A DEMOCRACIA SOB A PERSPECTIVA DE UM DIREITO DA TEORIA DA QUARTA DIMENSÃO
Aline Oliveira Mendes de Medeiros
Franceschina[1]
RESUMO
O
presente artigo tem por objetivo apresentar a teoria da quarta dimensão do
Direito, qual seja a Democracia, como sistema político ideal para a
materialização e eficácia dos direitos fundamentais aos seres humanos de forma
indistinta, em virtude de seu modelo político, que permite um contato direto e
imediato com a sociedade, por meio de garantias constitucionais: sufrágio
universal permite ao povo eleger seus representantes; ação civil pública
permite à sociedade uma direta forma de expressão com o Estado; ação civil
pública; mandato de injunção; mandato de segurança; ação direta de
inconstitucionalidade; entre inúmeras outras prerrogativas, garantidas por este
modelo como forma de proteção à repressão estatal e meio de efetivação de
direitos. O método utilizado foi o de pesquisas bibliográficas. O estudo
baseou-se em afirmativa histórica sobre os direitos fundamentais, de maneira a
expressar as principais mudanças ocorridas no decorrer do tempo, incluindo,
assim, a passagem do Estado Absoluto de Direito para o atual modelo de Estado
Democrático de Direito, que é considerado, pelo respectivo texto, como padrão
para todos os países, com vistas na efetivação da dignidade da pessoa humana,
conforme será exposto.
Palavras-chave: Estado
democrático de direito; Direitos fundamentais; Dimensões ou gerações de
direito; Democracia; Dignidade da pessoa humana.
ABSTRACT
This
paper aims to present the theory of the fourth dimension of law, namely
democracy, as being ideal for the realization and effectiveness of the
fundamental human rights without distinction on account of his political model
political syste which allows a direct and immediate contact with society
through constitutionality guarantees, such as universal suffrage, which allows
the people to elect their representatives as well as civil action, which allows
the company, a direct form of expression with the state, as well as other
measures, the civil action, the mandate of injunction, mandate safety, direct
action of unconstitutionality, among numerous other privileges secured by this
model as a way of protecting state repression and effective means of rights.
Thus, the method used was the literature searches. The study was based on a
historical statement on fundamental rights in order to express the main changes
over time, as well, including the passage of absolute state of law, for the
current model democratic state, whose it is deemed, by its text, as the
standard for all countries, aiming at realization of the dignity of the human
person, as will be discussed through the manuscript under discussion.
Keywords:
Rule of law; Fundamental rights; Generations of law or dimensions; Democracy;
Dignity of the human person.
CONSIDERAÇÕES
INTRODUTÓRIAS
O presente estudo tem por escopo abordar
a teoria da quarta dimensão dos direitos fundamentais, ou seja, a teoria que
define a democracia como sistema político ideal para a completa efetivação dos
direitos fundamentais na sociedade.
50 Por conseguinte, propõe-se, por intermédio desta teoria, fundamentar
a compatibilidade entre este modelo político e sua função de concretização do
bem comum, com vistas na efetivação dos direitos inerentes ao ser humano,
alicerçado pelo princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, em
razão de que este princípio ideológico e político-constitucional não se baseia
em simples viver, mas sim em viver com dignidade, tendo ao menos um mínimo
existencial de direitos protegidos e efetivados.
O objetivo proposto neste trabalho será
realizado pelo método de pesquisas bibliográficas, de maneira a discorrer
acerca dos principais tópicos que concernem à temática, sob o prisma dos mais
prestigiados doutrinadores, de forma a fundamentar a teoria da democracia, como
modelo para alcançar a materialização e efetivação dos direitos fundamentais.
Nesse sentido, será efetuada abordagem
histórica dos direitos fundamentais, com vistas a visualizar as mudanças que
ocorreram na sociedade, estas foram obtidas por meio de transformações
ideológicas e culturais, de maneira a embasar a conclusão de que as leis
acompanham o desenvolvimento da sociedade, isto é, são as leis que estão à
disposição das pessoas, e não estas que estão à disposição das leis. Ou seja, o
ordenamento jurídico apenas existe como meio de garantir e efetivar os direitos
indispensáveis à convivência do ser humano em sociedade.
Feita a análise histórica acerca dos
direitos fundamentais, abordar-se-á a questão do Estado Absoluto de Direito e
sua gradativa conversão para Estado Democrático de Direito, com vistas a
demonstrar a necessidade do ser humano de evoluir e modificar sua existência,
por meio de novas ideologias e concepções de direitos que necessitavam ser
protegidos por um Estado garantidor. Consequentemente, ao longo desta
transmutação de necessidades, ideologias e culturas, emergiu o que a doutrina
denomina geração ou dimensão de direitos, ou seja, conforme
a realidade e a necessidade da época em que se encontravam os seres humanos
afloravam a imprescindibilidade de novas garantias jurídicas, cujo propósito
consistia na proteção e garantia de uma vida digna.
Desta forma, surgiram, com a teoria
original de Karel Vasak, as denominadas gerações
de direitos, que, originalmente, compreendiam três gerações, porém, no
decorrer do tempo, a doutrina entrou em discordância no que diz respeito ao
termo geração, sob a premissa de que
poderia estar sendo interpretado de forma equivocada, denominando-se, assim, dimensão de direitos. Esta questão será
exposta de forma mais específica no item 4 do respectivo trabalho.
A modificação do termo denominativo não foi à
única transformação que ocorreu no transcorrer do tempo, visto que, devido ao
fato de a sociedade ter evoluído, com ela, também, modificaram-se as
prerrogativas dos seres humanos, resultando no que alguns doutrinadores
sustentam como as novas gerações ou
dimensões de direitos. Bonavides (2004) abarca uma possível quarta geração,
na qual se encontra a Democracia; neste sentido o referido autor, em
conformidade 51 com outros autores renomados, sustenta
ainda a existência de quinta, sexta e até mesmo de uma sétima dimensão de
direitos.
