quinta-feira, 18 de março de 2021

O Dirigismo Judicial como Ferramenta de Efetividade do Direito Fundamental ao Meio Ambiente em uma Perspectiva ao Direito à Vida

 

O DIRIGISMO JUDICIAL COMO FERRAMENTA DE EFETIVIDADE DO DIREITO FUNDAMENTAL AO MEIO AMBIENTE EM UMA PERSPECTIVA DE EXTENSÃO AO DIREITO À VIDA

 

THE DIRIGISME JUDICIAL AS FUNDAMENTAL RIGHT TO EFFECTIVE TOOL TO THE ENVIRONMENT IN AN EXTENSION OF PERSPECTIVE THE RIGHT TO LIFE

 

Resumo: A presente pesquisa pretende analisar o mecanismo do dirigismo judicial como meio de efetivar o direito fundamental ao meio ambiente, sob a perspectiva de extensão ao direito à vida, como uma aposta na promoção deste direito essencial à vida humana, visando edificar uma transformação no núcleo social de forma a promover a vida sustentável. No intuito de verificar uma resposta a essa temática, formulou-se o seguinte problema de pesquisa: É possível que através do dirigismo judicial possa-se promover o respeito ao meio ambiente, em razão de sua essencialidade para a vida humana? Visando responder ao problema proposto, o trabalho tem por objetivo geral discutir a possibilidade de o sistema judiciário promover a transformação dos conflitos a partir do princípio da dignidade da pessoa humana e da consubstanciação, por meio de suas decisões, de uma vida sustentável. E, por objetivos específicos: a) estudar o princípio da dignidade da pessoa humana como elemento basilar para a consideração do meio ambiente como um direito fundamental, em razão de sua essencialidade para a vida humana; b) analisar a fundamentalidade do meio ambiente para a existência da vida humana; c) analisar o dirigismo judicial como elemento efetivador das leis ambientais. O aprofundamento teórico do estudo pauta-se em pesquisa bibliográfica, consubstanciada na leitura de diversas obras, apoiando-se em um método dedutivo. Afinal, o Estado Democrático de Direito alicerça-se sobre o princípio da dignidade da pessoa humana, considerando-a expressamente como seu fundamento, definindo como cláusula pétrea o direito à vida, e irradiando das expressões constitucionais que não basta o mero viver, pois a Magna Carta assegura o direito a uma vida digna e isto somente se possibilita com a fruição de um meio ambiente sadio e equilibrado, o que coloca este bem em nível de direito e importância fundamental. 

Palavras-chave: Vida sustentável. Meio ambiente como extensão ao direito à vida. Dirigismo judicial em efetivação das leis ambientais. O meio ambiente como ferramenta para uma vida digna.

 

Abstract: This research aims to examine the mechanism of judicial interventionism as a means to accomplish the fundamental right to the environment, under the extension perspective of the right to life as a bet in promoting this essential right to human life, aiming to build a transformation in social nucleus in order to promote sustainable living. In order to verify a response to this issue, it formulated the following research problem: It is possible that through the judicial interventionism can to promote respect for the environment, because of their essentiality to human life? Aiming to respond to the proposed problem, the work has the objective to discuss the possibility of the judicial system promote conflict transformation from the principle of human dignity and substantiation, through its decisions, a sustainable life. And for specific objectives: a) to study the principle of human dignity as the core element for the consideration of the environment as a fundamental right, because of their essentiality to human life; b) analyze the fundamentality of the environment for the existence of human life; c) analyze the judicial interventionism as actualized element of environmental laws. The theoretical study of the agenda to study literature, based on the reading of several works, relying on a deductive method. After all, the democratic state founded up on the principle of human dignity, considering it explicitly as its foundation, defining how entrenchment clause the right to life, and irradiating the constitutional expressions that do not just mere living because Constitution guarantees the right to a dignified life and this is only possible with the enjoyment of a healthy and balanced environment, which puts this well at the level of law and fundamental importance.

Keywords: Sustainable Life. judicial interventionism in effective environmental laws. The environment as a tool for a dignified life.

 

 

1.      INTRODUÇÃO

              O respectivo artigo retrata a utilização do dirigismo judicial como meio de promover as diretrizes normativas sobre o meio ambiente.

O próprio parte da definição da dignidade da pessoa humana, que conforme a posição conferida através do constituinte originário (Art. 1º, III da CF/88) compreende pedra basilar na construção do Estado Democrático de Direito, vinculando todos os demais direitos em sua direção, de forma soberana, no sentido de que, a Carta Política de 1988, baseou-se em garantir mais que a simples possibilidade de vida, mas uma vida com dignidade.

              Neste viés, a autora coloca o meio ambiente sob a proteção da dignidade da pessoa humana, baseada no fato de que este bem compreende extensão ao direito à vida, visto ser impossível viver sem os recursos naturais que apenas o meio ambiente é capaz de promover, como o ar puto, a água potável, o solo fértil e etc.

Por fim é utilizado o dirigismo judicial como meio de materializar este bem no âmago social, ou seja, garantir a todos indistintamente o acesso a este bem, sendo possível até mesmo, a quem seja hipossuficiente, obter acesso à água potável através do judiciário, baseado no art. 5° da CF (igualdade de direitos) bem como, a vedação de pena de morte compreendida na Norma Maior, a qual veda a possibilidade de morte por qualquer meio, inclusive por falta de comida ou água, por exemplo, bem como baseado no art. 1° que expressa o dever de mais que viver, mas viver com dignidade.

