sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Lógica Jurídica e Nova Retórica


Capítulo II

A lógica Jurídica e a Argumentação

            Este trabalho se atenta ao fato de que o raciocínio judiciário, tem por fim discernir e justificar a solução de uma controvérsia, na qual argumentos em diversos sentidos se explanam em consonância com o trâmite processual, conduzidas de forma a convencer a respeito de valores ou um compromisso valorativo que possa ser aceito em dado momento, ou em um respectivo meio.
“Durante séculos, quando a busca da solução justa era o valor central que o juiz deveria levar em conta, e os critérios do justo eram comum ao direito, á moral e a religião, o direito se caracterizava principalmente pela competência atribuída a certos órgãos para legislar e a outros para julgar e administrar, assim como os procedimentos que deviam ser observados em cada caso. Muitas vezes, aliás, todos os poderes estavam reunidos nas mãos do soberano, que podia delegar a funcionários a missão de julgar e de administrar, nos limites definidos pelo mandato que lhe fora outorgado. A argumentação jurídica era ainda menos especifica porque não havia necessidade de motivar as sentenças, as fontes do direito eram imprecisas, o sistema do direito era pouco elaborado e as decisões da justiça quase não eram levadas ao conhecimento do publico.” [1]
            No entanto esta situação muda totalmente após a Revolução Francesa, com a publicação de leis codificadas e a separação do poderes, trazendo a motivação do juiz em suas sentenças em conformidade com a legislação efetiva, mesmo nos casos em que houvesse obscuridade, silêncio ou insuficiência legislativa, trazendo em sua essência a valoração da segurança jurídica, dando conformidade entre decisões judiciais e o ordenamento jurídico. O juiz estava preso ao positivismo jurídico, sendo totalmente submisso as regras expressas, independentemente de seu senso de justiça ou de sua vontade. Essa sujeição orientou os teóricos da escola exegese á sistematizar o direito.
            Desde o processo de Nuremberg, é notória entre a maioria dos teóricos do direito, um posicionamento antipositivista, que busca uma solução, que não fosse apenas sistemática, mas social e moralmente aceitável, em uma visão naturalista do direito, através da interpretação da lei na prática da lei. Nesse sentido, distinguem-se três fazes na ideologia judiciária, sendo a primeira, antes da Revolução Francesa, independente de motivação judiciária, apesar de valorar a justiça das decisões, por essa razão era presa a idéia de tratamento igual para casos semelhantes, daí então resultando a importância ás regras consuetudinárias e os precedentes. Este modo de analisar subordinava o poder judiciário ao poder legislativo patrocinava uma direção estatizante e legalista do direito.
            Após esse período ocorreu uma reação que incumbe ao juiz a motivação de suas decisões, dando a cada caso específico uma solução equitativa e razoável, sem que com isso se desvencilhe do sistema jurídico. No entanto, a lei tornou-se flexível e as decisões suscetíveis de intervenção das regras não escritas, representadas pelos tópicos jurídicos e através dos princípios gerais do direito, o que majora a estima do direito pretoriano, tornando o juiz auxiliar e complemento do legislador.
            Como se trata motivar as decisões de forma a serem aceitáveis, a argumentação se tornou essencial para este fim, no sentido especifico de mostrar a interpretação da lei que melhor se concilie ao caso concreto. O raciocínio judicial atual, não nos permite uma distinção tão notória entre o direito positivo e o direito natural, quanto ocorria no século XIX. Visto que o direito positivo atuante, já não coincide com os textos expressados, visto que possui o alcance de suas disposições dilatadas ou limitadas pelos princípios e regras do direito não escrito, embora formalmente válidos vêem sua eficácia regulamentada através de outros dispositivos, para conciliar as divergências existentes entre a letra dos textos da lei, sua interpretação e sua aplicação.
            É notório que os textos conforme estão expressos nem sempre refletem a realidade jurídica.
 “Quando uma sociedade está profundamente dividida sobre uma questão particular, e não se quer colidir de frente com uma parte considerável da população, nas sociedades democráticas em que se desejar que as medidas de coerção se beneficiem de um amplo consensus é-se obrigado a recorrer a compromissos fundamentados numa aplicação seletiva da lei, seja possível, graças ao costume estabelecido, fazer os textos coincidirem com a realidade”.[2]
