quinta-feira, 26 de março de 2015

RELATÓRIO DE LEITURA: Controle da Criminalidade e segurança pública na nova ordem constitucional

RELATÓRIO DE LEITURA

IDENTIFICAÇÃO

 

Autor do relatório



Aline Oliveira Mendes de Medeiros Franceschina


Data/Programa
31.08.2014

Palavras-chave

Controle da criminalidade; segurança pública; polícia militar; ordem constitucional.
OBRA RELATADA

SILVA, Jorge da. Controle da Criminalidade e segurança pública na nova ordem constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 2003. Pags. 01-230.

RESUMO DA OBRA
O livro retrata acerca da necessidade de um controle na criminalidade, cuja mesma se vê aumentada a cada instante, bem como, foca na polícia militar como agente efetivador deste controle, estabelecendo necessidades de mudanças no método de agir como forma de obtenção deste controle.
DESTAQUES DA OBRA

“Nas grandes cidades, em que o número de crimes registrados pela polícia é ridiculamente menor do que os realmente ocorridos, e em que apenas os criminosos ‘pé de chinelo’ são hóspedes das prisões, tentar explicar a criminalidade e propor medidas para contê-la com base nesses malsucedidos do crime é apenas aprofundar preconceitos.
A grande realidade é que a massificação do estudo dos ‘pós delito’, ou por outra, do criminoso ‘consumado’, centraliza a atenção dos estudiosos nas prisões, nas instituições de recuperação, nos meandros da justiça criminal e nas atividades da polícia judiciária.
Conquanto não se possa descartar a prevenção pela via intimidativa da repressão penal, não se deve sucumbir a tentação de divinizá-la, e acabar confundindo controle da criminalidade com controle penal de uma dúzia de criminosos eventualmente atingidos pelo sistema criminal. O que vai importar muito mais são aqueles criminosos ainda não colhidos pelo sistema (teoricamente mais inteligente e/ ou menos azarados e/ou mais poderosos) e os criminosos em potencial.” (extraído da introdução enumerada como XX).

O critério de selecionar na população, a priori, as pessoas ‘perigosas’ não tem mais, hoje, a utilidade que teve até algumas décadas atrás. Tal dicotomia, como assinala Antonio Luiz Paixão, consolida-se quando da criação da polícia moderna na Europa em meados do século XIX. Institucionaliza-se então o esquema da ação policial no sentido de conter ‘as tendências criminosas e subversivas’. Aliás, pela mesma época, 1831, é criada a Guarda Nacional do Brasil, embora não sejam as mesmas razões eu ditaram sua criação, o dado da divisão da sociedade aí está presente, particularmente na constituição dos seus efetivos, como assinalam Antonio Edmilson M. Rodrigues e outros:
A guarda aparecerá assim como uma instituição que delimitará o espaço possível da cidadania nessa sociedade. De forma complementar, poderá ser visto no momento de sua criação como expressão do compromisso entre o poder local e o estado centralizado.
Hoje, os criminosos se organizam e estabeleceram os seus códigos de ética próprios, suas leis particulares, e se espriaram pela sociedade e contaminaram com o seu poder marginal todos os segmentos e patamares da mesma.
 Estamos vivenciando uma crise econômica sem precedentes. Bens materiais tão acessíveis há alguns anos, só não são uma miragem hoje porque todos vemos, Nos lares, na TV, o oferecimento dos mesmos continua, ainda que inacessíveis – e mesmo impossíveis- para a grande maioria da população.
Hoje, a segurança pública pela força não está surtindo o efetito de outrora. Os criminosos estão perdidos na multidão, incógnitos em redutos densamente habitados, Nos ‘guetos’, protegidos fisicamente pelo seu poder de fogo e mobilidade, e escudados num sistema de complacências locais e de fora. (p. 12/13).

“Diante do caos, as acusações mútuas. A polícia acusa a justiça, o Ministério Público acusa a polícia. A justiça se defende. Os advogados acusam a polícia.  A polícia acusa todo o sistema. Diante do caos as reuniões, os ‘mutirões’ contra a violência, os estudos, os relatórios, as comissões, os conselhos. Diante do caos, a constatação do imenso atraso e da extrema dificuldade – de toda ordem- para equacionar e enfrentar o problema seriamente. Diante da complexidade, a fuga. E mais uma vez a simplificação: o crime é problema da polícia. E lá se vão os estudos e os relatórios. Volta-se à estaca zero e aciona-se a polícia. E lá vai a polícia para o combate...” (p. 15/16).