No entanto, o peculiar trabalho
ater-se-á apenas às teorias que retratam até a quinta geração, as quais são
defendidas pela maioria da doutrina, com enfoque especial à questão da
democracia (quarta geração), posto que nesta geração reside o objetivo
principal do referido documento.
Na conclusão, serão apresentados os
argumentos favoráveis ao sistema democrático de direito, considerando tal
sistema político como modelo ideal de concretização da Carta Maior, portanto, o
conjunto Ideal para garantir o melhor convívio social e a efetivação dos
direitos inerentes aos seres humanos.
AFIRMAÇÃO
HISTÓRICA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
Na concepção de Sarlet (2009), em
citação a Stern, o reconhecimento histórico dos direitos fundamentais ocorreu
em três etapas, in verbis:
(...) a) uma
pré-história,
que se estende até o século XVI; b) uma fase
intermediária, que corresponde ao período de elaboração da doutrina
jus naturalista e da afirmação dos direitos naturais do homem; c) a fase de constitucionalização,
iniciada em 1776, com as sucessivas declarações de direitos dos novos Estados
americanos. (Grifos do original).
Neste sentido, complementa Moraes (2013),
os direitos individuais do homem tiveram origem no terceiro milênio a.C., no antigo
Egito e Mesopotâmia, onde eram configurados mecanismos individuais de proteção
relacionados ao Estado. O pioneiro em consagrar expressamente “um rol de
direitos comuns a todos os homens” foi o Código de Hamurabi.
Destarte, em 500 a.C., Buda, por sua vez,
difundiu os direitos do homem, por via de sua influência religiosa.
Posteriormente eclodiram na Grécia diversos estudos coordenados, a respeito da
necessidade de igualdade e liberdade entre os homens, com enfoque na democracia
direta de Péricles, que, em 441 a.C., pela obra Antígona, em expressão às ideologias sofistas e estoicas, faz
emergir a crença de “um direito natural anterior e superior às leis escritas”,
denominado Jusnaturalismo, conforme
denota Moraes (2013). Nesse entendimento segue Sófocles, defendendo a
existência de prerrogativas não escritas e imutáveis, inerentes a todos os
homens.
No entanto, foi em virtude do Direito
romano que teve afirmação a tutela dos direitos individuais contra os arbítrios
estatais, por via da Lei das doze tábuas.
A este respeito, congrega Marmelstein (2013) que “a noção de direitos do homem
é tão antiga quanto à própria sociedade”, visto que tal ideologia se mostrou
presente desde os primórdios em todas as culturas, seja em maior ou em menor
intensidade.
52 Por consequência,
salienta Moraes (obra citada) que a certificação dos direitos fundamentais
sofreu influência direta do Cristianismo, que trouxe preceitos indispensáveis
para a asseveração da dignidade da pessoa humana, tal como a igualdade entre os
homens, independente de sexo, raça ou credo.
Desta forma, elucida Comparato (2010) que
“tudo gira, assim, em torno do homem e de sua eminente posição no mundo”, pois
a dignidade da pessoa humana tomou forma, primeiramente por meio da religião,
seguida da filosofia e findando-se pela ciência.
Neste enfoque, por intermédio da fé
monoteísta, a religião justificou a superioridade do ser humano, uma vez que,
nesta concepção, tudo fora criado por Deus (expressão da Bíblia) “único e
transcendente”, o qual cedeu poder ao homem, para que predominasse sobre tudo
que existe na Terra (Gênesis 1, 26).
Posteriormente, a tese acerca da
hierarquia do homem tornou-se justificável com a ascensão da ideia de
racionalidade humana, difundida por poetas e filósofos gregos, que consideravam
tal característica como atributo exclusivamente humano. No campo científico,
esta valoração se justificou com a descoberta do processo evolutivo dos seres
vivos, já que “a própria dinâmica da evolução vital se organiza em função do
homem”, conforme expressa Comparato (obra citada).
No que concerne à consolidação histórica,
durante a Idade Média, diversos documentos foram redigidos reconhecendo os
direitos fundamentais como predominantes frente ao poder estatal, conforme
discorre Moraes (obra supracitada).
A partir do século XVIII, ocorreu
desenvolvimento contundente acerca das declarações de direitos fundamentais, em
que se acentuarão, como importantes referências históricas, países como a
Inglaterra, com a Magna Charta
Libertatum, consentida por João Sem-Terra, em 15 de junho de 1215. Sobre
ela, destaca Marmelstein (obra supramencionada) que originalmente redigida em
latim, apenas a classe privilegiada dominava tal linguajar, logo, tal documento
teve pouca utilidade para a população carente.
Ainda na vertente histórica,
encontrar-se-á, como referência, a Petition
of Right, de 1628, que consagrou a liberdade de agir, bem como o Habeas Corpus, de 1679, cuja definição
oficial, segundo Comparato (2010), consistia em “uma lei para melhor garantir a
liberdade do súdito e para prevenção das prisões no ultramar”. Foi instituída
para regulamentar a Petition of Right,
de maneira a conferir significativas modificações ao instituto, com o objetivo
de efetivar melhorias em sua eficácia jurídica.
Moraes (obra citada) enumera como marcos
histórico: o Bill of Rights, de 1689,
que trouxe diversas restrições ao poder estatal, no entanto, em contrapartida,
promulgou expressamente a negação da liberdade religiosa; o Act of Settlement, de 12 de junho de
1701, que se consolidou como uma normativa reafirmadora “do princípio da
legalidade e da responsabilização política dos agentes públicos”; a Declaração de Direitos da Virgínia, de
16 de junho de 1776, proclamando o direito à vida, à liberdade e à propriedade;
a Declaração de Independên- 53 cia dos Estados Unidos da
América, de 4 de julho de 1776, elaborada por
Thomas Jefferson, frisando a limitação do poder estatal; e a Constituição dos Estados Unidos, de 17
de setembro de 1787, que estabeleceu a separação dos poderes estatais e os
direito humanos fundamentais, com o fim de limitar o poder estatal.
