terça-feira, 7 de março de 2017

DIREITO FUNDAMENTAL À EDUCAÇÃO DE QUALIDADE E O PROBLEMA DO ASSÉDIO SEXUAL NO AMBIENTE ESCOLAR

DIREITO FUNDAMENTAL À EDUCAÇÃO DE QUALIDADE E O PROBLEMA DO ASSÉDIO SEXUAL NO AMBIENTE ESCOLAR

 

FUNDAMENTAL RIGHT TO QUALITY EDUCATION AND THE PROBLEM OF SEXUAL HARASSMENT IN THE SCHOOL ENVIRONMENT

 

Autora: Dra. Aline Oliveira Mendes de Medeiros[1]

 

Resumo: A presente pesquisa pretende analisar o delito de assédio sexual quando praticado em ambiente escolar, analisando a aplicação da lei aos casos concretos como um meio de extrair a efetividade e o desengessamento do sistema judiciário no que tange à materialização da lei, visando a transformação dos conflitos e o resgate/busca do estado anti-delitual das escolas. No intuito de verificar uma resposta para esta temática, formulou-se o seguinte problema de pesquisa: é possível, através da lei e de sua materialização, resgatar o estado anti-delitual das salas de aula no que se refere ao delito de assédio sexual? Visando responder ao problema proposto, o trabalho tem por objetivo geral discutir a aplicabilidade e potencialidade das normas referentes a matéria como meio de concretizar a prevenção e a repressão desta modalidade delitiva. E, por objetivos específicos: a) estudar as legislações vigentes no solo pátrio como mecanismo de prevenção e repressão desta prática delitiva; b) pesquisar os diversos entendimentos dos legisladores no que tange ao tema; c) analisar a contribuição dos magistrados para esta área. O aprofundamento teórico do estudo pauta-se em pesquisas bibliográficas, consubstanciada na leitura de diversas obras, apoiando-se em um método dedutivo. Atinente a isso, sabe-se que existem diversas leis protetivas regendo a matéria, entretanto, esta modalidade delitiva ainda é comum no ambiente escolar, diante disso, visando dar efetividade ao direito fundamental e social à educação é que este artigo foi desenvolvido, consolidado no entendimento doutrinário, legalista e jurisdicional referente a matéria.

 

Palavras-chave: Direito fundamental e social à educação. Dignidade da pessoa humana. Assédio sexual no ambiente escolar. Professor(a) abusador(a).

 

Abstract: This research intends to analyze the crime of sexual harassment when practiced in a school environment, analyzing the application of the law to concrete cases as a means of extracting the effectiveness and the loosening of the judicial system regarding the materialization of the law, aiming at the transformation of conflicts and the rescue/search of the anti-criminal state of the schools. In order to verify an answer to this theme, the following research problem was formulated: is it possible, through the law and its materialization, to rescue the anti-criminal status of classrooms with regard to the crime of sexual harassment? Aiming to respond to the proposed problem, the work has as general objective to discuss the applicability and potentiality of the norms related to the matter as a means to materialize the prevention and repression of this criminal modality. And, for specific objectives: a) study the legislation in force in the homeland as a mechanism for preventing and repressing this criminal practice; b) research the different understandings of legislators regarding the subject; c) analyze the contribution of magistrates to this area. The theoretical deepening of the study is based on bibliographical research, based on the reading of several works, based on a deductive method. Regarding this, it is known that there are several protective laws governing the matter, however, this criminal modality is still common in the school environment, therefore, in order to give effect to the fundamental and social right to education, this article was developed, consolidated in doctrinal, legal and jurisdictional understanding regarding the matter.

 

Keywords: Fundamental and social right to education. Dignity of human person. Sexual harassment in the school environment. Abusing teacher.

 

1.      INTRODUÇÃO

Este estudo analisará a educação sob o viés de um direito fundamental e social ao cidadão, dando maior enfoque ao delito de assédio sexual quando ocorrido em ambiente, corredores e áreas escolares. No primeiro momento este direito será analisado através do olhar de doutrinadores, baseando-se no entendimento extraído da própria lei, instante em que a autora transferirá a este manuscrito as principais ideias esculpidas no caderno legal brasileiro sobre o tema.

Posterior a isto, no segundo item, este texto será direcionado de forma específica ao Código Penal, como meio de entender as peculiaridades relacionadas ao delito de assédio sexual, instante em que as páginas seguintes serão consubstanciadas pelo entendimento dos principais doutrinadores relacionados ao tema, coniventes com as necessidades que a sociedade atual impõe.

Por fim, este texto se encerrará através da análise dos principais julgados relacionados à matéria, como meio de extrair o entendimento dos magistrados no que tange ao assunto e analisar a aplicabilidade da lei aos casos práticos, instante em que tudo que foi estudado, até então, será cristalizado em decisões magistrais, conforme se verá a seguir.

 

2.      DIREITO FUNDAMENTAL À EDUCAÇÃO DE QUALIDADE

Os representantes do povo brasileiro reuniram-se em Assembleia Nacional Constituinte, na data de 05 de outubro de 1988, visando formar o Estado Democrático de Direito, com o objetivo de assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, tendo como valores supremos para a edificação de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos: a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça, colocando como base para a construção desta sociedade almejada, a harmonia social.

Desta feita, efetivou no preâmbulo constitucional um comprometimento, a nível internacional, com a solução pacífica dos litígios, visando através desta Carta de Leis originada da vontade popular, denominada Constituição da República Federativa do Brasil, construir o Estado Democrático de Direito não apenas através do império do Direito, mas, também sob o manto da proteção de Deus, demonstrando o desejo de efetuar um resgate de valores no núcleo social, respeitando os parâmetros das declarações humanitárias internacionais que visam à união entre as pessoas de todas as nações, pretendente a implantar o que a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 denomina de “família humana”, concebendo em solo nacional a valorização da pessoa humana, por sua condição de ser humano.

