responsabilidade entre as pessoas; (v) promove a consciência de que viver em uma República não implica apenas desfrutar direitos, mas também compreende responsabilidades cívicas; (vi) promove a consciência pelo valor dos direitos individuais e sociais. (Maliska, 2013, p. 205).

Encontra expressão no art. 206 os princípios consagradores do direito educacional, tais como, os referentes à igualdade de acesso e permanência no ambiente escolar, o princípio da liberdade em apreender, pesquisar, ensinar, divulgar, pensar no que corresponde à arte e ao saber, sendo ao todo 08 princípios. No artigo 208 vêm escrito quais são os deveres estatais no que se refere à educação, sendo 07 estes deveres, incluindo o ensino fundamental obrigatório e gratuito. No art. 209 materializam-se as diretrizes do ensino privado, submetendo-o ao “cumprimento das normas gerais de educação nacional e a autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público”.
O artigo 210 apregoa a necessidade de fixação de ensinos elementares para a educação fundamental, assegurando a igualdade na formação e a afirmação de valores artísticos, culturais, nacional e regional. Traz o artigo 211 a competência da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios para a organização do regime de colaboração dos sistemas educacionais, composto por 4 parágrafos. O art. 212 traz o percentual de aplicação de impostos na área educacional de cada ente. No art. 213 esculpe-se o destino dos recursos públicos referentes às escolas públicas. Por fim, o art. 214 expressa a necessidade de estabelecer um plano nacional de educação, objetivando articular o sistema e definir suas diretrizes, estratégias, objetivos e metas que o materializam, como meio de garantir a manutenção e o desenvolvimento do ensino.

4.3  Explorando a Educação de maneira Estratégica para a Cidadania
O crescimento da violência tanto no meio urbano quanto rural, coadunado com a falta de ressocialização dos presídios, conjuntado pelo poder que o crime organizado tem detido, e as dificuldades que as instituições policiais encontraram para se adaptar às exigências sociais, emergentes da democratização, tem sido fator desencadeante de fortes preocupações sociais. Neste sentido:

A relação das polícias com a democracia tem sido ambígua, marcado pelo impasse entre a defesa da ordem e a defesa dos direitos dos cidadãos. Assim, por um lado, todos reconhecem que as polícias são organizações fundamentais para o funcionamento e para o ordenamento das sociedades contemporâneas, protegendo os cidadãos e garantindo-lhes o pleno uso de seus direitos; por outro lado, contudo, as polícias tem sido também o braço armado das forças sociais hegemônicas da defesa do seu status quo, o que no Brasil se traduziu na lógica do inimigo interno e no uso indiscriminado da força (Neves, 2002, p. 13/14).