No entanto, foi a França a
consagradora, de forma indiscutível, dos direitos fundamentais, por meio da
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em 26 de agosto de1789, que veio
a positivar os direitos naturais disponíveis a todos os homens,
indistintamente.
De forma ampla, estes são os pontos
históricos indispensáveis para um estudo acerca da efetivação dos direitos
fundamentais, sendo sucedidos, porém, por inúmeras outras afirmações
importantes, as quais não serão abordadas de forma específica no presente
estudo, pois não se enquadram no artigo de forma contributiva. Assim, segue-se
como significativo momento histórico que consistiu na transmutação do Estado
Absolutista para o Estado Democrático de Direito.
DO
ABSOLUTISMO AO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO
Em relação ao sistema absolutista,
segundo entendimento de Bodin (1992), a soberania neste momento histórico se
traduzia em um poder absoluto e perpétuo, ocupado pelo rei, porque consistia na
necessidade de uma base rígida e inalterável de poder político. No entanto,
Hobbes (2003) preleciona que os contratos, sem a força, não possuem poder de
coerção suficiente para transmitir segurança ao ser humano; desta maneira, o
Estado precisaria principalmente do elemento coercitivo para garantir a
expressão de seus dizeres.
Destarte, o Absolutismo, resultado de
mudanças europeias, apresentava-se como o sistema político ideal para proteger
o homem de si mesmo, modelo este que predominou no Antigo Regime, entre os séculos XV e XVIII, legalizando ao Estado
soberania indiscriminada, já que, em suas mãos, concentravam-se os três
poderes.
Neste sentido, Hobbes (2003) dispõe que
“enquanto cada homem detiver seu direito de fazer tudo que queira, a condição
de guerra será constante para todos”, tendo-se em vista que, para o ele, o
homem seria essencialmente mau e egoísta, com ambição crescente por poder, a
qual apenas cessaria com sua morte, encontrando-se, dessa forma, a
justificativa da necessidade de um poder soberano, comparado pelo autor ao
Leviatã, o monstro marinho mencionado pela Bíblia, o qual somente Deus
controlaria.
Estatui Hobbes (apud MARMELSTEIN, 2013)
que “o soberano deveria possuir um poder absoluto, sem qualquer limitação
jurídica ou política. Nada que o soberano fizesse poderia ser considerado
injusto (...), o soberano podia tudo e somente prestava contas a Deus”.
54
Em prosseguimento, Maquiavel (2007)
defendia a legitimidade de qualquer meio para que o soberano, em defesa dos
negócios públicos, se mantivesse no poder, fosse por meio de lei ou em virtude
da força; para ele, não havia limites no que concerne aos alcances de seus
objetivos, in verbis:
Quem num
mundo cheio de perversos pretende seguir em tudo os princípios da bondade, caminha
para a própria perdição. Daí se conclui que o príncipe desejoso de manter-se no
poder tem de aprender os meios de não ser bom e a fazer uso ou não deles,
conforme as necessidades.
Para Marmelstein (obra citada), o
corolário destes dois pensadores era que deveria haver um “Estado forte
(Leviatã), absoluto, sem limites e sem escrúpulos, onde o soberano poderia
cometer as maiores atrocidades para se manter no poder (...), posto que a
vontade do soberano estaria acima de qualquer concepção jurídica”. Assim, entre
os Estados Absolutistas, destacam-se Portugal, França, Inglaterra e Itália.
Salienta-se que foram dois os eventos
históricos que contribuíram para a ruína do absolutismo, a Revolução Gloriosa,
1688-1689, ocorrida na Inglaterra, e a Revolução Francesa, em 1689, tendo como
ideário o Iluminismo.
Um dos pioneiros a questionar este
sistema foi Johannes Althusius, em sua obra intitulada Política, mencionado por Marmelstein (obra citada), na qual o autor
questiona o poder absoluto e desenfreado do rei; para o questionador “todo o
poder está atado às leis, aos direitos e à equidade”. Tal ideia, originária de
1603, somente foi rediscutida em 1690, por Locke, por meio de seu Segundo tratado sobre o governo (2003):
O único modo
legítimo pelo qual alguém abre mão de sua liberdade natural e assume os laços
da vida civil consiste no acordo com outras pessoas para se juntar e unir-se em
comunidade, para viverem com segurança, conforto e paz umas com as outras, com
a garantia de gozar de suas posses, e de maior proteção contra quem não faça
parte dela.
Nessa acepção, Locke (obra citada)
defendia que as pessoas se uniam de maneira voluntária com o fim de viverem em
sociedade, relegando, então, sua liberdade inerente para a comunidade ao
aquiescerem em respeitar as leis, que seriam pactuadas por todos os membros da
sociedade, emergindo, nesse momento, a base teórica para o Estado Democrático
de Direito.
Locke (obra citada) acreditava na
indispensabilidade da separação de poderes, em decorrência de que “poderia ser
tentação excessiva para a fraqueza humana a possibilidade de tomar conta do
poder, de modo que os mesmos que detenham a missão de elaborar leis, também,
tenham nas mãos o poder de executá-las”.
Destarte, o magistrado Charles-Louis de
Secondat, popularmente denomi- 55 nado Barão de
Montesquieu (apud MARMELSTEIN, 2013), dispõe que “todo homem que tem poder é
tentado a abusar dele”, então, “para que não se possa abusar do poder é preciso
que, pela disposição das coisas, o poder freie o poder”. Nesse sentido:
Quando na
mesma pessoa ou no mesmo corpo de magistratura o poder legislativo está reunido
ao poder executivo, não existe liberdade, pois se pode temer que o mesmo
monarca ou o mesmo senado, apenas, estabeleçam leis tirânicas para executá-las
tiranicamente (...). Não haverá também liberdade se o poder de julgar não
estiver separado do poder legislativo e executivo. Se estivesse ligado ao poder
legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário,
pois o juiz seria o legislador. Se estivesse ligado ao poder executivo, o juiz
poderia ter a força de um opressor.