Tanto é, que o fundamento da forma estatal brasileira busca sustentação na cidadania e na dignidade da pessoa humana (art. 1°, inc. II e III), demonstrando que o constituinte originário pretendeu mais que a garantia de sobrevivência aos residentes em terras nacionais, mas a segurança de uma vida com dignidade, e não parou por aí, pois adiante em suas expressões, o mesmo esculpiu como objetivos essenciais deste modelo de estado a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, com vistas a promover a erradicação da pobreza, da marginalização e das desigualdades, de maneira a impulsionar o bem de todos.

Sendo que ainda, o próprio petrificou em suas cláusulas fundamentais setenta e oito direitos e garantias basilares norteadores da vida dos residentes neste país (art. 5°), tencionando materializar direitos como a liberdade, a igualdade e a fraternidade, fazendo o máximo para garantir uma existência digna aos seus conterrâneos, tanto que no art. 6° esculpiu como direito social a educação, que em consonância com seus fundamentos refere-se a uma educação com qualidade e eficiência, com capacidade a proporcionar uma vida digna.

Isto é, com competência para libertar os cidadãos da dependência de medidas inclusivas estatais – independência propriamente dita-, assinando sua carta de alforria das mazelas e marginalização produzidas pela pobreza e desigualdades sociais, de forma a extrair-lhes das margens da lei, ou seja, dos becos em que foram jogados através de tratamento sub-humanos culturais de desenvolvimento, inserindo-os no mercado de trabalho, de maneira a arrancar-lhes a venda da ignorância que cobre seus olhos e com isso, encaminha-los, por meio da luz irradiante da sabedoria conquistada no ambiente escolar, para a fruição de uma vida digna onde o cidadão possa promover todos os seus direitos e garantias de maneira satisfatória – sem ocasionar dependência.

Aqui a palavra cidadão é grifada para chamar a atenção sobre ela, vez que, uma pessoa só é considerada cidadã a partir do instante em que está apta ao exercício e gozo dos seus direitos cívicos, salienta-se o fato de que um analfabeto não é apto plenamente a este direito, vez que, é incapaz de entrar com uma ação popular por conta própria, de ser eleito como representante do povo em eleição popular e ainda, possui direito relativo a votar, por exemplo.

Nesta seara, a educação compreende uma forma de inclusão societária, ou seja, um meio de arrebentar as correntes que prendem os indivíduos aos infortúnios da classe social desprivilegiada, proporcionando-lhes oportunidades igualitárias de ascensão social, munindo-lhes de ferramentas isonômicas aos demais cidadãos para que possam enfrentar o mercado de trabalho de forma a competir em igualdade de condições. Vez que, o conhecimento compreende o sol que ilumina os dias nublados, pois seus raios aquecem as mentes humanas de esperanças e prepara-os para as necessidades que se apresentarem, enquanto a chuva é capaz de apagar o que foi escrito e fazer com que o conhecimento que não tenha sido adquirido se perda, escoando por entre os dedos sem serventia alguma.

Não obstante a Constituição expressar o direito à educação em capítulo definido para os direitos sociais cabe destaque para o fato de que o art. 5° promulga a vida como direito fundamental e o art. 1°, inc. III, define a dignidade da pessoa humana como fundamento e alicerce para a existência dos demais direitos e garantias, visto que este princípio constitui base para a própria existência do Estado Democrático de Direito, o que faz da educação um direito fundamental social, pois apenas munido com saberes intelectuais mínimos/suficientes será possível usufruir de uma vida digna, através da obtenção de um trabalho de qualidade, com fruição de um salário compatível para o custeio de uma vida digna que a Carta Magna promulga a todos.

Coadunado a este entendimento, o art. 170, caput, e incs. VI e VIII da CF/88 robustece o preceito de que a ordem econômica brasileira objetiva assegurar uma existência digna aos seus indivíduos, fundando-se com base na valorização do trabalho humano e da livre iniciativa, em conformidade com os preceitos da justiça social proporcionando ferramentas que busquem reduzir as desigualdades sociais, a nível regional, estadual e federal, abrindo parecer para que todos possam concorrer com equidade ao exercício pleno do mercado de trabalho.

Depreende de Marmelstein (2013, p. 17) que os direitos fundamentais embasam normas jurídicas, de cunho intimamente conectado “a ideia de dignidade da pessoa humana e de limitação de poder, positivados no plano constitucional de determinado Estado Democrático de Direito, que por sua importância axiológica, fundamentam e legitimam todo o ordenamento jurídico”, ou seja, os mesmos caracterizam-se como um sistema de valores com capacidade para irradiar sua luz em todo o sistema normativo brasileiro, iluminando sua interpretação ao afetá-la com a proteção dos seus preceitos.

No entanto, o art. 5°, §2° esculpe nas linhas da Carta Magna que “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”, isto significa dizer que o rol das cláusulas pétreas “não se esgotam naqueles direitos reconhecidos no momento constituinte originário, mas estão submetidos a um processo de expansão”, como esclarece Marmelstein (2012, p. 21), pois o rol do art. 5° não é taxativo e possibilita a existência de direitos fundamentais fora do Título II, ou ainda fora da própria Constituição, pois o que dá a um direito o caráter de essencialidade é seu núcleo protetivo e não seu posicionamento jurídico, nas palavras do autor (2013, p. 22):

 

É preciso fazer um alerta: não se pretende com o conceito acima formulado defender uma noção meramente formal de direitos fundamentais, no sentido de que somente é fundamental o direito que esteja expressamente previsto no texto constitucional. Não se deve confundir norma positivada com norma escrita, já que existem diversos direitos fundamentais de forma implícita (não escrita), que decorre do sistema constitucional como um todo, por força do já citado art. 5°, §2°, da Constituição de 88.