No entanto, a redemocratização dos anos 80 e 90 modificaram este modelo policial, fazendo eclodir uma polícia em mutação para os direitos humanos, ocasionando uma aproximação entre as polícias e destas para com a sociedade, fato este, visível no Plano de Comando Militar de Santa Catarina que propõe o estabelecimento de uma polícia comunitária, pautada na proximidade e na materialidade de ações educacionais.
Cabe destaque o fato de que a Polícia Militar de 1988 e os Direitos Humanos andam de braços dados, formando uma aliança baseada na promoção destes direitos e na efetividade das ações da corporação. Neste enfoque, convém salientar que todas as pessoas são detentoras de direitos e deveres conforme preceitua a Carta Magna, no entanto, em alguns países estes direitos são mais respeitados que em outros, porém, não há justificativa para que estes direitos não sejam disponibilizados.
Além de que, conforme Dallari (2004, p. 7) todas as pessoas são iguais em direitos e deveres, e desta forma, nenhuma vale mais que a outra, ou possui um direito maior que o de seu semelhante. Porém, como são costumeiros, os grupos mais influentes procuram sobrepor seus valores e direitos, no entanto, isto é ilícito e pode ser freado através dos poderes legislativo, executivo e judiciário, é por isto, que o povo precisa demonstrar interesse nas decisões políticas, fiscalizando os atos públicos, para que os mesmos não venham a beneficiar apenas alguns poucos, visto que no modelo democrático de direito, o interesse público deve sobressair-se aos demais.
Neste andar, uma questão que aflige a sociedade é a promoção dos direitos humanos fundamentais, entre eles, a segurança pública e a cidadania. Neste enfoque, Adorno (2002, p. 11) destaca que a Polícia Militar, para conseguir suprir a demanda social, precisa constituir mais que o braço armado do Estado, visto que deve municiar-se, também, de sua força intelectual e com isto atuar, principalmente, preventivamente, através da proteção dos direitos humanos, posto que estes direitos e a segurança pública se incorporam, devido a sua relação de interconexão.
É por isto que este manuscrito visa demonstrar a efetividade da função policial na sociedade democrática, visando vencer este rótulo de que a promoção dos direitos humanos não condiz com o trabalho da Polícia Militar. Neste contexto, os direitos da pessoa humana são universais, ou seja, válidos em todos os Estados, embora possam variar de região para região quanto à enumeração, extensão, e quanto à forma de concretização, porquanto, estes direitos são indiferentes à nacionalidade e cidadania, pois são válidos para as pessoas enquanto seres humanos, de forma indistinta, como assegura Dallari (2004, p. 24/25).
Contudo, a universalização destes direitos não ocorre da mesma maneira que a globalização, visto que esta última está conectada com a ideia do lucro financeiro e desvinculada de qualquer compromisso com a materialização de direitos ou garantias humanas, conforme destaca Tosi (2002, p. 41). O processo de globalização efetua o caminho inverso que o dos direitos humanos, por preferir o retrocesso de direitos, ou seja, a intervenção mínima do Estado, abrangendo a pura defesa dos direitos da liberdade. Nesta trajetória, não há lugar para a defesa dos direitos sociais e de solidariedade, é por este motivo que novas e velhas desigualdades sociais e econômicas emergem e coadunam-se em detrimento da efetivação dos preceitos da Carta Magna e dos direitos humanos.
Aqui permeia a dificuldade encontrada para semear estes direitos, devido ao fato de não trazerem lucro pessoal, ao contrário, posto que os mesmos libertam os seres humanos, e conscientiza-os de seu valor, munindo-os com meios para se desprender das arbitrariedades e ilicitudes que lhe são impostas, excluindo e marginalizando-os no núcleo social à mercê da boa vontade do Estado e de seus representantes que, controlados pelo sistema capitalista, objetivam mais o lucro, apresentando políticas públicas superficiais, apenas como marketing para auferir votos e manter seu cargo público, do que, realmente libertar e proteger estes cidadãos desguarnecidos de direito e justiça.
Conforme foi apresentando, até então, é a educação que traz a alforria destes cidadãos marginalizados, extraindo-lhes o véu da ignorância e arrebentando suas algemas, liberando-os dos açoites das injustiças e das amarras dos troncos e cepos das arbitrariedades provenientes de todos os lados, assinando sua Carta da Liberdade, armando-os com a espada do conhecimento e com o escudo dos direitos e garantias, que mais que belas palavras, são necessidades que precisam ser conhecidas, para serem buscadas e efetivadas. Afinal, como pode o homem buscar algo que nem sequer sabe existir?
Tosi (2002, p. 45) chega a afirmar que “a questão dos direitos humanos (...), funciona como uma ideia reguladora, um horizonte que nunca poderá ser alcançado porque está sempre mais além, mas sem o qual, não saberíamos sequer para onde ir”. Porém, mais que utopia, estes direitos são realidade, pois, encontram-se expressos no Caderno de Leis universais que compreendem os direitos humanos, e partindo do papel para a materialização social, precisa apenas motivação, conhecimento e aplicação.
De acordo com Freitas (2002, p. 50) a cidadania[3] coexiste com a desigualdade, visto que os direitos são descritos como natos e pertencentes ao ser humano, porém, “nas relações de poder e exploração, não é assegurado o seu exercício ao cidadão”, uma vez que não abrangem lucro financeiro. Existe uma dicotomia entre a positivação destes direitos e sua efetividade, pois, embora sejam assegurados, não são respeitados, como é perceptível nas desigualdades sociais, que resultam em uma democracia sem cidadania.
Para Warren (apud Freitas, 2002, p. 51) não há como edificar a democracia nestas condições, pois as ações estão contraditórias, visto que, se a democracia apoiar a existência destas desigualdades, a mesma constituirá um modelo de sociedade para excluídos, e sua aplicação será uma farsa, pois estaria afirmando uma “cultura política de exclusão social, de violência, de desidentificação social”. Constata-se na atualidade uma crise na cidadania, onde os indivíduos desconhecem seus direitos, dificultando ainda mais sua promoção, que a primeira vista, já não possuem tantos adeptos a promovê-los.