Para tanto, Marmelstein (obra citada)
acentua a sincronia existente entre a técnica da separação do poder e os
direitos fundamentais, intrínsecos na formação do Estado democrático de
Direito. Nessa orientação, citar-se-á o art. 16 da Declaração Universal dos
Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, que preleciona a imprescritibilidade
da existência do reconhecimento dos direitos fundamentais, bem como a
necessidade da separação dos poderes, para que possa existir verdadeira
Constituição.
Em decorrência, subentende-se que, para
um país ser democrático, necessita da existência de mecanismos de controle da
opressão estatal; assim, este método político, mesmo na atualidade, se torna
perfeitamente eficaz, visto que boas partes dos países ocidentais adotam tal
sistema, em que o povo elege seus governantes, que se obrigam a prestar
obediência às leis, também provindas da sociedade, tendo suas funções estatais
subdivididas em diferentes órgãos, quais sejam, Legislativo, Executivo e
Judiciário.
Conforme se pôde constatar, “os direitos
fundamentais foram criados, como instrumentos de limitação do poder estatal”
como dispõe Marmelstein (obra citada), assim, “eles surgiram como barreira ou
escudo de proteção dos cidadãos contra a intromissão indevida do Estado, em sua
vida privada e contra o abuso de poder”.
Dessa forma, a finalidade do Estado é a
busca efetiva do bem comum, e o governo provém do povo e trabalha em função
deste; nesse contexto, este modelo político (a Democracia) é o único sistema
que permite alterações sociais, sem a necessidade de violência, como bem coloca
Marmelstein (supracitado), consentindo em um modelo a ser seguido por todos os
países, cujos ideais buscados são eficazes para a concretização da Constituição
na sociedade e assim ao convívio harmônico dos seres humanos. Porém, convém
salientar que, como o governo é efetuado por homens, existe a possibilidade de
que venham a ocorrer
56 desvios de conduta neste sistema, passando uma ideia equivocada de
ineficácia deste modelo político, ideia esta que será descortinada no decorrer
do trabalho.
Então, transcorrido este percurso
histórico, segue-se para as dimensões do
direito, transpostas no tópico a seguir.
Dimensões do direito: efetividade
e conteúdo
No que reporta aos direitos fundamentais,
Marmelstein (obra citada) defende que eles compreendem valores “que acompanham
a evolução cultural da própria sociedade. Desse modo, é natural que o conteúdo
ético dos direitos fundamentais também se modifique ao longo do tempo”, nesse
sentido também se posiciona Bobbio (2004). Por conseguinte, no que se refere às
dimensões dos direitos, Karel Vasak desenvolveu uma teoria que culminou na
aceitação internacional, inclusive no Brasil, sendo proferida por decisões do
STF, como forma de fundamentar seus raciocínios. Tal teoria foi elaborada em
homenagem à Revolução Francesa, na qual cada princípio fundamenta uma cor da
bandeira da França, sendo denominada teoria
das gerações de direito. Neste sentido, Marmelstein (devidamente citado),
salienta:
a)
A primeira geração dos direitos
seria a dos direitos civis e políticos, fundamentados na liberdade (liberté), que tiveram origem com as
revoluções burguesas;
b)
A segunda geração, por sua vez,
seria a dos direitos econômicos, sociais e culturais, baseados na igualdade
(égalité), impulsionada pela Revolução Industrial e pelos problemas sociais por
elas causados;
c)
Por fim, a última geração seria
a dos direitos de solidariedade, em especial, o direito ao desenvolvimento, a
paz e ao meio ambiente, coroando a tríade com a fraternidade (fraternité), que ganhou força após a
Segunda Guerra Mundial, especialmente, após a Declaração Universal de Direitos
Humanos, de 1948.
Neste escopo, Cunha Junior (apud
MARMELSTEIN 2013) orienta que “as gerações dos direitos revelam a ordem
cronológica do reconhecimento e afirmação dos direitos fundamentais, que se
proclamam gradualmente na proporção das carências dos seres humanos, nascidas
em função de mudanças nas condições sociais”. Desta forma, a priori, destaca-se breve comentário acerca da terminologia
utilizada, para, então, fazer especificação acerca de cada geração. Ao que
deslinda Marmelstein (obra citada), in
verbis:
A expressão geração de direitos tem sofrido várias
críticas por meio da doutrina nacional e estrangeira, pois o uso do termo geração pode dar a falsa impressão de
substituição gradativa de uma geração por outra, o que é um erro, já que, por
exemplo, os direitos da liberdade não desaparecem ou não deveriam desaparecer quando
surgem os direitos sociais e assim por diante. Na verdade, todo o Estado
Democrático de Direito 57 é alicerçado
nos direitos de primeira geração, de modo que seria inconcebível que eles
cedessem lugar aos de segunda geração. O processo é de acumulação e não de
sujeição. (Grifos do original).
Assim, Perez-Luño (apud
MARMELSTEIN, 2013) acrescenta:
Vale
advertir que as gerações de direitos humanos não representam um processo
meramente cronológico e linear. No curso de sua trajetória, produzem-se
constantes avanços, retrocessos e contradições. De outro lado, as gerações de
direitos humanos não implicam na substituição global de um catálogo de direitos
por outro, já que em algumas ocasiões surgem novos direitos como resposta a
novas necessidades históricas; outras vezes, exigem o redimensionamento ou
redefinição de direitos anteriores para adaptá-los aos novos contextos em que
devem ser aplicados.
Por consequência, em decorrência desta
discrepância terminológica, Guerra Filho (1999), Sarlet (2009), Bonavides
(2004), entre outros doutrinadores, aderiram ao termo dimensões em lugar de gerações.