“A segurança pública como sendo composta por três subsistemas: o policial, o judiciário e o presidiário, fazem uma concessão, certamente inadvertida, à crença, de senso geral, na repressão policial como meio para conter a criminalidade violenta, ao aludirem à necessidade de o Estado deter o ‘monopólio do exercício da violência legítima”. (p. 17/18)

“Acreditamos realmente que a integração polícia/comunidade é providência necessária dentro de um esforço de proporcionar maior segurança aos cidadãos em geral e tornar mais eficaz a contenção da criminalidade e da violência, pois esta integração reduziria os espaços das organizações mafiosas paralelas a que se referem Hélio Jaguaripe e seus companheiros de pesquisa.” (p. 23)

G. A. Hillery examina comunidade, no sentido de que “‘ exceto quanto à concordância pacífica de que as pessoas vivem em comunidade, nenhum consenso existe entre os cientistas sociais quanto à sua natureza.” (p. 23)

“Muito se questiona a truculência e a violência policial. Mas se essa violência não se volta contra as pessoas mais favorecidas acaba sendo aceita e é até incentivada, direta ou subliminarmente. É o que subjaz as expressões tais como: ‘bandido tem que morrer’; ‘pena de morte já’, etc.”
“Se, por um lado, temos que admitir que não podemos falar  em comunidade, e sim em comunidades, no plural, por outro lado vamos perceber as pressões dessas mesmas comunidades para que se desenvolvam diferentes comportamentos policiais,aspectos múltiplos da mesma polícia, acarretando a existência de diferentes ‘polícias’, com atuação ajustada a cada estrato: é o policial da cabina da zona nobre, do qual se exigem a polidez, a gentileza, a lhaneza, o sorriso; é o policial da zona carente, do qual não se cobram ( e nems e esperam) tais qualidades. Pelo contrário, exige-se dele a repressão sistemática, e até a arbitrariedade... E pior: os policiais acabam acreditando na sua autosuficiência, enclausuram-se e não acreditam no esforço de integração. Daí a utilidade de abordar o tema integração de forma mais discriminada: os policiais e as comunidades. (p. 24)

Em suma, se se pretende reduzir a criminalidade a níveis aceitáveis, não há que se pensar apenas em polícia como solução; há que diagnosticar todo o sistema criminal: o subsistema policial, o subsistema prisional, o subsistema judicial, o subsistema do Ministério Público e a legislação, para identificar que peças não estão funcionando e contribuindo para a entropia do sistema, fazendo aumentar a criminalidade. (p. 27)

A polícia não deve continuar sendo encarada como um mal necessário; Pelo contrário, deve ser entendida como um bem essencial à convivência social, e não como um apêndice dispensável. (p. 28)

Parece não restar duvida de que, no momento em que se reconhece a necessidade de que a segurança seja compartilhada por todos, as elites, no interesse de sua própria segurança, devem ampliar a margem de democratização da polícia, promovendo, unilateralmente, um alargamento drástico da faixa de contingentes populacionais considerados não-perigosos, e buscando junto a esses contingentes o aliado indispensável contra o inimigo comum, o verdadeiro criminoso, encontrado indistintamente no seio das maniqueistamente rotuladas ‘classes perigosas’ e ‘não-perigosas’. (p. 28)

Segurança pública passa a significar polícia. (p. 54)

Qualquer programa para a polícia que não parta do geral, ou melhor do sistema  como um todo, estará fadado ao fracasso, pois a tendência sera superdimensionar a capacidade e as possibilidades da polícia. A política para o emprego da polícia – não há outra saída-  que ser deduzida da política estabelecida para todo o sistema, globalmente.  Não que a política para o emprego da polícia tenha de estar atrelada a justiça criminal ou ao Ministério Público.  O que se quer mostrar é que a segurança do cidadão é função também, da atuação de todo o sistema criminal, aí incluída a polícia; e mais: que do ponto de vista da aplicação da punição penal, a polícia, sobretudo a polícia judiciária, é um mero auxiliar da justiça criminal, funcionando como o imput do sistema. (p. 58/59)