 

2.      O CONTEÚDO NORMATIVO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Em vista de compreender uma categoria axiológica aberta, é difícil encontrar um conceito fixo para o princípio da dignidade da pessoa humana. O grau de dignidade de um povo é medido por seu estrato social, no sentido de que quanto maior a dignidade de uma sociedade, maior será sua proeminência social.

Neste sentido Cícero (apud GOLDSCHMIDT, 2009, p. 23) destaca que este princípio possui uma dupla peculiaridade que consiste na racionalidade do indivíduo, que o distingue dos demais seres humanos, aproximando-o de seus semelhantes, e a outra compreende a que o insere no campo da ética, fazendo-o preocupar-se com os demais no âmago da vida social.

Nada obstante, sua visão expressava um conceito adequado acerca da dignidade visto que colocava a necessidade do homem agir com fraternidade, atuando de modo a evitar injustiças, cuja qual pode ocorrer seja através de ações injuriantes, ou por meio de omissões, quando havia possibilidade de agir em prol do próximo e o indivíduo deixa de agir, no entendimento de que não impedir uma injustiça quando havia possibilidade de fazê-lo é pior que cometer a injustiça a próprio punho.

Por decorrência, em vista do caráter abrangente do termo dignidade, consiste em uma tarefa difícil encontrar um significado para a mesma em vista de que seu conceito refere-se a contornos vagos e imprecisos, diferenciado por sua imprecisão e porosidade, bem como por sua característica polissêmica. Assim, conforme expressa Sarlet (2006, p. 40):

 

Uma das principais dificuldades reside no fato de que no caso da dignidade da pessoa, não se cuida de aspectos mais ou menos específicos da pessoa humana, mas, sim, de uma qualidade tida como inerente a todo o ser humano, de tal sorte que a dignidade – como já restou evidenciado – passou a ser habitualmente definida como constituindo o valor próprio que identifica o ser humano como tal, definição esta que, todavia, acaba por não contribuir muito para uma compreensão satisfatória do que efetivamente é o âmbito de proteção da dignidade, na sua condição jurídico normativa.

 

No entanto, mesmo que não seja possível estabelecer um rol taxativo de violações desta garantia, é possível assegurar que a dignidade humana é algo real, visto que em diversas situações se constata sua agressão e desrespeito, por tal motivo é que doutrinadores afirmam ser mais fácil especificar o que a mesma não compreende, do que o que ela engloba, é por este fato que tanto a doutrina, quanto a jurisprudência cuidaram de estabelecer o núcleo protetivo de sua dimensão jurídico normativa, mesmo que não seja possível proclamar uma definição genérica e abstrata de seu conteúdo.

Neste sentido, argumenta-se acerca da imprecisão de um conceito em virtude de que tal ação não se harmonizaria com o pluralismo e a diversidade de valores que se manifestam em um Estado Democrático de Direito, razão pela qual, o respectivo autor manifesta que a limitação deste conceito encontra-se em transformação e desenvolvimento, portanto, agregar a mesma um conteúdo jurídico-normativo, reclama dos órgãos estatais uma invariável concretização e fixação pelo fulcro constitucional.

Cabe ressaltar, que a dignidade constitui qualidade intrínseca do ser humano, sendo irrenunciável e inalienável, compreendendo elemento que qualifica a pessoa humana e desta não pode ser desvinculada, de tal forma que não se pode conjeturar uma possibilidade em que determinado indivíduo venha a ser coisificado.

 

Está, portanto, compreendida como qualidade integrante e irrenunciável da própria condição humana, pode (e deve) ser reconhecida, respeitada, promovida e protegida, não podendo, contudo (no sentido ora empregado) ser criada, concedida ou retirada (embora possa ser violada), já que existe em cada ser humano como algo que lhe é inerente. Ainda nesta linha de entendimento, houve até mesmo quem afirmasse que a dignidade representa ‘valor absoluto de cada ser humano, que, não sendo indispensável, é insubstituível’. (SARLET, 2006, p. 41):

 

              Por consequência, constata-se que a dignidade não existe apenas onde é protegida pelo Direito e na medida em que este a reconhece, já que a mesma é compreendida como preexistente e anterior a qualquer especulação, no entanto, o Direito compreende meio crucial de sua proteção e promoção, abrindo possibilidade de constatação de que se negou uma definição para a mesma, em virtude de seu caráter de valor próprio e natural de todo e qualquer ser humano.

Assim é irrefutável o fato de que a dignidade não depende de circunstâncias concretas, pois a mesma é inerente a pessoa humana, visto que todos, “são iguais em dignidade, no sentido de serem reconhecidos como pessoa”, nunca esta podendo ser objeto de desconsideração.

 

Nesta mesma linha, situa-se a doutrina de Günter Durig, (...), - onde que – a dignidade da pessoa humana consiste no fato de que ‘cada ser humano é humano por força de seu espírito, que o distingue da natureza impessoal e que o capacita para, com base em sua própria decisão, tornar-se consciente de si mesmo, de autodeterminar sua conduta, bem como o de formar sua existência e o meio que o circunda. (SARLET, 2006, p. 41).

 

Neste sentido, à luz da Declaração Universal da ONU declara-se através do art. 1° que “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. Dotados de razão e consciência, (fato este que os obriga a) agir uns para com os outros em espírito e fraternidade”.