Ademais, incorre em erro, também, aquele que procurar classificar determinados
direitos, como se eles fizessem parte de apenas uma dimensão, posto que o
correto seria analisá-los, sob todas as perspectivas, devido ao fato de que
eles se complementam de forma indivisível e interdependente.
Nas palavras de Marmelstein (obra
citada), “não há qualquer hierarquia entre essas dimensões. Na verdade, elas
fazem parte de uma mesma realidade dinâmica. Essa é a única forma de salvar a
teoria das dimensões dos direitos fundamentais”. Em conformidade, assevera
Sarlet (obra citada), para o qual:
Com efeito,
não há como negar que o reconhecimento
progressivo de novos direitos fundamentais tem o caráter de um processo
cumulativo, de complementaridade, e não de alternância, de tal sorte que o
uso da expressão “gerações” pode ensejar a falsa impressão da substituição
gradativa de uma geração por outra, razão pela qual há quem prefira o termo
“dimensões” dos direitos fundamentais. (Grifos do original).
Em extensão, Marmelstein (obra citada)
salienta a importância de se considerar esses direitos como valores
“indivisíveis e interdependentes”, de maneira que “de nada adianta a liberdade,
sem que sejam concedidas as condições materiais e espirituais mínimas para a
fruição desse direito”. Desta forma, os respectivos autores não verificam
possibilidades em se “falar em liberdade, sem um mínimo de igualdade, nem de
igualdade sem as liberdades básicas”. A busca pela efetivação desses direitos
deve ser abarcada em conjunto, dado que um possui tanta importância quanto o
outro, a ponto de complementarem-se. Nessa direção, considera Bonavides (obra
citada):
58 Se
hoje esses direitos parecem já pacificados na codificação política, em verdade
se moveram em cada país constitucional num processo dinâmico e ascendente,
entrecortado não raro de eventuais recuos, conforme a natureza do respectivo
modelo de sociedade, mas permitindo visualizar a cada passo uma trajetória, que
parte com frequência de mero reconhecimento formal, para concretizações
parciais e progressivas, até ganhar a máxima amplitude nos quadros consensuais
de efetivação democrática de poder.
Findo este aspecto, segue-se para as
dimensões, de forma individualizada, como maneira de apresentar um entendimento
mais abrangente acerca da matéria.
Teoria da primeira, segunda e
terceira dimensões de direito
Influenciados pela forte opressão estatal
vivenciada pela sociedade, os direitos protegidos nas declarações pioneiras
seguiam o pensamento iluminista.
Portanto, neste momento histórico, foi
reconhecido o direito da liberdade, bem como os direitos políticos, objetivando
materializar a democracia, pela participação do povo na iniciativa de decisões
políticas, por intermédio do voto, do direito a filiação partidária, entre
outros. Com efeito, Bobbio (2004) define tais direitos como direitos
individuais, de natureza civil e política, cujo objetivo consiste na proteção
da sociedade de opressões estatais, por via da tutela das liberdades públicas.
Nesse enfoque, Canotilho (apud
MARMELSTEIN, 2013) denota na área jurídica objetiva que os direitos civis e
políticos (direitos de liberdade) teriam competência negativa aos poderes
públicos, uma vez que proíbem a intervenção do Estado, no âmbito jurídico
individual, em respeito à dignidade da pessoa humana. Esses direitos se
estendem a todos os seres humanos, indistintamente, pelo simples fato de serem
inerentes a pessoa humana, sem que, para fazer parte dessa tutela, a pessoa
precise de caráter especial, e são reconhecidos como direitos da primeira geração.
Desta feita, o excesso de liberdade da
primeira dimensão resultou em desequilíbrio social, que urgiu por reparação,
por meio da queda do Estado Liberal e do nascimento do Estado-providência, para
os franceses, e do Estado do Bem-Estar Social (Welfere State), para os americanos, modelo no qual o Estado, ainda
inserido no paradigma capitalista, compromete-se a promover igualdade social e
a garantir as condições básicas para uma vida com dignidade. Nascem, então, os
direitos de segunda dimensão, isto é, os direitos
sociais, culturais e econômicos, ou seja, são os direitos da igualdade entre os homens. Ocorre,
porém, que, como bem sustenta, Marmelstein (obra citada):
Apesar do
espírito humanitário que inspirou as declarações liberais de direito e do
grande salto que foi dado na direção da limitação do poder estatal e da
participação do povo nos negócios públicos, o certo é que essas declarações não
protegiam a todos. Muitos setores da sociedade, 59 sobretudo
os mais carentes, ainda não estavam totalmente satisfeitos apenas com essa
liberdade de “faz de conta”. Eles queriam mais. A igualdade meramente formal,
da boca para fora, que não saía do papel, era o mesmo que nada. Por isso, eles
pretendiam e reivindicaram também um pouco mais de igualdade e inclusão social.
Esse momento histórico contou com o
apoio, inclusive, da Igreja Católica, que até então se mantinha neutra, por
meio da encíclica Rerum novarum, do
Papa Leão XIII, em 15 de maio de 1891, documento este que criticava as
condições sociais dos trabalhadores e pedia o reconhecimento dos direitos
trabalhistas.
Nesse instante, guiado pelas condições
de fragilidade do trabalhador e pelo clamor social, o legislador criou direitos
mínimos à classe, com estabelecimento delimites na atuação do empregador, tais
como o direito a um salário mínimo, o direito de greve, entre outros.
Em concordância, Fabre
(2003), destaca:
(...) ao
longo da evolução do espírito democrático, os Estados modernos compreenderam
que o valor dos direitos do homem decorre antes de sua eficácia, que de sua
idealidade e que o importante é transformar seu dever-ser num dever-fazer
aplicado e obedecido. Mas o preço a pagar por essa transformação é pesado: o Estado-Providência
transforma-se, numa sociedade que prevê seguridade e é regido pelo “direito da
necessidade” (...).