O apoio dos Estados não se deve resumir à destinação de viaturas, equipamentos e armas, mas privilegiar as campanhas de esclarecimento, a edição de literatura sobre o assunto, a promoção de simpósios e cursos, e o apoio e incentivo as universidades para que passem a  estudar a criminologia, a segurança pública e polícia com a seriedade acadêmica com que são estudadas outras disciplinas. Caberá a União coordenar uma ampla pesquisa que diagnostique com a maior precisão possível as falhas nos sistemas criminais dos Estados da própria União em face de uma nova política criminal. (p. 70)

Se este ou aquele secretário de Polícia ( ou de Segurança) entende que o trabalho da polícia deve ser medido pelo número de ocorrências atendidas, saem os delegados e os comandantes de Unidades da PM à cata de registro de qualquer tipo de ocorrência (...) instala-se aí a era da produção de ocorrências. Se ao contrário, o secretário de polícia (...) entende que o baixo de números de ocorrências registradas é função de eficiência da polícia, passam as delegacias a deixar de registrar as ocorrências, só registrando aquelas que, a critérios dos policiais, sejam importantes ou de vulto. Quanto aos comandantes de Unidades da PM, (...), incentiva-se a solução informal das situações consideradas ‘sem importância’. Tudo isso a causar a apatia dos policiais, civis e militares, e a incentivar a prevaricação e a corrupção. Conclusão: (...) só a população não é atendida. (p. 82)

(...) as diferenças entre criminalidade legal (a registrada oficialmente), a criminalidade aparente (aquela que embora não aparecendo na estatística oficial, é conhecida) e a criminalidade real (o somatório da criminalidade aparente com a criminalidade desconhecida, a chamada ‘cifra obscura”, ou ‘cifra negra’ da delinqüência). (P. 82/83)

(...) a ação governamental, em nível estadual, não pode ficar adstrita a medidas policiais. Não se trata de programa mirabolante ou utópico. São medidas práticas, (...), e factíveis. Só não são visíveis e de efeito imediato. Há que ter paciência e até mesmo conviver coma impertinência dos que cobram do governo e da polícia soluções rápidas e radicais, as chamadas soluções de curtíssimo prazo, como se elas existissem. (p. 90)

Pretendendo-se uma sociedade democrática, o Brasil não consegue sair do Discurso, pois a principal evidência é a garantia dos direitos civis, e a principal evidência dessa garantia é o respeito da polícia aos direitos individuais, o que implica,  por parte dos policiais, menos uso da força (polícia ostensiva) e mais uso da inteligência (investigação criminal). (p. 102)

(...) na atuação da polícia civil haverá um resíduo de ostensividade para situações específicas, certas e determinadas, e na atuação da Polícia Militar haverá um resíduo, também necessário, de investigação criminal para o conhecimento da baixa e da alta criminalidade organizada. P. 108

Fruto dessa luta por hegemonia entre as duas polícias, cristalizou-se a ideia (...) de que polícia judiciária é sinônimo de investigação criminal. Com base neste argumento supérfluo, insiste-se na exclusividade das tarefas de investigação criminal pelo órgão que tiver a responsabilidade pela polícia judiciária. Não se discute que o instrumento primacial da polícia judiciária é a investigação criminal. A investigação criminal é, entretanto, um instrumento. Trata-se de uma técnica, de uma arte, que reúne conhecimentos multidisciplinares. É uma técnica-arte que está a disposição dos que buscam conhecer o criminoso, o fato delituoso, a sua materialidade, circunstancias, e o modus operandi dos delinquentes, interessado diretamente, pois, a policiais, advogados, promotores, juízes, dirigentes de presídios, etc. No interesse da apuração dos crimes, qualquer do povo pode contribuir com o sistema desde que não interfira na privacidade do cidadão, o que, e ainda assim em situações previstas na lei, só é permitido as autoridades judiciárias e as autoridades policiais judiciárias. A técnica arte de investigação criminal, não pode ser considerada monopólio ou reserva do mercado deste ou daquele órgão. Não fosse assim seria inadmissível o trabalho dos investigadores particulares e dos repórteres policiais. P. 108.