            No mesmo sentido, quando uma pratica secular, considerada até então satisfatória, for contestada, através de um dispositivo legal, os juristas buscaram uma interpretação legal, ao invés de forçar o abandono de uma pratica costumeira e sensata. Neste sentido, sempre que uma solução trazer em seu conteúdo o bom senso, a equidade, ou o interesse geral e a mesma se apresentem como única admissível, ela tendera a se impor juridicamente, mesmo que seja necessário se socorrer a uma argumentação especiosa para explanar sua conformidade com o ordenamento jurídico em vigor, isto ocorre porque a paz judicial apenas se estabelece, no momento em que a solução que se mostre mais aceitável socialmente, for acompanhada de argumentação jurídica satisfatoriamente sólida (mesmo que fictícia). Esta busca pela argumentação, que ocorre através da doutrina e jurisprudência é o que patrocina a evolução do direito, por meio da intervenção do legislador.
            Toda vez que há uma incompatibilidade entre o que a lei aparentemente dispõe e o que uma solução de um caso em particular parece exigir, será estabelecida a solução da de lege lata  e a de lege ferenda, onde que a minoria se dobra diante de uma decisão que lhe parece insatisfatória, porem manifestando seu contentamento. No entanto, raramente um tribunal, deixa de encontrar, através da técnica jurídica, uma forma de conciliar uma solução aceitável com a fidelidade legal. Para servir-se deste resultado, o legislador se presta a criação de uma antinomia entre uma disposição positivada e uma regra jurídica não escrita, limitando então o alcance de seu texto, criando assim, uma lacuna, cuja qual o juiz preenchera através de uma regra do direito natural (não escrito).
            Essas atitudes nos remetem a um problema vasto, o da analogia entre a verdade e a justiça, visto que a ficção é um momento extremo, onde a preocupação com a equidade, prevalece frente a verdade, no entanto não é único caso, onde o direito atribui relevância a outros valores que não a verdade, ainda que, seja somente utilizada em primazia a segurança jurídica. O próprio sistema jurídico salienta esta corrente, verificável nas tipificações onde o aparelho jurídico coloca as relações de respeito, amor e confiança, supostamente existente nos parentes próximos, antes do compromisso com a verdade real. Visto que o sistema somente pune a mentira quando se trata de detrimento de um parente, por tanto em acordo com o sistema legal, a mentira só é punível caso a testemunha tenha prestado juramento em dizer a verdade, e em se tratando de cônjuge, ou parente em linha reta de uma das partes, não podem ser ajustadas como testemunhas.
            Nesse sentido, o próprio ordenamento obriga certas pessoas ao sigilo, como exemplo nos casos, em que decorrer de segredo profissional, sendo assim, um determinado profissional, pode prevalecer-se desta lei, para recusar-se a depor sobre os fatos que tenha tido conhecimento durante o exercício profissional, porem o sigilo se limita aos interesses dos doentes ou familiar. Nesta vertente, a presunção da inocência garante ao réu o direito de permanecer calado. Ainda nesse enfoque, há situações em que á punível a imputação verdadeira, por falta de provas. Assim salienta o Código Penal belga em seu art. 449, que a pessoa que profanar mentiras que atinjam a honra do individuo, ou mesmo que alegar fatos cuja verdade seja necessário comprovar, será considera culpado. E vai adiante, por mais que exista no momento do delito provas legal dos fatos imputados, será acatado como culpado por divulgação dolosa, visto que agiu com o intuito de prejudicar. Existem ainda os casos, onde aquele que delatar a verdade será culpado por denunciação, mesmo que seja a condenação apenas no plano moral. Existem diversos exemplos em que o nosso sistema prima por outros valores que não a verdade, mesmo em casos em que a decisão se pondere através da ciência objetiva dos fatos.
            Por esta razão, nos regimes democráticos, os recursos as ficções é mais comum nos júris que entre os juízes togados, visto que os últimos, tiveram sua consciência profissional, formada em conformidade ao espírito de fidelidade legal. Sendo assim:
“para que exista um Estado de direito é necessário de fato que aqueles que governam o Estado, e são encarregados de administrar e de julgar em conformidade com a lei, observem as regras que eles mesmos instituíram. Na ausência daquilo que os americanos qualificam de due process of Law,  o respeito pelas regras da honesta aplicação da justiça, a própria idéia de direito pode servir de biombo a todos os excessos de um poder arbitrário”[3]sendo então considerada, “indispensável para a existência de um Estado de direito, sendo as sete outras aquelas que se impõem ao legislador para que o direito possa cumprir sua função de ser a empreitada de ‘submeter o comportamento humano ao governo das regras’”.[4].
            Nesse sentido, conclui-se que para a existência de um Estado de direito, necessita de um poder judiciário independente, “é a essa exigência que corresponde a teoria da separação dos poderes, a inamovibilidade dos juízes e a interdição de constituir tribunais especiais”. [5]. Nesse contexto:
“...se o direito é um instrumento flexível e capaz de adaptar-se aos valores considerados prioritários pelo juiz, não será necessário, em tal perspectiva, que o juiz decida em função de diretrizes vindas do governo, mas em função dos valores dominantes na sociedade, sendo sua missão conciliar com esses valores as leis e as instituições estabelecidas, de modo que ponha em evidência não apenas a legalidade, mas também o caráter razoável e aceitável de suas decisões” [6].
            O direito se desenvolve em equilíbrio de uma ordem sistemática, ou seja a elaboração de uma ordem jurídica coerente, e outra pragmática, sendo ela a busca de solução pelo meio que considere justo e razoável. Essa dupla exigência, pode causar desacordos, verificável, pois que os juízes de primeiro grau são mais suscetíveis a equidade da decisão, enquanto os a Corte de Cassação é mais propensa a conformidade com o direito. Neste sentido, é preciso ter em mente que as decisões dos conflitos devem satisfazer três auditórios diferentes, sendo elas, as partes em litígio, os profissionais de direito e por fim, a opinião publica que se manifesta por meio da imprensa, ou mesmo através das reações legislativas.
            O juiz cuja tarefa é apreciar os argumentos apresentados pelas partes, deve impedir uma deliberação puramente subjetiva, tarefa esta, facilitada através da instauração da colegialidade, proposta a demonstrar uma decisão a partir de premissas supostamente verídicas. Sendo assim, a lógica jurídica, encontra-se na idéia de adesão, nesse sentido o que o advogado procura conseguir é a adesão do juiz aos seus preceitos, através da argumentação, por acordos preliminares, cujo qual será mais favorecido caso, apresente presunções e precedentes em favor do que argumenta, visto que se encaminha mais facilmente a ordem legal.
Via de regra é fora do tribunal, na própria sociedade, que se realizam lentamente as mudanças de opinião que levam a uma transformação dos âmbitos nos quais se desenrolam os debates judiciários. Os debates políticos e filosóficos, bem como as construções doutrinais dos juristas, contribuem para essas mudanças fundamentais, resultantes do continuado esforço de conciliação entre as exigências do direito e da equidade, entre as necessidades de estabilidade e a adaptação as situações novas, entre a salvaguarda dos valores e das instituições. Mais fundamental para a lógica judiciária, estes debates dirão respeito ao papel do juiz na aplicação e na criação do direito.”[7]
            Para tanto, o trabalho do juiz é conciliar a lei com a equidade. Pois tendo enfoque na lei, ele poderá de forma mais facilitada, para estender ou limitar seu alcance de forma que suas decisões se processem de maneira inequívoca e razoável. Justificado pelo fato de que o direito nasce no meio social é que a sociologia do direito tem significativa importância, posto que o direito não possa ser cumprido de forma realista, ao contrario, deve por em primazia atender ao interesse social, em relevância ao caráter social que o mesmo deve efetivar. Em uma sociedade democrática o direito deve ser aceito, e não imposto, como vontade soberana. Sabendo que nem todo o poder emana da vontade divida, mas sim da nação, é a esta que os que exercem o poder em seu nome, devem prestar contas.
Por tanto, o juiz deve dizer o direito em conformidade com a vontade da nação.
“O papel da lógica formal consiste em tornar a conclusão solidaria com as premissas, mas o papel da lógica jurídica é demonstrar a aceitabilidade das premissas. Esta resulta da confrontação dos meios de prova, dos argumentos e dos valores que se defrontam na lide; o juiz deve efetuar a arbitragem deles para tomar a decisão e motivar o julgamento.”[8]
            Pode ocorrer que frente a impossibilidade de motivação de sua decisão, o juiz se veja obrigado a modificar sua decisão. Em outras vezes, ocorrera o contraposto, pois será a interpretação das regras que será modificada, ocorrendo a alteração de uma jurisprudência, com base em construções doutrinarias preliminares. No entanto, há casos em que o juiz apenas poderá manter sua decisão recorrendo a ficção, seja na qualificação dos fatos ou mesmo na motivação da sentença. Porem este ultima recurso, causa um mal estar jurídico, deflagrando que o sistema é impróprio para resolver todas as exigências sociais, fazendo-se necessária uma modificação, preferencialmente, legislativa.
            A lógica jurídica apresenta-se, não através de uma lógica formal, mas como uma argumentação que depende do modo de como os operadores de direito concebem sua missão e da lógica que possuem do direito e de seu funcionamento social.


 -------------------------------------
Notas de Rodapé
[1]-PERELMAN, Chaïm, Lógica Jurídica e Nova Retórica ,pag 183.
[2]- PERELMAN, Chaïm, Lógica Jurídica e Nova Retórica ,pag 189.
[3]-[4]- PERELMAN, Chaïm, Lógica Jurídica e Nova Retórica ,pag 199.
[5]- PERELMAN, Chaïm, Lógica Jurídica e Nova Retórica ,pag 200.
[6]- PERELMAN, Chaïm, Lógica Jurídica e Nova Retórica ,pag 200.


[7]- PERELMAN, Chaïm, Lógica Jurídica e Nova Retórica ,pag 240-241.
[8]- PERELMAN, Chaïm, Lógica Jurídica e Nova Retórica ,pag 242.

Referencia Bibliográfica:

PERELMAN, Chaïm, Lógica Jurídica e Nova Retórica. Editora Martins Fontes. São Paulo. Ed. 2000