[...] a simples situação de miséria, de discriminação ou mesmo de exploração não produz automaticamente este reconhecimento. E mais ainda, como reconhecer o direito de lutar por um direito? Neste sentido é fundamental a existência de um fator subjetivo, ou seja, o reconhecimento de sua dignidade humana, que sempre foi solapada nas classes subalternas e tem suas raízes no sistema escravocrata e colonial. Warren (apud Freitas, 2002, p. 51).

Em decorrência da necessidade de efetivar estes direitos, e afirmar a cidadania, certifica-se, a obrigação de educar as pessoas para se descobrirem como sujeitos de direitos, isto é, é preciso conhecer para buscar. Nada obstante, a Constituição no Título VIII, Capítulo III, apregoa a educação como direito de todos e dever estatal, familiar e social, cuja finalidade compreende em mais que efetuar o pleno desenvolvimento da pessoa, mas prepará-la para o exercício da cidadania.
Depreende-se do exposto, que o problema com relação aos direitos humanos, já não é mais o de seu fundamento, mas sim o de garanti-los à sociedade e o maior entrave para sua efetividade compreendem a falta de conhecimento e a falta de reivindicação. A transposição deste modelo jurídico, expresso por uma constituição de papel, contem apenas normas escritas e não detém efetividade, implica na necessidade de orientação educacional interdisciplinar, priorizando as relações escolares, comunitárias e sociais.

O termo cidadania, como mencionamos anteriormente, é muito vago. Quando se tenta defini-la, surgem as mais variadas explicações: ‘[...] é quando o cidadão cumpre seus deveres e conquista seus direitos.’; ou então: ‘[...] é atuar dentro de uma sociedade, ter direitos e deveres, e fazer uso destes.’ Ainda, aparece a possibilidade de ‘desfrutar da condição de ser brasileiro’, condição essa relacionada com a própria questão da nacionalidade. Deve-se considerar, também, que a questão dos direitos humanos e da cidadania é pouco abordada na educação em geral, e mesmo nos cursos jurídicos, é abordada de forma superficial.

Neste enfoque, o conceito de cidadania, conforme Ferreira (apud FREITAS, 2002, p. 55) compreende os direitos naturais, a liberdade do pensamento, de religião, e a igualdade frente à lei, neste sentido, a mesma origina-se dos “direitos formais de liberdade”, desencadeando hodiernamente nos direitos civis, porém, compreende um processo em desenvolvimento.
Assim, conforme o respectivo autor (2002, p. 57) os autores que identificam a cidadania com a nacionalidade, preocupam-se, simplesmente, com a questão da aquisição ou perda da nacionalidade. Já os doutrinadores que a diferem da mesma, colocam-na no somatório com a nacionalidade, “mais os direitos políticos de votar e ser votado”. Destarte, para Andrade (apud FREITAS, 2002, p. 57) “a cidadania, genericamente, é, pois, um vínculo jurídico que liga o cidadão ao Estado, delimitando seu círculo de capacidade: o conjunto de direitos (políticos) e obrigações perante o Estado”, quando um indivíduo não pertence a nenhum Estado, encontra obstáculo para reivindicar direitos, pois se torna um sujeito apátrida, não detendo por isso, nenhuma ordem jurídica.
Desta forma o conceito de cidadania não se reduz a “vinculação à nacionalidade ou a participação político-eleitoral dos indivíduos na sociedade, pois o discurso da cidadania se materializa, democraticamente, quando enunciado pelos sujeitos sociais e políticos, visando erigi-lo em espaço público reivindicatório de direitos”, como destaca Freitas (2002, p. 60).  A cidadania consiste, então, no poder de acesso ao espaço público. Em outro sentido, a cultura do Brasil efetivou-se por meio da colonização, refletindo os muitos anos de exploração que o país vivenciou, a qual perdura até os dias atuais, se vista sob o ângulo dos abusos existentes, posto que sua formação histórica apenas reproduziu as relações sociais autoritárias e conservadoras dos colonizadores, desta feita, Freitas (2002, p. 63) destaca que:

[...] a luta pela construção de uma cidadania vai ao encontro dos problemas concretos que o ser humano vive em áreas referentes à subsistência, à saúde, à moradia, à educação, ao trabalho, à segurança, à dignidade humana, entre outras. Como construção de direitos que, ‘essa cidadania coletiva e orgânica das massas pressupõe a conquista de um direito essencial (que deve ser inalienável) pelos movimentos populares: o direito de conquistar (e gerir) direitos’ (Scherer-Warren, 1993, p. 55). A conquista desse direito se dá com o reconhecimento de que é sujeito de direitos.