 

Condizente com a essencialidade da educação é que a Constituição expressou como competência concorrente entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios a disponibilização de meios de acesso à mesma (art. 23, inc. V), definindo um capítulo próprio para a matéria (Capítulo III), estabelecendo no art. 205 que a mesma compreende direito de todos e dever do Estado e da família, sendo que a sociedade não se exime desta responsabilidade, instante em que, vê-se responsável por sua promoção e incentivo, em função de que a educação possui capacidade de proporcionar o pleno desenvolvimento da pessoa, preparando-a para o exercício da cidadania e qualificando-a para o mercado de trabalho.

Enquanto o art. 206 elenca os princípios norteadores do ensino, que se referem “a igualdade de condições para o acesso e permanência na escola”, dando liberdade para que os alunos aprendam, ensinem, pesquisem e divulguem seu pensamento, arte e saber, defendendo o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, incluindo o direito a educação gratuita e de qualidade a todos os seres humanos em solo brasileiro, e garantindo a valorização dos profissionais relacionados a área, adequando o ensino de forma democrática as necessidades encontradas.

Diante disso, os artigos que legalizam a matéria em ordem constitucional abrangem até o art. 214, o qual dispõe sobre o estabelecimento através de lei, do plano nacional da educação, com pretensão de:

 

[...] articular o sistema nacional de educação em regime de colaboração e definir diretrizes, objetivos, metas e estratégias de implementação para assegurar a manutenção e desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis, etapas e modalidades por meio de ações integradas dos poderes públicos das diferentes esferas federativas que conduzam a: I - erradicação do analfabetismo; II - universalização do atendimento escolar; III - melhoria da qualidade do ensino; IV - formação para o trabalho; V - promoção humanística, científica e tecnológica do País; VI - estabelecimento de meta de aplicação de recursos públicos em educação como proporção do produto interno bruto. (Grifos da autora).

 

Ademais, robustece esta ideia o art. 227, ao reforçar a concepção de que é dever da família, do Estado e da sociedade assegurar a educação aos cidadãos, elencando em seus incisos medidas de cunho programático tendentes a disponibilizar este direito, as crianças, adolescentes, jovens e adultos com o fim de proporcionar dignidade aos indivíduos em conformidade ao caminho que a Carta Magna direciona aos seus cidadãos.

Não obstante, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n° 9.394/1996), passou a viger no solo pátrio como forma de disciplinar os meios como a educação será disponibilizada, desta maneira em seu art. 1° ela traz a definição da educação, ao descrever que a mesma “abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais”.

No art. 2° a educação vem expressa, em conformidade com os raios de luz irradiados pela Constituição, como dever do Estado e da família, com existência “inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana”, pretendente ao “pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” e o art. 3° elenca como um dos seus princípios a garantia de um padrão de qualidade (inc. IX), enquanto o art. 4° elabora como dever do Estado no que tange a educação pública garantir “padrões mínimos de qualidade de ensino, definidos como a variedade e quantidade mínimas, por aluno, de insumos indispensáveis ao desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem”, (inc. IX), enquanto no que refere-se ao ensino privado o art. 7° o define como de exercício livre desde que cumpra com os padrões de qualidade impostos pelo Poder Público (inc. II), sendo que a característica qualidade vem expressa em pelo menos seis dos artigos descritos nesta lei, demonstrando a sua conformidade com as diretrizes estabelecidas pela Carta de Leis, em cujos seus 92 artigos esmiúça a questão do ensino formal e informal, bem como, os seus métodos de implantação em território nacional.

Sobre o tema Russel (2014, p. 31) destaca que uma criança não nasce boa ou ruim, “ela nasce simplesmente com reflexos e uns poucos instintos; a partir daí, pela ação do meio, os hábitos se formam, podendo vir a ser saudáveis ou mórbidos”, para o Autor (2014, p. 32) “antes de pensar em como educar, é bom deixar claro que tipo de resultado desejamos obter”, é preciso saber em que direção deseja-se mover a humanidade, visto que algumas características são positivas nos seres humanos, o inverso de outras e cabe ao ambiente: familiar, social e escolar encontrar estas características nos jovens e aguça-las para que as positivas se desenvolvam plenamente restringindo as contraproducentes.

Em conformidade, Russel (2014, p. 52) diz que, as pessoas são espelhos que exteriorizam o reflexo dos seus sentimentos, por isto, uma pessoa bem-educada irradiará boas intenções e produzirá atitudes compatíveis, enquanto o contrário não se perfaz. O Autor, ainda, sugere (2014, p. 53) que:

 

[...] ninguém aprenda a obedecer e ninguém aprenda a mandar. Não quero dizer, é claro, que não devam existir líderes nos empreendimentos cooperativos; mas apenas que sua autoridade deve ser como a do capitão de um time de futebol, aceita voluntariamente com o intuito de alcançar um propósito comum. Nossos propósitos devem ser nossos, e não o resultado de uma autoridade externa, e nossos propósitos não devem nunca ser impostos coercitivamente aos outros.

 

A educação precisa trabalhar na abertura da mente humana (2014, p. 61), libertando a criança da ideia de confinamento que o berço criou em suas primeiras experiências no ambiente terrestre, iniciando em seus primeiros passos através da educação moral cedida pelos pais e familiares, pois “todo medo significa escravidão” (2014, p. 98), porém a coragem não deve ser ensinada de maneira similar a brutalidade, visto que “se a única coisa que um homem sabe fazer é lutar, sua vontade de poder vai fazê-lo apreciar a batalha. Mas se ele tiver outros tipos de habilidades, irá encontrar essa satisfação de outro jeito”.

Desde o berço a criança encontra-se em uma espécie de prisão, em que ela, por vezes, gostaria de estar com os pais ou brincando e não pode, então, corre o risco de não aprender a refletir por si própria, acostumando-se a obedecer ao invés de pensar por si mesma, moldando-se ao lugar em que se encontra por estar abrigada, construindo-se uma pessoa “deitada eternamente em berço esplendido”, isto é, acomodada a situação em que fora colocada, ao não que ouve, ao olhar repressor que recebe.