Verifica-se que o núcleo temático da dignidade humana vem expresso através da doutrina Kantiana, concentrando-se na garantia de autodeterminação do ser humano, sendo esta considerada em abstrato, de maneira que, até mesmo o incapaz seja possuidor da mesma dignidade que qualquer outra pessoa.

Ressalta-se que não se tenciona equiparar os seres humanos, mas sim, “a intrínseca ligação entre as noções de liberdade e dignidade,” em vistas de que “a liberdade e, por conseguinte, também o reconhecimento e a garantia de direitos de liberdade (e dos direitos fundamentais de modo geral) constituem uma das principais (senão a principal) exigências da dignidade da pessoa humana”, como destaca Sarlet (2006, p. 44).

De outra forma, a dignidade não pode ser considerada como atributo simplesmente inerente da pessoa humana, pois a mesma possui também um sentido cultural, visto que compreende fruto do trabalho da humanidade, razão pela qual, “as dimensões natural e cultural da dignidade da pessoa humana se complementam e interagem mutuamente.” Fato este que foi consagrado por diversos Tribunais, como o Alemão, por exemplo.

Por esta razão, a dignidade da pessoa humana compreende limite e liberdade de ação estatal e da comunidade em geral, pois a mesma possui uma dimensão defensiva e outra prestacional, onde na sua condição limitante, impõe limites na ação do homem quanto aos seres humanos, já no que reporta a ação estatal, impõe obrigatoriedade prestacional através de ações que possibilitem seu exercício pleno, sendo por isto, dependente também da ordem comunitária.

Desde logo, evidencia-se que com o reconhecimento de sua dupla dimensão (cultural e prestacional) não se espera compreendê-la como prestação, ao menos não naquilo em que se sustenta ser a dignidade, que não compreende somente um atributo ou valor inato e intrínseco do ser humano, mas sim, uma condição conquistada pela ação concreta de cada indivíduo, não sendo tarefa dos direitos fundamentais assegurarem a dignidade, mas sim, as condições para a realização de sua prestação.

Considerada a dignidade como limite e tarefa, destaca Dworkin (apud Sarlet, 2006, p. 48), que a mesma possui uma esfera ativa e outra passiva, ambas conectadas, de forma que constituem um valor intrínseco da qualidade humana, de maneira que mesmo aquele que perdeu a consciência da própria dignidade, merece dispô-la, em razão de que o ser humano não pode coisificado, ou seja, visto como instrumento para fins alheios.

Assim em conformidade com Kant o homem compreende um fim em si mesmo, estando, então impedido de servir arbitrariamente desta ou daquela vontade. Ademais:

 

[...] a dignidade constitui atributo da pessoa humana individualmente considerada, e não de um ser ideal ou abstrato, razão pela qual não se deverá confundir as noções de dignidade da pessoa e de dignidade humana, quando esta for referida a dignidade como um todo. Registre-se neste contexto, o significado da formulação adotada pelo nosso Constituinte de 1988, ao referir-se à dignidade da pessoa humana como fundamento da Republica e do nosso Estado Democrático de Direito. Neste sentido, bem destaca Kurt Bayertz, na sua dimensão jurídica e institucional, a concepção de dignidade humana tem por escopo o individuo (a pessoa humana), de modo a evitar a possibilidade do sacrifício da dignidade da pessoa individual em prol da dignidade humana como bem de toda a humanidade ou na sua dimensão transindividual (SARLET, 2006, p. 52).

 

Convém salientar que neste manuscrito a dignidade será abordada em sua concepção transindividual, ou seja, em seu caráter de dignidade humana, de maneira a evidenciar em que a qualidade do meio ambiente influência para o reconhecimento e promoção da mesma, ou seja, de que forma o meio ambiente contribui para dar efetividade ao artigo primeiro, inc. III da Carta Magna? Quais os benefícios que o respeito ao meio ambiente trarão para as presentes e futuras gerações no que tange a dignidade humana? É neste sentido que destaca Sarlet (2006, p. 52):

 

A dignidade humana, para além de ser também um valor constitucional, configura-se como – juntamente com o respeito e a proteção da vida – o princípio de maior hierarquia da CF/88 e de todas as demais ordens jurídicas que a reconheceram. A dignidade da pessoa humana apresenta-se, além disso, como a pedra basilar da edificação constitucional do Estado (Social, Democrático e Ambiental) de Direito brasileiro, na medida em que, aderindo a uma trajetória consolidada especialmente a partir do II Pós-Guerra e inspirada fortemente na visão humanista de Kant e tantos outros, o constituinte reconheceu que é o Estado que existe em função da pessoa humana, e não o contrário, já que o ser humano constitui a finalidade precípua, e não meio da atividade estatal, o que, diga-se de passagem, demarca a equiparação de forças na relação Estado-cidadão, em vista da proteção e afirmação essencial desse último, especialmente no que tange à tutela e proteção dos seus direitos fundamentais.

 

No núcleo de um Estado Socioambiental, pretende-se que a dignidade compreenda elemento essencial das ações humanas, mas não exclusivo, de maneira que projete sua luz sobre o regramento positivo e guie-o através de suas diretrizes.

Apesar de sempre ser utilizado sob o prisma individual à dignidade humana engloba um caráter social, no sentido de que implica um olhar fraterno entre os cidadãos, já que todos os sujeitos são detentores do mesmo grau de dignidade, por este motivo é que não é possível fazer desta garantia um conceito reducionista.