Destarte, Sarmento (2006) instrui em
favor do reconhecimento de condições básicas dos indivíduos, pois que, sem esta
prerrogativa, a liberdade se torna fórmula vazia, visto que a liberdade apenas
se efetiva, por meio da autonomia de agir e de viver de acordo com suas
expectativas.
Para tanto, os direitos culturais, sociais e econômicos se
tornam essenciais por parte do Estado, como garantia de uma vida digna. Esses
direitos foram efetivados primeiramente, pela Constituição do México em 1917 e
pela Constituição de Weimar de 1919, “fornecendo bases jurídicas para o
reconhecimento da igualdade econômica e social como diretriz imposta constitucionalmente”,
nas palavras de Marmelstein (obra citada).
Semelhante a isso, em continuação a
explanação do referido autor, movido pela crise da quebra da Bolsa de Valores
de New York, de 1929, o Presidente Franklin Delano Roosevelt desenvolveu o
programa político denominado New Deal,
cujas diretrizes reivindicavam maior intervenção estatal na economia e no
investimento público em políticas sociais, tais medidas englobavam a
legalização de diversos direitos sociais mínimos, como o seguro-desemprego, os
pisos salariais, etc.
Ocorre que, devido ao fato de a
Constituição Americana ser eminentemente liberal, excluindo os direitos sociais
de seu rol de prerrogativas, a não ser na cláusula de garantia do direito de
igualdade, as assertivas acerca dos direitos sociais mínimos, neste país, foram
implementadas em nível notavelmente menos
60 intenso que nos demais estados ocidentais.
De outra forma, no Brasil, por meio da
Constituição de 1934, ocorria o primeiro passo na direção da formação do Estado
do bem-estar social, sendo seguida de maneira mais abrangente, pela
Constituição de 1946, abordando diversos direitos sociais, do mesmo modo que os
direitos relacionados à proteção dos trabalhadores. No que tange ao assunto,
enfatiza Marmelstein (obra citada):
Os direitos
de primeira geração tinham como finalidade, sobretudo, possibilitar a limitação
do poder estatal e permitir a participação do povo nos negócios públicos. Já os
direitos de segunda geração (...). Impõem diretrizes, deveres e tarefas a serem
realizadas pelo Estado, no intuito de possibilitar aos seres humanos melhores
qualidade de vida e um nível razoável de dignidade como pressuposto do próprio
exercício de liberdade. Nessa acepção, os direitos fundamentais de segunda
geração funcionam como uma alavanca ou uma catapulta capaz de proporcionar o
desenvolvimento do ser humano, fornecendo-lhe as condições básicas de gozar, de
forma efetiva, a tão necessária liberdade.
Em conformidade, Bonavides (obra citada)
dispõe que os direitos de segunda dimensão tiveram “eficácia duvidosa, em
virtude de sua própria natureza de direitos, que exigem do Estado determinadas
prestações materiais, nem sempre resgatáveis por exiguidade, carência ou
limitação essencial de meios e recursos”.
Desta forma, no fim da
Segunda Guerra Mundial, originou-se um movimento mundial em favor da valoração
de direitos inerentes à dignidade da pessoa humana, no sentido de que seriam
valores universais.
Como resultados, surgem diversos
tratados internacionais proclamando a efetivação desses valores, em busca de um
padrão ético global. É nesse momento que surgem os direitos da terceira geração, “fruto do sentimento de solidariedade
mundial, que brotou como reação aos abusos praticados durante o regime
nazista”, acentua Marmelstein (obra citada). Nessa geração, busca-se a proteção
do gênero humano, e não apenas do indivíduo abstrato. Nesse sentido, assevera
Bonavides (obra citada):
Dotados de
altíssimo teor de humanismo e universalidade, os direitos de terceira geração
tendem a cristalizar-se no fim do século XX, enquanto direitos que não se
destinam especificamente à proteção dos interesses de um indivíduo, de um grupo
ou de um determinado Estado. Tem primeiro por destinatário, o gênero humano,
mesmo, num momento expressivo de sua afirmação, como valor supremo em termos de
existencialidade concreta.
Nesta direção, por meio da Declaração dos
Direitos Humanos de 1948, emergiu nova ordem mundial, por sua vez, comprometida
com os direitos fundamentais, inspirando a aprovação de vários outros tratados
de suma importân- 61 cia, tais
como o Pacto de São José da Costa Rica e o Pacto Internacional de Direitos
Econômicos, sociais e culturais, que abordam inúmeras diretrizes a serem
observadas pelos Estados que o firmaram, entre os quais o Brasil.
Da mesma forma, foram formados
Tribunais Internacionais de Direitos Humanos, com o intuito de garantir a
observância dos tratados internacionais, reforçando a ideia de que o
desrespeito aos direitos fundamentais fere a humanidade de forma universal, de
acordo com Marmelstein (obra citada).
Por consequência, a Constituição
brasileira de 1988emergiu em sintonia com tal geração, posto que elencasse
quase todos os direitos fundamentais da terceira geração em seu texto. Porém, o
doutrinador Sarlet (obra citada), preleciona uma crítica a esta geração, in verbis:
Com efeito,
cuida-se, no mais das vezes, da reivindicação de novas liberdades fundamentais,
cujo reconhecimento se impõe em face dos impactos da sociedade industrial e
técnica deste final de século. Na sua essência e pela sua estrutura jurídica de
direitos de cunho excludente e negativo, atuando como direitos de caráter
preponderantemente defensivo poderiam enquadrar-se, na verdade, na categoria
dos direitos de primeira dimensão, evidenciando, assim, a permanente atualidade
dos direitos de liberdade, ainda que com nova roupagem e adaptados às
exigências do homem contemporâneo.