Diante disso, elucida Russel (2014, p. 105) que, é por isto que o Estado nos mune com a espada do direito e a balança da justiça, pois, a espada serve para lutar para que o direito se efetive e a balança para contrapesar sobre o que deve ser lutado.

A forma de ver uma pessoa e a educação que lhe é aplicada, compreende um caminho para a construção de um ser humano bom, e de unidade a unidade, construir uma sociedade de indivíduos bons, pois, como é sabido, a melhoria das pessoas resulta na melhoria da sociedade, já que ela é feita de pessoas que refletem em suas atitudes e pensamentos a educação que receberam e que souberam assimilar.

Neste enfoque, “dê ao homem os tipos certos de habilidade e ele será virtuoso; dê a ele os tipos errados, ou nenhum tipo, e ele será perverso”, ensina Russel (2014, p. 112). Com base neste entendimento, foca-se na possibilidade de efetuar um resgate e realizar uma construção de valores no núcleo social por meio da educação, acreditando-se que é ela, o principal alvo do Estado, da sociedade e da família, e é nela que deve concentrar-se as principais estratégias pretendentes a melhoria social.

Diante disto é imperativo que o ambiente escolar seja propício ao desenvolvimento destes valores, principalmente por parte do(a) professor(a), devido ao fato de que seu trabalho possui a responsabilidade de realizar a abertura do caminho que será traçado pelo aluno, e não há como um ambiente hostil e ilícito desenvolver bons frutos, visto que a árvore envenenada só produz maus frutos, cujos quais além de não alimentar, contaminam: a pessoa, o ambiente e o seu redor -sociedade.

Ademais, nem capacidade para fazer sombra uma árvore envenenada possui, pois será certo que seus ramos irão secar e suas folhas cair, impregnando o ambiente com seus vícios, impossibilitando que um aluno sadio permaneça seguro em seu solo. Munido com este entendimento e protegido pelo escudo da lei é que este estudo retratará a problemática do assédio sexual no ambiente escolar, desenvolvido com mais propriedade no próximo item.

 

3.      DELIMITANDO O CRIME DE ASSÉDIO SEXUAL

O Código penal define como delito de assédio sexual o ato de constranger alguém com a intenção “de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função”, cominando pena de detenção de um a dois anos, definindo majorante de 1/3 no §2° para os casos em que a vítima seja menor de 18 anos. Este delito foi tipificado através da Lei n° 10.224/2001, portanto, este crime apenas se aplica aos fatos cometidos depois da data em que a mesma entrou em vigor (15/05/2001).

A conduta refere-se ao “constrangimento (indevido) de subordinado com o intuito de obter favores sexuais”, como ensina Bitencourt (2012, p. 2789). Na tipificação deste delito o legislador foi além do proteger a liberdade sexual, pois o próprio cobriu com o manto da legalidade três bens jurídicos, sendo eles: “(1) a liberdade sexual de homem e da mulher, indiferentemente; (2) a honra e a dignidade sexuais são igualmente protegidas por esse dispositivo; e, por fim, (3) a dignidade das relações trabalhista-funcionais”.

O núcleo do tipo circunda o verbo constranger, o qual na conjunção em epígrafe significa “coagir, obrigar a vítima a fazer ou deixar de fazer alguma coisa com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual”, nesta modalidade não se enquadram o emprego de violência ou grave ameaça, posto que a utilização destas ferramentas configura delito mais grave que se consuma na modalidade estupro.

O iter crimines caracteriza com o abuso pelo agente de sua “condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício do emprego, cargo ou função para intimidar, importunar, embaraçar a vítima e, com isso, obter vantagem de natureza sexual de seu subordinado”, a vítima ante ao temor das represálias cede aos favores de cunho sexual do seu superior. Por sua vez, o assédio pode materializar-se verbalmente, por gestos ou por escrito, como relaciona Capez (2012, p. 778).

Configura-se o delito, também, como destaca Gonçalves (2012, p. 534), através do assédio constrangedor, ou ainda, por meio do prometimento de vantagens para a vítima, como por exemplo, promoção no trabalho ou aumento salarial caso a vítima aceite submeter-se aos desejos sexuais do patrão, ou através de ameaças, como por exemplo, “não aceite sair comigo e eu te despeço”.

Nos casos do ambiente escolar, perfaz-se por meio de constrangimentos efetuados pelo professor através de piadas, por via de oferecer aumento de nota, ofertar as respostas para as provas, proporcionar situações através dos colegas de maneira a coagir a pessoa (homem ou mulher) a submeter-se. Enfim, o professor ou professora, proporciona vantagens no ambiente escolar em troca de satisfação sexual, ou ainda atua de maneira inversa, através de ameaças e situações planejadas, visa o cometimento do denominando bullying, instante em que, vitimizara a pessoa à violências psicológicas, reduzindo sua nota e desestimulando seu empenho em sala de aula até que alcance sua satisfação de ordem sexual.

Nas palavras de Gonçalves (2012, p. 534) são ainda, exemplos da consumação delitiva os casos “se não aceitar sair comigo, não obterá férias no mês que pretende”, ou, no caso de professor dizer que não dará a nota máxima à aluna que a ela faz jus, o que, entretanto, não acarretará sua reprovação”.

Enfim, os exemplos são inúmeros, pois a prática desde delito é comum, tanto nas salas de aula quanto no ambiente laboral, no entanto, falta denunciação deste crime, o que, muitas vezes, ocorre, pelo medo de perder o emprego ou devido ao receio das circunstâncias que o ato geraria nos corredores da faculdade (as represálias), em razão do fato de a vítima compreender o lado mais frágil da situação, que coadunado a exposição que o delito desencadeia, resulta no silêncio mordaz dela.

Visto que, vê-se comumente, que a própria faculdade faz todo o possível para acobertar o caso devido a impressão ruim que o conhecimento geral da ocorrência do crime resulta na coletividade, fatores que dificultam “o rompimento do silêncio que a sociedade levanta ao redor do cárcere” no entender de Bitencourt (2013, p. 428).