Assim, sob o ângulo multidimensional, constata-se uma dimensão ecológica, não simplesmente biológica ou física, mas como direito que compreenda a qualidade de vida em geral, aqui incluída a do ambiente em que a vida humana se desenvolve.

 

É importante, aliás, conferir um destaque especial para as interações entre a dimensão natural ou biológica da dignidade humana e sua dimensão ecológica, sendo que esta última objetiva ampliar o conteúdo da dignidade humana no sentido de assegurar um padrão de qualidade, equilíbrio e segurança ambiental (e não apenas no sentido de garantia da existência ou sobrevivência biológica), mesmo que, nas questões ecológicas, muitas vezes esteja em causa a própria existência (e, portanto, sobrevivência) natural da espécie humana, para além mesmo da garantia de um nível de vida com qualidade ambiental. (SARLET, 2006, p. 48).

 

              Não há como afastar do núcleo da dignidade humana os valores ecológicos, formando uma dimensão constitucional ecológica da dignidade humana na letra do Caderno Constitucional, que aborda a idéia de um bem-estar ambiental, capital para a qualidade de vida.

De onde se depreende a necessidade de um direito de proteção mínimo do meio ambiente, com vistas a concretizar a vida humana, pois se encontrando sob a ação de um meio ambiente doente, a vida humana estaria sendo violada em seu núcleo basilar.

Garantias como da qualidade, do equilíbrio e da segurança ambiental passariam a compor a letra do texto normativo acerca da dignidade, como meio de reconhecer o “direito-garantia ao mínimo existencial ecológico”. Entendimento este que será evidenciado minuciosamente através do próximo item.

 

3.      O MEIO AMBIENTE EM EXTENSÃO AO DIREITO À VIDA

Neste ponto, entra em cena Pérez Luno, sustentando uma dimensão intersubjetiva da dignidade, partindo da conjugação do ser humano em sua esfera social, como ser desvinculado de sua condição individual em prol da comunidade, pois acima da definição ontológica de dignidade (atributo individual), convém considerá-la sob sua forma instrumental.

Isto é através de seu ângulo social, “fundada na participação ativa de todos na ‘magistratura moral’ coletiva, não restrita, portanto, a idéia de autonomia individual, mas que pelo contrário, parte-se do pressuposto da necessidade de promoção das condições de uma contribuição ativa” atuando no reconhecimento e proteção do contíguo de direitos e liberdades indispensáveis, conforme define Sarlet (2006, p. 48) comparando a uma ponte dogmática, interligando os indivíduos entre si.

 

De qualquer modo, o que importa, nesta quadra, é que se tenha presente a circunstancia, oportunamente destacada por Gonçalves Loureiro, de que a dignidade da pessoa humana - no âmbito de sua perspectiva intersubjetiva – implica uma obrigação geral de respeito pela pessoa (pelo seu valor intrínseco como pessoa), traduzida num feixe de deveres e direitos correlativos, de natureza não meramente instrumental, mas sim relativos a um conjunto de bens indispensáveis ao ‘florescimento humano’. (SARLET, 2006, p. 54).

 

Por consequência, percorridas mais de quatro décadas desde que a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano (Estocolmo, 1972), que efetuou um alerta sobre o destino tanto do planeta Terra, quanto da espécie humana, em um evento que “foi histórico e fez história. E na história, que é descrita e analisada pelos prósperos, o passado se fez presente de alguma forma, mediante o conhecimento que dele temos e as lições que dele herdamos”, como expressa Milaré (2006, p. 1056) foi que o ser humano se descortinou sobre a necessidade de proteção ao meio ambiente.

Ocorre que, por milênios não se falou, nem cogitou acerca do Direito Ambiental, construindo um vazio absoluto, ocasionando o abandono deste bem único para a espécie humana. Sobre esta inércia, destaca-se que:

 

Foi um vazio tenebroso e caótico, durante o qual e no qual, a Terra se vinha ressentida da extinção gradual a que parecia condenada. O ser humano impunha-lhe ‘deveres’, mas lhe negava direitos, qual filho pródigo e desnaturado, que arranca e extrai o quanto pode sem retribuir com o necessário cuidado e carinho. Ela chegou à beira da exaustão, quase ferida de morte. A Natureza, então, faz valer os seus direitos e impõe sérios deveres ao Homem: é que a consciência da sustentabilidade deixou claro que os direitos da espécie dominante somente podem ser assegurados pelo cumprimento dos seus respectivos deveres para com o Planeta aparentemente dominado. (MILARÉ, 2011, p. 1057).

 

Neste enfoque, “o lampejo que irrompeu da consciência humana em geral produziu o clarão que se ateou na consciência jurídica através do Direito do Ambiente, posto que, o direito em seu caminho, ora rápido, ora lerdo, visa acompanhar as transformações sociais, andando no encalço dos problemas da humanidade, de maneira a transformar o ordenamento jurídico conforme as necessidades sociais”.

Ocorre que a cada instante avistam-se no horizonte, novas crises maiores de caráter internacional em uma sociedade que, descrente, “insiste por fechar os olhos e ouvidos para a realidade”. Por consequência, “nuvens pesadas encastelam-se sobre os destinos do Planeta. Há um limite para o crescimento, assim como há um limite para a inconsciência”, conforme destaca Milaré (2006, p. 1057). Foi neste instante, “que o brado e a luz de Estocolmo se fizeram presentes,” conscientizando os seres humanos de maneira ampla.