Posto isto, enfatiza-se, que a cidadania da qual a sociedade precisa é aquela com capacidade de dar competência aos seres humanos para ser e fazer-se sujeito de direitos, organizando-se coletiva e solidariamente na procura pela emancipação humana. Visto que, a situação a que o povo está submetido, na verdade compreende o oposto da cidadania (pobreza política, falta de conhecimento jurídico, falta de organização social). Através do exercício da cidadania, será possível organizar a sociedade politicamente, engajando-se na reivindicação de direitos, promovendo o bem-estar coletivo e a efetividade dos direitos humanos.
Destarte, acima de um vínculo jurídico, a mesma compreende a luta pela positivação e materialização dos direitos, nascida no âmago da liberdade individual, buscando emancipar os indivíduos, como enfatiza Freitas (2002, p. 64/65). Ter conhecimento sobre seus direitos não é suficiente para poder promovê-los, é preciso lutar para efetivar os direitos já positivados e os novos direitos que emergem das relações sociais, neste enfoque, evidencia-se que todas as pessoas são portadoras de direitos humanos, mas para auferir a cidadania efetiva, é preciso ser detentor de capacidade para exercitar os direitos expressos nas normas vigentes.

Nesse sentido, a cidadania é a condição de reclamação, de reivindicação de direitos e do exercício desses direitos. A cidadania é o acesso ao espaço público: em primeiro lugar, ela é o acesso jurídico e político; em segundo, ela é a participação no processo de construção desse espaço público. O acesso jurídico confere ao sujeito o direito de participar da comunidade conferindo-lhe o status formal de cidadania. Porém, não basta o sujeito ter a nacionalidade, pois ela não garante a efetividade dos direitos humanos. (Freitas, 2002, p. 66).

Diante disto, é preciso investir na educação para abrir a visão, principalmente das classes desfavorecidas, que se encontram, também, cegas pelo capitalismo e pela vontade de consumir, visto que os excluídos não buscam mais a efetividade de um direito constitucional, mas visam, simplesmente, o direito de consumir, fazendo com que este direito substitua os direitos civis e políticos, limitando a organização política, retrocedendo ao invés de avançar democraticamente, conforme o entendimento de Freitas (2002, p. 74).
É preciso redefinir a ideia de direitos, partindo da concepção da reivindicação de um direito a ter direitos, cuja qual não se limita as conquistas legais ou ao acesso dos direitos positivados, mas inclui a criação de novos direitos que afloram das lutas sociais, buscando uma cidadania que constitua uma estratégia para os não cidadãos, para os marginalizados, e, excluídos, como entende Dagnino (apud FREITAS, 2002, p. 75), demandando a criação de instituições que ensinem, expressem e auxiliem na materialização destes direitos.
Deste modo, Freitas (2002, p. 77) distingue “a cidadania passiva – aquela que é outorgada pelo Estado, com a ideia moral da tutela e do favor – da cidadania ativa, que institui o cidadão como portador de direitos e de deveres, mas essencialmente criador de direitos de abrir espaço de participação” e de emancipação, desencadeando no fim da desigualdade e no “fim da divisão dos brasileiros em castas separadas pela educação, pela renda, pela cor”, (2002, p. 78) edificando no solo brasileiro um Brasil Democrático, nos moldes que a Constituição Federal lhes promulga, colocando a pessoa humana, por consistir o bem mais valioso da humanidade, acima de qualquer outro valor, conforme o entendimento de Dallari (2004, p. 09). Nas palavras do autor (2004, p. 13), “como todas as pessoas são iguais – uma não vale mais do que a outra, uma não vale menos do que a outra” – e a todos deve ser assegurada a possibilidade de usufruir de todos os direitos humanos e fundamentais.
O maior valor de um Estado é o da pessoa humana, visto que o mesmo se edifica através do povo. Desta forma, como fundamento do Estado Democrático de Direito (Art. 1, III da CF) existe a dignidade da pessoa humana, a qual precisa ser respeitada sob pena de negação aos preceitos da Carta Magna, além de que, por compreenderem seres frágeis, as pessoas possuem um dever de solidariedade para com seu semelhante, dever este que até os animais possuem, por isto vivem em matilhas (para defenderem-se e garantirem sua sobrevivência), desta maneira, no instante em que houver respeito pela individualidade de cada ser, e solidariedade no que tange as suas necessidades, as injustiças sociais serão dirimidas e a humanidade poderá usufruir o direito da terceira geração que é a paz.
Os direitos humanos foram manchados pela dor, sangue e sofrimento de muitos anos de guerras, no entanto, já proporcionaram diversas vitórias, contudo, o caminho até sua completa efetividade é longo e árduo, pois precisará vencer o entendimento de que estes direitos são privilégios das classes favorecidas. Neste enfoque, parece contraditório afirmar que as pessoas possuem a obrigação de exercerem seus direitos, no entanto, devido à natureza associativa dos indivíduos e a solidariedade inerente da condição humana, bem como, a fraqueza dos grupos sociais isolados, no instante em que forem enfrentar o Estado ou grupos sociais poderosos, é imperioso que todo o povo participe nas atividades sociais para igualar o poder de coerção, como define Dallari (2004, p. 25), pois a vida em sociedade é um imperativo da natureza humana.
Por decorrência, como meio de organizar esta sociedade é que existem as regras, as quais precisam ser respeitadas para garantir uma convivência saudável, para isto é preciso que todos conheçam seus direitos e deveres e os respeitem. Do exposto, Dallari (2004, p. 30) define que um Estado Democrático ergue-se sobre três bases:

[...] o respeito à liberdade, reconhecida como direito fundamental da pessoa humana; o reconhecimento da igualdade como outro direito humano fundamental condicionante da organização social; a supremacia da vontade do povo, que deve ter a possibilidade de decidir, diretamente ou por meio de representantes eleitos, sobre todos os assuntos importantes ou de seu interesse.

São diversos os direitos humanos fundamentais, entre eles, pode ser destacado, o direito à vida, que é o bem primordial da pessoa humana, visto que dela decorrem todos os demais direitos. Porém, garantir o direito à vida, não compreende simplesmente proibir que a pessoa sucumba, pois, exige o respeito pela integridade do indivíduo e possibilidade de uma existência digna, visto que, “nenhuma vida humana é diferente da outra”, por isto, nenhuma vida vale mais que a outra, como enfatiza Dallari (2004, p. 33). Porém, muitos atentados ocorrem diariamente na sociedade, impulsionados pela ambição desmedida de algumas pessoas, que limitam e extraem a vida dos marginalizados objetivando o simples lucro financeiro, pode ser utilizado como exemplo, o caso da poluição das grandes indústrias e o uso de venenos e substâncias tóxicas na agricultura.
Tem-se também a situação de pobreza extrema, na qual subsistem milhões de pessoas, morrendo de fome, cede e frio paulatinamente, nas ruas da cidade sob a luz da Constituição e o olhar de seus semelhantes, pessoas desassistidas de um mínimo de saúde, de alimento e de condições para sobreviver. O mesmo ocorre com as pessoas que são obrigadas a trabalharem em ambientes perigosos ou prejudiciais à saúde, que pelo benefício de um mínimo de acréscimo no salário, vendem suas vidas e sua dignidade.
Desta feita, conforme Dallari (2004, p. 36) “o respeito à vida de uma pessoa não significa apenas não matar essa pessoa com violência, mas também dar a ela a garantia de que todas as suas necessidades fundamentais serão atendidas”, é somente isso que a Carta Cidadã impõe aos seus cidadãos ao destacar que a vida que ela garante, precisa ser vivida com dignidade. Todas as pessoas possuem o direito ao respeito por suas vidas, no sentido mais amplo possível.
Assim como, “todo o ser humano tem o direito de ser reconhecido e tratado como pessoa”. Este direito deixa de ser respeitado quando o indivíduo age para com seu semelhante com violência de qualquer espécie, forçando-o a viver em situações degradantes, humilhantes ou discriminantes, como afirma Dallari (2004, p. 37), “reconhecer e tratar alguém como pessoa é respeitar sua vida, mas exige que, também, seja respeitada a dignidade, própria de todos os seres humanos”.
No artigo 1° da Declaração Universal dos Direitos Humanos (de 1948) esculpe-se o direito à igualdade entre as pessoas, no entanto, deste direito de igualdade e liberdade emerge a denominada falsa liberdade, ou seja, os excessos que alguns indivíduos cometem sob a desculpa de que são livres e podem tudo que desejarem, além de que o autor (2004, p. 44) enfatiza que é errado afirmar que a liberdade de uma pessoa encerra-se ao começar a liberdade do outro cidadão, visto que o direito da liberdade é exercido de forma conjunta, e a liberdade de cada pessoa encontra-se “entrelaçada com a dos demais seres humanos”, logo, ao afirmar um direito é preciso que o Estado garanta meios para que este direito seja usufruído.
Ao falar em usufruir direitos, retorna-se ao ponto inicial deste trabalho que embasa a necessidade social por educação, visto que, conforme o exposto, não há como exigir algo que não se conheça. Neste aspecto, municiada através da inteligência é que a Polícia Militar conscientizou-se que agir preventivamente, produz mais resultados que atuar repressivamente e para isto, buscou trabalhar através da educação, em uma relação de proximidade e respeito mútuo para com a comunidade.