É comum os casos em que o professor reduz a nota da vítima e até mesmo manda alunos seguirem-na para vigiar seus passos, pretendendo oprimi-la para evitar a denúncia, ou ainda, busca saber de detalhes íntimos de sua vida pessoal, para utilizar como exemplos em sala de aula como meio de vitimizá-la, reduzi-la publicamente, obrigando-a, a ceder aos seus desejos, extraindo-lhes os meios de defesa, até que possa consumar o ato da vitória – o abuso sexual, público e cego aos olhos que fingem não ver.

O elemento que impulsiona o agente a agir é “o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual”, como ensina Nucci (2008, p. 889), por vantagem entende-se ganho ou proveito e por favorecimento extrai-se benefício ou agrado, de outra forma, a ameaça deve ser contundente, ou seja, deve ter capacidade de retirar a tranquilidade da vítima, posto que “A fragilidade da ameaça, porque inconsistente o gesto do autor ou por conta do tom de gracejo do superior, não é capaz de configurar o delito”. Outrossim, conforme o autor (2008, p. 889) não se exige que a ameaça seja injusta:

 

[...] basta que o agente, prevalecendo-se de seu poder de mando, constranja a vítima, através de gestos ameaçadores, com finalidade de obter favor sexual. Se o fizer, invocando ameaça justa - ex.: preterir o empregado na próxima promoção, o que iria mesmo ocorrer, porque outro funcionário, mais bem preparado, está a sua frente -, o crime está identicamente concretizado. O cerne e infundir temor ao empregado, pouco interessando se há justiça ou injustiça na ameaça velada, transmitida pelo superior para conseguir favorecimento sexual.

 

Salienta-se, que este estudo discorda da opinião do renomado autor, vez que, qualquer espécie de ameaça que seja praticada em ambiente escolar pretendente a satisfação sexual aqui é vista como configuradora do tipo penal, pois a sala de aula é um local de respeito e aprendizado, não condizente com um ambiente em que uma pessoa esteja à mercê de sofrer qualquer tipo de violência psicológica visando qualquer fim.

De outra sorte, para a configuração do delito, é preciso que o agente seja superior hierárquico, deste modo esta modalidade criminal não se configura se provier de colegas de aula ou de trabalho, ou de subalterno. Visto que o termo ascendência, define a superioridade e a preponderância, isto é, refere-se ao maior poder de mando, que detém um sujeito com relação ao outro, ainda destaca o autor (2008, p. 890) que “o objeto material do crime é a pessoa que sofre o constrangimento. O objeto jurídico e a liberdade sexual.”

Portanto, os alunos que forem constrangidos aos jogos em que o professor busque estimular a obtenção do favor sexual desejado, encontrar-se-iam desamparados deste tipo delitivo, podendo encontrar amparo em outra possível tipificação, uma que se enquadre em violência psicológica ou outra praticada, para não dizer que o legislador pecou ao se omitir quanto as possibilidades de ocorrências do delito.

Ademais, a existência deste tipo criminal encontra respaldo na proteção da honra pessoal do indivíduo, a qual detém valor jurídico incalculável, e por isso, urge por ser respeitada. Por isso, encontrando-se interligada ao princípio da dignidade da pessoa humana, como uma só carne, com caráter absoluto, atrelada aos valores da personalidade humana de maneira sui generis. Razão desta proteção dever-se ao ser humano em decorrência da sua condição de pessoa humana, não importando a sua conduta social, ou seja, este delito joga suas vestes protetivas também, sobre a prostituta ou prostituto, pois não protege por distinções -  a não ser a evidenciada, isto é, aquela em que o indivíduo sofre as represálias somente para facilitar a ocorrência do delito contra outra pessoa, correndo o risco de enquadrar-se na modalidade cúmplice, por estar inserido no meio da prática delitiva e sofrer as ameaças, porém, sem fim de ordem sexual.

Adiante, o sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, tanto homem como mulher (hetero, homossexual, lésbica ou bissexual), visto que a expressão alguém contida na letra do tipo penal admite que qualquer pessoa cometa o delito, e se enquadre em sua modalidade delitiva, estando somente condicionado ao fato de que a prática deva relacionar-se com hierarquia funcional ou descendência, diante disto, “o inverso não é verdadeiro, isto é, o subordinado ou o subalterno não pode ser sujeito ativo do crime de assédio sexual; falta-lhe a condição especial exigida pelo tipo, que emoldura um crime próprio”, conforme leciona Bitencourt (2012, p. 2791). Há a necessidade de haver vínculo de subordinação na relação entre o assediante e o assediado, sob pena de a conduta ser considerada atípica.

Nucci (2009, p. 31) destaca que o legislador pretendeu proteger especialmente os menores de idade, submetidos às quatro paredes de um ambiente laboral, e com isto, desguarnecidos das defesas que teria em um ambiente público. Este delito se configura, conforme Capez (2012, p. 779), com a prática de qualquer ato de assédio sexual, não importando se o agente obteve o fim desejado de favorecer-se sexualmente ou não, a efetiva obtenção do favorecimento sexual compreende simples exaurimento do crime.

 

4.      A PROBLEMÁTICA DO ASSÉDIO SEXUAL NO AMBIENTE ESCOLAR UM OLHAR SOB A ÓTICA JURISPRUDENCIAL

De acordo com Platão a função primordial do Estado é a educadora, ademais V. Hugo destaca que abrir escolas compreende o mesmo que fechar cadeias (apud Santos (1949, p. 17), afinal a educação embasa um processo onde o indivíduo é formado, a mesma abrange o fogo que purifica a mente humana, emoldurando o seu físico, psíquico, intelectual e moral, “por isso cremos que as portas das prisões, um dia se abrirão pela educação, como se abriram as algemas dos loucos em Pinel”, afinal mens sana in corpore sano, posto que a palavra reflete o orvalho que fertiliza a alma, desde que haja o que alimentar nela.