Por conseguinte, devido às situações cruciais à que o Planeta está disposto, o Direito foi sacudido pela questão Ambiental, fazendo com que a árvore da sistemática jurídica, recebesse enxertos, produzindo, um ramo novo, destinado a promover e proteger um novo tipo de relação, ou seja, a relação entre a sociedade e a natureza, pois a Terra sob o olhar de um grande organismo vivo destacaria ao ser humano a posição de sua consciência, ou seja, “o espírito humano é chamado a fazer às vezes da consciência planetária.”

Originando o conhecimento jurídico ambiental, munido pela ética e pela ciência, passando a guiar os rumos do globo terrestre. Nada obstante, acresce-se o direito ambiental por princípios próprios, com âmago constitucional e com alicerce infraconstitucional, coadunando-se às demais regras jurídicas de maneira a delimitá-las em seu respeito e consideração, compreendendo um ramo especializado na antiga árvore jurídica.

 

Sim, um Direito especializado – e não autônomo -, posto ser certo que o Direito é um só, no qual a influência recíproca e a relação contínua entre os diversos ramos é inevitável. Como qualquer outra ciência, ressalta Juraci Perez Magalhães, o Direito ‘não admite uma subdivisão mecânica das suas partes. É um corpo vivo, cujos membros são todos eles conexos entre si, não podendo assim nenhum ramo da ciência jurídica fazer abstração dos outros. Em razão disso, os critérios utilizados para reconhecer se um direito é ou não autônomo carecem de fundamento científico. ’Mais adequado, assim, falar-se em especialização do que de autonomia. (MILERÉ, 2011, p. 1059). (Grifos do original).

 

Em conformidade com Reale (apud MILARÉ. 2011, p. 1059), “as disciplinas jurídicas representam e refletem um fenômeno jurídico unitário, que precisa ser examinado”, em razão de que um ramo se interliga ao outro, formando a árvore da justiça.

Outrossim, o Direito do Ambiente, compreende “um complexo de princípios e normas coercitivas reguladoras das atividades humanas que, direta ou indiretamente, possam afetar a sanidade do ambiente em sua dimensão global, visando à sua sustentabilidade”, na expressão de Milaré (2011, p. 1059).

Para que se possa dar efetividade a esta disciplina jurídica, faz-se mister o auxílio principiológico e normativo, como norteador, de maneira a proporcionar um relacionamento harmonioso e equilibrado entre o ser humano e a natureza, normatizando a sanidade ambiental em todas as suas formas (ambiente natural e ambiente artificial), atuando com cunho sancionador, aplicáveis à lesões ou ameaças de direito, visto que sua missão encarrega-se de conservar a vitalidade, capacidade e diversidade de suporte do globo terrestre, para usufruto da sociedade intergeracional.

Ocorre que devido ao progressivo quadro de degradação evidenciado em toda a circunstância terrestre, o meio ambiente solidificou-se na colocação de valor supremo da coletividade, passando a integrar-se ao conjunto dos direitos fundamentais de terceira geração incorporados aos textos capitais dos Estados Democráticos de Direito.

Ascende-se como valor comparado ao da dignidade humana e ao da democracia, de maneira que “se universalizou como expressão da própria experiência social e com tamanha força, que já atua como se fosse nato, estável e definitivo, não sujeito à erosão do tempo”.

Ademais, o autor (2011, p. 1064/1065) destaca que “o reconhecimento do direito a um ambiente sadio configura-se,” como extensão ao direito à vida, “quer sob o enfoque da própria existência física e saúde dos seres humanos, quer quanto ao aspecto da dignidade dessa existência - a qualidade de vida -, que faz com que valha a pena viver.

 

Esse novo direito fundamental, reconhecido pela Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano de 1972 (Princípio I), reafirmado pela Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992 (grifos do original) e pela Carta da Terra de 1997 (Princípio 4), vem conquistando espaço nas Constituições mais modernas, como, por exemplo, as de Portugal, de 1976 (art. 66), da Espanha, de 1978 (art. 45) e do Brasil, de 1988 (art. 225).

 

Ainda neste curso evidencia-se que:

 

Deveras, ‘o caráter fundamental do direito à vida torna inadequados enfoques restritos do mesmo em nossos dias; sob o direito à vida, em seu sentido próprio e moderno, não só se mantém a proteção contra qualquer privação arbitrária da vida, mas, além disso, encontram-se os Estados no dever de buscar diretrizes destinadas a assegurar o acesso aos meios de sobrevivência a todos os indivíduos e todos os povos. Neste propósito, têm os Estados a obrigação de evitar riscos ambientais sérios à vida. ’ (MILARÉÉ, 2011, p. 1064/1065).

 

A adoção deste princípio através da Carta Magna tencionou nortear toda a legislação vigente, dando uma nova conotação à mesma, no intuito de fornecer uma interpretação coerente por meio da orientação político-institucional então vigente.

É, indubitavelmente, um princípio transcendental do sistema jurídico ambiental, brilhando com status de cláusula pétrea, irradiando sua luz para o Estado Constitucional Ambiental.

Por decorrência por meio do princípio da solidariedade intergeracional, busca-se “assegurar a solidariedade das presentes e futuras gerações, para que também estas possam usufruir de forma sustentável, dos recursos naturais”, atuando “enquanto a família humana e o planeta Terra puderem coexistir pacificamente”, no entendimento de Milaré (2011 p. 1064/1065).