Neste aporte, Bonavides (obra citada)
sustenta que, para a efetivação dos direitos de solidariedade e fraternidade,
requerem-se novas técnicas por parte do Estado, de garantia e proteção de
caráter universal, pois que o princípio da solidariedade se expressa no dever
do Estado, em particular, de considerar em suas decisões o bem comum a todos os
outros Estados e de seus cidadãos, bem como o auxílio recíproco para a
superação de dificuldades que outros Estados venham a sofrer coordenação
sistemática da política econômica.
Neste sentido, se faz necessária a
consideração do Planeta dividido por nações desenvolvidas e subdesenvolvidas,
de maneira a materializar, em escala maior ou menor, a necessidade de
intervenção das garantias fundamentais em cada área. Assim, como resultado da
evolução dos direitos fundamentais, a busca pela efetivação da dignidade humana
se fez constante na história; para tanto, o sistema normativo deve se adaptar
às constantes mudanças sociais e culturais da sociedade, sendo, nesse caso,
natural que outros valores se agreguem aos valores já existentes, assim como
estes sejam constantemente atualizados, com vistas a refletirem a mentalidade e
as necessidades atuais da sociedade.
Por conseguinte, salienta
Marmelstein (obra aludida):
(...) daí
falar-se em novas gerações além daquelas três imaginadas por Karel Vasak. Já se
fala em direitos da quarta, quinta, sexta e até sétima gerações, que vão surgindo
com a globalização, com os avanços tecno62 lógicos
(cibernética), e com a descoberta da genética (bioética).
Ocorre, porém, que, como a temática
principal do respectivo trabalho, restringe-se à teoria da quarta geração, isto
é, no direito ao pluralismo político,
ela será explicada em tópico próprio, de forma a efetuar um destaque maior e
específico à Democracia; nesse sentido, o texto passará a explanar amplamente a
teoria da quinta geração de direitos.
Assim, como direito da quinta geração, em concordância com
alguns doutrinadores, tal como Bonavides (obra citada), tem-se o direito à paz, retirado pelo respectivo autor dos
direitos da terceira geração, devido a sua importância, colocando-o em um
patamar de destaque, para que os seres humanos se conscientizem da necessidade
e abrangência de seu tema, ou seja, “a dignidade jurídica da paz deriva do
reconhecimento universal que se lhe deve enquanto pressuposto qualitativo da
convivência humana, elemento de conservação da espécie, reino de segurança dos
direitos”.
Isso posto, passa-se para o direito à
forma democrática de governo, abordada pela teoria da quarta geração, a qual é
o modelo universal e ideal para a sociedade.
Teoria da quarta dimensão:
Estado democrático de direito
Os direitos fundamentais têm gerado
polêmica entre as doutrinas, em vistas de conduzirem em seu âmago o direito ao pluralismo. Nesse sentido, Sarlet (obra
citada) assevera que “na sua essência, todas as demandas na esfera dos direitos
fundamentais gravitam, direta ou indiretamente, em torno dos tradicionais e
perenes valores da vida, liberdade, igualdade e fraternidade (solidariedade),
tendo, na sua base, o princípio maior da dignidade da pessoa”.
Em conformidade, Bonavides (obra
aludida) considera a globalização política, que resultou na universalidade dos
direitos fundamentais, como o fator originário da quarta dimensão. Em sua
concepção, três são os direitos abrangidos por tal teoria: o direito à
democracia, direito ao pluralismo e o direito à informação.
Da mesma forma, ao considerar-se a
titularidade de cada direito, é possível afirmar que os direitos de primeira
geração competem ao indivíduo; os da segunda reportam-se à sociedade como um
todo; os da terceira dimensão referem-se à comunidade; e os da quarta geração
pertencem ao gênero humano, porque dependem da internacionalização desse
direito, bem como da soma de esforços internacionais em garantia da efetivação
deles. Tais direitos encontram-se promulgados na Constituição brasileira, sob
os Títulos I e II.
A partir da análise efetuada, se torna
perceptível a interdependência das gerações de direitos, de maneira, como
explicitado anteriormente, que uma complementa a outra, sob pena de, na
ausência de alguma delas, ser instaurado regime autoritário; assim, conceitua
Bonavides (obra apontada):
63
(...) a Humanidade parece caminhar a todo vapor
após ter dado o seu primeiro e largo passo. Os direitos de quarta geração não
somente culmina a objetividade dos direitos das duas gerações antecedentes,
como absorvem – sem, todavia, removê-la – a subjetividade dos direitos
individuais, a saber, os direitos de primeira geração. Tais direitos
sobrevivem, e não apenas sobrevivem, senão ficam opulentados em sua dimensão
principal, objetiva e axiológica, podendo, doravante, irradiar-se com a mais
súbita eficácia normativa a todos os direitos da sociedade e do ordenamento
jurídico (...). (Grifos do original).
Em continuação:
São direitos
de quarta geração o direito à democracia, o direito à informação e o direito ao
pluralismo. Deles depende a concretização da sociedade aberta do futuro, em sua
dimensão de máxima universalidade, para a qual parece o mundo inclinar-se no
plano de todas as relações de convivência. A democracia positivada, enquanto
direito de quarta geração, há de ser, de necessidade, uma democracia direta.
Materialmente possível graças aos avanços da tecnologia de comunicação, e
legitimamente sustentável graças à informação correta e às aberturas
pluralistas do sistema. Desse modo, há de ser também uma democracia isenta já
das contaminações da mídia manipuladora, já do hermetismo
da exclusão,
de índole autocrática e unitarista, familiar aos monopólios do poder. Tudo
isso, obviamente, se a informação e o pluralismo vingarem por igual, como
direitos paralelos e coadjutores da democracia; esta, porém, enquanto direito
do gênero humano, projetado e concretizado no último grau de sua evolução
conceitual (...).
Desse modo, a democracia seria mais que
uma adequação teórica, um meio ideal para resgatar e efetivar o poder da
população, tornando possível a aproximação entre o titular do poder e o poder,
de forma que as garantias fundamentais tivessem possibilidades de emergirem e
atuarem de forma eficaz; conforme Bonavides (obra aludida), o homem
constituiria “a presença moral da cidadania... Enfim, os direitos de quarta
dimensão compreendiam o futuro da cidadania e o porvir da liberdade de todos os
povos. Tão somente com eles será possível a globalização política”.