Diante disto, a educação deve ser iniciada desde a mais tenra idade, pois “é mais fácil dirigir uma tendência natural do que corrigir uma organização defeituosa”, como elucida Santos (1949, p. 25), razão disso é que, “a selvageria produz a selvageria, e a doçura a doçura”, porque uma pessoa nada mais é, do que o espelho da educação que recebeu e dificilmente será possível preencher em um adulto todos as lacunas, ausências, deixadas em uma criança devido a educação negligente.

Neste ínterim, “o vinho conserva sempre o cheiro da primeira vasilha que o conteve. Assim, os sinais de uma mocidade estragada permanecerá na alma até o fim dos seus dias”, no entender de Santos (1949, p. 85) e isto faz da educação um processo contínuo de preparação e adaptação do indivíduo às necessidades sociais. É por este fato que, a educação proporcionada pelos pais é basilar, pois são eles quem constroem os alicerces onde será edificado o cidadão, afinal “urge cuidar da planta desde a semente, antes que nos surja desvirtuada”, não há como esperar uma generosa retribuição social de uma população ensinada através de uma educação deficiente, é por isto que o Estado deve interferir no âmbito escolar corrigindo todas as mazelas, preferencialmente, em uma ação preventiva, em razão da economia que gera o ato de gastar/investir em escolas à gastar com cadeias/manutenção do sistema carcerário (agentes, serventuários, armas, uniformes, etc.) e com isto alcançará mais eficiência.

Outrossim, destaca Ferri (apud SANTOS, 1949, p. 90) que “para a defesa social contra a criminalidade, assim como para a elevação moral das populações, o menor progresso nas reformas da prevenção social é cem vezes mais útil e fecundo que a publicação de todo um código penal”, conforme seu entendimento “enquanto o homem quiser combater o crime na pessoa do criminoso, jamais o crime desaparecerá da face da terra. Esperar a eclosão do crime para curar o criminoso é concorrer para o aumento da criminalidade (... visto que) quanto mais científica se torna a polícia de repressão tanto mais técnico se torna o crime”. Não é a pessoa que reúne em si todos os atributos de uma pessoa honesta, estes atributos são resultados de uma educação bem-sucedida, o crime não se enquadra na pessoa em si, ele enraíza-se no sistema deficitário.

Razão esta que possibilita dizer que, seria mais fácil sufocar o germe da criminalidade através da educação do que via repressão policial. Ora, sendo a educação tão importante, não há como sustentar a possibilidade de ocorrências delitivas dentro do âmago educacional, evento este que desencadeia no fato de que o cometimento de delitos desta espécie penal em salas de aula jurídicas compreende a maior aberração já vista pelos olhos do homem, no entanto, eles ocorrem comumente.

Delitos como o assédio sexual no ambiente escolar jurídico já se tornou habitual, a prática de bullying nos corredores escolares jurídicos, é tão rotineira que já se denomina prática, porém, para a construção de um sujeito de valores é imperativa a ação do professor, diante disto, como aceitar que em faculdades particulares ou públicas, ocorra este tipo de delito no âmbito escolar, diante dos olhos do olhar público? Não há como aceitar, é preciso haver mobilização social, é necessário reagir juridicamente, seja qual for a área ou nível escolar que se refira.

É com este entendimento que os magistrados se encontram com suas mesas abarrotadas de documentos que denunciam a ocorrência deste tipo delitivo, a título de exemplo, este estudo analisou os casos designados ao Superior Tribunal de Justiça, onde, no caso do Resp 201001940461, a Ministra Eliana Calmon relatou na segunda turma, no ano de 2013, o caso em que um professor foi condenado por improbidade administrativa, visando a punição, coibição e afastamento de condutas com caráter incompatível com os princípios da administração pública por seus agentes, e por assédio sexual, em decorrência de ele praticar a conduta delitiva contra alunos de seis e sete anos de idade, em sala de aula.

Diante dos fatos a relatora se pronunciou afirmando que “a repugnante prática de atentado violento ao pudor, praticado por professor municipal, em sala de aula, contra crianças de 6 (seis) e 7 (sete) anos de idade, não são apenas crimes, mas também se enquadram em 'atos atentatórios aos princípios da administração pública', conforme previsto no art. 11 da LIA, em razão de sua evidente imoralidade”, ou seja, neste instante este delito infringiu além das normas penais e da moral humana, pois atacou, também, a coisa pública, se tornando imperativo o seu afastamento do ambiente escolar.

 

EMEN: ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. PROFESSOR MUNICIPAL. ALUNAS MENORES. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC NÃO CARACTERIZADA. VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. ART. 11 DA LEI 8.429/1992. ENQUADRAMENTO. INDEPENDÊNCIA DAS ESFERAS. ELEMENTO SUBJETIVO. DOLO GENÉRICO. 1. Não ocorre ofensa ao art. 535, II, do CPC, se o Tribunal de origem decide, fundamentadamente, as questões essenciais ao julgamento da lide. 2. O ilícito previsto no art. 11 da Lei 8.249/1992 dispensa a prova de dano, segundo a jurisprudência do STJ. 3. Não se enquadra como ofensa aos princípios da administração pública (art. 11 da LIA) a mera irregularidade, não revestida do elemento subjetivo convincente (dolo genérico). 4. É possível a responsabilização do agente público, no âmbito do art. 11 da Lei 8.429/1992, ainda que este responda pelos mesmos fatos nas demais searas, em consideração à autonomia da responsabilidade jurídica por atos de improbidade administrativa em relação as demais esferas. Precedentes envolvendo assédio sexual e moral. 5. A repugnante prática de atentado violento ao pudor, praticado por professor municipal, em sala de aula, contra crianças de 6 (seis) e 7 (sete) anos de idade, não são apenas crimes, mas também se enquadram em 'atos atentatórios aos princípios da administração pública', conforme previsto no art. 11 da LIA, em razão de sua evidente imoralidade. 6. A Lei 8.429/1992 objetiva coibir, punir e/ou afastar da atividade pública os agentes que demonstrem caráter incompatível com a natureza da atividade desenvolvida. 7. Esse tipo de ato, para configurar-se como ato de improbidade exige a demonstração do elemento subjetivo, a título de dolo lato sensu ou genérico, presente na hipótese. 8. Recurso especial provido.