 

Em círculos ambientalistas e universitários, fala-se muito em dois tipos de solidariedade: a sincrônica e a diacrônica. A primeira, sincrônica, (“ao mesmo tempo”), fomenta as relações de cooperação com as gerações presentes, nossas contemporâneas. A segunda, a diacrônica (“através do tempo”), é aquela que se refere às gerações do após, ou seja, as que virão depois de nós, na sucessão do tempo. Preferimos falar em solidariedade intergeracional, porque traduz os vínculos solidários entre as gerações presentes e com as gerações futuras. (MILARÉ, 2011, p. 1064/1065).

 

Perfaz-se a importância do bem exposto “ante a constatação de que a generosidade da Terra não é inesgotável, e do fato de que já estamos consumindo cerca de 30% além da capacidade planetária de suporte e reposição”.

Posto que, em conformidade com o Relatório Planeta Vivo 2010, da Rede WWF, foram constatados que “estamos vivendo além de nossas possibilidades, alimentando-nos de porções que pertencem às gerações ainda não nascidas”.

Ocorre que “os custos do mau uso da natureza não devem ser debitados irresponsavelmente na conta das porvindouras gerações. Seremos questionados e cobrados pelos futuros ocupantes desta casa”, no entendimento de Milaré (2011, p. 1064/1065).

Esta problemática contem tamanha importância que diversas declarações proclamaram seu conteúdo, é o exemplo da Declaração de Estocolmo acerca do Meio Ambiente Humano (1972), cuja mesma expressou no Princípio 2 que os recursos naturais devem ser preservados, por meio de cuidadoso planejamento em benefício da solidariedade intergeracional.

Por consequência, na Declaração do Rio de Janeiro a respeito do Meio Ambiente e Desenvolvimento (1992), averbou o Princípio 3, destacando que o direito ao desenvolvimento precisa ocorrer de forma a respeitar as presentes e futuras gerações.

No mesmo sentido, o ordenamento jurídico pátrio, salienta no caput do art. 225 da Epístola Maior, acerca da solidariedade intergeracional, impondo ao Poder Público e a coletividade o dever de defender e preservar o meio ambiente em conformidade com seus preceitos.

 

É sabido que, no reino da natureza, há forças de atração e repulsa, havendo também predadores e presas; tudo, no entanto, converge para o objetivo. Já entre os humanos, além daquelas antinomias, é bem conhecida a força dos instintos cegos que não obedecem nem a razão, nem a vontade esclarecida. Não obstante, existe um destino comum a ser alcançado. (MILARÉ, 2011, p. 1064/1065).

 

Sem embargo, sempre haverá tensões, posto que é necessário conscientizar-se que a solidariedade humana, em sua relação pessoal “e destas para com o Planeta, é uma fonte do saber e do agir.” Ademais a solidariedade foi prevista desde os primórdios no ordenamento tanto jurídico quanto social, compreendendo fonte ética do Direito.

Ante o exposto, verifica-se o prestígio que o meio ambiente possui para a vida de qualquer ser humano, constituindo fator indispensável para a sadia qualidade de existência, atuando em extensão ao direito à vida, compreensão esta que será abordada com maior profundidade através do item a seguir.

 

4.      O DIRIGISMO JUDICIAL EM EFETIVIDADE AO MEIO AMBIENTE

Assevera Alexy (2009, p. 04) que o direito possui dois elementos de definição, compreendendo o da legalidade de acordo com o “ordenamento ou dotada de autoridade e o da eficácia social.” Sendo que de acordo com a teoria positiva, o direito depende unicamente do que é estabelecido ou eficaz na ordem vigente, já por meio da teoria não positivista verifica-se a defesa da tese da vinculação, ou seja, o direito conectado com a moral, cultura e ética.

Ocorre que um positivismo estrito é de certa forma ultrapassado, pois conforme a consciência da parte majoritária dos doutrinadores, o fato de a lei e o direito coincidirem não constitui uma constante, posto que “o direito não é igual à totalidade das leis escritas”, como declara o autor (2009, p. 10).

Posto que, um direito para ser pleno precisa compreender em seu sistema normativo a legalidade, a eficácia social e a correção material.

Neste sentido destaca Streck (2011, p. 69), que “é preciso compreender que nos movemos numa impossibilidade de fazer coincidir texto e sentido do texto (norma), isto é, movemo-nos numa impossibilidade de fazer coincidir discursos de validade e discursos de adequação”, posto que, no entendimento do respectivo, “se o direito é um saber prático, a tarefa de qualquer teoria jurídica é buscar as condições para a concretização de direitos e, ao mesmo tempo, evitar decisionismos, arbitrariedades e discricionariedades interpretativas”.

O autor vincula-se à ideologia de uma forma material substancial da Carta Magna, pois para o próprio a promoção dos direitos fundamentais sociais, compreende condição para a própria validade constitucional, posto que, não se verificaria a necessidade de uma Epístola Maior caso a mesma não possuísse aplicabilidade e poder de coerção, estabelecendo um compromisso entre a Constituição e a sociedade.

Neste entendimento, Habermas (apud STRECK, 2011, p. 85) propõe um modelo de democracia constitucional que não tem como condição prévia fundamentar-se nem em valores compartilhados, nem em conteúdos substantivos, mas em procedimentos que asseguram a formação democrática da opinião e da vontade e que exigem uma identidade política ancorada não mais em uma nação de cultura, mas sim em uma nação de cidadãos.