4.4  A Promoção da Educação em Direitos Humanos através da Polícia Militar por meio do programa EDHUCA: Educação em Direitos Humanos e Cidadania Ativa
A Polícia Militar abraçou a Carta Política de 1988, em seu inteiro teor, passando a orientar o seu agir com base nos direitos humanos fundamentais, trabalhando em proximidade dos cidadãos, buscando a efetividade dos preceitos esculpidos no ordenamento jurídico.
Intelectualizada, esta instituição procurou agir preventivamente, e encontrou a educação como medida para tanto, atuando, sobre a criança com a personalidade ainda em formação, fato este que permite maior aceitação do conteúdo ministrado, aferindo maiores resultados em sua socialização, construindo uma sociedade pautada na legalidade e no conhecimento de seus direitos e deveres como pessoa humana. Sob este enfoque o TC Julio Cesar Pozzo da Fonseca, criou no 15º Batalhão de Polícia Militar do município de Caçador/SC, o projeto EDHUCA: Educação em Direitos Humanos e Cidadania Ativa, o qual se dirige ao público infanto-juvenil do 7° ao 3° ano do ensino fundamental e médio.
O programa visa instruir os alunos, professores, pais e demais cidadãos ao conhecimento dos direitos humanos fundamentais, buscando a melhoria do convívio social e a diminuição nas taxas de violência, para que estes passem a atuar como multiplicadores dos valores humanos, no intuito de originar uma cultura promotora do respeito e defesa destes direitos. Pretende-se que os educadores sejam instruídos, permanentemente, por meio de estudos e pesquisas de campo, as quais serão repassadas aos discípulos, para que possam aferir conhecimentos teóricos e práticos, concedendo-lhes capacidade suficiente para solucionar as problemáticas apresentadas a eles.
As atividades práticas serviriam como um processo de capacitação para a conscientização e prática dos alunos, no que tange ao agir político e legalmente correto, onde se pretende ofertar oficinas pedagógicas, exposições dialogadas, trabalhos de campo e manifestações artísticas em geral, ofertando a maior gama possível de conhecimento a estes alunos, possibilitando a sua total liberdade de agir frente à busca e efetivação de seus direitos. A intenção é demonstrar a realidade social para estes jovens, e com isto, ensinar-lhes os direitos e garantias protetivos, munindo-lhes de mecanismos para solucionar as problemáticas, transmitindo-lhes, além de conhecimento jurídico, valores sociais e morais, desenvolvendo seu raciocínio lógico.
O curso objetiva dividir-se em cinco modalidades, onde inicialmente pretender-se-ia repassar capacitação aos professores destes alunos, em segundo instante o público alvo seriam os alunos do 7° ao 8° ano letivo, e depois do 9° ao 1° ano, e, por fim, do 2° ao 3° ano letivo, atuando gradual e periodicamente. De modo geral, o projeto visa oferecer estes conhecimentos a todos os públicos, conforme o alcance de suas possibilidades, posto que, o objetivo é abrir o mundo jurídico para o povo, para que este lhe dê efetividade. O projeto procura estabelecer uma aproximação entre a polícia e a comunidade escolar, comunitária e familiar, envolvendo a participação do máximo possível de pessoas, posto que, a transmissão de conhecimento embasaria um método para transformar a realidade esmagadora que vigora em terrae brasilis, manchando de ilicitudes a bandeira nacional.
É incabível que em um Estado Democrático de Direito ainda existam pessoas que desconheçam as leis e garantias que lhe assistem, sendo ainda mais intolerante que a prática de arbitrariedades e ilicitudes ocorra à luz do dia, como realmente ocorre, é preciso clarificar as pessoas quanto o seu valor, é necessário conscientizar a humanidade que a luz que irradia da Constituição ilumina a todos os cidadãos nacionais, indistintamente, como define a letra do caput do art. 5°. A busca pelo crescimento e lucro a qualquer custo, tem destruído a humanidade nos corações das pessoas e com isto, ceifado milhões de vidas, indiscriminadamente, pessoas “sem face e sem nome”, que morrem nas calçadas, às margens da sociedade, cegos pela sombra da ignorância de seus direitos, em negação aos fundamentos desta República:

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. (Grifos da autora).

Tais palavras aparentam letra morta no Caderno Constitucional, a um passo de pertencerem ao cemitério de leis, pois, não é notável a efetividade destas expressões, que mais que declarações são diretrizes que fundamentam a ordem estatal. É público que milhares de pessoas sucumbem devido à pobreza e a marginalização ocasionada pelas desigualdades sociais. É preciso que a população esteja consciente disto, e que passe a buscar a efetividade destas leis, promovendo e respeitando-as. Os cidadãos reclamam por educação para poderem, então, edificar o Estado que a Carta Cidadã deseja, é necessário descortiná-los de seus direitos e de sua condição de pessoa humana que a vitimização constante lhes extraiu.
É imensurável o tempo em que as igrejas e as leis apregoam a igualdade entre os seres humanos, contudo, estas afirmações nunca se edificaram no solo nacional, ou mesmo internacional, como a própria história demonstra, como destaca Dallari (2004, p. 46), desta maneira, “quando se diz que todos os seres humanos nascem iguais, o que se está afirmando é que nenhum nasce melhor do que o outro”, porém, a sociedade age de maneira desigual, oportunizando mais a uns que a outros, por isso, o imperativo que a Polícia Militar verificou de levar informação e conhecimento, principalmente ao povo desfavorecido, como forma de armar a sociedade contra as injustiças.
A desigualdade se legalizou de tal forma, que possui a denominação de globalização, a qual busca “aumentar a submissão dos países menos desenvolvidos e eliminar direitos dos trabalhadores, para assim, ganharem mais dinheiro, indiferente ao aumento das injustiças”. É isto que o programa EDHUCA, visa mostrar, é para responder a estes tipos de situações que o mesmo pretende preparar os jovens. Uma das mais graves consequências da globalização, ocasionada pela Era Robótica, foi o alto índice de desemprego, visto que a mão-de-obra humana vem sendo substituída pela maquinaria, que é mais rápida e econômica, agravando as desigualdades e injustiças, desguarnecendo os cidadãos.
Afinal, não há motivos que justifiquem, por exemplo, que a educação privada seja melhor que a educação pública, ou que a saúde privada seja melhor que a pública, se os profissionais possuem as mesmas formações e capacidades. É por isto que o programa EDHUCA pretende abrir a capacidade de raciocínio lógico da sociedade, construindo uma cultura de seres pensantes e atuantes na luta pela efetividade de seus direitos.



[1] Homero e Hesíodo, poetas gregos, que viveram entre os séculos VIII e VII a.C. e marcaram a educação e a formação humana, grega e ocidental.
[2] Ação referenciada em cálculos, com adequação dos meios a um determinado fim.
[3] O termo cidadania é vago, podendo ter várias interpretações conforme o interesse. Por exemplo, de acordo com a cultura jurídica dominante, pode ser vista meramente como um atributo concedido pelo Estado ao indivíduo social (nacionalidade). Considera-se, porém, que a cidadania é mais que a simples equivalência a nacionalidade, que o cidadão formal pode não ter conhecimento de seus direitos, e o conhecimento de que é sujeito de direitos é condição para o exercício da cidadania. Mas, nesse sentido, apenas ter conhecimento não é suficiente. É necessário lutar tanto pela efetividade dos direitos listados na norma constitucional quanto por novos direitos. (Freitas, 2002, p. 52).