 

Outra decisão desta mesma Corte (STJ- segunda turma), no Resp 201101187221, também prolatada em 2013 atuou com mais severidade no que tange a pratica delitiva de assédio sexual ocorrida em ambiente escolar do ensino público, pois o Ministro Humberto Martins proferiu, expressamente, a condenação à perda do cargo por improbidade administrativa ao criminoso, atuando de maneira lúcida com vistas a clarificar a sociedade, assim que a própria tomasse conhecimento da decisão, pois visou punir o criminoso de forma pública, como meio de demonstrar a aversão, pelo Tribunal, do tipo penal em espécie, ao destacar que esta pratica criminógena ofende diretamente a dignidade da pessoa humana, “subverte os valores fundamentais da sociedade e corrói sua estrutura”, dando juízo de desprezo ao ato condenado jurídico e moralmente.

 

EMEN: PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ASSÉDIO DE PROFESSOR DA REDE PÚBLICA. PROVA TESTEMUNHAL SUFICIENTE. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 282/STF. MATÉRIA CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA DA EXCELSA CORTE. DOLO DO AGENTE. ATO ÍMPROBO. CARACTERIZAÇÃO. 1. Cinge-se a questão dos autos a possibilidade de prática de assédio sexual como sendo ato de improbidade administrativa previsto no caput do art. 11 da Lei n. 8.429/1992, praticado por professor da rede pública de ensino, o qual fora condenado pelas instâncias ordinárias à perda da função pública. 2. A tese inerente à atipicidade da conduta em razão da inexistência de nexo causal entre o ato e a atividade de educador exercida pelo Professo não foi abordada pelo Corte de origem, o que atrai a incidência da Súmula 282 do STF. 3. O recorrente também tratou de questão constitucional, qual seja, a dignidade da pessoa humana, matéria que refoge da competência desta Corte Superior, sob pena de usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal. 4. É firme a orientação no sentido da imprescindibilidade de dolo nos atos de improbidade administrativa por violação a princípio, conforme previstos no caput do art. 11 da Lei n. 8.429/1992 - o que foi claramente demonstrado no caso dos autos, porquanto o professor atuou com dolo no sentido de assediar suas alunas e obter vantagem indevida em função do cargo que ocupava, o que subverte os valores fundamentais da sociedade e corrói sua estrutura. 5. O recurso não pode ser conhecido em relação à alínea "c" do permissivo constitucional, porquanto o recorrente não demonstrou suficientemente a divergência, o que atrai, por analogia, a incidência da Súmula 284/STF. Recurso especial conhecido em parte e improvido.

 

Outra decisão, desta vez proferida em 2011 através da quarta turma, do órgão julgador TRF1, em que atuou como relator o desembargador federal Mário César Ribeiro, diz respeito a negação por unanimidade de provimento de recurso de alegações finais contra decisão que condenou um professor da Universidade Federal de Roraima por assédio sexual, com fulcro no fato de que o réu “valendo da relação de ascendência inerente ao exercício do cargo de professor da Universidade Federal de Roraima, constrangeu alunas propondo-lhes tratamento diferenciado, com a intenção de obter favorecimento sexual”, o que serve como evidencia de que a pratica delitiva não se configura apenas em escolas públicas, mas em universidades, também, conforme se vê:

 

PENAL. PROCESSUAL PENAL. ALEGAÇÕES FINAIS. DILIGÊNCIAS. REABERTURA DE PRAZO. ASSÉDIO SEXUAL. 1. A reabertura de prazo para apresentação de alegações finais, após cumprimento de diligência, não as tornam extemporâneas ou eivadas de nulidade, posto que não evidenciado qualquer prejuízo ao direito de defesa dos acusados. 2. Suficientemente demonstrados nos autos o cometimento do crime previsto no artigo 216-A, do Código Penal, posto que o réu, valendo da relação de ascendência inerente ao exercício do cargo de professor da Universidade Federal de Roraima, constrangeu alunas propondo-lhes tratamento diferenciado, com a intenção de obter favorecimento sexual. 3. Recurso de apelação improvido.

 

Diante disso, um Estado Democrático de Direito, alicerçado em fundamentos como a dignidade da pessoa humana, não há como ser compassivo com este tipo de ocorrência delitiva, e não é diferente o entendimento do Coronel Edivar[1] (2012, s/p) ao definir que a característica essencial do ser humano é a “sua capacidade de sentir compaixão pelo sofrimento alheio”, do contrário as pessoas seriam dispensáveis, e deste modo, “desprovidos de razão para existência” é este o sentido figurado da democracia, que em suas palavras compreende “a liberdade de associação, de expressão, sem privilégios de classe, sem distinções e preconceitos. É justiça sem justiçamento. É tratar diferente os desiguais. É punir os culpados e absolver os não culpados, já que quem comete crime não é inocente”.

Deste modo, este estudo analisou a Declaração de Princípios Básicos de Justiça Relativos às Vítimas da Criminalidade e do Abuso do Poder, a qual sensibilizada pela dor, perda e prejuízos que não apenas as vítimas, mas também, os familiares, os testemunhantes e as demais pessoas sofrem com a prática de delitos e em razão do abuso do poder, afirmou em seu 1° artigo o imperativo de adoção a nível internacional, “de medidas que visem garantir o reconhecimento universal e dos direitos das vítimas da criminalidade e de abuso de poder”, encorajando as nações a desenvolverem ferramentas atuantes neste objetivo (2°), adotando a referida declaração como meio de unir esforços atinentes a este aspecto delitivo.