Por consequência, Habermas (apud STRECK, 2011, p. 83-85) vê no Judiciário o centro do sistema jurídico, mediante a distinção entre discursos de justificação e discursos de aplicação – exigindo-se a exigência de imparcialidade não só do Executivo, mas também do juiz na aplicação e definição cotidiana do direito, propondo então, um modelo de democracia constitucional que não tenha como condição prévia fundamentar-se nem em valores compartilhados, nem em conteúdos substantivos, mas em procedimentos que asseguram a formação democrática da opinião e da vontade e que exigem uma identidade política ancorada não mais em uma nação de cultura, mas sim em uma nação de cidadãos.

Sintetiza a tese procedimentalista que o Judiciário deveria assumir o papel de um intérprete que põe em evidência, inclusive contra maiorias eventuais, o direito produzido democraticamente, especialmente o dos textos constitucionais.

No entanto, através do modelo substancialista – que em parte subscreve o autor – trabalha-se a perspectiva de que a Constituição estabelece as condições do agir político-estatal, possuindo em suas normas um caráter diretivo, “é o constitucionalismo-dirigente que ingressa nos ordenamentos dos países após a Segunda Guerra”, como declara Streck (2011, p. 88-91).

É implacável que, “com a positivação dos direitos sociais-fundamentais, o Poder Judiciário passe a ter um papel de absoluta relevância, mormente no que diz respeito à jurisdição constitucional”, posto que, “se existe algo que une substancialistas como eu e procedimentalistas como Marcelo Cattoni (apud STRECK, 2011, p. 88-91) é a defesa da democracia, dos direitos fundamentais e do núcleo político essencial da Constituição”, pois neste instante, somente “os caminhos é que são diferentes”.

Habermas parte do pressuposto que os atos ligados à razão prática são atos solipsistas, ligados à filosofia do sujeito, e, portanto, com estrutura prescritiva a priori, dependentes de fundamentação posterior. “Assim os atos do mundo prático dependerão dessa fundamentação anterior prévia, comprometendo-se os indivíduos com pressupostos pragmáticos contrafactuais.”

 

[...] a verdade deixa de ser conteudística para ser uma verdade como idealização necessária. É uma verdade argumentativa, atingida por consenso. Não há fundamentação válida de qualquer enunciado (norma) que não seja pela via argumentativa. A fundamentação é prima facie, porque somente assim é possível a universalização. (STRECK, 2011, p. 93).

 

 

Assim, “a constituição do ideal de fala tem como condição de possibilidade o agir comunicativo” e não mais a subjetividade, mas a própria linguagem funda a razão prática.

Em virtude de que, “o giro linguístico é resultado das rupturas provocadas por Wittgenstein e Heidegger (apud STRECK, 2011, p. 99-101), que mostraram a impossibilidade de fundamentar a razão". É como se houvesse um novo “fundamento de validade de cunho paradigmático” que afeta todas as categorias do conhecimento.

Neste consenso, “a razão prática sustentada nesse sujeito morreu antes da possibilidade de sua substituição, estando formada, a partir de então, na linguisticidade e no modo prático de ser-no-mundo.”

Por decorrência, afirma o autor que falta em Habermas uma dimensão fundamental que é o paradigma da compreensão, da diferença ontológica pela qual entende que todo discurso entitativo fundamenta-se, necessariamente, em outro discurso, da pré-compreensão, que chama de ontológico e não clássico.

Afasta a idéia do irracionalismo atribuído a Heidegger e a Gadamer, justamente por ser a filosofia hermenêutica responsável por abrir o espaço de que todo o argumentar é possível. Atinente a isso, enfatiza-se acerca da necessidade de racionalizar-se sobre a importância crucial que possui o meio ambiente na existência do homem, pois que, o próprio chega a ser considerado com extensão do direito a vida.

Ocorre que, em conformidade com J.J. Rousseau (2012, p. 23), a pessoa em seu estado natural, que compreende aquele que não recebe submissão estatal, seria egoísta e insegura, assim para conviver em sociedade o mesmo elabora um contrato social, efetivando a ordem social.

Formando um corpo soberano (sociedade) através da multidão reunida, onde que os particulares que o compõe não podem ter interesses contrários ao deste, assim o dever e o interessem os remetem a se auxiliarem mutuamente.

Ao pactuar este contrato, o homem constitui regras de relação social, no então, não delimita acerca da convivência exterior, pautando um agir do homem de forma desregulada e indefinida, como se os recursos naturais fossem infinitos, primando sempre somente à razão do homem, ou seja, colocando-se no centro do universo. E assim seguiu no decorrer do tempo.

Nada obstante a natureza fora destituída de importância, como acima exposto, ficando abandonada ao desrespeito e desmedida dos atos humanos, até que incapaz de suportar tamanha desmoralização reage e entra em crise, utilizando de sua linguagem para demonstrar as consequências da irracionalidade e consumismo imoderado do homem (enchentes, alterações climáticas, etc.), cobrando uma reação do ser humano, alertando-o sobre as consequências trágicas de seu esquecimento e desvalor.