Então, necessária se faz a junção de um
Estado Social de direito a um Estado Democrático de Direito, em razão de que
esta junção, entre modelos anteriormente vivenciados (Socialismo, com sua
igualdade, e Liberalismo, com a sua liberdade), formaria um estado perfeito,
com base na democracia e na cidadania, tornando-se essencial na efetividade das
garantias já encontradas, as quais se tornariam objetivas, concretas,
positivadas na Constituição, isto é, pragmáticas na esfera política do Estado
Democrático de Direito. Como bem observa Ihering
64
(2001), in
verbis:
O direito
concreto não só recebe vida e energia do direito abstrato, mas também, a ele as
devolve. A essência do direito consiste na sua realização prática. Uma norma
jurídica que nunca tenha alcançado essa realização, ou que a tenha perdido, já
não faz jus a esse nome.
Desta forma, apesar de o conceito de
democracia ser impreciso, visto que emerge de uma concepção social, positivada
na Constituição, cada vez mais se reflete culminando no sistema político ideal,
posto que permita o pluralismo de ideias, oportunizando abraçar crescentes
demandas sociais, bem como favorecer a criação de espaço de participação e de
decisões coletivas, com âmbito aberto para reivindicações, em razão de seu
caráter dinâmico e dialético.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por meio do exposto, pode-se concluir que
a Democracia realmente é o sistema político ideal para a sociedade, por ser a
única que foi eleita pelo povo, e possui a finalidade de garantir o bem comum e
uma vida digna a todos os seres humanos de forma indistinta. Além disso,
permite a ampla participação da popular, por meio de suas garantias e
prerrogativas, que a própria Lei Constitucional traz em seu texto.
Ocorre que, por ser materializada por
seres humanos, existe a possibilidade de que não a operem conforme os ditames
deste sistema, incorrendo em abusos, tal como a corrupção; porém, as
participações populares, por meio de garantias, previamente expressas pelo
constituinte originário, permitem a reprimenda destes representantes e sua
possível retirada do parlamento.
Em virtude de seus direitos, como o sufrágio
universal, a população elege seus representantes. Portanto, cabe à sociedade
escolher de forma inequívoca seus governantes, se conscientizando do poder que
possuem e das consequências que seus votos resultarão em toda a população do
país; ainda cabe a ela exigir do Legislativo a positivação de direitos que
venham a ser necessários, como ocorreu, recentemente, com a lei que admitiu o
casamento homossexual, em diversos países, também no Brasil, e a lei do aborto
de bebê anencéfalo, também recepcionada pelo Brasil.
Neste sentido, as globalizações
desenfreadas, com o desenvolvimento da biotecnologia, e inúmeras outras
questões geram necessidades no transcorrer do tempo; a própria população possui
legalidade de exigir do sistema político posição e positivação de suas
necessidades, uma vez que a democracia é o modelo que mais permite a
participação do cidadão em suas garantias, também por isso é a ordem que mais
possui garantias e deveres constitucionais em prol da dignidade da pessoa
humana e do direito à vida com um mínimo existencial.
Ela se enquadra em um modelo correto e
direcionado de forma direta e 65 imediata à
população, que tem o dever de agir conforme o sistema e escolher de forma
consciente seus representantes, inclusive reagindo frente às transgressões
deles e exigindo a efetivação de suas necessidades, por via da positivação e,
automaticamente, da efetivação de seus direitos humanos fundamentais.
REFERÊNCIAS
BOBBIO,
Noberto. A era dos direitos. 8. ed.
Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.
BODIN, Jean.
Los seis libros de la república.
Tradução de Gaspar de Añastro Isunza. Madrid: Centro de Estudios
Constitucionales, 1992.
BONAVIDES,
Paulo. Curso de direito constitucional. 14.
ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2004.
COMPARATO,
Fábio Konder. A afirmação histórica dos
direitos fundamentais. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
GUERRA
FILHO, Willis Santiago. Introdução ao
direito processual constitucional. Porto Alegre: Síntese, 1999.
GOYARD-FABRE,
Simone. O que é democracia? Genealogia
filosófica de uma grande aventura humana. Tradução de Claudia Berliner. São
Paulo: Martins Fontes, 2003.
HOBBES,
Thomas. O leviatã. Tradução de João
Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
IHERING,
Rudolf von. A luta pelo direito. Tradução
de Pietro Nassetti. São Paulo: Martin Claret, 2001.
LOCKE, John.
Segundo tratado sobre o governo. São
Paulo: Martin Claret, 2003.
MAQUIAVEL,
Nicolau. O príncipe: obra completa
com os comentários de Napoleão Bonaparte e Rainha Cristina da Suécia. São Paulo:
Jardim dos Livros, 2007.
MARMELSTEIN,
George. Curso de direitos fundamentais. 4.
ed. São Paulo: Atlas, 2013.
ORAES,
Alexandre de. Direitos humanos
fundamentais. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2013.
SARMENTO,
Daniel. Livres e iguais: estudos de
direito constitucional. São Paulo: Lumen Juris, 2006.
SASRLET,
Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos
fundamentais. Uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva
constitucional. 10. ed. rev., atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2009.
Data
de recebimento: 21/12/2013
Data
da aprovação: 23/05/2014
66
[1] Graduanda em Direito pela Unoesc/Chapecó; Autora do blog Direito em
Estudo; Pesquisadora da área de Direitos Fundamentais, Políticas Públicas, área
Militar e Ambiental. Correspondência para/Correspondence
to: Rua Pedro Balerini, n. 981-E, Vila Páscoa, Bairro Efapi, Chapecó/ SC,
89809-882. E-mail: linny.mendes@hotmail.com e
aline.mendes.de.medeiros@gmail.com.