Vez que, a atuação delitiva do professor, não deixa de configurar uma espécie de abuso de poder, abuso do cargo que exerce (no caso do serventuário público - abuso da função pública), e com isso, abuso da própria sociedade que confia nele e do aluno que paga o seu salário através da mensalidade.

Tal Caderno de Lei descreve em seu art. 4° uma solicitação para que os seus Estados membros adeptos a ele, materializem medidas concretas visando a prevenção e repressão da criminalidade e do abuso do poder em seus solos, com o intuito de reduzir a vitimização e ocorrência criminal. Em um atuar conjunto entre as nações e seus cidadãos, buscando a adaptabilidade da sociedade às leis vigentes, provendo o respeito pelo ordenamento jurídico. Instante em que o art. 5° promove a união de esforços entre os Estados pretendendo organizar estratégias conjuntas de ações, auxiliando-se uns aos outros, disponibilizando recursos para que as vítimas reajam as opressões e para que os demais cidadãos fiscalizem a aplicabilidade da lei e a materializem em seus solos, visando auferir resultados à nível internacional. Por vítima a declaração em epígrafe distingue:

 

Entendem-se por "vítimas" as pessoas que, individual ou coletivamente tenham sofrido um prejuízo, nomeadamente um atentado à sua integridade física e um sofrimento de ordem moral, uma perda material, ou um grave atentado aos seus direitos fundamentais, como consequência de atos ou de omissões violadores das leis em vigor num Estado membro, incluindo as que proíbem o abuso de poder.

 

No significado de vítima, a declaração inclui seus familiares mais próximos, posto que o termo abrange toda a pessoa que direta ou indiretamente tenha sofrido alguma lesão juridicamente relevante (moral, física, intelectual, etc.), sem que haja distinções de qualquer natureza, como a própria Carta Magna preleciona.

A Declaração recomenda tratamento compassivo e respeitoso com relação às vítimas, dando-lhes livre acesso as instâncias judiciárias e até mesmo, impulsionando-as a tomarem atitudes de liberdade frente a vitimização, como meio de usufruir de seus direitos a reparação que o ordenamento jurídico lhes confere.

Descreve em suas linhas, a necessidade de reforçar e criar novos mecanismos judiciários e administrativos efetivadores da reparação do dano às vítimas, com capacidade suficiente para suprir a demanda existente, de maneira a prestar a elas assistência conforme seus anseios, “tomando medidas para minimizar, tanto quanto possível, as dificuldades encontradas pelas vítimas, proteger a sua vida privada e garantir a sua segurança, bem como a da sua família e a das suas testemunhas, preservando-as de manobras de intimidação e de represálias”, obrigando aos autores dos delitos a reparação e restituição equitativa conforme os prejuízos que as vítimas tenham sofrido, enfim, a legislação protetiva é ampla, porém, o judiciário brasileiro tem pecado pela inaplicabilidade da lei.

Ademais, da formalidade da lei escrita existe um árduo caminho que precisa ser percorrido para que haja justiça, eficácia e aplicabilidade dela, sob pena de construir um cemitério jurídico, abarrotado de letra morta que existe apenas para preencher papel em branco, sem contar com aplicabilidade ou efetividade concreta. Lei escrita preenche lacuna, mas não atenua a prática delitiva por si mesma.

Conscientes disto é que os magistrados estão buscando a concretização da lei, no entanto, o sistema ainda está lento e ineficaz para suprir as necessidades e transmitir confiabilidade aos cidadãos, para que estes, ao serem alvos de um delito da espécie de assédio sexual no ambiente escolar, possam procurar a solução do conflito na esfera judicial, ao invés de desistir das aulas e pedir transferência para outra faculdade como habitualmente ocorre, alongando as filas psiquiátricas e engessando os braços do judiciário, que não pode solucionar a causa por não tê-la em mãos e já não as recebe por não demonstrar confiança.

 

5.      CONCLUSÃO

Este artigo estudou as ocorrências de assédio sexual no ambiente escolar, delimitando em primeiro momento sobre as peculiaridades a respeito do direito fundamental social à educação, expondo o pensamento de renomados doutrinadores acerca da matéria e esmiuçando o entendimento legiferante, através da interpretação da lei referente a matéria.

Em segundo instante o estudo deste manuscrito dissecou a tipificação delitiva do assédio sexual, buscando todas as suas peculiaridades descritas em lei e seus entendimentos doutrinários, subtraindo o fato de que esta modalidade delitiva pode ser efetuada por qualquer pessoa (homem ou mulher) contra qualquer ser humano (homem ou mulher), bastando que haja vínculo de subordinação entre a vítima e o autor, bem como, entendeu-se que o ato não precisa ser consumado, visto não precisar haver a satisfação sexual do autor, bastando que haja o mero constrangimento da vítima na busca pela consumação do ato.

Por corolário, foi feito buscas jurisprudenciais de maneira a extrair o entendimento dos magistrados no que se refere aos casos delitivos, sempre procurando demonstrar o valor que o tema possui para com a sociedade, em razão da essencialidade da educação para a construção de valores nos seres humanos e para a própria construção da pessoa humana, afinal, sendo a educação basilar em qualquer forma estatal, também, terá a mesma importância os meios que são empregados para concretizá-la e o agente proporcionador desde direito. Nisto circundou este manuscrito, na busca pelo sentido doutrinário, legal e prático dos magistérios sobre este delito, com enfoque na proteção que é direcionada as vítimas e na valoração/crédito dada ao tema.

 

REFERÊNCIAS

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[1] Advogada; Pós-Graduada em Direito do Trabalho e Previdenciário; Autora do Blog Direito em Estudo; Autora do livro A Promoção dos Direitos Humanos Fundamentais Através da Polícia Militar. E-mail: linny.mendes@hotmail.com.