Se o Poder Público não procurar coordenar os esforços comunitários por mais segurança, terá que conviver com as ‘polícias mineiras’, os grupos de extermínio e com a volta da Lei de Talião. Se o Poder Público não se antecipar a esse esforço comunitário, terá que amargar a sua impotência diante de sociedades paralelas, com ‘ordenamento jurídico’ próprio e com sistemas de valores diferentes dos da sociedade organizada como é o caso da ‘lei’ de algumas favelas e comunidades carentes. (p. 118)

Cumpre ao Poder Público promover estudos e elaborar programas com as articulações entre os diversos setores organizados interessados na questão. Cumpre ao Poder Público aglutinar as forças comunitárias  e estabelecer, objetivamente, o que as comunidades podem fazer para se autoproteger contra a criminalidade e violência, através do estabelecimento de ‘Programas Comunitários de Prevenção do Crime’, com incentivo ao lazer, à educação e a atividades úteis, e ‘Programas de Autodefesa Comunitária’, em que a solidariedade e a cooperação com as pessoas sejam fomentadas e substituam o individualismo e a indiferença, e em que as atitudes sejam substituídas por atitudes de indignação e de repúdio, e em que o medo coletivo exacerbado seja substituído pela coragem moral. (p.118)

A polícia de hoje, destarte,  deve ter um papel diferente do de somente fazer cumprir a lei e manter a ordem na base da força. Ela deve ser encarada como um serviço público essencial, à disposição da população. Esta concepção é diametralmente oposta á concepção tradicional, pois que muda o destinatário da ação da polícia, fazendo prevalecer o conceito de proteção sobre o de repressão. Agora o destinatário dos serviços policiais vai ser a população como um todo, que vai contar com esses serviços para orientá-la, ajudá-la e protegê-la contra os criminosos certos e determinados. Na visão tradicional, em que o destinatário dos serviços policiais são, além dos criminosos de fato, os ‘criminosos indeterminados’, a ação repressiva acaba sendo exercitada indistintamente contra criminosos e contra não-criminosos, estes últimos, na maioria das vezes, cidadãos pacatos rotulados de ‘criminosos potenciais’ pela polícia com base nos estereótipos. (p.139)

Conforme O.W. Wilson: “Quando o criminoso ou o delinqüente vê um policial sem uniforme, como um homem comum, sem signos exteriores de autoridade, pode ver-se tentado a empregar sua astúcia e força contra o policial. O uniforme da polícia representa a majestade da lei e a autoridade do governo” (p. 162)


Reconhecemos  que é justificável a ânsia que o cidadão tem de sentir a proteção do Poder Público de maneira direta, concreta, visível e palpável, o que, admitimos, só parece ser possível com a presença ostensiva da polícia. Daí cristalizar-se o entendimento a priori de que os índices de criminalidade sós serão reduzidos com o aumento do policiamento ostensivo. É no item policiamento que a atenção de todos tem sido concentrada. (p. 171)
QUESTÃO FUNDAMENTAL


De que forma se poderia coibir o cometimento de crimes de receptação praticados?
De que forma se pode propiciar o conhecimento das causa e dos elementos condicionadores dos acidentes de trânsito para adoção de medidas que evitem mais acidentes fatais?
De que forma pode se interferir na rede de comunicação e de informação do crime organizado?
A estas indagações a resposta leiga tem sido:  mais policiamento. E lá vão os carros coloridos, as sirenes, as fardas, os uniformes a circular as cegas pelas ruas... (p. 164)
Controlar a criminalidade não é sinônimo de guerrear com criminosos incertos. Não comungamos da opinião de que todos os policiais devam ser dotados de armas automáticas e pesadas porque grupos marginais possuem escopetas; de que uma quadrilha numerosa só se deva enfrentar com um número ainda maior de policiais. O trabalho ao invés há de ser meticuloso, paciente e inteligente, e a inteligência policial é a própria investigação criminal, é a policia cientifica. Combater criminosos inteligentes com força bruta é desacreditar na força do cérebro. (p.165)