Foi então que Michel Serres, propôs um novo modelo de convivência humana, na elaboração de um Contrato Natural entre o ser humano e o meio ambiente, acrescentando a este último seus direitos e proteção inerentes, preservando-o e o reconstituindo, pois que o homem age sobre a terra como um parasita de modo que:

 

Na sua própria vida e através das suas práticas, o parasita confunde correntemente o uso e o abuso; exerce os direitos que a si mesmo se atribui, lesando o seu hospedeiro, algumas vezes sem interesse para si e poderia destruí-lo sem disso se aperceber. Nem o uso nem a troca têm valor para ele, porque desde logo se apropria das coisas, podendo até dizer-se que as rouba, assedia-as e devora-as. Sempre. abusivo, o parasita. (SERRES, 1990, p. 63).

 

 

Assim, mesmo o direito age em uma mão única em que prioriza e circunda apenas as vontades da pessoa de maneira que a sociedade “apanha tudo e não deixa nada”, pois que o efeito da normatividade jurídica é mínimo frente ao impacto destrutivo causado ao meio ambiente, mas ainda assim a balança da justiça luta para contrabalancear os efeitos deste desequilíbrio abusivo, que leva consigo a própria possibilidade de uma convivência equilibrada entre homem e meio ambiente, de maneira a desestabilizar a sadia qualidade de vida, consumindo os recursos naturais irrecuperáveis do meio ambiente, danificando a qualidade de vida tanto das presentes quanto das futuras gerações.

Para o respectivo autor o mundo encaminha-se para seu fim, pois o direito atua limitando o parasitismo entre os homens, porém, esquece de delimitar este mesmo parasitismo sobre as coisas:

 

Resta-nos pensar num novo equilíbrio, delicado, entre esses dois conjuntos de equilíbrios. O verbo pensar, próximo de compensar, não conhece que eu saiba outra origem para além dessa justamente pesada. É a isso que hoje chamamos pensamento. Eis o direito mais geral para os sistemas mais globais. (SERRES, p. 1990, p. 65).

 

 

A partir de então, o ser humano reaparece no mundo, ultrapassando a racionalidade do local para o global renovando a relação com o planeta Terra, “outrora o nosso dono e ainda há pouco o nosso escravo, em todo o caso sempre o nosso hospedeiro e agora o nosso simbiota.” Enfatizando, um “retorno a natureza”.

 

O que implica acrescentar ao contrato exclusivamente social a celebração de um contrato natural de simbiose e de reciprocidade em que a nossa relação com as coisas permitiria o domínio e a possessão pela escuta admirativa, a reciprocidade, a contemplação e o respeito, em que o conhecimento não suporia já a propriedade, nem a ação o domínio, nem estes os seus resultados ou condições estertorarias. Um contrato de armistício na guerra objetiva, um contrato de simbiose: o simbiota admite o direito do hospedeiro, enquanto o parasita - o nosso atual estatuto - condena à morte aquele que pilha e o habita sem ter consciência de que, a prazo, se condena a si mesmo ao desaparecimento. (SERRES, 1990, 64/65).

 

 

Ocorre que “o direito de dominação e de propriedade reduz-se ao parasitismo.” Enquanto, o direito de simbiose delimita-se pela reciprocidade, assim, aquilo que a natureza entrega ao homem, o mesmo deve devolver a ela, tornando-se então um sujeito de direitos.

De maneira a respeitar e promover o direito a vida de todo e qualquer ser humano, pois que sem os elementos naturais, impossível seria a possibilidade da própria existência, tamanha a fundamentalidade da questão para a sociedade, pois que o meio ambiente como bem comum do povo, compreende como direito e dever de todos, garantido pela própria dignidade da pessoa humana, posto que um viver longe de um ambiente saudável coloca-se em contrariedade aos preceitos de um Estado Democrático de Direito, onde que a dignidade da pessoa humana entra como base afirmativa de todos os direitos natos do homem, e dentre estes se considera o alcance de um meio ambiente sadio e equilibrado.

 

5.      CONCLUSÃO

Por corolário defende-se a fundamentalidade do respeito ao meio ambiente para a própria promoção da sadia qualidade de vida do ser humano, pautado no fundamento da dignidade da pessoa humana como base afirmativa e efetiva de ação socioambiental.

Pois que, a núcleo basilar constitucional molda-se na dignidade da pessoa humana como um direito próprio e intransferível do homem, onde que nenhum ser humano poderá ser rebaixado ao estado de coisa, em extensão, certos direitos lhes são inalienáveis e dentre estes se encontra a prerrogativa de um meio ambiente saudável e equilibrado.

Direito este intergeracional, posto que, em vista de sua crucial importância as ações degradativas contemporâneas produzem resultados nas futuras gerações, causando um efeito atrasado, e muitas vezes irreparável, como o exemplo de uma espécie em extinção, pois que, depois de extinta não há possibilidades de retorno, e como o meio ambiente compõe um ciclo em que cada ser que habita no espaço terrestre possui sua função para o funcionamento do próprio planeta, extinta a espécie, automaticamente, causará uma quebra naquele ciclo, ocasionando efeitos, muitas vezes irreparáveis, no funcionamento natural do planeta Terra.

É neste ponto que se enfatiza a importância de valorizar o meio ambiente, e efetivar as leis em seu favor, pois que sua fundamentalidade compreende uma extensão do direito a vida, como apregoado, pois que, sem o meio ambiente natural, impossível seria a simples possibilidade de existência no globo terrestre.

 

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SERRES, Michel. O contrato natural. Trad. Serafim Ferreira. Portugal: Editions François Bourin, 1990.

STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso: constituição, hermenêutica e teorias discursivas. 4. Ed. São Paulo: Saraiva, 2011.


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